Como ocorreu o movimento de reconceituação?

1 INTRODUÇÃO

Este artigo atende a solicitação da editoria da Revista de Políticas Públicas (RPP), do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP), que neste número da revista presta um tributo aos 50 Anos do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina. Considerado um marco histórico dessa profissão, esse movimento, deflagrado em 1965, foi fundamental na formação da consciência crítica e de uma nova cultura dos profissionais de Serviço Social, em torno de questões cruciais do exercício da profissão nas sociedades dependentes e profundamente desiguais da América Latina. E cabe registrar o significativo protagonismo que o Serviço Social brasileiro exerceu nesse movimento, em particular no âmbito da organização acadêmico-política do grande e ativo coletivo profissional no continente2. É importante, portanto, que seja mantido vivo na memória de todas as gerações de profissionais e estudantes de Serviço Social; e nas ciências sociais, em cuja área se situa o Serviço Social. Certamente com a consciência de que “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”. (MARX. 1974, p. 17).

Entendo que quatro eixos de questões foram centrais no processo de formação da consciência crítica e de uma nova cultura dos (as) assistentes sociais: a) as relações de exploração e dominação das classes trabalhadoras e subalternas no capitalismo, e as relações de domínio do imperialismo, sob o capitalismo monopolista, com os países do continente; b) a tendência, desde sua origem, a atender, fundamentalmente, os interesses das classes dominantes, no exercício profissional como funcionários de instituições privadas, da Igreja e do Estado, mediando práticas assistencialistas, filantrópicas e de ajustamento ao sistema, ao status quo; c) a necessidade de, na contradição de sua atuação na mediação da relação entre as classes em confronto nas relações do capitalismo, vincular-se aos interesses das classes dominadas e exploradas, em efetivo compromisso com a necessidade histórica de emancipação dessas classes3; d) o caráter pragmatista do Serviço Social, até então dependente da literatura europeia e norte- americana e de manuais de orientação de prática.

O tributo da RPP aos 50 Anos do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina é também o reconhecimento da importância e necessidade de: a) seguir aprofundando a análise desses e novos eixos de questões que ao longo desses anos de desenvolvimento da profissão no continente, desde a deflagração do movimento, foram se complexificando; b) lutar para garantir a vinculação do Serviço Social aos interesses das classes trabalhadoras, exploradas, dominadas e humilhadas, em efetivo compromisso com a necessidade histórica de emancipação dessas classes. Este, certamente, o mais importante dos legados do movimento à profissão no continente; expressa uma tendência que foi construída com o avanço teórico e crítico da profissão, sem significar homogeneização de tempo, pensamento e ação4, a partir de 1965, ano referência de deflagração do movimento, durante o I Seminário de Ser viço Social Face às Mudanças Sociais na Am érica Latina5, realizado no Brasil, em Porto Alegre (CORNELY, 2004). É a tendência fundante da necessidade de construção de uma alternativa crítica no Serviço Social.

Não pretendo fazer uma análise do movimento em sua complexidade histórica. Faço indicações sobre o processo histórico do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina, com um recorte em torno da construção da alternativa crítica e da resistência contra o avanço do conservadorismo no atual contexto histórico desse avanço em todo o mundo, mas em particular na América Latina; e, nesse aspecto, destacando a particularidade no Brasil na resistência pela sustentação do projeto ético-político da profissão. Em sua elaboração utilizo informações de fontes bibliográficas de autores e depoimentos de intelectuais expressivos em sua incidência no movimento e no desenvolvimento da profissão, em diferentes momentos6, desde então, bem como estudos que realizei sobre o tema7 e registros de minha própria memória de vivência e observação8. Nele ressalto: a) temas centrais do movimento, com destaque no processo histórico, sujeitos e a contribuição do marxismo e da organização política profissional para os avanços da profissão no continente; b) a tendência à perda de espaço da teoria crítica marxista no Serviço Social, em um contexto de avanço do conservadorismo em todo o continente na atualidade, com ênfase no Brasil; c) a importância da resistência para a sustentação do Projeto Ético-Político Profissional no Brasil orientado pela necessidade histórica de emancipação das classes e de toda a humanidade.

As análises nesses itens, sem a pretensão de dar conta da complexidade do processo de desenvolvimento do Serviço Social desde a deflagração do Movimento de Reconceituação na América Latina, apontam: a persistência das lutas entre o projeto conservador das classes e elites dominantes no continente e do projeto alternativo emancipador como necessidade histórica no continente (LOPES, 1998) o qual, no atual momento, enfrenta o avanço da reação conservadora, após um período de arranjos e avanços progressistas; e que os retrocessos do presente em relação à necessidade histórica de emancipação, impõem a exigência de estratégias de resistência de modo articulado, organizado e adequadas ao presente, das forças revolucionárias, progressistas e democráticas de todos os países e em todas as esferas da vida social; entre as quais as práticas profissionais, como a prática profissional do Serviço Social, para a qual, no caso do Brasil, é fundamental a resistência em torno da sustentação do Projeto Ético-Político Profissional, orientado pela perspectiva emancipadora.

2 O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA: processo histórico, sujeitos e avanços da profissão no continente com a contribuição do marxismo

O movimento foi construído por segmentos expressivos de profissionais- intelectuais de Serviço Social que, em diferentes países, desencadearam a crítica ao Serviço Social tradicional, desenvolvido na América Latina desde sua origem, com a criação da primeira escola de formação de profissionais, fundada no Chile, em 1925 (CASTRO, 1984). É deflagrado em um contexto de profunda agitação social (constituída pelos movimentos progressistas e revolucionários do final da década de 50 e início da década de 60, animados, destacadamente, pela vitória da Revolução Cubana, em 19599; e também pelos movimentos de resistência à contrarrevolução que se organizava e se impunha através das ditaduras militares10), impulsionou e alimentou a crítica no Serviço Social. Já a definição do tema do seminário, acima referido - Serviço Social Face às Mudanças Sociais na América Latina – expressava essa crítica e a expectativa de vincular a profissão ao forte movimento por mudanças que ocorriam no continente11, entre os quais se destacou o movimento dos intelectuais das ciências sociais e humanas12. O movimento mais geral por mudanças no continente, portanto, foi fundamental para forjar as condições objetivas e subjetivas que impulsionaram os militantes do movimento a propor e avançar na construção de uma alternativa crítica no Serviço Social na América Latina, necessária ao desenvolvimento da profissão no continente; um processo em que a formação da consciência crítica dos (as) assistentes sociais e estudantes de Serviço Social foi e é fundamental. Nesse aspecto, o eixo de crítica em torno do caráter pragmatista do Serviço Social, até então dependente da literatura europeia e norte-americana e de manuais de orientação de prática, assumiu centralidade entre os quatro eixos de questões cruciais do exercício da profissão que foram fundamentais na crítica e no processo de formação da consciência crítica e de uma nova cultura13 dos(as) assistentes sociais na América Latina, apontados na introdução desse texto. Daí, em grande medida, o protagonismo que assumiram os intelectuais da profissão14, vinculados a instituições de formação profissional, destacando-se, no que podemos considerar os dois primeiros momentos do desenvolvimento do Serviço Social no pós- deflagração do movimento15, sobretudo, sujeitos ativos dos países sul-americanos, entre os quais se destacaram: Herman Kruse, do Uruguai; Natálio Kisnerman, Ezequiel Ander-Egg, Norberto Alayón, da Argentina; Leila Lima Santos, Consuelo Quiroga, Seno Cornely e Vicente de Paula Faleiros, do Brasil; Tereza Quiroz, Diego Palma, Luiz Araneda e Raul Castillo do Chile; Boris Alexis da Venezuela, Cecília Tobon e Jesus Mejia da Colômbia, Beatriz de la Veja, do México.

De toda forma, o esforço pela superação do pragmatismo16, que se seguiu ao que consideramos segundo momento do movimento, abarcou, ao mesmo tempo, os outros três eixos de questões, no movimento da relação dialética teoria e prática, mediante uma estratégia assentada em: a) criação de espaços de divulgação de ideias e fundamentos das análises críticas sobre o Serviço Social no que se destacaram, nos dois primeiros momentos, as Editoras Ecro e Humanitas, da Argentina, e em seguida o Centro Latinoamericano de Trabajo Social (CELATS), no Peru, e a Cortez Editora, no Brasil; b) formação acadêmica, compreendendo o ensino e a pesquisa na profissão, aprofunda a crítica sobre essa dimensão específica da profissão; ao mesmo tempo, produz mudanças na formação em nível de graduação e avança para a pós-graduação, em um amplo movimento em que o Brasil esteve quase isolado à frente durante um período17; c) criação de grupos e centros de pesquisa, dos quais o mais importante foi o CELATS, enquanto se consolidava a pós-graduação e a pesquisa, em diferentes países do continente, mesmo no Brasil18; d) a organização política da profissão sob a orientação do pensamento crítico marxista, orientando a virada na perspectiva e concepção da profissão e da organização profissional que nutriam os (as) assistentes sociais, até então, com larga tradição organizativa e, na América Latina, desde a criação da profissão no continente. Significava formar uma nova cultura profissional que rompesse com a orientação do pensamento conservador e sua tradição teórica, dominante na Igreja Católica, que o criou, e nas sociedades latino-americanas, subdesenvolvidas e dependentes19; em reação e oposição, portanto, aos movimentos revolucionários que no período da criação do Serviço Social no continente, em 1925, já se organizavam e produziam seus intelectuais20 sob a influência do marxismo-leninismo e da vitória da Revolução Russa, em 1917.

Em todo o processo que se seguiu à criação do CELATS, a contribuição do marxismo foi fundamental para os avanços do Serviço Social como profissão e área de conhecimento no continente, ainda que em uma apropriação lenta. Começa a ser aprofundado mais sistematicamente, a partir das publicações do CELATS, em particular a Revista Acción Crítica, com larga distribuição entre os profissionais de Serviço Social no continente; mas também a partir da academia, as universidades, e no Brasil em particular, com os cursos de pós-graduação. Seu legado é profundo na formação da consciência crítica e de uma nova cultura dos (as) assistentes sociais, na América Latina. Nesse aspecto vale lembrar a reflexão de Gramsci (1999, p. 95) sobre “[...] o momento da crítica e da consciência.” que, segundo ele

[...] coloca um problema: é preferível ‘pensar sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é ‘participar’ de uma concepção de mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente [...], ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?

Como todas as forças sociais, portanto, os profissionais de Serviço estão permanentemente desafiados (as) pela própria crítica, no cotidiano da prática profissional, diante das escolhas das concepções de mundo que se impõem e se repõem em um movimento dialético, no confronto com as condições objetivas dessa prática; condições essas, determinadas e regidas pelas condições objetivas das sociedades capitalistas de desenvolvimento desigual e combinado21 que, nos países latino-americanos a desigualdade histórica é exacerbada.

O processo de aproximação e apropriação da teoria crítica marxista e do pensamento de Marx no Serviço Social foi, portanto, determinado pela necessidade da crítica dessa realidade. Avançou, passando pelo pensamento de Althusser, Gramsci, Lukács, Lefebvre e o aprofundamento da apreensão do pensamento de Marx, no próprio Marx; e também apropriando-se do pensamento de inúmeros outros importantes pensadores marxistas, inclusive latino-americanos, que a complexidade dos objetos e temáticas de estudos, das análises dos objetos e da prática profissional foi exigindo. Esse avanço, entretanto, não foi e não é mecânico nem homogêneo, seja no referente à própria alternativa crítica, seja, sobretudo, no referente às alternativas de concepções teóricas e de mundo postas à escolha pelas relações de classes nos diferentes países do continente.

3 O AVANÇO DO CONSERVADORISMO NO CONTINENTE E A TENDÊNCIA ATUAL À PERDA DE ESPAÇO DA TEORIA CRÍTICA MARXISTA NO SERVIÇO SOCIAL NA ATUALIDADE

Uma apreensão adequada dessa questão impõe a necessidade de uma análise e uma compreensão marxista rigorosa sobre a atual fase do capitalismo e sua particularidade na América Latina. Até onde consegui avançar nos estudos que tenho desenvolvido, entendo que ela sintetiza um profundo processo mundial de reestruturação das relações de produção e de trabalho, orientado pela ideologia neoliberal, sob a hegemonia do capital financeiro22, o capital rentista, no qual as condições objetivas e subjetivas da luta de classes, das lutas sociais foram profundamente metamorfoseadas. Foram, portanto, metamorfoseadas também as condições objetivas e subjetivas da organização dessas lutas com ampla desvantagem para os sujeitos das lutas emancipatórias. Em particular para os trabalhadores que perderam grande parte de suas conquistas históricas, tragadas pela contra revolução burguesa no novo “[...] regime de acumulação ‘flexível’.” (HARVEY, 1992, p. 119, grifo do autor)23 que, filiado à complexa dinâmica do capital portador de j uros (CHESNAIS, 2005), flexibilizou a organização da produção e do trabalho, mediante a reestruturação da organização orientada pelo sistema fordista e fordista-keynesiano.

O movimento de flexibilização da organização da produção e do trabalho, filiada à complexa dinâmica do capital portador de juros , operou uma profunda transformação econômica e ideológica, portanto, na estrutura e na superestrutura da sociedade. Assim, ao promover a reestruturação da organização da produção e do trabalho, alimentou também a reação conservadora no modo de pensar e de agir, forjou a cultura e a ideologia da chamada pós-modernidade; metamorfoseou as relações de exploração, dominação e humilhação com a crescente terceirização da produção, a precarização do trabalho e a fragmentação da classe trabalhadora (ANTUNES, 1999) basilares no arrefecimento do movimento operário e na fragmentação das lutas sociais. As instituições clássicas, tradicionais do movimento operário, os sindicatos e partidos políticos, que avançavam na direção da organização dos trabalhadores como classe, desde o século XIX, foram profundamente confrontadas em todo o mundo: os sindicatos em grande parte esvaziados e, as experiências de partidos políticos de esquerda foram metamorfoseadas, e, afastando-se da perspectiva emancipatória, tornaram-se partidos da ordem. No Brasil é expressivo o caso do Partido dos Trabalhadores (PT) em suas metamorfoses, desde a criação em 1980, aprofundadas na ascensão ao poder central do país, a Presidência da República, em 2003.

Já no final da década de 80 e início de 90 do século XX, portanto, quando o projeto ético-político profissional do Serviço Social no Brasil, apoiado na teoria crítica do pensamento marxista, havia alcançado significativa solidez acadêmica e teórica, configura-se um contexto estrutural e conjuntural, com a adesão do país ao neoliberalismo e os movimentos hegemônicos das lutas sociais são redirecionados: grande parte dos movimentos que apontavam na direção da construção de uma nova sociedade, alternativa ao capitalismo, passa para a resistência contra o neoliberalismo24, com centralidade na luta por míseros direitos, conquistados pelos trabalhadores na luta de classes e tendo o Estado como principal alvo, em face de sua voracidade pela destruição dessas conquistas. Ao mesmo tempo, na batalha das ideias, avançava a penetração do pensamento da chamada pós-modernidade, do multiculturalismo e a crítica a Marx e ao marxismo, considerado superado por muitos intelectuais, alguns dos quais importantes pensadores marxistas em tempos recentes25.

4 A NECESSIDADE DA RESISTÊNCIA NA SUSTENTAÇÃO DO PROJETO ÉTICO- POLÍTICO PROFISSIONAL NO BRASIL NA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA DAS CLASSES E DA HUMANIDADE

No quadro complexo das transformações contemporâneas em todo o mundo, desde o final do século XX, a resistência em defesa do Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social, orientado pela perspectiva da emancipação das classes exploradas, humilhadas e de toda a humanidade, vem se tornando cada vez mais uma necessidade no Brasil.

Ainda que só uma pesquisa especificamente dirigida para uma análise rigorosa sobre a incidência das transformações contemporâneas no projeto ético-político profissional hegemônico há mais de 30 anos no Serviço Social, nas adversidades dos tempos atuais; pela análise em outras pesquisas, no âmbito e fora do Serviço Social, é possível identificar que, no contexto dessas transformações, a metamorfose político- ideológica do PT, consolidada em sua ascensão ao governo federal, com Lula e Dilma na Presidência da República, impõe dilemas significativos à luta pela hegemonia; e até a sustentação desse projeto ético-político no Serviço Social: seja pela incidência que teve esta metamorfose sobre as lutas de classes e de massa, tão fundamentais neste projeto; seja pela estratégia do governo Lula no enfrentamento da questão social, particularmente com sua política de assistência à qual está vinculada grande parte dos (as) assistentes sociais como funcionários do Estado, o maior empregador desses profissionais. Neste contexto de adversidades, entre os intelectuais do Serviço Social, já se fala em crise do projeto (PAULO NETTO, 2007) e que sua hegemonia está em xeque (BRAZ, 2007).

Se em uma análise periodizada do processo de construção desse projeto, a partir da chamada virada do Serviço Social, em 1979, do qual o Serviço Social do Maranhão participou, ativamente26, pode-se falar de um movimento de sua consolidação, como tendência hegemônica na profissão, até o início do século XXI; desde então se trata de sustentá-lo. É, em particular, a conquista da força e hegemonia do pensamento crítico, marxista, orientador da inserção profissional na luta pela emancipação das classes subalternas e da humanidade que está ameaçada, pelo avanço da reação conservadora e do movimento contrarrevolucionário no Brasil, em todo o continente latino-americano e no mundo. Aí, no aprofundamento do conhecimento, análise, e sustentação do pensamento crítico, marxista, encontra-se um dos eixos da necessária resistência histórica, particularmente no meio acadêmico, nas universidades e instituições de pesquisa em geral.

Coloca, evidentemente, um imenso desafio no enfrentamento dos dilemas cotidianos da inserção desses profissionais nos espaços institucionais do exercício profissional, nos quais se incluem as instituições de formação acadêmica e profissional, como um importante eixo de tensão e de luta para além do Serviço Social (ABREU; LOPES, 2007). É um desafio que se impõe para os profissionais e estudantes de Serviço Social, organizados nos diferentes espaços de atuação e prática, mas tem sua principal referência orgânica nas instituições de organização acadêmica e profissional dos assistentes sociais e dos estudantes de Serviço Social, como organização política: a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO)27. Mas esta resistência não se organiza aí de modo mecânico. Apesar de muito fortes e onde os setores progressistas e de esquerda da profissão asseguraram hegemonia desde a virada, não se pode perder de vista a possibilidade de retrocesso na direção dessas instituições, no movimento das transformações contemporâneas que incidem na subjetividade dos sujeitos da profissão: os profissionais e estudantes de Serviço Social e que podem se manifestar nas formas e instituições de organização desses sujeitos. No movimento operário e sindical no Brasil a Central Única dos Trabalhadores é um exemplo das metamorfoses a que as instituições de organização das lutas estão sujeitas; e, na experiência das entidades de organização dos assistentes sociais, temos um exemplo na direção inversa até a década de 1970: as duas entidades tradicionais, ABESS (atual ABEPSS) e o Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) (atual CFESS)28 já foram espaços de expressão do pensamento conservador hegemônico na profissão até a virada, embora se deva atribuir a elas um imenso legado em torno da organização da categoria.

Hoje estas entidades podem apresentar amplas e profundas conquistas nas dimensões da vida acadêmica, da intervenção profissional e da organização política que elas representam. Grande parte dessas conquistas está consolidada e não sofre ameaça de retrocesso; mas grande parte, como por exemplo, no âmbito da formação acadêmica, a ABEPSS, com sua base social de organização político-acadêmico nas universidades e instituições de ensino superior (ABREU, 2008), tem uma ameaça latente, organizadora das condições para uma virada conservadora no momento atual: o ensino privado e o ensino à distância, fortemente respaldado pela política nacional de educação, por cuja via, a privatização e o ensino à distância avançam, inclusive nas universidades públicas; e, portanto, também está na base da ENESSO, atualmente bastante tensionada, no âmbito do movimento nacional dos estudantes, em particular em relação à União Nacional dos Estudantes (UNE) ENESSO, hoje atrelada aos governos do PT. O CFESS que passou por significativas transformações, desde o III Congresso e, com a extinção da Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS) (ABRAMIDES; CABRAL, 1995), em 1989, tem assumido funções amplas, para além das estritas funções de controle do exercício da profissão, de caráter sindical e político na organização dos assistentes sociais29, mas é, por sua natureza, vinculada ao Estado, em face do que é importante destacar a importância da autonomia das entidades na luta social e política.

5 CONCLUSÃO

Nessas considerações finais é importante ressaltar que

A atual fase do capitalismo marca, efetivamente, o esgotamento do ciclo de lutas emancipatórias na América Latina, aberto no final da década de 50 do século XX tendo como marco histórico a vitória da Revolução Cubana em 1959. (LOPES, 2014, p. 324).

Essa experiência revolucionária exitosa, referência das lutas emancipatórias e nelas a alternativa crítica do Serviço Social, construída a partir do Movimento de Reconceituação do Serviço Social no continente, vem passando por profundas dificuldades, no contexto do avanço e consolidação da atual fase do capitalismo, sob a ideologia neoliberal; uma ideologia contrarrevolucionária que avançou em todo mundo e, em particular, na América Latina30. A derrocada da experiência do chamado socialismo real, no final da década de 80 do século XX aumentou, profundamente, o isolamento da revolução cubana, derrotou as forças revolucionárias, mas não matou o movimento de construção de uma sociedade alternative ao capitalism que o próprio capitalismo gerou como bem o demonstram Marx e Engels (1988).

A necessidade histórica de emancipação das classes trabalhadoras, exploradas, mantém-se viva e continua em curso na cotidiana luta de classes, acirrada, desde 2008, por mais uma profunda crise do capital, reafirmando as análises de que, tão pouco sob o neoliberalismo, o capitalismo logrou o controle pleno de suas crises. Com essa análise avança a compreensão de que a luta contra o neoliberalismo deve ter como alvo o capital e o capitalismo; é, portanto, uma luta para além dessa forma de organização da sociedade que expropria a classe trabalhadora dos meios de produção, e na qual é obrigada, como classe, a, cotidianamente, criar formas próprias de reprodução, de subsistência e de resistência no enfrentamento incessante com as classes opressoras: a burguesia moderna ou oligarca, os latifundiários e seus aliados. Nessa perspectiva, no continente, no início do século XXI, várias iniciativas foram abrindo um novo ciclo de lutas emancipatórias, das quais a constituição de experiências de governos eleitos em fortes movimentos de contestação ao neoliberalismo: na Venezuela, com Hugo Chávez; no Equador, com Rafael Correa; na Bolívia, com Evo Morales; no Brasil, com os governos do PT, Lula e Dilma; na Argentina, com Nestor e Cristina Kirchner; no Chile com Michelle Bachelet e outros. Os três primeiros, reivindicando-se claramente de esquerda, estabeleceram laços concretos com Cuba, entre outros processos, na criação da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) – Tratado de Comércio dos Povos, na qual também se vinculou a Nicarágua. Experiências estas que se encontram hoje sob forte ataque da direita nos diferentes países, com o avanço da reação conservadora fascista, em um contexto de crise do capitalismo que golpeia, em modo particular as economias dependentes do continente. Repõe-se, assim, a ofensiva socialista como atualidade histórica (MÉSZÁROS, 2010).

No caso do Brasil, é importante destacar que o fim do ciclo das lutas operárias e populares, iniciado em 1978 e está na base da constituição do Projeto Ético-Político do Serviço Social no país, não representa o fim do projeto emancipador da classe trabalhadora e da sociedade brasileira. O fim desse ciclo de lutas se encerra e coincide com a ascensão do PT ao governo central do país, quando Lula assume a Presidência, em 2003; já avança o movimento contrarrevolucionário e o conservadorismo em todo o mundo e no país as condições objetivas das lutas emancipatórias são profundamente desfavoráveis na correlação de forças dos projetos em disputa; e, portanto, à resistência por sustentação do Projeto Ético-Político do Serviço Social, referenciado nessas lutas e orientado pela necessidade histórica de emancipação. O rumo tomado pelo PT e seus governos foi de reafirmação do projeto neoliberal do capitalismo, no âmbito do Estado, ainda que com significativa diferença em relação ao governo do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de Fernando Henrique Cardoso (FHC), no referente a dois temas, fortemente relacionados, como exemplo: o enfrentamento da questão social, um dos maiores desafios do Serviço Social como expressão da práxis (LOPES; ABREU; CARDOSO, 2014) e à concepção sobre a América Latina e a política externa para o continente31. Desde o primeiro governo, no entanto, em especial nos últimos anos com o acirramento às críticas ao PT e seus governos, têm ocorrido iniciativas de rearticulação e a constituição de novas frentes de organização popular de massa e de partidos de esquerda, destes destacando-se: o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), nascido de uma dissidência do PT antes da ascensão ao governo central; o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), também uma importante dissidência do PT. Já no movimento sindical destaca-se uma dissidência da CUT que criou a CONLUTAS. As novas frentes de organização popular e os referidos partidos de esquerda são as mais expressivas organizações desse novo ciclo de lutas que se abre no Brasil com o PT no governo da República. E já avançam, em ampla escala, os movimentos de massa, os movimentos populares progressistas e de esquerda de resistências à força da ideologia neoliberal e ao modelo de desenvolvimento imposto à sociedade no país, inclusive pelos governos do PT; estes atualmente sendo atacados, também pela reação conservadora fascista que vem provocando com mobilizações de massa o acirramento e agudização da polarização em torno dos projetos de sociedade em disputa. Reabrem-se, assim, as condições de luta do Serviço Social para garantir: a vinculação do Serviço Social aos interesses das classes trabalhadoras, exploradas, dominadas e humilhadas, em efetivo compromisso com a necessidade histórica de emancipação dessas classes, o mais importante dos legados do Movimento Reconceituação à profissão no continente; e a sustentação da tendência do Projeto Ético-Político e profissional do Serviço Social, orientada por essa necessidade, nas diferentes dimensões da profissão.

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PEIXOTO, F. (Org.). Encontro de intelectuais pela soberania dos povos de nossa américa, realizado em Cuba, em setembro de 1981. São Paulo: Hucitec, 1982.

Notas

1 Este artigo revê e amplia uma primeira versão com o título 50 anos do Movim ento de Recon ceituação do Serviço Social na América Latina: da crítica ao Serviço Social tradicional à construção de uma alternativa crítica; incorpora elementos de um terceiro artigo sobre o tema O Movimento de Reconceituação do Ser viço Social na América Latina como marco na construção da alternativa crítica na profissão: a mediação da organização acadêmico-política e o prot agonismo do Serviço Social brasileiro escrito para a coletânea sobre os 80 anos de Serviço Social no Brasil, organizada por Maria Liduína de Oliveira e Silva. A primeira versão foi elaborada como parte das atividades desenvolvidas para o Colóquio 50 anos do Movimento de Reconceituação do Serviço So cial na América Latina realizado pela articulação: Grupo de Estudos, Pesquisa e Debates em Serviço Social e Movimento Social (GSERMS) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/MA-2ª Região); Departamento de Serviço Social (DESES)/UFMA; Curso de Serviço Social/UFMA; CA de Serviço Social/UFMA; Centro de Documentação e Informação em Lutas Sociais e Serviço Social (CDILUSS)/UFMA; e contando com o apoio ABEPSS/NORTE; ENESSO, Assembleia Nacional de Estudantes Livres (ANEL), APRUMA, PPGPP/UFMA. Essa primeira versão foi distribuída, em uma pequena brochura, aos participantes do Colóquio: Assistentes Sociais; Estudantes e Professores de todas as UFASS, em São Luís; Grupos de Pesquisa e Pesquisadores de Serviço Social; organizações de representação da categoria dos assistentes sociais e organizações de representação dos estudantes de Serviço Social.

2 Sobre esse protagonismo ver o artigo O Movimento de Reconceituação do Serviço So cial na América Latina como marco na construção da alternativa crítica na profissão: a mediação da organização acadêmico- política e o prot agonismo do Serviço Social brasileiro, escrito para a coletânea sobre os 80 anos de Serviço Social no Brasil, organizada por Maria Liduína de Oliveira e Silva (no prelo da Cortez Editora, São Paulo).

3 Ressalto aqui a apreensão do significado de necessidade histórica em Marx, segundo o qual, como diz Mészáros (2008, p. 153, grifos do autor) não se trata de “[...] algum ‘destino’, previsto desde tempos imemoriais, mas o telos objetivo’ do evolver do processo histórico, que produz, ele próprio, tais possibilidades de auto-emancipação humana em relação à tirania da base material.”

4 O movimento se manifestou e teve incidência diferenciada nos diversos países do continente, segundo as particularidades estruturais e conjunturais de cada um deles e o nível de desenvolvimento do Serviço Social aí, com destaque inicial nos países sul-americanos.

5 Segundo Cornely (2004, p. 53) o Seminário foi realizado em maio de 1965 “[...] reunindo colegas, especialmente da academia, da Argentina, do Brasil, da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai, num total de 415.”

6 Não significa abarcar tudo sobre todos os momentos do desenvolvimento da profissão nos 50 anos, desde a deflagração do movimento. Tenho presente contribuições, em nível continental, através: das Editoras Ecro e Humanitas da Argentina, que ganharam amplo espaço entre os intelectuais de Serviço Social logo nos primeiros momentos do movimento; a contribuição da Revista Acción Crítica do CELATS/Asociación Latino Americana de Servicio Social (ALAESS), editada em Lima, Peru, cujo primeiro número saiu em 1977 e a publicação de livros com o selo CELATS; e no Brasil: através da Editora Cortez e Moraes, após e atual Editora Cortez; os Cadernos ABESS, publicados pela ABESS e a Editora Cortez, cujo Nº 1 saiu em 1986.

7 Destaco: 1) a Dissertação de Mestrado sobre Objeto e Especificidade do Serviço Social: pensamento latino- americano de minha autoria, defendida no Mestrado em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em 1978 e publicada pela Cortez e Moraes em 1979; 2) a Tese de Doutorado com o título O Serviço Social na América Latina: Nas Malhas da Modernização Conservadora e do Projeto Alternativo de Sociedade, defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1998; relatórios de pesquisa (2001; 2007; 2010 e 2013); artigos em eventos de Serviço Social.

8 Como professora e pesquisadora no DESES da UFMA e também como dirigente e participante de entidades de organização política dos (as) assistentes sociais em nível local e nacional no Brasil; e em nível latino- americano, como vice-presidente (1983-1986) e como presidente (1986-1989) da Asociación Latinoamericana de Escuelas de Trabajo Social (ALAETS) a atual Asociación Latinoamericana de Enseñanza e Investigación en Trabajo Social (ALAEITS) da qual participou na gestão 2006/2009, presidida por Ana Elizabete Mota, como Representante do Brasil no Colegiado de representantes de países, conforme Estatuto aprovado em Santiago, Chile, em 2006.

9 A Revolução Cubana, até hoje a mais expressiva experiência revolucionária na América Latina, teve uma forte incidência, em todo o mundo, sobre as lutas de classes e sociais, os intelectuais de esquerda e progressistas sensíveis à “[...] defesa da soberania dos povos latino-americanos, ameaçada, constantemente pela agressividade do imperialismo norte-americano.” (PEIXOTO, 1982, p. 12) e a academia, particularmente na América Latina.

10 Após a vitória da Revolução Cubana, seguiu-se um período de golpes e ditaduras militares na América Latina, com destaque para a América do Sul, iniciado em 1964 com os golpes no Brasil e na Bolívia. A estes, seguiram-se: dois golpes na Argentina, em 1966 e 1976; o golpe no Peru, em 1968; os golpes no Chile e no Uruguai, em 1973. Em precedência nesse ciclo, o Paraguai, desde 1954, em permanente estado de sítio, era governado pelo general Alfredo Stroessner.

11 É curioso como esse Seminário foi realizado no Brasil já sob a Ditadura Militar, instaurada com o golpe de 1964. É explicável pelo fato de que o regime ditatorial manteve, até 1965, alguns canais democráticos abertos, mesmo após o Ato Institucional Nº 1, assinado em 9 de abril de 1964. O fechamento desses canais ocorre a partir do Ato Institucional Nº 2, “[...] assinado no dia 17 de outubro de 1965, apenas 24 dias após as eleições para os governos dos estados.” (ALVES, 1984, p. 93).

12 Os intelectuais críticos constituíram um forte movimento de contestação à tendência hegemônica do pensamento nas ciências humanas e sociais sobre a América Latina e os países do continente em particular, avançando nas análises e interpretações críticas de orientação marxista. Cito alguns, entre tantos: Eduardo Galeano com seu As Veias Abertas da América Latina (2002), cuja primeira edição foi publicada pela Siglo Veintiuno, em 1976; Ruy Mauro Marini, com a Dialética da dependência (2000); Agustin Cueva com El desarrollo del capit alismo em America Latina (1990), publicado pela Siglo Veintiuno, em 1977; Forestan Fernandes com Capitalismo Dependente e Classes Sociais na Amér ica Latina (1973). Também o Encontro de Inte lectuais pela soberania dos povos de no ssa América, realizado em Cuba, em 1981, cuja relação de participantes e temas alternativa crítica e a resistência contra o atual avanço do conservadorismo discutidos pode ser conferida na publicação específica (PEIXOTO, 1982).

13 Sobre a formação de uma nova cultura ver as análises de Antonio Gramsci nos Cadernos do Cárcere, em especial, os volumes 1 (1999), 2 (2000) e 4 (2001).

14 Tenho presente o pensamento de Gramsci (2000) sobre os intelectuais, mas aqui numa referência específica ao sentido clássico, escolástico, à atividade intelectual acadêmica dos profissionais, ainda que esses intelectuais possam ser pensados como intelectuais orgânicos do movimento e da profissão.

15 Considero que o primeiro momento vai da deflagração do movimento, em 1965, à criação do CELATS, em 1974, a partir do Instituto de Solidaridad Internacional (ISI). Este um “[...] projeto para a promoção da profissão na América Latina, conhecido como Projeto ISI [...] é um organismo dependente, da Fundação Konrad Adenauer, entidade autônoma e privada reconhecida pelo governo alemão.” (LIMA, 1984, p.12). O ISI, segundo Lima (1984, p. 8) teve “[...] indiscutível influência na criação do CELATS.” O segundo momento se constitui em um movimento que abarca: a) consolidação do projeto e atuação deste organismo, enquanto instituição acadêmica e de organização política crítica dos (as) assistentes sociais no continente; b) o avanço da organização política desses profissionais no continente.

16 É importante demarcar que o pragmatismo é inerente à ideologia burguesa e sua superação está vinculada à superação da formação social, o capitalismo, que sustenta essa ideologia e é por ela sustentada. Com essa premissa entendo que continua necessário o aprofundamento dos estudos e da crítica ao pragmatismo e, particularmente o pragmatismo no Serviço Social em cuja definição da natureza e identidade a intervenção é central (LOPES; ABREU; CARDOSO, 2014).

17 A pós-graduação, em nível de mestrado, no país, teve início em 1972 na PUC-RJ, seguindo-se o Mestrado na PUC-SP, também em 1972. Em 1981 a PUC-SP iniciou o primeiro doutorado em Serviço Social da América Latina.

18 Cabe um destaque ao grupo de pesquisa sobre a História do Serviço Social na América Latina, centrando- se no Brasil e no Peru, sob a coordenação de Manuel Manrique Castro. Desse grupo, pelo Brasil, participaram Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho que produziram, como resultado da pesquisa, o livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica (2008).

19 Ver entre outras obras, A Dialética da Dependência, de Ruy Mauro Marini (2000) e Capitalismo Dependente e classes sociais na América Latina, de Florestan Fernandes (1973).

20 Só a título de exemplo cito duas referências desses intelectuais no continente: José Carlos Mariategui, no Peru, com Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana (1976), publicado por primeira vez em 1928; e Caio Prado Junior no Brasil, com Evolução Política no Brasil (2012), publicado por primeira vez em 1933, uma obra que se destaca no primeiro ciclo dos estudos marxistas da história do Brasil, quando o materialismo histórico era então ainda incipiente no país, coincidindo com a fundação do Partido Comunista do Brasil, em 1922. Ver também Konder (1991).

21 Sobre a teoria do desenvolvimento desigual e combinado desenvolvida por Trotsky (LOWY, 2012).

22 Para um o avanço no estudo e debate sobre a hegemonia financeira na atual fase do capitalismo ver, entre outros, os textos da coletânea organizada por François Chesnais A Finança mundializada. Raízes sociais e políticas, configuração, consequências, publicada no Brasil pela Boitempo. E também outra coletânea, Uma nova fase do capitalismo? (CHESNAIS et al., 2003), obra na qual me apoio, particularmente, na partida do debate sobre a atual fase do capitalismo, ou seja a tese de que as transformações ocorridas no desenvolvimento do capitalismo, a partir da década de 70 do século XX, constituíram uma nova fase do capitalismo.

23 Harvey (1992, p. 119, grifo do autor), cauteloso diante do “[...] perigo de confundir as mudanças transitórias e efêmeras com as transformações de natureza mais fundamental da vida político-econômica.”, entende que: “[...] os contrastes entre as práticas político-econômicas da atualidade e as do período de expansão do pós- guerra são suficientemente significativos para tornar a hipótese de uma passagem do fordismo para o que poderia ser chamado regime de acumulação flexível’ uma reveladora maneira de caracterizar a história recente.”

24 É importante demarcar que o redirecionamento fundamental para a resistência e o combate ao neoliberalismo não significa que a luta social tenha sido reduzida tão somente a esta perspectiva; indica sua predominância. Um marco do esforço de organização da resistência e combate ao neoliberalismo apontando uma perspectiva de totalidade e universalidade é o Forum Social Mundial (FSM), reunido pela primeira vez em Porto Alegre, em 2001.

25 Neste aspecto, um dos nomes significativos é Agnes Heller, autora de importantes obras apoiadas no pensamento de Marx, entre as quais a Sociologia da Vida Quotidiana (1977) e A Teoria das Necessidades em Marx (1978), ambas de grande relevância para pensar categorias e temáticas centrais no Serviço Social. São obras que exprimem o pensamento da autora no âmbito da chamada Escola de Budapeste, formada por um grupo de intelectuais marxistas húngaros, dos quais o nome mais destacado é Gyorrgy Lukács. Desde o final da década de 1980, no entanto, se destaca como uma pensadora da pós-modernidade (1992) e nesse marco tem dito que “[...] nunca foi, realmente, uma Marxista no sentido ortodoxo.” (HELLER, 1999, p. 40).

26 Essa participação se manifestou desde os eventos que antecederam o III Congresso de Assistentes Sociais, o chamado Congresso da Vi rada em cujos Anais (CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 1980) o Maranhão aparece na disputa das ideias; particularmente no processo de revisão do currículo de Serviço Social, coordenado pela então Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social ABESS (atual ABEPSS), concluído na XXI Convenção dessa entidade, realizada em Natal (RN), em 1979, e implantado em 1982. Com intensa participação de professores do DESES, alguns articulados nacionalmente a partir de Cursos de Mestrado dos quais vinham participando desde o primeiro mestrado criado no Brasil, em 1972, a tendência de crítica ao Serviço Social tradicional, em confronto com o constituído, como ocorreu nacionalmente, avançou na UFMA e no Maranhão, articulando o local ao nacional e latino- americano; e no local, desde o início, articulando as quatro dimensões da profissão: formação profissional, produção de conhecimento, intervenção e organização política. No processo dessa participação duas diretorias executivas da ABEPSS foram exercidas por professoras da UFMA: Josefa Batista Lopes (1981-1983, na ainda ABESS) e Marina Maciel Abreu (2008-2010); em nível latino-americano a participação se deu: na direção executiva da ALAETS e do CELATS na vice-presidência (1983-1986) e na presidência (1986-1990), funções exercidas pela Profa. Josefa Batista Lopes; e também participou na reestruturação da ALAETS, transformada em ALAEITS, em 2006, em cuja estrutura a referida professora participou como representante do Brasil, no Colegiado de Países, na gestão 2006-2009 que teve como presidente da Direção Executiva da ALAEITS, a Profa. Ana Elizabete Mota da Universidade Federal de Pernambuco, a primeira presidente após a reestruturação.

27 Ainda que entre os segmentos hegemônicos na organização política de assistentes sociais e estudantes de Serviço Social persistam dificuldades de articulação com a Federação Nacional de Assistentes Sociais (FENAS), ela é uma realidade. Criada em dezembro de 2000, em Assembleia com cinco Sindicatos conta hoje com 13 sindicatos e é filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Entendo que se trata de uma força política organizada na categoria e que, portanto, deve ser considerada em seus movimentos em torno da organização (LOPES, 2013).

28 Trata-se de instituições de natureza profundamente diferentes, mas igualmente sujeitas à incidência das transformações. Ressalto aqui que o surgimento da ENESSO é posterior a este processo. Naquele momento os estudantes de Serviço Social estavam profundamente envolvidos na reorganização da UNE, perseguida e desarticulada pela ditadura militar.

29 Neste aspecto cabe hoje uma análise específica sobre a extinção da ANAS (ABRAMIDES; CABRAL, 1995), considerando a metamorfose do PT e aqui, em particular da CUT, no contexto das transformações contemporâneas.

30 Segundo Boron (2004) a adesão dos países da América Latina ao neoliberalismo ocorre em três momentos: o primeiro no final dos anos 70 e começo dos 80 do século XX, através de Bolívia, Chile e México; o segundo a partir do final dos anos 80 com Costa Rica, Equador, Jamaica, Trinidad e Tobago e Uruguai; a terceira onda levou Argentina, Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Guianas e Honduras, países que o autor considera reformadores tardios.

31 Cabe fazer aqui a indicação de exemplos nos dois temas a que me referi acima, como estudiosa da questão social e do PT, mas sem um amplo estudo comparativo dos dois governos, como já vem sendo feito por vários pesquisadores no Brasil; e certamente provocando polêmicas em um momento de acirramento das críticas ao governo e ao PT. Feitas essas observações, destaco: a) no tocante ao enfrentamento da questão social - um aspecto relacionado ao exercício profissional do Serviço Social - a ampliação das políticas sociais, ainda que com forte tendência à privatização, em particular a política de educação, em todos os níveis; a política de habitação expressa pelo Minha Casa, Minha Vida; a política de distribuição de renda, ainda que, na minha avaliação, de corte assistencialista; b) quanto a concepção sobre a América Latina e a política externa para o continente, considero uma das diferenças mais relevantes, pela tendência a avançar na luta pela soberania do Brasil como Nação latino-americana, a começar pela derrota, apoiada em uma forte campanha popular, do projeto de Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), em vias de ser aprovado no governo FHC; as relações de solidariedade com Cuba e os países africanos.

Como surgiu o Movimento de reconceituação do Serviço Social?

O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina, deflagrado em 1965, em meio aos movimentos por mudanças e a reação contrarrevolucionária, constitui-se um marco histórico nessa profissão.

Quando foi o Movimento de reconceituação do Serviço Social no Brasil?

As forças acadêmico-profissionais acumuladas pelo Serviço Social latino-americano e assistentes brasileiros são decisivas nessa “virada” do Serviço Social. Elas remontam ao movimento de reconceituação do Serviço Social (1965 e 1975), que cria bases materiais, intelectuais e políticas à sua renovação.

Como surge o Movimento de reconceituação na profissão e em qual conjuntura?

O movimento de reconceituação enquanto um movimento que constituiu uma recusa e crítica ao conservadorismo profissional do Serviço Social, teve como pano de fundo um período de crise econômica e intensa efervescência politica no continente latino-americano, no quadro de populismo e de uma reorientação tática do ...

O que foi o Movimento de reconceituação e em que cenário Ele se manifesta primeiramente em nosso país?

No período de 1965 a 1975 ocorre um marco importante no Serviço Social na América Latina: o movimento de reconceituação, impulsionado pela intensificação das lutas sociais no continente que se refratavam na universidade, nas Ciências Sociais, na Igreja, nos movimentos estudantis, com nítidas particularidades nacionais.