Aponte a importância do extrativismo para a economia das comunidades tradicionais brasileiras

Economic cycles of extractivism in the Amazon from the perspective of traveling naturalists

    Resumo

    Este artigo discute alguns ciclos econômicos do extrativismo na Amazônia, a partir das observações de naturalistas viajantes ao longo dos séculos. Embora estivessem engajados na coleta de material da flora e da fauna da região, os naturalistas fizeram importantes observações sobre as transformações socioeconômicas que ocorreram na região movidas por tais atividades extrativistas. As atividades extrativistas discutidas aqui são as drogas do sertão, dando maior atenção à coleta do cacau, à exploração de tartarugas e à extração de látex para a produção de borracha. A análise é baseada em relatos específicos dos naturalistas sobre a exploração de recursos naturais que caracterizaram períodos de expansão e de declínio da economia extrativista na região. Esse recorte proporcionou agrupar os relatos que tratam de temas comuns, criando uma percepção temporal dos principais recursos explorados segundo a visão dos viajantes naturalistas. De forma geral, seus relatos raramente são mencionados por autores que discutem a economia extrativista da Amazônia atualmente.

    Palavras-chave
    Amazônia; Viajantes naturalistas; Ciclos econômicos do extrativismo

    Abstract

    This essay discusses some of the extractivist economic cycles in the Amazon through observations made by traveling naturalists over the centuries. Although these naturalists were primarily engaged in the study of flora and fauna, they made important observations about the socioeconomic transformations occurring in the region, which were driven by extractivist activities. Here we discuss the extraction of the so-called drugs of the Backlands, notably the harvesting of cocoa, turtle hunting, and extracting latex for rubber production. The analysis is based on specific accounts by naturalists on the exploitation of natural resources that characterized periods of expansion and decline in the extractive economy of the region. This delineation permitted accounts dealing with common themes to be grouped together, creating a temporal perception of the main resources which were explored in the view of the traveling naturalists. Broadly speaking, their reports are rarely mentioned by scholars who discuss the extractive economy of the Amazon today.

    Keywords
    The Amazon; Traveling naturalists; Economic cycles of extractivism

    INTRODUÇÃO

    A Amazônia é uma região de superlativos, seja pela grande diversidade biológica ou pelas características socioculturais que possui. Colonizada durante o período mais intenso de interesse europeu pelo exótico, seja do Oriente, da África ou das Américas, especialmente nos séculos XVII e XVIII, proporcionou à literatura europeia valiosas obras escritas por missionários, autoridades de Estado e naturalistas. Assim como a maioria das regiões tropicais do planeta, a história econômica da Amazônia brasileira ao longo de vários séculos tem sido moldada por ciclos de prosperidade e de recessão econômica, sempre vinculada à exploração de algum recurso natural. Integrada à economia mundial há séculos, essa região experimentou um modelo de economia de exportação essencialmente extrativista logo após a colonização portuguesa, no século XVI, variando entre produtos extraídos, intensidade, ciclos de exploração e importância econômica (Bunker, 1984BUNKER, Stephen G. Modes of extraction, unequal Exchange, and the progressive underdevelopment of an extreme periphery: The Brazilian Amazon, 1600-1980. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 89, n. 5, p. 1017-1064, Mar. 1984. DOI: https://doi.org/10.1086/227983.
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    ).

    Costa (2012, p. 21) conceitua ciclos econômicos a partir da

    [...] noção de que a economia em geral se estrutura com base na produção de um produto fundamental, ou de um conjunto de produtos entre si relacionados, e na relação respectiva com o mercado [internacional] [...], experimenta uma fase de expansão e, depois, ou é relegado a um plano secundário, ou desaparece completamente [...]

    Este conceito caracteriza substancialmente os períodos de exploração extrativista ao longo da história econômica da região, e uma de suas características é que foram marcados por momentos de intensa exploração e por subsequente declínio das atividades associadas ao recurso natural a que estavam atreladas, por uma variedade de razões, entre limitações de mão de obra, esgotamento dos recursos explorados, logística de infraestrutura e distância dos mercados, além de substituição por plantações em outras regiões (Bunker, 1984BUNKER, Stephen G. Modes of extraction, unequal Exchange, and the progressive underdevelopment of an extreme periphery: The Brazilian Amazon, 1600-1980. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 89, n. 5, p. 1017-1064, Mar. 1984. DOI: https://doi.org/10.1086/227983.
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    ; Dean, 1989DEAN, Warren. A luta pela borracha no Brasil. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Nobel, 1989.; Homma, 1993HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Extrativismo vegetal na Amazônia: limites e oportunidades. Brasília-DF: Embrapa, 1993.).

    No período colonial, a região começou a abastecer o mercado europeu com especiarias e óleos de origem animal, sendo caracterizado como o ciclo das drogas do sertão, ocorrido na primeira metade do século XVII, o qual perdurou até o início do século XVIII. Aproximadamente no mesmo período, o ciclo do extrativismo e do plantio semidomesticado do cacau nativo (Theobroma cacao L.) foi a primeira atividade de grande importância econômica na região, tendo se mantido de forma significativa até a época da Independência do Brasil, quando foi suplantado pelos plantios da Bahia (Alden, 1974ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região amazônica no fim do período colonial: um ensaio de história econômica comparada. Belém: NAEA/UFPA, 1974.; Homma, 2014HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opção para a Amazônia? In: HOMMA, Alfredo Kingo Oyama (Ed.). Extrativismo vegetal na Amazônia: história, ecologia, economia e domesticação. Brasília: Embrapa, 2014. p. 17-43.). Até 1910, a Amazônia forneceu a maior parte da borracha para automóveis e outras máquinas, o que transformou as indústrias americana e europeia (Bunker, 1984BUNKER, Stephen G. Modes of extraction, unequal Exchange, and the progressive underdevelopment of an extreme periphery: The Brazilian Amazon, 1600-1980. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 89, n. 5, p. 1017-1064, Mar. 1984. DOI: https://doi.org/10.1086/227983.
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    ), configurando o mais emblemático período de economia extrativista, o ciclo da borracha (Weinstein, 1983WEINSTEIN, Barbara. The Amazon Rubber Boom, 1850–1920. Stanford: Stanford University Press, 1983.), que entrou em colapso com a introdução da seringueira (Hevea brasiliensis M. Arg.) no sudeste asiático (Dean, 1989DEAN, Warren. A luta pela borracha no Brasil. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Nobel, 1989.).

    O extrativismo ou uma economia extrativa é, no sentido mais básico, uma maneira de produzir bens na qual os recursos são retirados diretamente da sua área de ocorrência natural, sendo a coleta de produtos vegetais, a caça e a pesca os três exemplos clássicos de atividades extrativistas (Drummond, 1996DRUMMOND, José Augusto. A extração sustentável de produtos florestais na Amazônia brasileira: vantagens, obstáculos e perspectivas. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 6, p. 115-137, jul. 1996.). Segundo Homma (2014, p. 18)HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opção para a Amazônia? In: HOMMA, Alfredo Kingo Oyama (Ed.). Extrativismo vegetal na Amazônia: história, ecologia, economia e domesticação. Brasília: Embrapa, 2014. p. 17-43., as atividades extrativas com baixa tecnologia, como no caso da Amazônia, “[...] se iniciam, passam por uma fase de expansão, de estagnação e depois declinam, no sentido do tempo e da área espacial”. Para este autor, o extrativismo enquanto ciclo econômico constitui-se de três momentos. No início, observa-se crescimento da extração, provocado pelo aumento de demanda; isto provoca um segundo momento, caracterizado pelo limite da capacidade de oferta, devido aos estoques disponíveis e ao aumento de custos para exploração de áreas mais distantes. Por último, inicia-se o declínio na produção devido ao esgotamento das áreas de extração, não sendo possível atender à demanda de mercado, o que influencia esforços para investimentos de capital e de tecnologia para domesticação e plantio dos produtos com significância econômica e demanda.

    O modelo de Homma (2000HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Amazônia: os limites da opção extrativista. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 27, n. 159, p. 70-73, abr. 2000., 2014)HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opção para a Amazônia? In: HOMMA, Alfredo Kingo Oyama (Ed.). Extrativismo vegetal na Amazônia: história, ecologia, economia e domesticação. Brasília: Embrapa, 2014. p. 17-43. tem uma base empírica relevante, porém, pouco considera que há diferença profunda entre uma empresa mercantil-capitalista explorando um recurso extrativista como seu único produto de exportação, buscando atender à demanda do mercado industrial internacional, e as populações extrativistas, com ‘racionalidades’ que não se guiam apenas pela lógica do lucro. Este modelo é baseado principalmente na dinâmica econômica e considera o estoque de produtos extrativistas como ‘estáticos’, por isso, quando aumenta a demanda, os produtores logo chegam à sua capacidade máxima, fazendo com que os preços continuem subindo, compensando a domesticação ou a substituição por produto sintético. Esta abordagem é apenas parcialmente apropriada, visto que hoje existe uma diversidade de tecnologias de manejo de recursos extrativistas aptas a serem aplicadas para garantir o estoque de recursos com princípios de sustentabilidade e produção de longo prazo. Assim, é importante considerar que existe uma perspectiva de melhoria tecnológica dos sistemas tradicionais de extrativismo, com inovações que podem vir tanto na forma de progresso da produtividade, através de manejo dos recursos, como na forma da descoberta de novos produtos e serviços que a floresta pode proporcionar. É preciso considerar também que as atividades da economia extrativista não acontecem em um vácuo político, e que tanto as políticas de subsídio quanto os investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia, formação e capacitação, marketing, entre outros, são decisões políticas, fruto das correlações de força entre os atores sociais, e não apenas reflexos ‘racionais’ dos equilíbrios entre oferta e demanda de determinado produto.

    As atuais estratégias de desenvolvimento para a Amazônia brasileira continuam sendo configuradas a partir da perspectiva de integração econômica da região à economia global, com o contínuo modelo de ciclos econômicos baseado na exploração e na transformação de recursos extrativistas. Isso promove os mesmos padrões de ciclos econômicos iniciados séculos atrás, com descontinuidade e invariâncias compreensíveis no quadro de uma diversidade estrutural que se forma por alternativas de superação de obstáculos à acumulação de capital (Costa, 2012COSTA, Francisco de Assis. Formação rural extrativista na Amazônia: os desafios do desenvolvimento capitalista (1720-1970). Belém: NAEA, 2012. (Coleção Economia Política da Amazônia. Série III - Formação histórica, v. 1).), e repete ciclos extrativistas temporários, os quais intensificaram as múltiplas desigualdades no mercado de produtos extrativos (Bunker, 1984BUNKER, Stephen G. Modes of extraction, unequal Exchange, and the progressive underdevelopment of an extreme periphery: The Brazilian Amazon, 1600-1980. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 89, n. 5, p. 1017-1064, Mar. 1984. DOI: https://doi.org/10.1086/227983.
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    ).

    Porém, princípios de sustentabilidade trouxeram recentemente também para a região novos olhares, promovendo mudanças significativas nas formas de exploração de recursos naturais. Nesse contexto, novos cenários de desenvolvimento extrativista regional florescem em novas configurações, diferentes escalas e intensidades, pautados na exploração racional de recursos, na valorização de identidades e do conhecimento tradicional de populações agroextrativistas, com reconhecimento do papel destas populações para a conservação ambiental. Isto tem sido fortalecido pelo reconhecimento dos territórios destas populações, pelo emprego de novas tecnologias de exploração extrativista, aliadas à formulação de políticas públicas inovadoras para o desenvolvimento extrativista regional (Rego, 1999REGO, José Fernandes do. Amazônia: do extrativismo ao neoextrativismo. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 25, n. 147, p. 62-65, mar. 1999.; Almeida, 2004ALMEIDA, Mauro W. Barbosa de. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 19, n. 55, p. 33-53, jun. 2004. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092004000200003.
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    ; Allegretti, 2008ALLEGRETTI, Mary. A construção social de políticas públicas: Chico Mendes e o movimento dos seringueiros. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, n. 18, p. 39-59, jul.-dez. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/dma.v18i0.13423.
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    ; CGEE, 2011CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS (CGEE). Soerguimento tecnológico e econômico do extrativismo na Amazônia. Brasília: CGEE, 2011.; Gomes et al., 2012GOMES, Carlos Valério Aguiar; VADJUNEC, Jacqueline M.; PERZ, Stephen G. Rubber tapper identities: political-economic dynamics, livelihood shifts, and environmental implications in a changing Amazon. Geoforum, Amsterdam, v. 43, n. 2, p. 260-271, Mar. 2012. DOI: https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2011.09.005.
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    ). Assim, embora ainda perdure o modelo dominante de exploração econômica baseado em padrões de crescimento e na estagnação de ciclos extrativistas enraizados há séculos, novos padrões de desenvolvimento extrativista podem, através de diferentes arranjos econômicos e sociais, favorecer a promoção de ciclos econômicos de longo prazo, com variáveis que vão além das forças de mercados, agregando equidade de benefícios aos provedores que mantêm estes recursos naturais e sustentabilidade na exploração dos recursos extrativistas.

    O objetivo deste artigo é resgatar observações dos viajantes naturalistas sobre os principais ciclos econômicos do extrativismo na Amazônia ao longo dos séculos. Entretanto, não temos a pretensão de traçar uma completa historiografia da abundante literatura de viajantes na região. Não trataremos também dos relatos dos viajantes sobre questões político-econômicas, associadas a questões de poder sobre a região, assim como evitaremos as observações sobre os povos indígenas, no que diz respeito a estudos etnográficos e às relações de dominação sofridas por esses povos. Desta forma, a análise foi restrita aos relatos que abordam especificamente a exploração de recursos naturais que caracterizaram períodos de expansão e de declínio da economia extrativista na região ao longo dos séculos. Em seguida, os relatos foram agrupados em temas comuns, proporcionando uma visão temporal do processo, assim como a observação dos principais recursos naturais explorados na visão dos viajantes naturalistas.

    As principais atividades econômicas extrativistas discutidas são a coleta de drogas do sertão, a extração de cacau, a exploração de tartarugas e a extração de látex para a produção de borracha. Reconheço que, restringindo este ensaio a tais produtos, deixamos de abordar outras atividades extrativas que tiveram alguma importância para a economia regional. A Figura 1 demostra o período de início, de evolução e de declínio das referidas atividades extrativistas a partir do século XVIII até o século XX1 1 Na Figura 1, não foi possível agregar informações de exploração de tartaruga visto que os dados quantitativos são baseados em relatos pontuais e também devido à dificuldade de formular uma unidade de análise quantitativa para os vários usos da extração do produto, especialmente para a produção de óleo de iluminação e a fabricação de manteiga. .

    Figura 1
    Amazônia: principais atividades extrativistas: A) drogas do sertão; B) cacau; C) borracha. Fontes: adaptado de Costa (2010)COSTA, Francisco de Assis. Lugar e significado da gestão pombalina na economia colonial do Grão-Pará. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 20, n. 1, p. 167-206, jan.-abr. 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-63512010000100005.
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    , Santos (1980)SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. (A e B); e de Santos (1980)SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980., Barata (1944)BARATA, Joaquim de Magalhães Cardoso. Situação econômica: contribuição do Governo do Pará ao décimo Congresso Brasileiro de Geografia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. (Separata do relatório apresentado ao Senhor Presidente da República)., Homma (1993)HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Extrativismo vegetal na Amazônia: limites e oportunidades. Brasília-DF: Embrapa, 1993. e IBGE (2005) (C). Sobre as fontes, Costa (2010, p. 202-204)COSTA, Francisco de Assis. Lugar e significado da gestão pombalina na economia colonial do Grão-Pará. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 20, n. 1, p. 167-206, jan.-abr. 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-63512010000100005.
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    agrega e transforma em toneladas dados de Dias (1970, p. 316-360)DIAS, Manuel Nunes. Fomento e mercantilismo: a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão (1755-1778). Belém: UFPA, 1970. sobre a exportação de cacau e outros produtos extrativistas, caracterizados como “drogas do sertão”, mensurados em arrobas no período de 1756 a 1777, bem como dados de Alden (1974, p. 60-62)ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região amazônica no fim do período colonial: um ensaio de história econômica comparada. Belém: NAEA/UFPA, 1974. sobre a exportação de cacau, mensurada em libras no período de 1730 a 1822. Com este procedimento metodológico, produz uma série histórica para o período de 1720 a 1822, permitindo comparação entre subperíodos. Dados da produção de cacau para o período de 1850 a 1910 foram extraídos de Santos (1980, p. 70, 182)SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980.. A Figura 1C foi adaptada de dados de Santos (1980, p. 52, 66)SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980., para o período de 1830 a 1890; de Barata (1944, p. 109)BARATA, Joaquim de Magalhães Cardoso. Situação econômica: contribuição do Governo do Pará ao décimo Congresso Brasileiro de Geografia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. (Separata do relatório apresentado ao Senhor Presidente da República)., para o período de 1900 a 1940; e de Santos (1980, p. 66)SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980., Homma (1993, p. 24)HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Extrativismo vegetal na Amazônia: limites e oportunidades. Brasília-DF: Embrapa, 1993. e IBGE (2005)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Produção extrativa vegetal. 2005. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 9 jul. 2017.
    www.ibge.gov.br...
    , para o período de 1960 a 2000.

    Os viajantes naturalistas aqui reportados eram, na sua maioria, ingleses, franceses e alemães, com formação nas áreas de botânica, zoologia, biologia, geografia e medicina. Esses personagens percorreram extensas regiões do rio Amazonas e seus tributários, em um esforço de estudo e de coleta de espécimes da fauna e da flora da região. Alguns permaneceram por mais de uma década vivendo e explorando a Amazônia. Especialmente, a partir do século XVIII, e já com um forte olhar iluminista, os naturalistas, como agudos observadores da natureza, contribuíram imensamente para que os estudos científicos sobre a região tomassem corpo, acrescentando valiosa parcela ao estoque de conhecimento sobre a região.

    Além do interesse sobre o ambiente natural, esses viajantes também viam importância na história e nos costumes locais, fato que aguçou as suas observações acerca das características socioculturais e econômicas da região. Seus relatos oferecem extraordinárias e vívidas descrições de costumes e de uso e exploração de recursos extrativistas do local. Cada viajante transmite uma compreensão da região através de sua própria percepção do meio natural e sociocultural. Embora a maioria das incursões amazônicas aqui abordadas está situada em um tempo remoto, elas nos permitem construir perguntas, relacionando-as aos cenários atuais, tais como: Quais foram as principais causas da sobre-exploração de alguns recursos naturais? Quais sugestões são dadas a nós através da obra desses naturalistas? Qual é a vantagem de ler seus minuciosos relatos? Obviamente, responder a esses questionamentos extrapola o escopo deste artigo. Ainda assim, estas perguntas se prestam a estabelecer uma reflexão sobre os cenários atuais quanto à exploração de recursos extrativistas na região.

    OS PRIMEIROS EXPLORADORES: SÉCULOS XVI E XVII

    Durante os séculos XVI e XVII, os primeiros viajantes exploradores estavam ligados à Coroa Portuguesa e Espanhola, como resultado do Tratado de Tordesilhas, negociado em 1494. Espanhóis e portugueses estavam entusiasmados para explorar a Amazônia, à procura do ‘Eldorado’, uma lenda que perdurou por todo o início da história econômica do Novo Mundo. No primeiro momento, a riqueza biológica do ambiente natural da região, despertava pouco interesse desses viajantes exploradores, e seus esforços estavam voltados à procura de riquezas minerais já conhecidas, sobretudo de ouro e de prata. As suas especialidades eram relacionadas à marinha, ao exército e ao mercantilismo e os seus relatos têm em comum a descrição de imagens exóticas e fantasiosas, fato que influenciou a criação de várias lendas e mitos sobre a região. Francisco Orellana, o explorador espanhol que acompanhou Francisco Pizarro na conquista do Peru, foi, quase por acidente, o primeiro homem a liderar uma expedição descendo o rio Amazonas, em 1542. A expedição saiu de Quito, no Equador, e chegou à foz do rio Amazonas dois anos e oito meses depois.

    Em vez de ouro e prata, ele e seus homens encontraram fome, doenças e tiveram que lutar para sobreviver. Orellana e seus homens passaram por muitas penúrias em sua expedição no desconhecido vale amazônico, como podemos notar nas descrições de Frei Gaspar de Carvajal, editadas por Medina (1988)MEDINA, José Toribio. The discovery of the Amazon. New York: Dover, 1988., no livro “The discovery of the Amazon”:

    E quando os membros da força expedicionária, tendo ido até esta distância, viram a junção e compreenderam que não teriam nenhum alívio em termos de alimento, porque tinham continuado e não havia nenhum meio de achar qualquer alimento, eles tornaram-se grandemente desencorajados, porque durante muitos dias a força expedicionária inteira não tinha comido nada senão broto de palmeira e alguns caroços de fruta que eles acharam no chão e que tinham caído das árvores [...], sem qualquer outro tipo de alimento, muitos membros da força expedicionária ficaram doentes, e alguns estavam fracos, enquanto outros morreram de fome, visto não estarem em condição de ir mais longe [...] (p. 57, tradução nossa).

    “Daqui em diante”, diz Carvajal, “suportamos mais adversidades e mais fome […] porque o rio ia com mata fechada nas duas margens e nós não achamos nenhum lugar para dormir e muito menos podia qualquer peixe ser pescado, de modo que era necessário para nós manter o nosso alimento habitual, que consistia de ervas e, de vez em quando, um pouco de milho assado” (p. 100, tradução nossa).

    [...] aqui nós nos vimos em uma situação muito difícil, a mais difícil que havíamos caído ao longo do curso do rio e nós todos pensamos que iríamos morrer, porque de todos os lados flechas estavam sendo atiradas em cima de nós [...]. Pedimos a nosso senhor Jesus Cristo para nos ajudar e nos favorecer como tinha feito sempre nesta viagem, e [para nos proteger como] um povo que estava perdido sem saber onde estava e para onde estava indo ou o que iria acontecer conosco [...] (p. 229, tradução nossa).

    As crônicas de Carvajal, ao registrarem os acontecimentos durante a viagem, são consideradas por muitos como excessivamente fantasiosas, tendo como exemplo maior a lenda das Amazonas. Contudo, em que pese os evidentes exageros, são os primeiros relatos da história escrita sobre a Amazônia.

    Depois da expedição de Orellana, por um período de quase cem anos, poucos exploradores engajaram-se em novas tentativas de explorar o ambiente amazônico. Posteriormente, teve início a abertura de diversas rotas na região amazônica para se alcançar riquezas. Nesse período, a prévia demarcação da linha do Tratado de Tordesilhas era continuamente contestada entre Portugueses e Espanhóis, que tentavam dominar a região. A Coroa Portuguesa, depois de sofrer invasões de espanhóis, franceses, holandeses e ingleses, procurou exercer maior influência, expandindo os seus territórios na região, na tentativa de fechar a entrada do rio Amazonas para os estrangeiros. É nesse contexto que Belém foi fundada, em 1616. O Tratado de Tordesilhas foi formalmente revogado em 1750. Até então, missionários e aventureiros moveram-se para a região e estabeleceram pequenas colônias e missões, com o objetivo de expansão territorial.

    Cristóbal Acuña, um jesuíta que acompanhou o português Pedro Teixeira no seu retorno de Quito a Belém, no fim da década de 1630 – durante uma viagem de dez meses pela Amazônia, na metade do século XVII –, trouxe uma importante contribuição para a história da região. Suas descrições foram além dos relatos iniciais de luta para sobreviver a perigos extremos, incluindo os primeiros levantamentos não só da importância econômica da região, como também descrições dos recursos extrativistas, com detalhes sobre elementos aquáticos e de diversas plantas e frutas, assim como sobre os seus potenciais para a agricultura. Acuña (1994 [1641], p. 89)ACUÑA, Cristóbal. Novo descobrimento do grande rio das amazonas. Tradução de Helena Ferreira. Rio de Janeiro: Agir, 1994 [1641]. ressalta que “[...] há neste grande rio das Amazonas quatro coisas que, se bem cultivadas, serão sem dúvidas suficientes para enriquecer não apenas um, mas muitos reinados [...]”, referindo-se à madeira, ao cacau, ao tabaco e à cana-de-açúcar – o cultivo desta última sendo, de fato, tentado posteriormente, porém com pouco sucesso. Seu livro “Novo descobrimento do grande rio das Amazonas” (1641) relata essas potenciais riquezas através da economia extrativista:

    Não só esses gêneros poderiam neste novo mundo descoberto assegurar o suficiente para enriquecer todo o orbe, como muitos outros que, mesmo em menor quantidade, não deixariam de ajudar o enriquecimento da Coroa Real. Tais são o algodão, que se colhe abundantemente; o urucum, do qual se extrai um excelente corante; o açafrão, muito apreciado pelos estrangeiros; a canafístula; a salsaparrilha; os óleos, que competem com os melhores bálsamos para a cura de feridas; as gomas e resinas perfumadas; a pita, da qual se obtém uma fibra de excelente qualidade e que cresce em grande abundância; e muitos outros produtos que a cada dia a necessidade e a cobiça hão de descobrir [...]

    (Acuña, 1994[1641]ACUÑA, Cristóbal. Novo descobrimento do grande rio das amazonas. Tradução de Helena Ferreira. Rio de Janeiro: Agir, 1994 [1641]., p. 91-92).

    Com o aumento do interesse por produtos extrativistas dotados de potencial valor econômico, uma diversidade de gêneros, muitos já usados pela população local, passou a ser comercializada e a sua coleta estimulou o contínuo processo de penetração nos grandes rios na Amazônia. Esses produtos coletados ficaram conhecidos como drogas do sertão, e se tornaram importantes fontes de renda, monopolizada pela metrópole portuguesa no final do século XVII.

    A vinda da Coroa Portuguesa ao Brasil, em 1808, foi um marco para o aprofundamento do conhecimento do meio natural da região, além de favorecer a expansão comercial, com a abertura dos portos da Amazônia. Viajantes naturalistas europeus foram incentivados a inventariar a riqueza natural da região, inaugurando um novo período de produção de conhecimento. As expedições lideradas por naturalistas ganharam um forte caráter científico (Gomes, 2006GOMES, Carlos Valério. Farsa Moderna. Blog do Altino Machado. Rio Branco, 31 out. 2006. Disponível em: <http://www.altinomachado.com.br/2006_10_01_archive.html>. Acesso em: 5 abr. 2017.
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    ).

    OS NATURALISTAS: SÉCULOS XVIII, XIX E XX

    Viajantes dos séculos XVIII e XIX, amparados por instituições científicas, buscaram aprofundar a aquisição de conhecimentos sobre o ambiente natural que havia sobre a região até a época. Charles-Marie de La Condamine, um cientista e explorador francês, representou uma grande mudança para uma era de pesquisas científicas e de descobertas na Amazônia. La Condamine desceu o rio Amazonas a partir de Quito até a sua foz, no final de 1744. La Condamine inspirou Humboldt, que, apesar de não ter conseguido permissão para entrar na Amazônia, inspirou outros importantes naturalistas a viajarem por ela, tais como Spruce, Wallace e Bates, que, conjuntamente, realizaram vasta coleta de material zoológico e botânico da região.

    Diversos outros naturalistas se dedicaram por anos em expedições científicas no rio Amazonas e seus tributários, especialmente no século XIX. Citando alguns, Von Martius e seu colega Spix, a partir do Pará, em 1820, navegaram juntos parte dos cursos dos rios Amazonas e Japurá. Spix seguiu adiante, subiu pelo rio Amazonas até Tabatinga no mesmo ano. Lieutenant Smyth, da Marinha britânica, desceu o Huallaga e atingiu o Ucayali e o Amazonas, em 1835. O príncipe Adalberto, da Prússia, subiu pelo rio Xingu, em 1842, até a Volta Grande (hoje, região de Belo Monte). Em 1852, Lieutenant Herndon, da Marinha norte-americana, seguiu o caminho do capitão inglês Smyth, penetrou o Purus e desceu os rios Mamoré e Madeira. O segundo visava reportar ao Congresso americano a importância de abrir o Amazonas à navegação internacional (Gomes, 2006GOMES, Carlos Valério. Farsa Moderna. Blog do Altino Machado. Rio Branco, 31 out. 2006. Disponível em: <http://www.altinomachado.com.br/2006_10_01_archive.html>. Acesso em: 5 abr. 2017.
    http://www.altinomachado.com.br/2006_10_...
    ). Esses naturalistas viajavam por meses para atingir as mais longínquas áreas, muitas das quais hoje se pode atingir em dias. Seus esforços e sua dedicação para inventariar a riqueza natural da região contribuíram significativamente para o acúmulo de conhecimento e abriram novas linhas de pesquisas sobre o ambiente natural estudado até hoje.

    Embora os objetivos desses viajantes naturalistas fossem científicos, motivações econômicas estimularam a coleção de amostras de plantas e de animais. Os jardins botânicos europeus do século XIX já eram dotados de estruturas apropriadas para a propagação de germoplasma, que, subsequentemente, eram enviados para as colônias europeias. Tais coleções proporcionaram a inclusão de alguns desses naturalistas na história europeia, conhecidos primeiramente como responsáveis por coleções exóticas e com pouca notoriedade comercial e, posteriormente, como a base para um substancial empreendimento econômico.

    DROGAS DO SERTÃO

    As chamadas drogas do sertão, expressão usada para caracterizar produtos florestais no interior da região, representaram o primeiro esforço para extrair as especiarias lucrativas da floresta no período colonial na Amazônia. As principais foram cravo, salsaparrilha (Smilax), cacau e outras menos importantes, como urucum e copaíba, como descrito por Daniel (1976, p. 61)2 2 Padre João Daniel (1722-1776), um jesuíta, chegou na Amazônia em 1741, aos dezenove anos de idade, e lá viveu até 1757. Com a expulsão dos jesuítas da Amazônia, ele foi aprisionado em Lisboa pelo Marquês de Pombal, em 1757, ficando dois anos na cadeia, onde escreveu a obra “Tesouro descoberto no rio Amazonas”, publicada em português em 1976 pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a qual aborda diversos aspectos da Amazônia, tais como flora e fauna, costumes e religiosidade dos nativos e, especialmente, aspectos da agricultura por indígenas e colonos, assim como o comércio das drogas do sertão. O ‘tesouro’ do título da sua obra certamente demonstra a visão mercantilista de buscar o enriquecimento nas colônias. :

    Quando partem estas canoas as colheitas do sertão, já vão determinadas a alguma carga principal, v.g. cravo, ou salsaparrilha, ou cacao; e destes haveres fazem o principal negócio, mas depois de segurarem esta principal carga, também se aproveitam do bálsamo de copaíba, da baunilhas; e de muitos outros haveres, que ha, e encontram pelos matos. Contudo se não acham a grande, e principal carga, já se não tem por bem sucedidos por mais que façam, ou achem de outros haveres; e ordinariamente não achando aquela, ficam perdidas as canoas, porque não achando v.g. o cacao, que buscavam naquelas paragens talvez por não ser ano dele naquele rio, descoberta a falta, se vem obrigados a buscar outro rio, e largar aquela feitoria, e como estas paragens, e rios são tão distantes, gastam o tempo, e muito mais para levantarem as feitorias, com o risco de tão bem ali não achar carga;…acusando porém boas colheitas na primeira feitoria, e nas matas vizinhas, donde as vão conduzindo uns por terra, outros nas canoinhas, e as vezes em tanta abundancia, que sobeja para carga de muitas canoas; depois de ja ou não acharem mais, ou não quererem mais [...]

    Drogas do sertão eram encontradas tanto nos ambientes de terra firme como nos de várzea. Com o avanço da exploração, os empreendedores viram-se forçados a alcançar áreas mais remotas para encontrar tais produtos, visto que as mais acessíveis foram rapidamente exauridas. Observações feitas por Sampaio (1825)SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typographia da Academia, 1825., quando viajou pelo rio Negro em 1774-1775, demonstram a expansão da economia das drogas do sertão pelos tributários do rio Amazonas:

    Entre os rios tributarios do Amazonas, elle dandolhe extraordinaria porção de águas, he tambem o que produz nas suas margens, e extensas matas quantidade de cacao, salsa parrilha, e oleo de cupaiva, generos, que annualmente se lhe extrahem pelas embarcações das capitanias do Pará, e Rio Negro, e em que consiste o seu principal commercio das drogas do sertão [...]

    (Sampaio, 1825SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typographia da Academia, 1825., p. 18).

    Porém, a economia das drogas do sertão enfrentou muitos problemas relacionados com a realidade socioeconômica da colônia. O comércio era severamente limitado pelas circunstâncias da produção, como por exemplo, a irregularidade das quantidades extraídas de um ano para o outro. Além disso, o comércio no Pará acontecia inteiramente em uma base de longo prazo, visto que os produtores raramente tinham grandes estoques armazenados, uma vez que eram produtos perecíveis e, como hoje, a coleta era rarefeita. Como a produção extrativista era a mais importante, ou até mesmo a única fonte de renda governamental na colônia, as instituições governamentais aumentaram os impostos e as taxas de licenciamento das expedições para a coleta das drogas do sertão. Somadas a estes fatores, as expedições coletoras eram longas, custosas e de alto risco, contribuindo para o colapso da extração e do comércio de tais produtos. Vejamos a seguir o caso específico do cacau.

    CACAU

    Embora o cacau seja nativo da Amazônia, a origem do chocolate remonta às civilizações pré-colombianas da América Central. Este produto tornou-se a mais importante fonte de bebida que os europeus encontraram depois de sua chegada ao Novo Mundo3 3 Uma discussão sobre as primeiras observações dos europeus a respeito do cacau na América é fornecida por Alden (1976), segundo o qual a primeira observação europeia sobre este produto aconteceu em 1502, durante a quarta viagem de Colombo ao norte da costa de Honduras, onde ele interceptou uma canoa de índios cuja carga era composta por sementes deste fruto. Muitos especialistas continuam a debater a origem da domesticação do cacau, porém o candidato mais provável é a Amazônia. Smith (1999, p. 31) defende que o cacau é nativo da Amazônia ocidental, pois ocorre em terra firme e ao longo das várzeas de rios de água clara, como o Purus. Porém, ele especula que é difícil distinguir onde este fruto foi artificialmente introduzido ou “plantado pela natureza” no vale amazônico. . Acuña (1994[1641])ACUÑA, Cristóbal. Novo descobrimento do grande rio das amazonas. Tradução de Helena Ferreira. Rio de Janeiro: Agir, 1994 [1641]. durante a sua descida de Quito a Belém, pelo rio Amazonas, fez o seguinte relato sobre a fruta:

    O cacau, de que estão suas margens tão cheias, que, algumas vezes, as madeiras cortadas para o alojamento de toda a tropa não eram outras senão as das árvores que produzem esse fruto bastante apreciado na Nova Espanha ou em outro lugar qualquer, onde se saiba o que é o chocolate. Beneficiado, ele se torna de tanto proveito, que cada cacaueiro pode render, anualmente, oito reais de prata, livres de quaisquer despesas. E bem se pode ver com quão pouco trabalho se cultivariam tais plantas neste rio, pois, sem nenhum artifício, a natureza sozinha as enche de abundantes frutos [...]

    (Acuña, 1994[1641], p. 89-90).

    O hábito de beber chocolate, o que antecipa o gosto pelo café por mais de um século na Europa, foi sempre considerado um aparato de luxo (Smith, 1999SMITH, Nigel J. H. The Amazon river forest: a natural history of plants, animals, and people. Oxford: Oxford University Press, 1999.). O crescente gosto por bebida de chocolate ocorreu na Espanha e em outros países europeus, contribuindo para a demanda do cacau da Amazônia e levando a Coroa a tentar promover o desenvolvimento de plantações deste fruto na região durante as últimas décadas do século XVII. Tais esforços incluíram o estabelecimento de plantações demonstrativas perto de Belém, para que os produtores pudessem aprender os melhores métodos de seu cultivo.

    Além disso, o governo liberou oficiais portugueses na colônia da costumeira proibição de sua participação no comércio, permitindo-lhes exportarem cacau em seu próprio benefício econômico. Segundo Alden (1976, p. 115, tradução nossa), “[...] em 1681, o governo português declarou a exportação de cacau isento de todas as taxas pelos seis anos seguintes e se responsabilizou pela metade dos impostos por mais quatro anos”. Apesar de tais medidas, este foi um produto de exportação significativo na Amazônia apenas no início do século XVIII. Ainda, quando foi atingida uma produção com capacidade de exportação, a grande maioria do fornecimento deste produto era feita a partir da extração de cacau nativo, conforme apontado por Daniel (1976, p. 278)DANIEL, Pe. João. Tesouro descoberto no Máximo Rio Amazonas. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1976. 2 v.:

    Tem socedido muitas vezes serem no Amazonas tão abundantes, e copiosas as colheitas de cacao, que não sendo bastantes para o seu embarque, e transporte para a Europa os navios, e frotas anuaes, tem ficado na terra muita cópia, cujos donos se vem obrigados a esperar um ano inteiro por outra frota para o poder embarcar; e pelo decurso de todo o ano se vem precisados a andar com ele repetidas vezes aos sol para senão corromper, ou para que lhe não se salte o gorgulho, e se perca todo, como muitas vezes socede [...]

    A dependência na extração do cacau nativo foi uma das características deste comércio na Amazônia durante o século XVIII. Observações feitas por Sampaio (1825, p. 20)SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typographia da Academia, 1825. indicam que o cacau “plantado pela natureza” era extremamente abundante no rio Purus: “[...] fica neste lugar hum extenso cacoal plantado pela natureza, que agora estava em flor, e prometia abundante colheita. A elle vem annualmente as canoas do commercio fazer as suas cargas [...]”. Um fatorchave era que o cacau nativo crescia abundantemente nas várzeas do rio principal, especialmente entre Belém e as cidades de Óbidos e de Santarém, rio acima. Podiam-se também encontrar facilmente exemplares desta espécie ao longo das margens de alguns dos tributários principais do rio Amazonas, tais como o Negro, o Trombetas e o Madeira.

    Em contraste, o cacau plantado levava cinco anos para atingir a maturidade, comprometendo, assim, recursos financeiros, que, de outra maneira, poderiam ser usados para o financiamento das missões de coleta. Além disso, outro fator era o costume: visto que o uso de canoa era indispensável na Amazônia, e os índios possuíram um incomparável conhecimento dos recursos da planta na região, o despacho de expedições de coleta era uma extensão óbvia de um mecanismo de comércio já existente. Finalmente, os índios não se adaptaram bem para o trabalho manual arregimentado, requerido nas plantações do cacau, e estavam sempre propensos a desertar (Alden, 1976ALDEN, Dauril. The significance of cacao production in the Amazon region during the late colonial period: an essay in comparative economic history. Proceedings of the American Philosophical Society, New York, v. 120, n. 2, p. 103-35, Apr. 1976.).

    O cacau tornou-se o produto dominante de exportação da Amazônia durante a era colonial e permaneceu assim até a entrada do século XIX. Ele continua a crescer no médio e no baixo Amazonas até hoje, embora o seu poder no mercado de exportação tenha entrado em colapso com o crescimento da produção de cacau na Bahia, no fim do século XIX. A Bahia tornou-se um importante produtor de cacau porque, até a década de 1980, estava livre da doença chamada vassoura-de-bruxa.

    TARTARUGA

    Como pode ser esperado em um ambiente ‘dominado’ por água, alguns recursos aquáticos, tais como as tartarugas, tiveram grande importância na economia e na dieta regional, especialmente durante o período colonial. A exploração em larga escala de tartarugas servia tanto aos mercados domésticos como aos de exportação. Isso porque tartarugas forneciam carne fresca e salgada, gorduras, assim como os cascos eram usados para fazer joias e pentes, além do uso de ovos para a produção de manteiga e de óleo. Este último artigo, produzido da gema do ovo, era usado para algumas funções domésticas, como cozinhar e iluminar a casa. Além disso, também representava uma indústria importante da região de várzea, quando vilas inteiras se engajavam na coleção de ovos e na produção de óleo durante certo período do ano. Sampaio (1825)SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typographia da Academia, 1825., que viajou pelo rio Amazonas em 1774 e 1775, apresentou uma boa imagem de como os recursos da tartaruga eram explorados para o consumo familiar e comercial na Amazônia:

    Fomos nestes dias seguindo a viajem pelas correntezas do nosso Amazonas, e ayistando extensas praias, que estavão cheias de gente, que tinhão vindo a ellas fabricar manteigas de ovos de tartarugas…nos mezes de outubro e novembro sahem as tartarugas a desovar e em tão grande número, que enchem huma praia, e ainda ficão muitas a borda da agua, esperando, que as outras se recolhão para ellas sahirem. Abrem uma cova na arêa, e logo que ahi largão os ovos, que costumão ser até o número de sessenta e quarto cada ninhada, os cobrem da mesma arêa, e com tal arte, que alizão a superficie, para que não possa ser conhecido o lugar. Em quinze dias sahem as tartaruguinhas, e vão direitas a água por hum singular instinto. No tempo, em que as tartarugas estão nas praias, he que se faz o maior provimento, porque se lança mão dellas, e se virão com as costas para a terra, ficando assim impossibilitadas a moverem-se, e se carregão para as embarcações. Os ovos não só servem para se comerem, mas tambem delles se fabrica o azeite, ou manteiga, que constitue hum importante ramo do commercio entre as capitanias do Pará, e Rio Negro. Este azeite se purifica ao fogo. Das banhas da tartaruga se extrahe tambem outra manteiga, que he na verdade excellente. Em fim a tartaruga he sadia, nutritiva, e de facil digestão. Os indios a preferem a todo o outro genero de comida, e os nossos europeos, costumados a ella, lhe dao a mesma preferência [...]

    (Sampaio, 1825SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typographia da Academia, 1825., p. 86).

    No início do século XVIII, a coleta de ovos de tartarugas no alto rio Amazonas atingia a quantidade de vinte e quatro milhões de ovos por ano. Por volta da metade do século XIX, estes dados foram duplicados, excedendo a extração de 48 milhões de ovos por ano (Smith, 1974SMITH, Nigel J. H. Destructive exploitation of the South American river turtle. Year-Book of the Pacific Coast Geographers, Honolulu, v. 36, p. 85-102, Annual 1974.). A transformação de 2.000 ovos de tartaruga em apenas um galão de óleo utilizado para a iluminação demonstra como a economia extrativista na região envolveu desde cedo certa falta de preocupações sobre os níveis de extração de recursos. Alexandre Rodrigues Ferreira, um naturalista brasileiro que estudava na Universidade de Coimbra e veio para a Amazônia a serviço do governo português, durante o período de 1783-1792, fez muitas observações sobre a magnitude da exploração de tartarugas na região:

    Sabem já os pescadores que nos meses de outubro a novembro até dezembro saem as tartarugas às praias, fazem covas na areia, onde desovam 100, 120 até 150 ovos. Para isso embarcam em canoas maiores, já na certeza de uma maior safra. Ficam à espera até que saiam numerosas delas às praias e quando percebem que a quantidade é suficiente, lhes assaltam repentinamente, virando-as com a barriga para cima, maneira pela qual apanham maior quantidade, privando-as de locomoção. Não consiste a colheita apenas nisso, porque depois de seguras as tartarugas, retiram-se também os ovos que foram postos nas covas, que após serem mantidos 4 a 5 dias no sol e ao se tornarem meio decompostos, é que fazem manteiga, com a qual se ilumina quase todo os Estado […]. Quando os ovos são preparados frescos colocam-nos numa canoa reservada de propósito para esse uso e amassam-nos com os pés como em Portugal se faz para as uvas. Sobre os ovos pisados lançam água, que depois de bem mexida e incorporada com eles deixa sobrenadar o óleo. Com a mesma água se dissolve muita parte da clara. O óleo sobrenadante é retirado com cuias ou conchas e lançado dentro de tachos. Vão ao fogo, sendo posteriormente esfriados em panelões à parte, e daí mudados para os potes. Dizem os práticos que onze ninhadas dão um pote de manteiga. Uma canoa provida de gente hábil, em ano que não corra mal, faz cerca de 1.000 potes e nas grandes safras, dobram essa quantidade [...]

    (Ferreira, 1972FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso, e Cuiabá, 1783-1792. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972., p. 27).

    A dieta alimentar de populações ribeirinhas era fortemente concentrada em recursos aquáticos, incluindo a carne de tartaruga, também apreciada na dieta dos próprios viajantes e de seus acompanhantes. Brown e Lidstone, viajando pela região em 1873, fizeram descrições sobre a captura dos animais para a sua tripulação e narraram como eram estocadas em currais, após a captura por ribeirinhos dos tributários do rio Amazonas. A ilustração de Marcoy (Figura 2), um naturalista francês que veio para a Amazônia na mesma época, retrata tais descrições:

    Figura 2
    Processo de estocagem de tartarugas em currais por populações ribeirinhas.

    De manhã bem cedo é a hora favorita para depositar os ovos, e algumas vezes os homens desembarcavam um pouco antes da gente ancorar para interceptar as tartarugas no seu retorno para a água. Eles algumas vezes pegavam uma ou duas, mas quando a manhã chegava nós fazíamos uma gloriosa aquisição. O “Guajara” fazia a volta, e nós podíamos ver praias abertas que eram literalmente pretas com centenas delas. As cabeças de outras centenas apareciam na superfície da água na beira da praia, como muitas cortiças flutuando na água. Neste sinal o barco era desligado e rapidamente reduzido, e vários homens corriam para capturar todas que eles podiam [...] no final de uma hora trinta tartarugas largas foram colocadas a bordo do “Guajara” – o máximo que nós podíamos carregar convenientemente – e as outras eram viradas de volta e permitidas a escapar. Um estoque de carne fresca para muitos dias foi então conseguido. Nós frequentemente víamos neste e em outros tributários, como também no rio principal pequenos currais/tanques fechados atrás das casas dos moradores com estoque de tartarugas nele; e sempre ouvíamos os moradores dizerem, como uma forma de piada meiga “o gado do Amazonas” [...]

    (Brown; Lidstone, 1878BROWN, Charles Barrington; LIDSTONE, William. Fifteen thousand miles on the Amazon and its tributaries. London: Edward Stanford, 1878., p. 431-432, tradução nossa).

    Bates, um entomologista inglês que viveu na Amazônia durante onze anos (1848-1859), durante a sua estada em Tefé, no alto Amazonas, fez o seguinte relato sobre o tamanho das tartarugas e sobre as viagens para capturas delas:

    As tartarugas atingiam enormes proporções no trecho superior do rio, chegando a medir quando adulta quase um metro de comprimento por sessenta centímetros de largura e os habitantes se alimentavam de tartaruga durante a maior parte do ano e toda casa tinha um pequeno tanque no quintal para manter um estoque de tartarugas durante a estação chuvosa; e quando as águas baixavam, as pessoas que possuíam empregados indígenas enviavam-nos em viagens que chegavam a durar um mês a fim de renovar os seus estoques de tartarugas [...]

    (Bates, 1863BATES, Henry Walter. The naturalist on the River amazons. London: John Murray, 1863. 2 v., p. 212, tradução nossa).

    Bates (1863, p. 212, tradução nossa)BATES, Henry Walter. The naturalist on the River amazons. London: John Murray, 1863. 2 v. continua suas observações e diz que no intervalo de apenas onze anos começou a ver o início do declínio das tartarugas na região: “Quando eu cheguei em 1850, era possível comprar com certa facilidade uma tartaruga de tamanho médio por pouco mais de meio xelim, mas quando eu parti em 1859 já era difícil adquiri-las por oito ou nove xelins [...]”. Spruce, um inglês que durante 15 anos viveu na Amazônia (1849-1864) fazendo estudos botânicos, fez relatos na região de Santarém, em 1851, sobre a diversidade de pratos preparados com tartaruga, dando a dimensão da importância deste animal na dieta alimentar local:

    Santarém está localizada a pouca distância abaixo das grandes áreas de tartaruga, e quando elas aparecem isto é muito precioso. Aqui nós estamos no centro da região de tartarugas, e nós nunca sentamos para almoço ou jantar (as duas refeições diárias dos brasileiros) sem tartaruga em várias formas. Eu não sei em quantas formas é preparada, mas nós nunca tivemos menos de cinco diferentes pratos de tartarugas na mesa [...]

    (Spruce, 1908SPRUCE, Richard. Notes of a botanist on the Amazon and Andes. London: MacMillan, 1908., p. 238-239, tradução nossa).

    Alexandre Rodrigues Ferreira nota que, embora a matança de espécimes adultos fosse extensa, a coleta de ovos para a produção de óleo era muito mais destrutiva para a reprodução da espécie. De fato, Ferreira foi um dos poucos viajantes que reconheceu a necessidade de uma mínima proteção às tartarugas, décadas antes do mercado de óleo entrar em crise. Depois da metade do século XIX, a crescente escassez das tartarugas na Amazônia foi percebida, e o mercado de óleo teve o seu colapso.

    Levou-se pouco menos de dois séculos de exploração intensa para quase dizimar o estoque desta espécie na região. Comparado com outros recursos aquáticos, esta foi a que sofreu os maiores impactos de exploração. O surgimento da economia da borracha na segunda metade do século XIX introduziu o querosene como opção de iluminação e o óleo vegetal na dieta alimentar regional, diminuindo consideravelmente a exploração das tartarugas para estes fins, e evitando a sua potencial extinção na região (Smith, 1974SMITH, Nigel J. H. Destructive exploitation of the South American river turtle. Year-Book of the Pacific Coast Geographers, Honolulu, v. 36, p. 85-102, Annual 1974.). A economia da borracha também favoreceu a preservação da espécie, visto que, em seu período mais intenso, absorveu toda a mão de obra disponível na região para a atividade de extração do látex voltado à produção de borracha.

    BORRACHA

    La Condamine (1993, p. 69)LA CONDAMINE, Charles-Marie de. Viaje a la America Meridonial por el Rio de las Amazonas. Estudio sobre la Quina. Edicion y presentacion de Antonio Lafuente y Eduardo Estrella. Quito: Abya-Yala, 1993., um naturalista francês, foi um dos primeiros naturalistas na metade do século XVIII a mencionar a borracha, uma substância referida como “cahout-chou” ou “Cahuchu”. Ele observou como os índios em Esmeraldas, Equador, extraíam a borracha e produziam garrafas, botas, tigelas, ficando impressionado com as características do látex:

    Existem diferentes tipos de árvores que produzem látex, devido a este fator, existem diferentes tipos de látex. A resina ou leite de pau, ou denominado Cahuchu, muito apropriada esta definição para esta arvore. Não é menos vulgar nas margens do rio Maran que nas do rio Esmeraldas ao Norte de Quito. Ela se amolda na forma que a gente quer. Ë impenetrável na chuva. Entretanto o que mais chama atenção é sua grande virtude elástica, mediante a qual se confeccionam copos e garrafas não muito frágeis, botas para montarias, pelotas e bolas côncavas que se aplanam estando cumpridas [...]

    (La Condamine, 1993LA CONDAMINE, Charles-Marie de. Viaje a la America Meridonial por el Rio de las Amazonas. Estudio sobre la Quina. Edicion y presentacion de Antonio Lafuente y Eduardo Estrella. Quito: Abya-Yala, 1993., p. 69, tradução nossa).

    As descrições de La Condamine atraíram a atenção europeia para a borracha. Entretanto, somente após os anos de 1840 a manufatura de borracha se desenvolveu. Em 1839, Charles Goodyear desenvolveu o processo da vulcanização, que estabiliza a borracha, impedindo o seu derretimento no calor e rachaduras no frio. Tal invenção provocou inovações que lideraram uma demanda massiva por borracha natural. Acontecimentos – como a invenção do pneu de borracha com ar por Dunlop, em 1888, a novidade das bicicletas na Europa (especialmente na França) na metade do século XIX e o desenvolvimento da indústria automobilístita no início do século XX – explicam a explosiva demanda mundial por borracha.

    Spruce (1908)SPRUCE, Richard. Notes of a botanist on the Amazon and Andes. London: MacMillan, 1908. observou como o comércio deste produto, no seu estágio inicial, impactou a economia local no estado do Pará e promoveu uma corrida para a produção de borracha na região:

    Em todo o caminho de volta descendo o rio Negro, a fumaça era vista subindo nos recentemente abertos seringais. O preço extraordinário alcançado pela borracha no Pará em 1853 acordou as pessoas da sua letargia, e uma vez que começaram a se mover, tão grande era a impulso através do rio Amazonas e seus tributários, uma grande massa se colocou em movimento para procurar e fabricar borracha. Na província do Pará sozinha (o que engloba apenas uma pequena porção da Amazônia), foi calculado que 25.000 pessoas estavam trabalhando em ramos da indústria da borracha. Mecânicos jogaram para o lado as suas ferramentas, vendedores de açúcar abandonaram suas fábricas, índios as suas roças. Então, açúcar, rum, e até mesmo farinha não estavam sendo produzidos em quantidade suficiente para o consumo na província, sendo os dois primeiros artigos tendo que ser importados do Maranhão e Pernambuco, e o último vinha do alto rio Negro [...]

    (Spruce, 1908SPRUCE, Richard. Notes of a botanist on the Amazon and Andes. London: MacMillan, 1908., p. 507, tradução nossa).

    Spruce (1908)SPRUCE, Richard. Notes of a botanist on the Amazon and Andes. London: MacMillan, 1908. também faz excelentes anotações sobre a produção da borracha, do processo de coleta do látex das árvores de seringa até a fase final de defumação:

    Uma trilha tinha sido aberta a cada árvore, e também aos planos adjacentes da palmeira de Urucuri, que curiosamente são encontrados crescendo quase que invariavelmente perto da Seringueira, e cuja fruta é considerada essencial à apropriada preparação da borracha-índia. Um corte forte é feito em volta do tronco de cada árvore de Seringa, começando na base e estendendo-se para cima aproximadamente até a altura que um homem pode alcançar, e fazendo neste espaço dois ou três voltas. Isto suporta uma caneleta estreita feita de argila, que conduz o leite quando ele flui da casca ferida e é depositada em uma tigela depositada na base da arvore. Cedo na manhã um homem entra na floresta, levando consigo um terçado e um grande vaso suspendido por um punho do cipó para dar forma a um tipo de balde, e visita em sucessão cada árvore de Seringa. Com seu terçado ele faz cortes superficiais na casca de cada árvore e retornando a mesma aproximadamente uma hora depois, encontra uma quantidade de leite na tigela que transfere a seu balde ou cuyamboca. O leite coletado é posto em bacias rasas e grandes feitas de barro, outros trabalhadores tem ao mesmo tempo enchido vasos (Caraipe) estreitos e fundos e de boca pequena com frutos de palmeira de Urucuri e iniciam um fogo rápido no vaso. A fumaça que levanta-se do Urucuri aquecido é muito densa e branca; e enquanto cada sucessiva camada é aplicada cria-se uma forma derramando o leite sobre isto - o operador prende-o na fumaça, que endurece o leite em alguns momentos [...]

    (Spruce, 1908SPRUCE, Richard. Notes of a botanist on the Amazon and Andes. London: MacMillan, 1908., p. 182, tradução nossa).

    A crescente demanda de mercado, e sendo a seringueira endêmica da Amazônia, fez com que a região experimentasse algumas décadas de crescimento econômico. Embora capital e terra fossem disponíveis, a mão de obra para o fabrico de borracha era um recurso limitado na Amazônia. Caboclos, morando às margens dos tributários do rio Amazonas, engajaram-se no corte da seringa de forma voluntária; e populações indígenas foram coagidas, quase sempre, sob regime de escravidão.

    O déficit de mão de obra na Amazônia coincidiu com a severa seca no Nordeste brasileiro, entre 1877 e 1879, e produziu uma forte migração de agricultores pobres do sertão em direção à Amazônia, entusiasmados para dividir a imaginária riqueza do mercado da borracha. Neste momento, milhares de imigrantes do Nordeste brasileiro foram, então, estimulados a se dirigirem para a Amazônia e, assim, suprir a mão de obra necessária à extração do látex, ficando conhecidos como seringueiros4 4 Ver Santos (1980), para uma vasta discussão sobre a trajetória desses imigrantes nordestinos engajados na indústria da borracha na Amazônia. .

    A Amazônia ocidental se tornou a nova fronteira de expansão da economia de borracha para os migrantes nordestinos, visto que as terras mais próximas no leste da região já estavam ocupadas. Esta região oferecia aos empreendedores novas áreas para produção e, ao mesmo tempo, prometia aos migrantes a oportunidade imediata de começar a produção em áreas não exploradas. Brown e Lidstone (1878)BROWN, Charles Barrington; LIDSTONE, William. Fifteen thousand miles on the Amazon and its tributaries. London: Edward Stanford, 1878., viajando pelo rio Juruá, observaram como novas áreas estavam sendo ocupadas por seringalistas e seringueiros, devido à crescente economia da borracha, trazendo um novo padrão demográfico de ocupação para a região:

    Todas as tardes nós observávamos, quando estávamos navegando, a fumaça que levanta-se das margens com intervalos freqüentes. Esta indicava os lugares onde os homens engajavam-se no processo de manufatura de borracha-índia. Os patrões dos seringais ou estabelecimento de borracha-índia, como todos os outros viajantes neste rio, residem aqui durante a estação seca, e vão para sua residência permanente nas margens do Solimões quando as águas começam a subir. Este rio é essencialmente um rio de crescimento de borracha-índia – até mesmo mais do que o Purus – e, se não fosse pela atração das árvores de seringa na sua margem, isto não teria um único habitante. Nós encontramos os homens que se ocupavam tão intensamente no corte, com nenhum pensamento além do comércio da borracha-índia. Seu tópico de conversação era sobre o número de “contos de réis” que faziam anualmente (aproximadamente, centenas das libras) [...]

    (Brown; Lidstone, 1878BROWN, Charles Barrington; LIDSTONE, William. Fifteen thousand miles on the Amazon and its tributaries. London: Edward Stanford, 1878., p. 459-460, tradução nossa).

    Keller[-Leuzinger] (1874)KELLER[-LEUZINGER], Franz. The Amazon and Madeira Rivers. Sketches and descriptions from the note-book of an explorer. London: Chapman and Hall, 1874., contratado pelo governo brasileiro, que viajou pelo rio Madeira, em 1867, com o objetivo de projetar a estrada de ferro ferrovia Madeira-Mamoré, relatou e ilustrou (Figura 3) a crescente ocupação das margens do rio Madeira por empreendedores e migrantes nordestinos à procura de novas áreas para a produção de borracha:

    Figura 3
    Estabelecimento recente de um barracão para o comércio de borracha às margens do rio Madeira.

    Nas margens do Amazonas, sua produção, é verdade, já foi diminuída pelo tratamento irracional dado as árvores. As árvores naturalmente sofrem, como naturalmente mesmo sob o melhor tratamento, da repetição da extração e remoção de sua seiva; e os seringueiros então tem que procurar novas áreas de exploração da seringa nos vales inexplorados do interior mais distante. Mas os seringais na margem do Madeira, do Purus e de outros afluentes do rio principal, continuam a fornecer-lhes quantidades extraordinárias [...]

    (Keller[-Leuzinger], 1874, p. 98-99, tradução nossa).

    Para que o Brasil mantivesse a sua supremacia como produtor e exportador de borracha natural, Woodroffe e Smith (1913)WOODROFFE, Joseph Froude; SMITH, Harold Hamel. The rubber industry of the Amazon and how its supremacy can be maintained. London: John Bale, Sons & Danielsson Ltd., 1913. fizeram relatos, sugerindo ao governo brasileiro que estimulasse a vinda de imigrantes asiáticos para a região, a fim de resolver o déficit de mão de obra na Amazônia. As suas considerações precisam ser contextualizadas ao momento crítico de explosão da economia da borracha e do estrangulamento de mão de obra:

    Devem-se estimular livremente corajosos imigrantes de classe de pessoas como os agricultores chineses e japoneses e pequenos comerciantes (não estes das cidades), que tenham suficientes iniciativas de negócios para ajudar o Brasil a ajudar a si próprio. Para colocar a sua casa em ordem e manter seu comando na demanda mundial pelo seu produto, o Brasil precisa ter uma população muito maior, pelo menos onde a borracha é produzida, ao longo do vale amazônico. Isto é uma questão de vida ou morte para que a indústria de borracha da Amazônia possa assegurar um amplo estoque de trabalhadores para desenvolver os seus recursos. Quem se colocar na boca do Amazonas e se recusar à admissão de japoneses e chineses para ocuparem um lugar junto com os caboclos e índios, estará cometendo um sério erro, e quando a indústria da borracha estiver enterrada sob uma desordenada luxúria dos estranguladores, a culpa cairá na cabeça desses que são estúpidos o suficiente para acreditar que os seus próprios interesses serão prejudicados pela chegada desses importantes trabalhadores vindos do outro lado do Pacífico [...]

    (Woodroffe; Smith, 1913WOODROFFE, Joseph Froude; SMITH, Harold Hamel. The rubber industry of the Amazon and how its supremacy can be maintained. London: John Bale, Sons & Danielsson Ltd., 1913., p. 309-310, tradução nossa).

    A promessa de fortuna fácil da economia da borracha revelou-se para os migrantes nordestinos e para outros grupos que trabalhavam na base da cadeia produtiva, no corte da seringa, como um período de grande exploração pelos patrões da borracha, tornando-os uma das classes de trabalhadores mais expropriadas ao longo da história econômica da região. Woodroffe e Smith (1913)WOODROFFE, Joseph Froude; SMITH, Harold Hamel. The rubber industry of the Amazon and how its supremacy can be maintained. London: John Bale, Sons & Danielsson Ltd., 1913. descrevem algumas das características das condições de vida e de isolamento desses trabalhadores no interior da floresta:

    Eles trabalham no fundo da selva e moram no centro do perigo de animais selvagens, répteis e insetos, que tornam a vida uma aflição e grandemente aumenta os riscos e, consequentemente, os custos da extração. Os seringueiros conhecem poucos, se algum, dos benefícios da civilização, nem têm o prazer, privilégio e conforto desses que viviam em comunidade para mútua proteção ou convivência social. Ele passa o dia sozinho no meio da floresta, apenas ocasionalmente visita o barracão do seu patrão, quando é possível para ele encontrar um ou dois outros como ele, e não sabe nada do mundo lá fora, suas conversas eram por necessidade confinadas ao seu próprio ambiente limitado [...]

    (Woodroffe; Smith, 1913WOODROFFE, Joseph Froude; SMITH, Harold Hamel. The rubber industry of the Amazon and how its supremacy can be maintained. London: John Bale, Sons & Danielsson Ltd., 1913., p. 209, tradução nossa).

    As condições iniciais de estabelecimento dos seringueiros na floresta os limitavam a meros extratores de látex, sendo até mesmo impedidos de caçar, assim como de fazer roçados, com o objetivo de terem dedicação exclusiva ao corte do látex, e também como estratégia de contínuo endividamento econômico no sistema de aviamento, uma vez que todo o seu mantimento era fornecido pelos seringalistas, como relatado por Keller[-Leuzinger] (1874, p. 102, tradução nossa):

    Para piorar as coisas, o preço miserável recebido pela venda da borracha era quase nunca pago em dinheiro vivo, mas sim em mantimentos e outros pequenos produtos negociados com valores aumentados em até três vezes, não é de se admirar que o pobre seringueiro extrator, embora trabalhe como um garimpeiro, por assim dizer, no final do ano deve mais do que ele pode pagar ao patrão; e dessa habilmente projetada escravidão ele nunca é capaz de se libertar [...]

    Há divergências na forma como os seringueiros foram percebidos na literatura sobre a economia da borracha na Amazônia. Alguns renomados autores contemporâneos, como Furtado (1961)FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961. e Prado Junior (1960)PRADO JUNIOR, Caio. A questão agrária do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1960., os veem como vítimas miseráveis de um modelo extremamente desigual de expropriação, sendo obrigados a permanecer no interior da floresta. Outros autores mais recentes, a exemplo de Almeida (2004)ALMEIDA, Mauro W. Barbosa de. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 19, n. 55, p. 33-53, jun. 2004. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092004000200003.
    http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092004...
    e de Pantoja (2004)PANTOJA, Mariana Ciavatta. Os Milton: cem anos de história nos seringais. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2004., vão além, os vendo como trabalhadores explorados sim, mas que deram demonstrações de superação de sua situação de explorados, adaptando-se a diversas dificuldades no interior da floresta, buscando, desta maneira, formas de adequação e superação, resultando na construção de uma identidade defendida com dignidade e harmonia com o ambiente. Estes autores, refutando a visão de que os seringueiros foram ‘vítimas da história’, onde se enfatiza apenas a relação seringueiro versus patrão para classificá-los como ‘isolados’ e ‘solitários’, consideram que esta abordagem não leva em consideração diversas outras formas de sociabilidade na floresta.

    A deterioração da economia da borracha brasileira se iniciou em 1912, com o colapso do seu monopólio, advindo da competição das plantações de borracha na Malásia. Spruce fez descrições cuidadosas sobre a seringueira que ajudaram o Jardim Botânico de Kew – instituição conselheira oficial do governo britânico sobre questões botânicas – a se interessar no projeto de obter sementes de seringueira. Foram feitas dezenas de tentativas, até que em 1872 Henry A. Wickham obteve êxito. O Brasil lutou de várias formas para manter a sua supremacia no comércio internacional da borracha natural na Amazônia5 5 Ver Dean (1989), para uma excelente discussão sobre os esforços e os limites do Brasil para manter o seu monopólio mundial de borracha natural. , mas não foi capaz de fazer frente à expansão das plantações de seringueiras nas colônias britânicas da Ásia. Toda uma indústria, toda uma cultura e todo um futuro de produção extrativista foram transplantados da Amazônia para o sudeste da Ásia.

    As plantações de seringueira no sudeste da Ásia cresceram rapidamente e produziram mais do que as seringueiras naturais da Amazônia, devido aos esforços de cultivo. Consequentemente, as seringueiras da Ásia puderam produzir borracha com melhor qualidade, mais rapidamente e mais barata, o que se tornou muito mais atrativo para as indústrias, em comparação à sua rival natural da Amazônia. Quando o acesso americano para o suprimento de borracha do sudeste da Ásia foi bloqueado durante a Segunda Guerra Mundial, os governos brasileiro e americano investiram fortemente na produção de borracha na Amazônia. Porém, depois da Guerra e com o desenvolvimento da borracha sintética, o período de alta produção para exportação na Amazônia foi mais uma vez encerrado6 6 Ver Martinello (2004), para uma vasta reflexão sobre os impactos e as tentativas de restabelecer a indústria da borracha na Amazônia durante a Segunda Guerra Mundial. . Apesar de seu ‘fracasso’ para estabelecer um processo de desenvolvimento extrativista de longo prazo na região, os ciclos da borracha indubitavelmente marcaram a Amazônia e causaram substanciais alterações sociais e econômicas, que podem ser vistas e sentidas ainda hoje.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Quais foram as principais atividades econômicas com base extrativista na Amazônia desde a chegada dos europeus? Como essas atividades têm mudado ao longo dos séculos e como elas se comparam com a corrente situação de exploração extrativista da Amazônia de hoje? Este artigo trata de algumas dessas atividades com base em relatos de alguns viajantes naturalistas. A grande maioria da literatura produzida sobre a economia extrativista na Amazônia faz pouca ou nenhuma referência aos autores discutidos neste ensaio. Certamente tais autores, além de outros não mencionados, merecem mais atenção da sociedade intelectual para uma reflexão ampliada da realidade extrativista na Amazônia hoje. Muito do que vem sendo escrito sobre esta região nas últimas décadas conduz o leitor a acreditar que a exploração predatória de recursos é um fenômeno recente. De fato, isso é apenas a extensão de uma mentalidade de exploração econômica que está enraizada há séculos. O padrão de crescimento e de estagnação observado através da história econômica deste local demonstra o modelo desigual de extração implantado na região. Muitos dos primeiros problemas com a exploração desordenada de recursos enfrentados no passado continuam atuais.

    Como a visão externa sobre a Amazônia tem caminhado ao longo dos séculos? Na visão de Carvajal, no século XVI, esta região foi descrita como ‘um verdadeiro inferno’, descrevendo-o de acordo com as convicções religiosas da Igreja Católica na época. Acuña, no século XVII, viu a Amazônia como local de grande potencial econômico para a produção de riquezas, uma visão compartilhada por João Daniel, nas suas descrições do “Tesouro descoberto no Máximo Rio Amazonas”, mais de um século depois. Tais visões atraíram para a região, nos séculos XVIII e XIX, notórios naturalistas, que a perceberam como um grande laboratório natural a ser inventariado - o paraíso dos naturalistas, como pode ser percebido nas descrições de Bates, Wallace e Spruce. A partir do final do século XX, a Amazônia passa a ser vista como um hot spot de biodiversidade e adquire um papel significativo nos fóruns internacionais sobre material genético para pesquisas médicas e mudanças climáticas globais.

    Wallace (1853, p. 300-309, tradução nossa)WALLACE, Alfred Russel. A narrative of travels on the Amazon and Rio Negro, with an account of the native tribes, and observations on the climate, geology, and natural history of the Amazon Valley. London: Reeve and Co, 1853. apresenta uma “[...] lista dos principais produtos extrativistas com potencial econômico na Amazônia”. Mais de cento e cinquenta anos se passaram, e boa parte dos produtos enumerados por ele ainda permanecem como ‘potenciais’ na agenda de desenvolvimento extrativista de governos e, no máximo, ganhou notoriedade como ‘experiências pilotos’ bem sucedidas que precisam ser promovidas em larga escala.

    A intenção deste ensaio é resgatar as observações dos viajantes naturalistas sobre os principais ciclos econômicos do extrativismo na Amazônia. A riqueza de conhecimentos acumulados sobre a região na obra deles pode ajudar na interpretação de muitos dos dilemas atuais deste local, dando-lhes perspectivas diferentes ou, pelo menos, ampliadas. Este documento faz apenas um recorte específico dos relatos de alguns naturalistas, mas pode provocar uma reflexão dos interessados na história econômica e natural da região sobre a necessidade de maior valorização dos conhecimentos produzidos pelos naturalistas, que se embrenharam nos longínquos meandros do vale amazônico ao longo dos séculos.

    REFERÊNCIAS

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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      Jan-Apr 2018

    Histórico

    • Recebido
      03 Abr 2017
    • Aceito
      03 Out 2017

    Aponte a importância do extrativismo para a economia das comunidades tradicionais brasileiras

    Qual é a importância do extrativismo para a economia das comunidades tradicionais brasileiras?

    Por meio do extrativismo, as comunidades podem suprir suas necessidades ou gerar renda trabalhando na coleta de frutos, sementes ou látex, que podem ser comercializados ou processados para produção de óleos ou artesanato, por exemplo, de acordo com os planos de manejos de cada território, sem causar impacto na ...

    Qual a importância do extrativismo para sociedade?

    A atividade extrativista é extremamente importante para a economia brasileira, pois o minério de ferro e o petróleo é um dos grandes produtos de exportação no país. Também o extrativismo é vital para comunidades na Amazônia e no Nordeste, pois elas dependem diretamente do extrativismo vegetal para a sobrevivência.

    O que são comunidades tradicionais de Três exemplos?

    Entre os PCTs do Brasil, estão os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os pescadores artesanais, os pomeranos, entre outros.

    O que são as comunidades tradicionais Brainly?

    Um povo que mantem um modo de vida intimamente relacionado ao meio ambiente em que vivem . Tem seu modo de vida , costumes , crenças , hábitos transmitidos oralmente , de geração em geração .