Oito em cada dez brasileiros t�m contato com ao menos uma pessoa com c�ncer. Entre seis em cada dez, o diagn�stico ocorreu entre familiares, e ao menos 2% s�o pacientes que t�m ou j� tiveram a doen�a.
Apesar dessa aparente proximidade, o c�ncer ainda � alvo de estigma e desconhecimento no pa�s, apontam dados de uma pesquisa in�dita encomendada pelo Instituto Oncoguia, que atua em apoio a pacientes.
Para se ter uma ideia desse paradoxo, ao mesmo tempo em que cresce a oferta de informa��es sobre a doen�a, 32% dos brasileiros dizem acreditar que o c�ncer � causado por traumas psicol�gicos.
C�lulas de c�ncer de mama - Khuloud T. Al-Jamal, David McCarthy e Izzat SuffianE embora a rela��o entre cigarro e c�ncer pare�a �bvia, 8% dos entrevistados dizem desconhecer essa associa��o. Al�m disso, 62% afirmam n�o ver rela��o entre obesidade e c�ncer.
�S�o dados preocupantes�, afirma a presidente do Oncoguia, Luciana Holtz, para quem os n�meros evidenciam a necessidade de aumentar os esclarecimentos sobre fatores de preven��o do c�ncer e combater mitos.
�� muito comum ouvirmos a frase: �eu fiz o meu c�ncer�. As pessoas relacionam o c�ncer a uma fase depressiva, ou a uma demora para tomar decis�es na vida. Esse � um mito que temos que esclarecer. Claro que a depress�o tem que ser monitorada, porque estamos falando de uma queda de imunidade importante, mas a rela��o direta entre traumas psicol�gicos e o c�ncer n�o existe.�
Enquanto a ci�ncia descarta uma rela��o de causa entre traumas e c�ncer, o oposto vale para a associa��o entre alguns tumores e obesidade, a qual j� � comprovada.
Atualmente, o excesso de peso corporal est� associado ao risco de desenvolver ao menos 13 tipos de c�ncer, segundo documento recente do Inca. Entre eles, est�o o c�ncer de es�fago, est�mago, p�ncreas, ves�cula biliar, f�gado, intestino e rins, por exemplo.
Em 2018, estudo da Faculdade de Medicina da USP, em parceria com a Universidade de Harvard e a Ag�ncia Internacional de Pesquisa em C�ncer da Organiza��o Mundial da Sa�de, estimou que 15 mil novos casos de c�ncer poderiam ser evitados a cada ano com a redu��o do sobrepeso e obesidade.
Para oncologista cl�nico G�lcio Mendes, coordenador de assist�ncia do Inca (Instituto Nacional de C�ncer), a dificuldade em ver a obesidade como fator de risco tem a ver com o imagin�rio das pessoas em rela��o ao c�ncer.
�A obesidade � um dos principais fatores de risco para c�ncer, mas as pessoas n�o conseguem fazer essa liga��o direta. O que fica num imagin�rio em rela��o � doen�a s�o pessoas com c�ncer terminal, desenvolvendo magreza extrema. A gente imagina que uma pessoa bem nutrida vai estar protegida contra o desenvolvimento de doen�as. O problema � que, quando falamos em obesidade, n�o falamos em algu�m bem nutrido, mas em algu�m mal nutrido para o lado do excesso�, diz.
A pesquisa que verificou a proximidade com o c�ncer e a falta de informa��o sobre os fatores de risco ouviu 2.002 pessoas de 16 anos ou mais, em amostra representativa da popula��o. O levantamento foi conduzido pelo Ibope.
O objetivo era entender o n�vel de conhecimento e percep��o da popula��o sobre o tema. A margem de erro � de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
Neste ponto, h� uma boa not�cia: ao menos 60% dos brasileiros indicam a import�ncia do diagn�stico precoce e os avan�os no tratamento como principal percep��o em rela��o ao c�ncer.
Do outro lado, 16% afirmam ver na doen�a uma �senten�a de morte�, 15% a veem como sofrimento e dor e 7% dizem ter medo at� de mencionar a palavra. Juntos, esse conjunto de percep��es negativas atingem 38% do total.
�Isso mostra como precisamos ter uma mudan�a no olhar em rela��o ao c�ncer�, diz Luciana. N�o que a realidade de quem tem c�ncer seja f�cil. �Mas � preciso ver como essa percep��o negativa impacta no diagn�stico e no tratamento�, diz.
�H� pessoas que dizem que n�o fazem exames porque quem procura acha. Com isso, muitas pessoas se afastam da rede de sa�de�, completa.
N�o � toa, a pesquisa mostra que, na avalia��o de pessoas que se declaram como mais pr�ximas a pacientes, a �rea mais afetada pelo c�ncer � o emocional. Em seguida, est� o corpo/f�sico, a qualidade de vida e a situa��o financeira.
Foi o que viveu Regiane Costa Espanhol, 41, que trata um c�ncer de mama metast�tico h� seis anos.
�A princ�pio, encarei com muita for�a, que � quando d� aquele pico para o tratamento. Voc� liga no 220v e vai. At� chegar em um est�gio do tratamento em que s� tomava medica��o, e tudo desacelerou. Nesse momento fiquei depressiva. N�o podia mais trabalhar, e fiquei meio que esperando morrer�, relata.
O acesso � terapia por meio de uma psic�loga que lhe ofereceu acompanhamento gratuito, afirma, permitiu superar a depress�o e obter for�a para continuar o tratamento.
Hoje, defende que haja maior investimento no tratamento psicol�gico a pacientes com c�ncer. �� imprescind�vel que o SUS tenha esse olhar. Isso gera mais qualidade de vida. Quando tem a parte emocional em controle, a dor � amenizada, e o impacto familiar � menor�, diz Regiane.
Al�m da oferta de apoio psicol�gico, dados da pesquisa sugerem que h� outros entraves que ainda precisam ser superados na rede de sa�de.
Entre eles, est�o a dificuldade de acesso a exames e para marcar consultas, segundo entrevistados que t�m parentes pr�ximos ou que foram eles pr�prios diagnosticados com c�ncer.
Para Mendes, o acesso ao diagn�stico � hoje um dos principais gargalos, o que pode estar relacionado a v�rios fatores, afirma. �S�o exames que t�m um custo apreci�vel, a remunera��o de prestadores de servi�o n�o � atrativa e a oferta de servi�o � limitada.�
Ele defende que haja maior organiza��o da rede para atender casos urgentes. �Se tem um paciente com um tumor no est�mago, n�o se pode esperar meses para uma endoscopia. O que para uma gastrite seria um tempo razo�vel, para quem tem um tumor pode ser a diferen�a entre o paciente ficar curado e n�o ter perspectiva de cura�, compara.
No in�cio do tratamento do c�ncer de mama, Regiane conta que chegou a esperar oito meses por um laudo, situa��o que a fez solicitar a transfer�ncia para outro hospital da rede p�blica �o primeiro passava por forte crise financeira.
�Hoje eu tenho a sorte de ter um laudo em 30 dias, que � o menor tempo que eu j� vi pelo SUS. A equipe que me atende tamb�m � muito engajada. Mas levo 2h30 de �nibus e metr� s� para chegar no hospital�, afirma.
Outro impasse � a burocracia. �Tenho que atualizar todas minhas autoriza��es a cada tr�s meses, mesmo estando em constante tratamento. Entendo que precisa atualizar, mas o prazo poderia ser maior.�
Mat�ria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em 16/04/2019