Graduado em Letras - Português/Libras (UFRN), especialista em Libras (Faculdade Futura) Show
Invisibilizados ao longo da História, por um processo de colonização do corpo surdo, em busca do controle de seu corpo e da (des)colonização ouvinte, os surdos têm emergido cada vez mais nos diversos espaços sociais, buscando para si um auto reconhecimento e o conhecimento do outro, seja ele surdo ou não surdo. Pautados na visão antropológica dos Estudos Culturais, ressignificando assim a surdez. Afastam-se da patologização e mostram-se enquanto minoria linguística com identidade e cultura próprias, mostram-se enquanto povo surdo (Perlin; Strobel, 2014, p. 17-31). Cientes da luta da comunidade surda, a qual tomou mais força após o ano 2000, com o reconhecimento da Libras como meio de comunicação das pessoas surdas brasileiras (Brasil, 2002). Decidimos debruçarmo-nos sobre a lente do tempo, por meio de estudos (Oliveira Lima; Rückert, 2020; Mazzacotte, 2018; Lopes; Agrello, 2017; Mori, Sander, 2015; Perlin, Strobel, 2014) os quais mostram o processo histórico da Educação de Surdos, as correntes aplicadas nesse processo e suas decorrências para as pessoas surdas. Material e métodosA construção deste artigo se dá partindo de revisão bibliográfica de textos levantados de 2014 a 2020 sobre a Educação de Surdos. Buscar-se-á compreender os impactos da colonização e representação ouvinte aplicada ao corpo surdo, a existência de movimento de resistência e (des)colonização realizados pelos surdos e os possíveis impactos em suas identidades. Resultado e discussãoPor meio das leituras realizadas, buscou-se compreender a respeito dos possíveis impactos nas identidades surdas ante todo processo de imposição de metodologias educacionais pensadas por ouvintes, que podem ser compreendidas como colonização e padronização do corpo surdo. Assim como traçar a existência de movimentos de resistência e (des)colonização realizados pelas comunidades surdas. E assim, pode-se perceber que embora constantemente envolto nessa perspectiva ouvinte que visava normatizar o corpo surdo, movimentos de resistência se levantaram ao longo dos tempos visando fortalecer a língua, a identidade e a cultura do povo surdo. Histórico social dos surdosAntes de tudo, há de se destacar que alguns estudos históricos apontam que, na Pré-História, a primeira linguagem utilizada pelo do homem para comunicar-se foi a gestual; antes mesmo de conseguir expressar-se oralmente, o homem comunicava-se por gestos, demorando a usar a linguagem oral; assim teoriza-se que os surdos nesse período fossem ligados ao misticismo e ao ocultismo (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 2). Observa-se em muitos registros históricos a descrição sobre a existência de pessoas surdas desde a Antiguidade, alguns textos dos filósofos gregos, os hieróglifos egípcios, os livros da Torá – livro sagrado dos judeus, bem como relatos da Bíblia Sagrada Cristã os citam em diversos trechos e assim, por meio desses registros podemos observar aspectos de sua inserção na sociedade de dada época. Todavia, esses registros nos mostram que cada sociedade via o surdo de modo diferente, e assim o tratavam cada uma de modo distinto, todavia em sua maioria os surdos eram vistos de forma negativa pela sociedade, como podemos observar o que nos mostra Berhtier em seus estudos:
Segundo Sotel (2006), poucos povos viam os surdos com bons olhos.
Pautados na visão da linguagem como expressão do pensamento, os gregos entendiam que os surdos não pensam, uma vez que não conseguiam falar oralmente (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 3; Mazzacotte, 2018, p. 25). Assim, os surdos passaram por anos sendo assassinados ou deixados à margem da sociedade, sem qualquer direito e interação social. Com a chegada da Idade Média, a visão sobre as pessoas com deficiência tomou um rumo diferente e consequentemente os surdos receberam o mesmo tratamento. Estes passaram a ser vistos como seres de alma impura, maculados pelo pecado de seus pais ou antepassados e precisavam ser integrados a Igreja para que assim, pudessem ser salvos, todavia aos surdos era proibida a comunhão, pois eles não podiam confessar seus pecados (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 3; Mazzacotte, 2018, p. 25). Vale ressaltar que no fim da Idade Média para a Idade Moderna,com o crescimento das instituições médicas para tratamento das diversas pragas e doenças que ocorreram naquele período, com base no descrito a respeito dos surdos no Código Justiniano do século VI, foi proposta uma divisão da surdez, passando assim tais indivíduos sendo observados pelo viés patologizador (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 4; Mazzacotte, 2018, p. 26). Há de destacar-se que os primeiros registros de educação formal ofertada a surdos eram de famílias aristocratas e se deram a partir do trabalho desenvolvido pelo monge beneditino Pedro Ponce de León (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 4). Assim, como destacado por Oliveira Lima e Rückert (2020), na maior parte da Idade Média até a Contemporaneidade é possível observar o surgimento de modelos educacionais para surdos – os quais abordaremos mais detalhadamente no próximo tópico, bem como o avanço da Medicina, que lançou seus estudos aumentando ainda mais o preconceito para com os surdos, por meio de sua patologização. Pontua-se então que nesse processo histórico os surdos foram sempre tratados como corpo colonizado e que o coloca em um lugar onde ele não se vê como pertencente. Como aduz Sá:
Todavia, embora a tentativa de controlar e colonizar o corpo surdo esteja presente até os dias de hoje na sociedade, os surdos seguem lutando e avançando nos esforços para o seu reconhecimento enquanto sujeito surdo, integrante a uma minoria linguística, com identidade e cultura própria (Perlin; Strobel, 2014, p. 17-31). Um dos grandes destaques como mudança significativa foram os estudos linguísticos levantados por William Stokoe a respeito das línguas de sinais, apontando assim que estas são línguas tão complexas como as línguas orais e, portanto, devem ser respeitadas, estudadas e usadas com mesmo rigor e valor. Assim, por todo o mundo, a comunidade surda vem avançando cada vez mais (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 9; Mazzacotte, 2018, p. 40; Mori; Sander, 2015, p. 7). Breve histórico da Educação de Surdos
Historicamente, como vimos, aos surdos fora negada a educação. Todavia neste tópico vamos destacar os modelos educacionais presente na vida das pessoas surdas, quando essas, começaram a tornar alvo de educadores em diversas localidades. Até quando conseguiram, de modo autônomo mostrar sua cultura, como exposto acima por Karin Strobel, que uma das principais surdas teóricas sobre cultura surda e identidade surda no Brasil. Nesse processo educacional, iniciam-se propostas de ensino por meio de gestos e escrita da língua falada até o fim da Idade Média, tendo como principal educador de surdos Pedro Ponce de Léon, o qual teve seus métodos perdidos com a morte, devido ao costume de manter em segredo os métodos de ensino. Outros educadores também se debruçavam sobre o ensino de surdos no mesmo período, mas em suma suas metodologias eram voltadas para o ensino da fala “tidas como o caminho para a consolidação e para a implantação do método oralista (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 5). Segundo Strobel (2009, apud Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 5), “em 1778, Heinicke havia fundado a primeira escola de oralismo puro em Leipzig, tendo inicialmente nove alunos surdos. O oralismo objetivava a fala dos surdos”. Indo contrário a essa perspectiva, o abade francês Charles-Michel de l'Épée volta seu trabalho para a educação de surdos por meio dos sinais que aprendeu com surdos parisienses, fundando assim em 1755 o Instituto Nacional de Surdos-Mudos da França e tendo posteriormente sua metodologia difundida por diversos países do mundo, sendo assim considerado um
Há de pontuar-se que no Brasil, a Educação de Surdos iniciou-se em 1857, com a implementação do Instituto Imperial dos Surdos-Mudos, pelo professor francês Ernest Huet, trazido por D. Pedro II, então imperador do país (Mazzacotte, 2018, p. 40; Mori; Sander, 2015, p. 9). Ao longo dos anos, conforme pontuam Oliveira Lima e Rückert (2020), a Educação de Surdos começa a seguir por duas direções distintas: Samuel Heinicke, na Alemanha, com o método oralista; na França, abade Charles Michel de l’Épée, com seus sinais metódicos. Essa dualidade segue até a decisão marcante tomada em setembro de 1880 durante o Congresso Internacional de Surdo-Mudez, em Milão, onde educadores de surdos se reuniram a fim de decidir o futuro e os modelos educacionais a serem seguidos dali em diante. Decidindo assim, pelo oralismo e abandonando as práticas que usassem sinais, pois muitos dos defensores da metodologia oralista defendiam que o uso de sinais prejudicava a aquisição da língua falada (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 6; Mazzacotte, 2018, p. 41; Lopes, Agrello, 2017, p. 93; Mori, Sander, 2015, p. 6). Após essa decisão, instaura-se nas escolas de surdos a proibição das Línguas de Sinais, e que a metodologia que deve ser adotada é a o ensino da fala e estímulo da audição – esse período é conhecido como oralista. Passando por todo um processo de colonização do corpo surdo, com viés capacitista, de invisibilidade e repressão linguística. É interessante frisar, como pontuam Oliveira Lima e Rückert (2020), a “educação passou a adotar a responsabilidade de reabilitação, deixando de lado a função pedagógica e passando a focar em treinos auditivos para os sinais sonoros que pudessem ser recebidos e transformados no treino da leitura orofacial”. Todavia é pertinente relatar que embora proibidos de sinalizar, os surdos sinalizavam em outros momentos e até mesmo escondidos, como forma de resistir e manter sua língua viva, descolonizando assim seu corpo (Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 6). Strobel (2009, apud Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 6) aponta que, no início do século XX, já havia relatos de insucesso do modelo oralista e após um inspetor de Milão descrever que mesmo após sete a oito anos de escolaridade, o aprendizado da fala e escrita dos surdos era baixo e que eles só conseguiram exercer funções como de sapateiros ou costureiros. Contudo, em meados dos anos 1960 por todo o mundo se viu crescer o movimento das pessoas com deficiência, nesse ínterim as pessoas surdas começam a lutar para tomar de vez a sua narrativa histórica e educacional, o que nos mostra isso são as descobertas a respeito da linguística da Língua de Sinais americana, feitas pelo professor da Universidade de Gallaudet, William C. Stokoe, estudos estes que por volta da década de 1970 impulsionaram uma proposta educacional para surdos, denominada Comunicação Total, modelo que se constitui no “uso simultâneo da língua de sinais, língua falada, imagens, escritas, mímicas etc.”. Lodi (2005, apud Oliveira Lima; Rückert, 2020, p. 7) salienta que, embora usasse a língua de sinais, esse modelo não propunha uma (des)colonização do corpo surdo nem sua despatologização, ele apenas tentava formas do professor de fazer compreendido pelo aluno surdo. E não diferente dos demais modelos, a Comunicação Total se espalhou pelo globo. Tão logo difundido, esse modelo também não conseguiu alcançar êxito, trazendo assim uma nova busca por um modelo educacional adequado para os surdos. Eis que surge então o bilinguismo surdo. Conforme relatam Oliveira Lima e Rückert:
Após 100 anos de proibição, as línguas de sinais começam a conquistar o espaço acadêmico e valorização social, sendo reconhecidas como língua em diversos países, inclusive legislativamente, como foi no Brasil em 2002 com a Lei nº 10.436, de 24 de abril. A partir do reconhecimento da Libras como meio de comunicação das pessoas surdas dos centros urbanos brasileiros, os surdos tornam-se protagonistas de sua história e iniciam, assim, forte movimento em prol da educação bilíngue de surdos, modelo que é escolhido por eles como melhor estratégia educacional para se trabalhar com pessoas surdas. Em 2005, temos então o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, que regulamenta a Lei nº 10.436/02 e traz diversas orientações acerca da inclusão das pessoas surdas na sociedade, o modelo educacional bilíngue e a regulamentação da profissão do tradutor intérprete de Libras e português. Após diversos avanços legislativos, acadêmicos e sociais, os surdos brasileiros iniciam uma trajetória cada vez mais promissora na sociedade, alcançando assim maior autonomia.
O ser surdoAo longo do processo histórico da humanidade aos surdos, foram negadas muitas coisas, dentre elas o direito de ser. Foram assassinados, largados, patologizados, colonizados feito uma cópia do ouvinte, mas nenhum desses lugares a eles impostos lhe cabiam. Por anos, o surdo teve sua vida e história controlada pelo ouvintismo, que mais um modelo educacional, foi um método de controle do corpo surdo. Todavia com o movimento em prol da educação bilíngue para surdos, surgem então os debates acerca da linguística das línguas de sinais, da cultura surda e da identidade surda pelas comunidades surdas, os surdos tomam para si suas vidas. Não mais colonizados e patologizados, mas pautados na compreensão socioantropológica da existência de um povo surdo (Perlin; Strobel, 2014, p. 30). Juntamente com seus pares, os surdos passam a buscar compreender-se e olhar para si, como sujeitos únicos e distintos, não pelo que lhes falta, mas pelo que lhes é diferente – a língua de sinais (Mazzacotte, 2018, p. 69; Lopes, Agrello, 2017, p. 96). Na construção desse ser surdo, o sujeito precisa estar inserido em uma comunidade e em constante contato com a língua de sinais, pois a
Considerações finaisPor meio de uma “breve revisão bibliográfica do histórico dos modelos educacionais para surdos”, pudemos perceber que mesmo que por anos os ouvintes tenham imposto uma colonização ao corpo surdo, estes não aceitaram tais imposições. Sendo resistência e reafirmando a representações do ser surdo mediante uma perspectiva visual-motora. Mesmo que em muitos momentos, tal qual o congresso de Milão, tenham tentado silenciá-los e separá-los, conseguiram manter-se próximos, não deixando sua língua morrer e promovendo e fortalecendo suas identidades. Ao ponto de vermos nos últimos anos pessoas surdas alcançando cada vez mais espaço em nossa sociedade, conquistando assim autonomia, formação e trabalho. Conquistas essas garantidas não apenas por legislações, como pelo esforço próprio de não serem mais vistos como corpos incapazes e limitados por uma deficiência, mas sim, sujeitos singulares pertencentes a uma comunidade, uma identidade e cultura e por tanto, uma minoria linguística, tal qual observa-se ao longo deste texto. Assim, percebe-se que embora a hegemonia ouvinte, trouxe empecilhos para o desenvolvimento do povo surdo em muitos aspectos, causando-lhes atrasos na inclusão social. Eles não se deixaram vencer e conseguiram comprovar a equidade da Língua de Sinais, escolheram para si um modelo educacional concebido e proposto por sua própria comunidade e não mais imposta pelos ouvintes. Podemos então compreender que a resistência dos surdos e seu movimento de descolonização têm crescido cada dia mais e chegado a outros. De modo a garantir assim, seu controle do ser surdo. ReferênciasARAÚJO, Andrea Silva; CARVALHO MENEZES, Aurelania Maria de; ARAÚJO, Aline Cássia Silva. 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Como eram considerados os surdos na Idade Média?Para a sociedade da época, os surdos na Idade Média eram quase que totalmente excluídos. Isso ocorria principalmente em virtude de determinadas crenças sociais e religiosas, que interferiam na forma como as pessoas no geral viam as pessoas surdas.
Como eram vistos os surdos nos tempos primitivos?O surdo era visto como um ser irracional, primitivo, não educável, não cidadão; pessoas castigadas e enfeitiçadas, como doentes privados de alfabetização e instrução, forçados a fazer os trabalhos mais desprezíveis; viviam sozinhos e abandonados na miséria. Eram considerados pela lei e pela sociedade como imbecis.
Como era a educação dos surdos no século XVI?É no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos sem que haja interferências sobrenaturais. Surgem relatos de diversos pedagogos que se dispuseram a trabalhar com surdos, apresentando diferentes resultados obtidos com essa prática pedagógica.
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