Como as fontes tratam a questão das terras do Brasil no século XIX?

A QUESTÃO AGRÁRIA E O SISTEMA SESMARIAL: BREVES CONSIDERAÇÕES

Costa Porto (1965) abre o primeiro capítulo do livro “Estudo sobre o sistema Sesmarial” com uma significativa e esclarecedora citação de Messias Junqueira. Essas palavras são resgatadas para iniciar o desenvolvimento deste texto.

A História territorial do nosso país começa com um paradoxo: antes de descoberto o Brasil, suas terras já pertenciam a Portugal. (JUNQUEIRA, apud. PORTO, 1965, p. 13).

Segundo Porto, no período do espraiamento marítimo, no século XV, Portugal teria sido a nação mais favorecida pela generosidade dos pontífices romanos. Naquele período, a distribuição de terra era algo divino e definido a partir dos atos dos papas, representantes supremos do cumprimento das leis de Deus.

Apesar das disputas entre Portugal e Espanha sobre a posse das terras, pressupostas como existentes e prestes a serem descobertas, com o tratado de Tordesilhas (1494) as questões foram diplomaticamente resolvidas e os domínios se estabeleceram. Mesmo antes da revelação de sua existência, em 1500, por Cabral,as terras do litoral de Vera Cruz, em território brasileiro, já pertenciam à Coroa Lusitana.

Distribuição de terras no Brasil: o começo de tudo

O que marca o início da história entre a Coroa e a Colônia parece orientar o desenvolvimento das ações de Portugal em relação ao Brasil. Sem conhecimento acurado das especificidades dos novos domínios a realeza definia os rumos da Colônia. Nessa perspectiva se deu a transposição da forma de concessão de terra através da utilização do recurso sesmarial, mais um paradoxo na constituição do território brasileiro. Como indicado por Porto (1965) a falta de observância às particularidades de cada um dos territórios pode ter sido um dos grandes problemas da transposição literal desse sistema de distribuição de terras para o Brasil.

A realidade encontrada nas terras de Vera Cruz era com certeza diferente da estabelecida em Portugal. Segundo o autor, restando um ponto claro de similaridade: a existência de solo sem cultura, sem aproveitamento, inexplorado (PORTO, 1965, p.52). Ademais todos os outros pontos que orientam a concessão de sesmaria em Portugal são totalmente distantes da realidade brasileira. A aplicação do sistema sesmarial trouxe inúmeros problemas em terras nacionais. Enquanto, no Portugal de D. Fernando, de D.João e de D. Duarte, a distribuição de terra de sesmaria gerou, em regra, a pequena propriedade, no Brasil foi a causa principal do latifúndio (PORTO, 1965, p.58-59).

A total transposição de um sistema cultural a outro traz consequências drásticas, e foi assim com o Brasil. As questões agrárias neste país iniciam simultaneamente a sua exploração, o que define todo o sistema de distribuição de terra revelando o caminho equivocado seguido e a suas consequências na contemporaneidade. Nesse sentido a compreensão do sistema sesmarial é um passo decisivo à busca de soluções para a democratização da terra, ou seja, a busca pelo equilíbrio entre os diferentes agentes que compõem o universo rural, principalmente no Pará.

A Lei das Sesmarias

A Lei das Sesmarias foi promulgada em Santarém, em 1375, durante o reinado de D. Fernando, o Formoso. A Europa vivia uma situação de crise econômica há algumas décadas, agravada pela peste negra que dizima, especialmente, a população das cidades, já que a aglomeração humana propicia o alastramento da doença. A partir da metade do século XIV e por todo o século XV, instala-se no continente um clima de depressão econômica, obrigando a tomada de decisões, algumas drásticas, na tentativa de reverter a situação pela reorganização política e social. Nesse contexto instável e problemático emerge a Lei das Sesmarias em Portugal.

É possível considerar que a razão essencial da Lei das Sesmarias e daquelas que dela se irradiaram foi a cultura da terra para a provisão do abastecimento da população. E nesse aspecto, a lei era bastante rigorosa, até mesmo dura, a respeito da terra inculta: perca a herdade e que vaa pera o bem comum do lugar onde estiver (PORTO, 1965, p. 28). O senhor da terra a trabalhava diretamente ou transferia o domínio a outrem mediante aforamento, caso contrário estaria sujeito a tê-la confiscada pelo sesmeiro, ou seja, o repartidor e distribuidor de terras.

A terra obtida mediante a sesmaria é denominada propriedade sesmarial (BENATTI, 2003) e sua concessão obedece às normas emanadas da Lei das Sesmarias e regulamentadas dispersamente nas Ordenações. São duas as obrigações a serem cumpridas pelo solicitante – demarcação e cultivo – para a obtenção da confirmação. Em Portugal, a demarcação justifica-se pelo fato de as terras abandonadas serem muitas em consequência da expulsão dos mouros que se concretiza no século XIV. Ociosas e improdutivas, o cultivo era uma forma de ocupá-las e, ao mesmo tempo, suprir as necessidades de abastecimento demandadas pelo mercado consumidor, especialmente o das cidades e vilas, despossuídas que estavam, pois vitimizadas pela crise econômica, especialmente, nas cidades e o caudal de consequências negativas daí advindas.

No Brasil, as necessidades são de outra ordem. Portugal precisa legitimar a apropriação da terra descoberta, exercer essa apropriação na prática e, evidente, dela tirar algum proveito. A exploração da terra se inicia 30 anos após a estada de Cabral com a instituição do governo dos capitães de terra, através da oficialização das capitanias. As normas para o exercício desse governo, assim como as regras de funcionamento para a distribuição da terra, contidas nas Ordenações caracterizavam-se por estarem esparsas e serem genéricas. A esses aspectos, que já dificultavam a observação das propostas organizacionais das capitanias, somam-se as diversas legislações emanadas da Metrópole. Os governantes e os preclaros da corte viam-se a braços com um emaranhado de questões, muitas das quais de importância menor ou irrisória sobrelevando-se, e outras, a exigirem maior atenção, relegadas a um plano secundário, quando não postas de lado.

A questão fundiária brasileira, se creditarmos suas origens ao sistema das sesmarias, apresenta ambiguidades desde o início. Apresenta-se assentada em princípios jurídicos fundamentados e registrados, embora esparsos e generalizados, nas Ordenações e marcados por restrições quanto ao aproveitamento da terra. Entretanto, esses dispositivos sofrem a superposição dos hábitos e costumes transacionais locais, em grande parte determinados pelas condições peculiares da Colônia. Também há que se considerar a origem dos beneficiários de terras, ligados por laço de classe – eram em sua maioria nobres – ao rei e por serviços prestados, bem como o fato de o financiamento dessa exploração ser oriundo de banqueiros, inclusive estrangeiros e de uma classe rica emergente, já que tanto a Coroa como os nobres estavam descapitalizados.

Transplantado de Portugal para o Brasil, pela autoridade real, o sistema sesmarial chega acumulado de normas originadas em um contexto social, econômico, político e jurídico distinto. A história de Portugal, apenso à Península Ibérica, saído de uma luta encanecida como foi a da expulsão dos árabes, católico, tendente a conquistas, vivendo um período expansionista, detentor de tecnologia marítima e de mão de obra, para a época, altamente qualificada, como atestam seus navegadores, não encontra paralelos no Brasil. Uma cultura estranha ao novo continente que, por seu turno, é estranho a Portugal. O que de Portugal chega, em termos de normas, regras, modos de tratamento social nada diz ao habitante local. Mesmo aos poucos portugueses estabelecidos na terra, como mostra Salvador (1982, p. 94), pois eram homens de pouca estima tão pouco o serviço de V. A. e suas honras.

Às normas e regras integradas ao corpo de ideais que configurava a instituição sesmarial portuguesa, foram sendo acrescentadas as medidas criadas pela Coroa para a solução de problemas, alguns pontuais, surgidos no cotidiano da Colônia, outros nem tanto. Essas questões originam-se nas e das diferenças sociais entre a Metrópole e a Colônia. Ou seja, as normas emanadas de Portugal atritam com costumes, alguns já consolidados outros em fase de estabilização, na sociedade brasileira.

A inexistência de um regulamento específico que tratasse exclusivamente da matéria, já que as regulamentações encontravam-se esparsas e generalizadas nas Ordenações, deu origem a um sistema peculiar de regulamentação da concessão de terras que se efetiva com a publicação de forais, decretos, alvarás e cartas régias. Essa situação dificulta a aplicação da regulamentação, facilita a inobservância do cumprimento das normas de um lado e abusos em sua aplicação de outro.

A Carta de Data e Sesmaria tinha valor provisório e cabia ao sesmeiro suplicar do Rei que fosse confirmada por ele, no prazo de três anos. Se confirmada, o posseiro sesmeiro recebia a carta de confirmação que equivalia ao título definitivo. Detentor do título provisório, o sesmeiro só poderia transferir a terra a um terceiro mediante a aprovação do governador, através de uma solicitação feita ao provedor-mor a quem cabia submeter a petição ao governador, pois a Carta de Data e Sesmaria vedava o trespasse. O título definitivo dava plenos poderes ao sesmeiro no que diz respeito à propriedade da terra – houvesse, lograsse, e possuísse como coisa própria, para elle e todos os herdeiros, ascendentes e descendentes, sem pensão, nem tributo algum mais que o dízimo a Deus Nosso Senhor dos frutos que houvesse e lavrasse (VIANNA, 1904, p. 150, apud BENATTI, 2003, p. 40).

A propriedade sesmarial é aquela que foi confirmada pelo Rei, o sesmeiro requeria uma data de terra, cumpria as duas principais obrigações para receber a confirmação: o cultivo e a demarcação. Reconhecia como direito individual de propriedade da terra os que possuíam como título originário atos de concessão e confirmação da Coroa portuguesa. O acesso à propriedade da terra era regulamentado no sistema sesmarial pela Ordenação e pelas diversas legislações esparsas emanadas da Metrópole portuguesa. Após a confirmação, a terra adquiria o status próximo ao que hoje é conferido à propriedade privada absoluta. Para os objetivos deste texto, consideraremos propriedade sesmarial também aquela terra que no Brasil não foi confirmada, mas para a qual houve a solicitação e ou despacho favorável do Capitão-Mor ou do Governador – as sesmarias concedidas –, portanto, o solicitante que obtinha a lavra da carta de data e sesmaria. Destacamos também que sob a análise legal, somente as sesmarias confirmadas é que têm repercussões jurídicas até a contemporaneidade, ou seja, podem ser consideradas válidas.

A propriedade senhorial originou-se pelo apossamento primário da terra, ou seja, pela posse e não pela transferência oficial do bem público para o patrimônio particular, como ocorreu no sistema sesmarial. É o costume local e a concepção jurídica reinante na época que lhe deu o status de propriedade privada rural. Posteriormente o Estado buscou reconhecê-la e legitimá-la devido à pressão dos proprietários senhoriais. De fato, ocorreu a apropriação privada das terras devolutas, ou seja, do patrimônio público. A legitimação se dava com base no trabalho da terra e a legalização da mesma se deu pela prescrição aquisitiva, transações de compra e venda e testamentos, que eram realizados em documentos privados e “oficializados” nos tabeliães e juízes testamentários. Diríamos que a concepção de propriedade senhorial está mais próxima da noção sociológica, com elementos e fundamentação jurídica.

O fato de a propriedade senhorial ter sua legitimação na posse, não a torna uma propriedade ilegal ou a margem da lei, pois é uma propriedade de fato, que se fundamenta na doutrina jurídica dos séculos XVII e XVIII, ganhando força política e jurídica devido ao poder do senhor da terra. Lembramos, ainda, que a propriedade senhorial trata-se exclusivamente da grande propriedade, não incluindo os que não tinham poder naquela época, tais como os quilombolas, caboclos, ribeirinhos, os índios etc. A propriedade senhorial passa a ser ilegal no início do século XX com o fortalecimento da concepção da propriedade moderna.

A propriedade brasileira moderna é aquela que é demarcada e registrada em cartório, mecanismo utilizado pelo Poder Público para transferir seu patrimônio para o domínio privado. Enquanto as duas primeiras têm o seu período de desenvolvimento do século XV ao século XIX, a última só irá surgir no final do século XIX, mas somente se torna hegemônica entre 1930 e 1960, dependendo da região brasileira. É preciso ressaltar que não se trata de uma substituição de uma categoria por outra: em um mesmo período histórico, elas coexistiram, sem necessariamente conflitarem.

Não se deve confundir a propriedade sesmarial, senhorial e moderna com a propriedade absoluta ou a absolutização da propriedade. Chamamos de propriedade absoluta a que tem como característica o caráter absoluto, exclusivo e perpétuo de seu dominium, ou seja, aquela em que o poder do proprietário sobre a coisa é absoluto e exclusivo[1]. Assim, o proprietário do imóvel pode usar, gozar e dispor da coisa como quiser, sujeitando-se apenas às limitações impostas pela lei ou pelo interesse público. Já na propriedade feudal o dominium era compartilhado (não absoluto) entre dois sujeitos: o senhor e o vassalo. Devido a essa caracterização, é comum fazer a analogia entre a absolutização da propriedade e o fim do feudalismo. Contudo, é importante chamar atenção para o fato de que no Brasil, a propriedade privada rural surge absoluta e individual, seja ela sesmarial, senhorial ou moderna[2]. Cada uma terá sua característica própria, seu procedimento peculiar de se apropriar da terra e dos recursos naturais, mas também há elementos comuns, principalmente entre a propriedade sesmarial e a senhorial.

A Coleção Sesmarias

A distribuição de terras no Brasil tem particularidades, necessitando, assim, cada vez mais, de elementos que forneçam subsídios ao aprofundamento das diferentes questões que cercam a propriedade rural neste país. Por isso a importância do estudo do sistema sesmarial e a publicação desta Coleção, antecedida pelo livro “Sesmaria” produzido e publicado pelo Instituto de Terras e Secretaria de Cultura do Pará, em 2009[3]. Nessa derradeira publicação a proposta foi introduzir a questão da distribuição de terras no país a partir dos registros das Sesmarias, destacando sua relevância para orientação do Ordenamento Territorial no Estado do Pará. Nesta coleção, composta por 20 volumes, a proposta é apresentar ao leitor os registros em imagem digital seguidos das respectivas transcrições literais dos conteúdos.

Os Livros de Registros de Datas e de Sesmarias, perfazendo um total de 2.158 (dois mil, cento e cinquenta e oito) registros, transcritos nesta Coleção, sob a guarda do Arquivo Público do Estado do Pará, compreendem documentos dos séculos XVIII e XIX. As transcrições obedeceram literalmente o arranjo[4] adotado no Arquivo para organização dos documentos históricos setecentistas originais, sendo assim, apresentam documentação do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão, motivo pelo qual o leitor terá acesso aos documentos relativos também ao Maranhão e Piauí.

É importante evidenciar que a Coleção tem como objetivo principal a divulgação e a transcrição das Cartas de Sesmarias. As cartas de provisão e de patente, essas destinadas a nomeação de pessoas a serviço de El Rei como benesses pelas ações desempenhadas. As cartas de provisão e de patente eram títulos oficiais de uma concessão de privilégios. Eram títulos, documentos através dos quais a Coroa outorgava um privilégio que podia ser um cargo, uma dignidade, uma autorização para o exercício de um ofício. Essas cartas podiam fornecer prescrições, disposições sobre a concessão. Elas serão encontradas ao longo dos volumes, no entanto por não constituírem assunto específico da Coleção não foram transcritas. Apesar de não transcritas, foram digitalizadas com a intenção de manter a forma original do arranjo do respectivo livro. Da mesma forma, é necessário indicar que a medida equivalente a légua de sesmaria corresponde a 4.356,00 hectares.

A escolha metodológica para publicização dos conteúdos dos livros foi a de manter exatamente a forma como foram ordenados no Arquivo e, para tanto, foi desenvolvido ao longo de três anos o projeto “Semarias”[5], envolvendo historiadores, estudantes de História, pesquisadores. Foram utilizadas nas diferentes fases do processo técnicas de restauração, preservação e leitura paleográfica de documentação setecentista.

(...) nós começamos a fazer todo um tratamento técnico, ou seja, numerar folha por folha o que a gente chama de numeração de segurança, higienizar a seco para retirar a poeira e tudo mais, e demos os banhos necessários para fazer com que o documento que estava muito ácido, voltasse a ficar alcalino e pudesse ter uma sobrevida maior (João Rodrigues Lopes[6]).

Além da busca pela preservação da documentação história e, portanto, permanente, o projeto teve como objetivo a transcrição das Cartas de Datas e Sesmarias dos séculos XVIII e XIX reunidas no Arquivo. A proposta foi propiciar aos diferentes leitores acesso aos registros que, por suas características históricas, são reflexos de determinado contexto social, distante dos tempos contemporâneos e, sendo assim, de difícil entendimento nos dias atuais. É importante destacar que a forma de escrita daquela época foi mantida, realizando-se única e exclusivamente intervenções indicadas pelo sublinhado com o objetivo de transcrever as palavras por extenso para facilitar a leitura. O leitor verá que a mesma forma de separação silábica foi mantida como registrada na documentação original obedecendo, assim, as “normas técnicas para transcrição de documentos manuscritos”, de 1993, que dispõe sobre a transcrição ipsis literis do original manuscrito[7].  

(...) o ITERPA, resolveu então fazer essa parceria com a Secretaria de Cultura por meio do Arquivo Público para fazer todo esse processo de transcrever as sesmarias para uma linguagem mais acessível porque a linguagem das sesmarias é um português arcaico, pela questão da grafia, escrita muito abreviada, então tem todo um processo de compreensão da leitura das sesmarias, e é esse o processo de transcrever as sesmarias,(...). Esse processo faz com que as pessoas ao verem uma sesmaria que vai estar publicada aí no livro, possa entender seu conteúdo, facilitando o trabalho do ITERPA com relação à questão da Regularização Fundiária, esses problemas fundiários todos, que é o dia a dia do ITERPA (João Rodrigues Lopes).

Mesmo com todo trabalho de restauração e preservação executado pela equipe de historiadores, são perceptíveis, na Coleção, a ação do tempo e a tardia intervenção para a salvaguarda desse importante capítulo da história de concessão de terras no Brasil. Vários trechos das cartas são de difícil leitura, o que demandou da equipe minuciosa atenção para que fosse realizada a transcrição literal de seu conteúdo. No entanto, ao ler esses documentos, é possível perceber o estratégico trabalho feito pelos pesquisadores desse registro sesmarial paraense.

(...) os três primeiros volumes, eles apresentam um problema que nós chamamos de migração de tinta, a tinta da caneta que usavam eram as chamadas canetas de penas e as tintas ferrogálicas, então o que acontece, essa tinta é absorvida pelo papel, o papel é de uma porosidade maior do que o papel comum hoje e ele ia absorvendo a tinta então, dependendo da quantidade de tinta que o escritor usava para escrever o documento, nós vamos ter um problema de legibilidade ou não. Então, essa chamada migração de tinta é um processo natural de documentos antigos da época. E de uma maneira ocasional, os três primeiros volumes são os que mais apresentam esse problema de migração de tinta, não é que tenha sido um resultado do tratamento químico, (...) até porque quando a gente faz um tratamento químico, a gente precisa fazer uma coisa chamada de teste de solubilidade, para saber se é possível fazer ou não. (...) E nós fizemos isso, mas o documento já se apresentava deteriorado, tanto que se você olhar outros volumes, dentro da coleção, você vai ter pelo menos alguns documentos também apresentando o mesmo problema de legibilidade por migração de tinta e alguns podem estar até com a escrita oxidada, então, é uma questão natural que aconteceu, (...) não houve perdas, (...) são resultados naturais dessa ação da tinta com o tipo de papel e tudo mais, que acontece (...) (João Rodrigues Lopes).

Sem dúvida, a importância da transcrição integral e do processo de preservação comprova-se a cada página da coleção, mas não é demais lembrar que esse não foi um exercício preso ao preciosismo saudoso. A escolha pela adoção da transcrição literal do conteúdo das cartas é uma necessidade metodológica já que se pretende, além da contribuição à história e à pesquisa, resguardar e democratizar os registros documentais com seus respectivos conteúdos de maneira integral. Dessa forma, entende-se colaborar para o encaminhamento de questões territoriais que tanto afligem o Pará.

O projeto, encampado pelo ITERPA e pela Secretaria de Cultura, tem suas origens em preocupações intrínsecas à missão fundante de um Arquivo Público – local de guarda, preservação e disponibilização de fontes históricas e documentais. Assim o projeto, capitaneado pelos órgãos de Estado do Pará, tornou possível a execução de metas relativas à gestão em arquivos públicos.

Apesar de todos os problemas financeiros e estruturais, que interferem em projetos dessa magnitude no Brasil, o projeto alcançou importantes objetivos como o que agora se concretiza com o lançamento desta Coleção. Entendemos que esse será mais um passo para democratização das informações fundiárias no Estado.

Boa leitura.

José Heder Benatti
Presidente do ITERPA



[1]O direito é absoluto porque o proprietário tem o monopólio sobre o bem, ficando o restante da sociedade excluída de explorá-lo, ou seja, tem o direito erga omnes porque os demais têm o dever de respeitar. Já exclusivo deve ser entendido como o domínio sobre imóvel recai somente em uma pessoa, não há divisão do dominium, como ocorreu no período feudal ou ocorre com o condomínio contemporaneamente.

[2]Quanto ao aspecto absoluto da propriedade, Raimundo Faoro (Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. v. 1 e 2, 7ª ed. Rio de Janeiro, Globo, 1987, p.126) lembra-nos que “a mudança de rumo, mudança que o contexto comercial da economia acelerou, refletiu sobre o sentido da propriedade territorial, que se afasta da concessão administrativa para ganhar conteúdo dominial”.

[4]O termo Arranjo pode ter as seguintes designações: 1) processo que, na organização de arquivos permanentes (compostos por documentação histórica e comprobatória de ações de uma sociedade), consiste na ordenação - estrutural ou funcional - dos documentos em fundos, na ordenação das séries dentro dos fundos e, se necessário, dos itens documentais dentro das séries. 2) processo que, na organização de arquivos correntes, consiste em colocar ou distribuir os documentos numa seqüência alfabética, numérica ou alfanumérica, de acordo com o método de arquivamento previamente adotado, também denominado classificação.

[5]O projeto “Sesmarias” teve como objetivo transcrever, digitalizar as imagens dos registros sesmarial e a disponibilização pública dessa documentação histórica, resultado esse alcançado e coroado por esta coleção.

[6]Um dos técnicos do Arquivo do Estado do Pará que acompanhou todo processo desenvolvido no projeto Sesmarias.

Por que a lei de 1850 conhecida como a Lei de Terras adotada no Brasil dificultou o acesso às terras?

A Lei de Terras adotada em 1850 no Brasil dificultava o acesso às terras pelas populações mais pobres porque acabou com a possibilidade da doação de sesmarias. Na prática isso dificultou muito a vida de famílias que gostariam de ser pequenos produtores, ou até mesmo produzir para subsistência.

Como podemos caracterizar o uso da terra no Brasil?

Realizada em grandes propriedades comerciais, caracteriza-se pelo uso intensivo de tecnologias, mão de obra especializada e insumos agrícolas. Alta produtividade voltada, principalmente, para exportação e mercado interno.