Em que consiste a contradita de uma testemunha?

A colega Iasmin Carneiro Caetano Duarte escreve nesta quinta-feira (28) sobre as perspectivas e mudanças relacionadas a preclusão do direito de contraditar testemunhas. Ela é mediadora de conflitos extrajudiciais desde 2017, pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil.

Em que consiste a contradita de uma testemunha?
Iasmin Carneiro Caetano Duarte

Leia a íntegra de texto:

O depoimento das testemunhas define processos trabalhistas – isso todo mundo sabe. A oitiva consiste em um dos momentos processuais mais importantes para aqueles que vivem o dia a dia dos Tribunais do Trabalho. Mas, afinal, quem pode então testemunhar nos processos? Uma vez que este é, nitidamente, um papel social importante a ser desempenhado, devendo ser pautado em compromisso e responsabilidade. De acordo com o que dita o artigo 447, § 3º, do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo trabalhista, a testemunha pode ser qualquer pessoa CAPAZ, que tenha CONHECIMENTO DOS FATOS e que se demonstre IMPARCIAL. Para tanto, é necessário traçarmos os liames da parcialidade e a lei assim fez: são consideradas parciais as pessoas que são impedidas (parentes, por exemplo) ou suspeitas (quando a testemunha é inimiga da parte, amiga íntima ou tem interesse no processo).

            Pois bem, no momento da audiência, verificando que a testemunha chamada não atende aos requisitos legais para prestar sua palavra como instrumento probatório, o advogado da parte contrária possui o poder/dever de manifestar a CONTRADITA. Contraditar, na semântica da palavra, é o mesmo que impugnar, contestar. E, para cada ato, seu momento. Em se tratando de contraditar a testemunha, o momento de se alegar que esta não pode depor é “até o último instante anterior à colheita do depoimento testemunhal, sob a pena de preclusão”, assim rege a inteligência do art. 457, caput, do CPC.

Na prática, é recomendável informar a contradita enquanto o secretário de audiência está colhendo suas informações pessoais do depoente. Alguns advogados costumam, inclusive, informar antes de a testemunha entrar na sala, quando a parte adversa informa seu nome o profissional já adianta ao juízo “Exca., tenho contradita pra essa testemunha”.

É interessante ressaltar que, em se tratando de contradita por amizade com a parte, o advogado precisa frisar o fato de a amizade ser ÍNTIMA, caso contrário, o juiz pode entender que a relação é superficial e não interfere de forma relevante no depoimento, desconsiderando a impugnação. A exemplo disso, temos o entendimento – já pacificado – de que o mero ato de adicionar pessoas em listas de amigos nas redes sociais não configura, por si só, amizade íntima (1º Turma TST – RR 24-44.2015.5.06.0023). O critério deve ser ainda mais aprofundado, se atentando aos indícios fáticos que sejam capazes de distinguir a amizade virtual da real. E, veja bem, se tratando mesmo de amizade íntima, ao ser contraditada, se a testemunha confessar, ainda sim poderá ser ouvida, mas apenas como informante. Assim sendo, o seu depoimento não possuirá compromisso com a verdade e, por óbvio, não terá o mesmo peso probatório.

            Entretanto, existe também o cenário em que, no momento da contradita, a testemunha nega o que foi alegado pelo advogado. E o que acontece? O patrono precisa provar a sua alegação! Ora, é sabido que na prática trabalhista, quase sempre se toma ciência de quem é a testemunha na exata hora da audiência. Como provar? Difícil.

Este é um momento delicado e importante do processo que pode culminar, inclusive, em nulidade processual. Assim se observa o Acórdão de 2021 da 11° Turma do TRT-4 (ROT 0020993-10.2019.5.04.0019): neste caso em específico, houve o indeferimento da produção de prova da contradita à testemunha do autor por amizade íntima, este ato constituiu cerceamento de defesa, restando evidente o prejuízo na condenação. E, em sede de recurso ordinário, os magistrados – por unanimidade dos votos – deram provimento parcial ao recurso do reclamado reconhecendo a nulidade processual a partir do indeferimento da produção de prova, determinando o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.

Além deste panorama, há também aquele mais complexo ainda em que, em virtude de fato superveniente, se averigua que a testemunha se tornou incapaz, suspeita ou impedida. Como proceder nestes casos em que a prova da contradita somente é obtida após a audiência? O entendimento jurisprudencial sobre a matéria é praticamente uníssono. Se a testemunha não for contraditada no momento correto (antes do depoimento), o direito de assim o fazer resta, de fato, precluso. Nesse sentido existem infinitas jurisprudências como, por exemplo, o Acórdão proferido pelo TRT-1 em 2021 (RO 010000199520215010043), em que se reitera o entendimento acerca da preclusão.

Mas, recentemente, assistimos os tribunais manifestarem uma postura diferente em relação à preclusão da contradita, abrindo os horizontes para um precedente contrário ao entendimento que sempre nos foi apresentado. Para tanto, esse caso merece a nossa atenção, afinal, a beleza do Direto está mesmo na maleabilidade dos seus detalhes, na forma como se transmuta no tempo, atendendo aos princípios da justiça e não desamparando os valores sociais.

Pois bem, o país inteiro acompanhou o caso da dancinha nas redes sociais onde 3 amigas iam “processar a empresa tóxica”. Trata-se da história em que a vendedora de uma loja de joias entrou na justiça contra a firma pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício anterior ao registrado na carteira, bem como danos morais por tratamento humilhante. Duas mulheres foram testemunhas a favor da reclamante, contudo, logo após a audiência, a autora da ação postou em seu perfil do Instagram um vídeo em que comemorava a suposta vitória no processo. Na referida mídia, ela e duas amigas – suas duas testemunhas – aproveitavam a música dando risada e fazendo uma dancinha enquanto o título do vídeo era: “eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica”. A informação da existência da mídia chegou aos autos após a audiência, através de manifestação que requereu a anulação dos depoimentos. Veja: não houve contradita durante o procedimento de oitiva e, no que pese o entendimento predominante dos tribunais, o direito de contraditar as testemunhas estaria precluso. Contudo, o juízo de 1º grau considerou a postagem no TikTok desrespeitosa, além de demonstrar uma amizade da reclamante com as testemunhas e até uma inimizade dessas com a empresa. Por isso, anulou os depoimentos e, ainda, condenou as três em litigância de má fé com multa de 2%. A decisão foi mantida em segunda instância, na 8ª Turma do TRT2 (nº 1001191-35.2021.5.02.0717).

Relevante apreciarmos o fato de que, já haviam outros julgados que reformaram a sentença de piso para acolher a contradita de uma testemunha em ação trabalhista, de modo que o depoimento passasse a ser apreciado na condição de informante do Juízo. Mas, observe, nestes julgados o advogado já havia exercido a contradita durante a audiência, ou seja, inexiste preclusão quando a parte registra a manifestação no momento oportuno (3º Turma TST – RR 3477-36.2015.5.12.0005). Já no caso da “empresa tóxica”, não há qualquer registro de contradição em Ata de Audiência.

Assim, resta claro que, a partir destas comparações, é possível notar uma mudança de postura no que tange aos mecanismos de proteção da verdade no depoimento de testemunhas. As redes sociais trouxeram muitas perspectivas diferentes para o Direito, esta seria só mais uma das transformações advindas destes avanços. Toda essa história, que tem um pano de fundo até engraçado, mas traz consequências bem sérias, vale mesmo a nossa reflexão. Será que estamos diante de um novo tempo no instituto da contradita de testemunhas? Virão aos autos pós audiência provas de amizades e inimizades que inundam as redes sociais? O que seria mais importante – a verdade formal ou a real? A preclusão deve se sobrepor à segurança de um depoimento verídico? E se o fato superveniente que razoar a contradita for cabal para provar a imparcialidade da testemunha, como ponderar? São vários os questionamentos e a certeza de uma coisa: esse caso vai gerar um bom tumulto nos momentos pós audiências de agora em diante.

O que vem a ser a contradita de testemunha?

Trata-se da impugnação ou objeção apresentada pela parte, geralmente, em relação à testemunha arrolada pelo adversário, especificamente, às pessoas que não podem depor (artigo 207 do CPP) ou às que não devem ser compromissadas (artigo 208 do CPP).

Quando a testemunha pode ser contraditada?

De acordo com o Código de Processo Civil, o momento oportuno para se contraditar a testemunha é logo após ela ser qualificada e antes que preste o compromisso de dizer a verdade.

Como contraditar testemunha no processo civil?

O ideal é que, após o juiz perguntar o nome da pessoa que será ouvida, você, como advogado, peça a palavra ao magistrado e informe que pretende “contraditar” a testemunha. Certamente, neste momento o juiz te dará a palavra para que você sustente suas alegações.

Como ocorre a contradita?

A contradita deve ocorrer quando essa pessoa que se pretende ouvir está em uma das situações de incapacidade, impedimento ou suspeição, nos termos do art. 457, §1º, do CPC. Então, imagina que a parte contrária quer ouvir uma pessoa como testemunha com quem ela tem parentesco.