O presente artigo analisa acórdão relativo à Apelação Cível 9130800-27.2004.8.26.0000 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relativo a um caso de exclusão de sócio por justa causa em sociedade limitada.
Introdução
Uma sociedade, qualquer que seja o seu tipo, não pode ser simplesmente dissolvida em face de qualquer desavença entre os sócios. Isso porque a atividade empresarial tem efeitos que ultrapassam – e muito – a sociedade individualmente considerada. Basta lembrar que uma sociedade assume diversos papéis, entre eles, o de empregadora, contribuinte e fornecedora. Além disso, ao perseguir a sua atividade empresária, a sociedade assume compromissos perante terceiros, responsabiliza-se com clientes e muitas vezes influencia a região na qual desenvolve o seu objeto social.
Desta feita, é praticamente incontestável o entendimento de que uma sociedade possui uma função social importantíssima, independentemente de seu porte econômico.
Como se sabe, quem desenvolveu o conceito de função social da sociedade foi um jurista austríaco chamado Rathenau.
Na lição de Norberto Bobbio,[1] função é “la prestazione continuata che um determinato organo dà alla conservazione e allo su luppo secondo um ritmo di nascita, crescita e morte dell intero organismo, ciòe dell organismo considerato come um tutto”. Social, por outro lado, é tudo o que diz respeito à sociedade como um todo.
Do ponto de vista do Direito, quando um instituto jurídico desenvolve uma função social, esta corresponde a um complexo dos efeitos que o instituto jurídico exerce sobre a sociedade.
No entanto, o que realmente nos interessa analisar é o princípio da preservação da empresa, natural decorrência da aceitação do fato de que uma empresa possui uma função social. Por meio desse princípio, é pacífico o entendimento de que desavenças entre os sócios não podem afetar o ente empresário, que possui uma miríade de funções.
Apesar de o princípio da preservação da empresa permear o nosso Direito há várias décadas, coube à Lei 11.101/2005, a Lei de Falências, regrá-lo de forma definitiva, por meio de seu art. 47, a seguir transcrito:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
E é no seio da preservação da empresa que deve ser estudado o instituto da exclusão de sócios, que decorre desse princípio, uma vez que a exclusão apresenta-se como uma das formas de dissolução parcial da sociedade. Assim, a sociedade deve ser parcialmente dissolvida em face de um ou mais sócios. Quanto aos demais sócios, no entanto, a sociedade continua a existir.
São casos de dissolução parcial:
a) morte de sócio;
b) vontade de um dos sócios;
c) causas previstas no contrato social;
d) recesso de sócio; e
e) exclusão de sócio.
Cumpre destacar que o atual Código Civil dispôs sobre a exclusão de sócio de forma muito mais aprofundada do que o anterior Decreto 3.708/1919 e o Código Comercial, o que parece corroborar o entendimento de que o legislador do Código Civil abraçou o princípio da preservação da empresa.
Da exclusão de sócio
A exclusão ocorre na eventualidade de um sócio colocar em risco a continuidade da empresa.
A despeito de toda a polêmica que sempre existiu acerca da possibilidade de exclusão de sócio, claro está que não se trata de exercício arbitrário das próprias razões, ou mesmo de concretização de justiça. A exclusão é um instituto que prioriza os interesses sociais em face do interesse dos sócios.
Para José Waldecy de Lucena:
[…] o instituto da exclusão de sócio está submetido a predominantes interesses privados. Daí, a nosso pensar, poderem os sócios, no contrato social, afastar expressamente a despedida forçada de qualquer deles, em razão do que, em “ocorrendo uma causa que justifique a exclusão, recorrerá a sociedade aos outros meios postos ao artigo 1.058 do C/C 2002”.[2]
A exclusão pode ser feita por duas formas:
(i) judicial, prevista no art. 1.030 do Código Civil;
(ii) extrajudicial, prevista no art. 1.085 do Código Civil.
É importante destacar que a exclusão judicial encontra-se prevista na parte do Código Civil atinente às sociedades simples, valendo para todos os tipos societários regulados por esse diploma legal. Já a exclusão extrajudicial é estabelecida especificamente para as sociedades limitadas e somente pode ser aplicada a esse tipo societário. Exceção a esta última afirmação é a exclusão de sócio remisso, que, por se achar disposta no art. 1.004 de forma expressa, poderá ser extrajudicial para qualquer tipo societário.
É necessário lembrar que qualquer dos dois tipos de exclusão exige motivo.
Exclusão judicial
Nos termos do art. 1.030 do Código Civil,[3] o sócio poderá ser excluído judicialmente.
A exclusão judicial pode ocorrer por dois motivos:
(i) por falta grave no cumprimento de suas obrigações;
(ii) por incapacidade superveniente.[4]
Apesar de a exclusão judicial encontrar-se prevista no capítulo atinente às sociedades simples, ela se aplica também às sociedades limitadas.
A exclusão judicial será uma opção viável desde que um ou mais sócios, sejam eles minoritários ou majoritários, pratiquem ato que ameace a continuidade da sociedade. Importante destacar que a exclusão judicial não precisará constar de previsão do contrato social. Nessa hipótese, competirá à sociedade propor ação ordinária de exclusão do sócio, cabendo provar que o ato praticado ameaça a continuidade da empresa.
Questão interessante é saber se seria possível à minoria excluir a maioria. Na verdade, essa é uma interpretação clara do art. 1.030 do Código Civil, que menciona a maioria entre os sócios, e não a maioria do capital social.
Demonstrada a ausência de justa causa para a exclusão do sócio, este poderá pleitear indenização pelo dano causado.
Caso haja decisão pela exclusão do sócio, e desde que este não mais se interesse em participar da sociedade, ele poderá discutir o valor que lhe foi reservado para o reembolso de suas quotas e de sua saída do quadro social. Nessa hipótese, o sócio excluído poderá ingressar com ação de apuração de haveres, na qual será discutido o valor a que tem direito.
Exclusão extrajudicial
De acordo com o art. 1.085 do Código Civil, a exclusão extrajudicial por justa causa ocorrerá somente em casos em que o contrato social da empresa contenha essa previsão.
A exclusão extrajudicial exige a aprovação representativa de mais da metade do capital social, realizada em assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.
São causas ensejadoras da exclusão extrajudicial:
(i) nos termos do art. 1.085, colocar em risco a continuidade da empresa, desde que prevista no contrato social a exclusão por justa causa;
(ii) nos termos do art. 1.058, ser o sócio excluído remisso,[5] o que significa que tal sócio não honrou com sua obrigação de integralizar o capital da sociedade;
(iii) em caso de falência de sócio;
(iv) quando sua quota for liquidada (arts. 1.026 e 1.030).
Desses casos ocupar-nos-emos tão somente da exclusão por justa causa.
Exclusão por justa causa
A exclusão extrajudicial por justa causa é prevista pelos arts. 1.085 e 1.086 do Código Civil.[6]
Assim, será possível a exclusão de sócio por justa causa desde que conste expressa previsão nesse sentido no contrato social.[7]
O legislador, no entanto, não definiu a falta grave ou ato de inegável gravidade (justa causa), “por ser este um conceito fluido, que pode referir aos deveres positivos (comissivos) ou negativos (omissivos) do sócio”.[8]
O art. 1.085 inovou em permitir a exclusão de sócio, se ele estiver colocando a vida da sociedade em risco, por meio de atos de inegável gravidade, o que significa impedir ou atrapalhar a perseguição de seu objetivo social por qualquer forma.
Veja-se que essa é, sem dúvida, uma evolução em relação à normativa anterior, que admitia que um sócio fosse excluído por mera quebra de affectio societatis. Comparato[9] entende a affectio societatis como um consenso que deve se manter durante toda a vida social. Já a quebra de affectio societatis abrange todo e qualquer motivo que justifique que os sócios não mais tivessem a intenção de permanecer sócios, por mais fúteis e mínimos que tais motivos sejam.
Atualmente, resta claro que a quebra da affectio societatis não mais justifica a exclusão de sócio. Essa possibilidade acabou por gerar a consequência de que qualquer sociedade poderia – a qualquer momento – ser dissolvida com relação a um dos sócios, e os haveres do excluído teriam que ser a ele reembolsados, com claro impacto no capital de giro e na capacidade de perseguição do objetivo social.
Portanto, houve por bem o legislador restringir essa possibilidade ao determinar que a exclusão poderia ser ensejada por justa causa, entendida esta como prática de atos por um dos sócios que colocassem em risco a vida da sociedade. O Enunciado STJ 67 esclarece que “a quebra do affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da sociedade”.
Destaque-se, no entanto, a ampla significação do conceito de justa causa utilizado pelo legislador do Código Civil. É de salientar que o que configura justa causa para uma pessoa pode não ser para outra. Por esse motivo, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.086, esclareceu que somente dão ensejo à exclusão, medida extraordinária, atos que a maioria entender como de inegável gravidade e que ponham em risco a continuidade da empresa.
A exclusão extrajudicial por justa causa ocorre mediante alteração do contrato social. Nesse caso, a exclusão será determinada por meio de reunião ou assembleia de sócios, convocada especialmente para esse fim. Ao sócio a ser excluído deve ser concedida a possibilidade de estar presente à reunião ou assembleia de sócios, que sobre isso for deliberar, devendo ser dado a ele direito de defesa. A decisão de exclusão do sócio deve ser fundamentada e expressa na ata ou assembleia dos sócios. Cumpre lembrar que é desnecessária a assinatura do sócio excluído no ato deliberativo que o excluir.
Adalberto Simão Filho[10] traz-nos quatro pressupostos da exclusão por justa causa, quais sejam:
(i) previsão contratual;
(ii) ações ou omissões de inegável gravidade;
(iii) deliberação em assembleia realizada para essa finalidade;
(iv) cientificação do sócio a ser excluído acerca da realização da assembleia para possibilitar o seu comparecimento.
Aqui deve ser comentado o fato de que a lei não previu a necessidade de que o sócio deva ser informado acerca do motivo que ensejou a sua possível exclusão. Em outras palavras, qual foi o ato de inegável gravidade por si praticado. Parece-nos, claro, entretanto, que ele deva ser informado, uma vez que a finalidade desse dispositivo é possibilitar o direito de defesa desse sócio. Nesse sentido, Manoel Pereira Calças.[11]
Nos termos do art. 1.085, um ou mais sócios poderão ser excluídos por justa causa da sociedade, quando a maioria dos sócios entender que eles estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade.
O art. 1.085, além de tratar das hipóteses de exclusão de sócios, cria regras específicas para aprovações de alteração de contrato social por motivação específica.
Frise-se que o contrato social da limitada deve admitir expressamente a exclusão por justa causa, ainda que não seja necessário discorrer sobre o que possa vir a caracterizar a justa causa.
A exclusão por justa causa, assim, deverá obedecer a alguns requisitos, quais sejam:
(i) o sócio coloca risco a continuidade da empresa;
(ii) previsão de exclusão por justa causa no contrato social;
(iii) realização de assembleia especialmente convocada para esse fim, com aprovação representativa de mais da metade do capital social; e
(iv) ciência do acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.
Procedimento
A exclusão extrajudicial ocorre mediante alteração do contrato social, e a exclusão será determinada por meio de reunião ou assembleia de sócios, convocada especialmente para esse fim.
É imprescindível que seja concedida ao sócio a ser excluído a possibilidade de estar presente à reunião ou assembleia de sócios que sobre isso for deliberar, devendo ser dado a ele o direito de defesa. Waldo Fazzio Jr. entende que esse requisito constitui uma espécie de contraditório societário, na medida em que enseja “à assembleia a apreciação do assunto, com o respeito à plenitude de defesa e, assim, oportunidade para que o sócio ou sócios em foco possam elidir a imputação”.[12]
Por sua vez, Manoel Pereira Calças[13] chama-nos a atenção para o fato de que o art. 1.085 previu requisitos formais e materiais que devem ser rigorosamente cumpridos para exclui extrajudicialmente sócios.
A inobservância desses requisitos configura a invalidade do ato de exclusão.
O quórum necessário para aprovar a exclusão extrajudicial de um sócio é de mais da metade do capital social.
O art. 1.085 do Código Civil de 2002 prevê que a exclusão extrajudicial precisa ser aprovada por sócios que representem mais de 50% do capital social.
Aplicam-se à exclusão de sócio os arts. 1.031 e 1.032, dispositivos constantes dos regramentos das sociedades simples, por expressa previsão do art. 1.086, todos do Código Civil de 2002. Assim, são efeitos da exclusão:
(i) dissolução parcial, com liquidação do valor da quota do sócio, na forma do contrato social;
(ii) redução do capital social, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota;
(iii) direito de reembolso em dinheiro ao sócio excluído, como se verá; e
(iv) o sócio excluído responde pelas obrigações sociais até a data de sua retirada do quadro social por dois anos após a exclusão ou, ainda, pelas obrigações sociais posteriores, caso não seja averbado o ato relativo à exclusão do sócio.
Nos termos do art. 1.031 do Código Civil de 2002, temos que o valor da quota de titularidade do sócio excluído será liquidado com base na situação patrimonial da sociedade, à data da exclusão, verificado em balanço especialmente levantado para esse fim. Temos, ainda, que a quota do sócio excluído será paga, em dinheiro, no prazo de 90 dias, a contar da exclusão. Claro está que o contrato social poderá dispor diferentemente quanto a essa matéria, sendo, inclusive, aconselhável que o faça.
Caso o sócio excluído não concorde com o valor atribuído a suas quotas, ele poderá ingressar com ação de apuração de haveres, a qual apresenta aspectos de extremo interesse, especificamente quanto à determinação do valor a ser pago ao sócio excluído. Isso porque, apesar de a lei determinar a elaboração do balanço especial no caso de resolução da sociedade com relação a um sócio, não há fixação dos parâmetros a serem observados em sua elaboração. Em função desse fato, os sócios remanescentes e o sócio excluído normalmente apresentam grave discordância acerca do valor de reembolso. Apesar da relevância do tema, abster-nos-emos de analisá-lo no presente trabalho, por transcender a matéria objeto do acórdão examinado.
Quanto ao valor do reembolso, este será estipulado levando-se em conta as seguintes premissas:
- os haveres do sócio excluído serão apurados mediante elaboração de balanço especial/determinação na data do desligamento do sócio;
- a avaliação deverá versar sobre a universalidade de bens da empresa, considerados nestes os corpóreos e os incorpóreos; e
- estes bens serão avaliados com base no seu valor de mercado.
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