O ideal de beleza feminino no barroco e a sua evolução até ao final do século xix

O barroco, também chamado seiscentismo, foi uma tendência artística que reagiu ao otimismo antropocentrista do Renascimento, tendo dominado a literatura, a arquitetura e as artes plásticas no século XVII. Ao contrário do sonho humanista, que lançou os europeus às Grandes Navegações e ao ideal de proporção e equilíbrio nas artes, a escola barroca foi tomada por um pessimismo rancoroso e desconfiado, de fundo religioso, que valorizava o exagero e a expressão metafórica.

Há um tom lamurioso no barroco, um lamento pela mudança perpétua das coisas, bem como uma cautela com a efusão renascentista, que colocava o homem no centro do universo e propunha um novo paradigma para a época.

O ideal de beleza feminino no barroco e a sua evolução até ao final do século xix
Interior da igreja de São Luís da França, em Roma. Um grande exemplo da arquitetura barroca. [1]

Contexto histórico

A expressão barroca relaciona-se, principalmente, com o período da Reforma e Contrarreforma. Em 1517, Martinho Lutero, insatisfeito com os poderes da Igreja na Europa, elaborou suas 95 teses, questionando os dogmas do catolicismo e fundamentando uma nova forma de cristianismo, embasada na fé e no conhecimento dos textos bíblicos, refutando, entre outros pontos, o sumo poder do papa e desprezando a representação das imagens de figuras religiosas. Esse contexto desembocou no surgimento do protestantismo, também conhecido como movimento da Reforma Protestante ou Luterana.

A Igreja Católica, por sua vez, iniciou um movimento de Contrarreforma, em que estabelecia mudanças internas de pouca expressão estrutural. Preocupados com a disseminação da fé católica, criaram medidas de expansão de sua doutrina, como a Companhia de Jesus, responsável pela catequização de europeus, asiáticos e povos ameríndios, e medidas de perseguição, como o Tribunal do Santo Ofício, que propôs a Inquisição como forma de punição àqueles que se desviassem do catolicismo.

Em uma Europa tomada pelos ideais humanistas do Renascimento, que revolucionaram a perspectiva de como os seres humanos viam a si mesmos e ao planeta Terra, o barroco surgiu como uma postura cautelosa: pretendia lembrar a efemeridade da vida e a existência suprema do eterno, fazendo uso de contrastes e paradoxos, além de ter a expressão católica da representação imagética de santos, valendo-se da opulência e do exagero para enfatizar a grandeza da Igreja.

Leia também: Classicismo, expressão artística dos ideais renascentistas

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Características do barroco

  • Abundância de contrastes, paradoxos e antíteses, representando o dualismo do teocentrismo x antropocentrismo, fé x razão;
  • Uso constante de metáforas e metonímias;
  • Gosto pelo exagero e pela opulência, fazendo uso de hipérboles e de rebuscamento da linguagem;
  • Riqueza de detalhes, sobretudo nas obras arquitetônicas;
  • Dramatismo: esculturas e pinturas com a intenção de despertar as emoções em quem as vê;
  • Conteúdo frequentemente pessimista, em oposição ao sonho de grandeza renascentista, relembrando a instabilidade das coisas – retrato do sofrimento e presença da culpa ante o pecado;
  • Feísmo: gosto pelo grotesco e pela exibição da miséria humana;
  • Conflito entre o eu lírico e o mundo à sua volta, muitas vezes levando ao isolamento.

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A pintura de Caravaggio, Inspiração de São Mateus, de 1602, apresenta características barrocas marcantes, como presença de luz e sombra, detalhamento. [2]

Vejamos na prática a presença dessas características em dois exemplos de poemas no estilo barroco:

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.
 

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?

Se é tão formosa a Luz, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?
 

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se a tristeza.
 

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância.

(Gregório de Matos)

Nota-se que o poeta trabalha com o jogo dos opostos, contrastando dia e noite, luz e sombra, alegria e tristeza, em constante dualidade de termos. O pessimismo está presente quando os versos ressaltam a efemeridade das coisas: o dia é claro, a luz é formosa, mas tudo dura pouco – não há constância nas eternas contradições e contrastes da vida humana.

À fragilidade da vida

Esse baixel nas praias derrotado

Foi nas ondas Narciso presumido;

Esse farol nos céus escurecido

Foi do monte libré, gala do prado.
 

Esse nácar em cinzas desatado

Foi vistoso pavão de Abril florido;

Esse Estio em Vesúvios encendido

Foi Zéfiro suave, em doce agrado.
 

Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera

Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel

Sentem nos auges de um alento vago,
 

Olha, cego mortal, e considera

Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,

Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

(Francisco de Vasconcelos)

Nesse soneto também se percebem a fugacidade e efemeridade da vida como temática, principalmente no último terceto, em que o poeta pede a consideração ao mortal para com a finitude de si mesmo e dos elementos da vida como um todo. Estão presentes os jogos de palavras: o uso de paralelismo (“Esse baixel”/ “Esse nácar”), de metáforas (“vistoso pavão”, “Vesúvios encendido”, “Zéfiro suave”) e de oposições para representar a dualidade da vida e da morte (“nau”/“estrago”; “Sol”/“eclipse”; “rosa”/“cinza”; “Primavera”/“ardor cruel”).

Leia também: Figuras de linguagem: conheça metáfora, metonímia, antítese etc.

Vertentes do barroco

O estilo barroco possui duas vertentes diferentes: o cultismo e o conceptismo.

  • Cultismo

O cultismo, também chamado gongorismo, caracteriza-se pela tendência ornamental, rebuscamento das formas e uso frequente de metáforas e de vocabulário erudito, bem como pela preferência à inversão sintática e à descrição imagética que direcione sensorialmente o leitor, além da presença do tema amoroso e sensual, em que a amada rivaliza com as belezas da natureza, sendo ainda mais bela. Chamou-se cultismo pela obstinação com a linguagem culta – e gongorismo em alusão ao poeta espanhol Luis de Gôngora, cujas composições nesse formato fizeram escola.

  • Conceptismo

O conceptismo, por sua vez, tem um aspecto mais persuasivo, preferindo temas conceituais. Suas composições versam sobre conceitos, silogismos, definições e ideias, tencionam uma argumentação. Ao contrário da busca imagética e sensorial dos cultistas, os conceptistas buscavam apreender os temas por meio da investigação profunda, do intelecto, da dialética. Assim se categorizam os poemas que versam sobre o pecado e a natureza da alma humana. Chamou-se conceptismo, pois predominam o trabalho com o conceito, muito mais do que com a imagem, a metáfora ou a evocação sensorial.

Barroco da Europa

O estilo barroco teve maior expressão e duração nos países da Europa neolatina, principalmente Espanha e Portugal, que se viam já em certa postura defensiva ante os avanços da Reforma Luterana, que se estendia pelos países germânicos, e ante os ideais racionalistas, que se espalhavam pela Inglaterra, França e Holanda.

O principal nome do barroco espanhol foi Luís de Gôngora y Argote (1561-1627), que consolidou um estilo composicional próprio, chamado cultismo, ou gongorismo, reproduzido por muitos seguidores.

O ideal de beleza feminino no barroco e a sua evolução até ao final do século xix
Luís de Gôngora y Argote, o poeta responsável por criar o gongorismo na poesia barroca

Luís de Gôngora y Argote, o poeta responsável por criar o gongorismo na poesia barroca.

Em Portugal, data-se o início do barroco a partir de 1580, data da morte de Camões. A tendência foi predominante nas artes por quase dois séculos, até 1756, quando começou a se manifestar uma nova escola, o arcadismo. Entre os autores barrocos portugueses, destacam-se:

  • Padre Antônio Vieira (1608-1697), conhecido por seus Sermões, obra em 15 volumes;
  • a freira Mariana Alcoforado (1640-1723), autora das Cartas portuguesas (publicadas em francês);
  • D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666), autor da Carta de guia de casados, entre outros títulos do que se chamou “prosa doutrinária” e de poemas reunidos em Obras métricas;
  • Padre Manuel Bernardes (1644-1710), cuja obra mais relevante é Nova Floresta, também exemplo de prosa doutrinária;
  • Matias Aires (1705-1763), que, embora tenha nascido em São Paulo, produziu toda a sua obra em terra portuguesa, com especial destaque para Reflexões sobre a vaidade dos homens;
  • o poeta Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622), autor de Romanceiro, além de poemas épicos, novelas pastoris e prosa doutrinária;
  • os poetas Jerônimo Baía (1620/1630-1688) e Antônio Barbosa Bacelar (1610-1663), cujas obras encontram-se no cancioneiro Fênix Renascida;
  • Antônio José da Silva(1705-1739), brasileiro de nascimento e judeu de ascendência, mudou-se para Portugal aos oito anos e lá produziu sua obra dramatúrgica, composta de comédias que não agradaram à Inquisição, sendo condenado à morte. Sua principal produção é Guerras do alecrim e da manjerona.

Importante também é o texto A arte de furtar, de autoria anônima, que traz uma grande sátira a todos os escalões da sociedade portuguesa no reinado de D. João IV.

Leia também: Quinhentismo – período literário anterior ao barroco no Brasil

Barroco do Brasil

O estilo teve início no Brasil em 1601, com a publicação de Prosopopeia, de autoria de Bento Teixeira. Trata-se de uma obra em decassílabos heroicos, imitação de Os Lusíadas, em que o poeta faz um longo elogio a Jorge Albuquerque Coelho, então capitão donatário de Pernambuco.

Um dos mais conhecidos nomes do barroco brasileiro é Antônio Francisco Lisboa (1730-1814), conhecido pela alcunha de Aleijadinho. Mestre escultor, seu trabalho com as curvas, os elementos contorcidos e a sugestão de movimento das imagens tornou-o um dos mais célebres artistas plásticos nacionais.

O ideal de beleza feminino no barroco e a sua evolução até ao final do século xix
Escultura de Aleijadinho representando o profeta Habacuc.

O principal nome da literatura do período foi o baiano Gregório de Matos Guerra (1636-1696), cuja obra ramifica-se em poemas satíricos, líricos e religiosos. Encarnação dos contrastes barrocos, suas composições são das mais ácidas – que lhe renderam o apelido de Boca do Inferno, atacando diretamente os mais diversos setores da sociedade baiana da época – e também das mais devotas, nas quais glorifica Jesus Cristo e cai em profunda reflexão acerca da efemeridade da vida e da contrição dos pecados.

Destaca-se o também baiano Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), principal expoente do cultismo brasileiro. Sua obra foi reunida no título Música do Parnaso, publicado em 1705, conjunto de poemas em português, espanhol, italiano e latim, que se sobressaem pelo trabalho impecável com a linguagem. Para saber mais detalhes e informações sobre essa escola em nosso país, leia: Barroco no Brasil.

Resumo

  • Tendência estética predominante nas artes do final do século XVI até meados do século XVIII;
  • Floresceu em oposição ao otimismo renascentista;
  • Sua temática gira em torno das dualidades humanas: fé e razão, espírito e corpo, teocentrismo e antropocentrismo;
  • Remete à efemeridade humana perante a eternidade celestial;
  • Tem linguagem trabalhada, plena de metáforas, antíteses, paralelismos, valorizando as figuras de linguagem e o rebuscamento das formas;
  • Possui duas vertentes: o cultismo, de composições imagéticas e metafóricas, ligado ao aspecto sensorial, e o conceptismo, cujos poemas versam sobre conceitos e preferem estruturas argumentativas;
  • Os grandes nomes do barroco português são: Padre Antônio Vieira, na prosa, e Francisco Rodrigues Lobo, na poesia;
  • No Brasil, destacam-se as obras de Gregório de Matos e Botelho de Oliveira.

Exercícios resolvidos

1) (Fatec)

"Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Lua se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.
 

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?

Se é tão formosa a Luz, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?
 

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se tristeza.
 

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância."

(Gregório de Matos)

I.  Há  nele  um  jogo  simétrico  de  contrastes,  expresso por pares  antagônicos,  como  Sol/Lua,  dia/noite,  luz/sombra, tristeza/alegria, etc., que compõe a figura da antítese.

II.  Esse  é  um  soneto  oitocentista,  que  cumpre  os  padrões da  forma  fixa,  quais  sejam,  rimas  ricas,  interpoladas  nas quadras ("A-B-A-B") e alternadas nos tercetos ("A-B-B-A").

III. O tema do eterno combate entre elementos mundanos e  forças  sagradas   é   indicado   ali   por   "ignorância   do mundo"   e   "qualquer   dos   bens",   por   um   lado,   e   por "constância", "alegria" e "firmeza", de outro.

A respeito de tais afirmações, deve-se dizer que:

a) somente I está correta.

b) somente II está correta.

c) somente III está correta.

d) somente I e III estão corretas.

e) todas estão corretas.

Resolução

1) Alternativa d. Estão presentes o jogo de contrastes e a figura da antítese, bem como o combate entre elementos mundanos e sagrados. O poema, no entanto, não é oitocentista, e sim seiscentista, e o esquema de rimas nos quartetos é A-B-B-A e, nos tercetos, C-D-C e D-C-D.

2) (UFRS) Com relação ao barroco brasileiro, assinale a alternativa incorreta.

a) Os Sermões, de Padre Antônio Vieira, elaborados em uma linguagem conceptista, refletiram as preocupações do autor com problemas brasileiros da época, por exemplo, a escravidão.

b) Os conflitos éticos vividos pelo homem do barroco corresponderam, na forma literária, ao uso exagerado de paradoxos e inversões sintáticas.

c) A poesia barroca foi a confirmação, no plano estético, dos preceitos renascentistas de harmonia e equilíbrio, vigentes na Europa no século XVI, que chegaram ao Brasil no século XVII, adaptados, então, à realidade nacional.

d) Um dos temas principais do barroco é a efemeridade da vida, questão que foi tratada no dilema de viver o momento presente e, ao mesmo tempo, preocupar-se com a vida eterna.

e) A escultura barroca teve no Brasil o nome de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que, no século XVII, elaborou uma arte de tema religioso com traços nacionais e populares, em uma mescla representativa do Barroco.

Resolução

2) Alternativa c. O barroco opôs-se francamente aos ideais de equilíbrio e proporção da escola classicista, valorizando, na verdade, os excessos, as metáforas e as contradições em suas obras.

Créditos das imagens

[1] Alexandros Michailidis / Shutterstock

[2] PhotoFires / Shutterstock

Qual era o padrão de beleza no século XIX?

No entanto, já no século XIX o corpo gordo caracterizado pela cintura grossa, costas volumosas, coxas e braços arredondados e seios generosos caracterizavam a mulher honesta e mãe de família. Ter um corpo volumoso era sinônimo de beleza, fartura e riqueza.

Como a beleza feminina mudou ao longo da história?

Pele branca, seios fartos, coxas grossas e cintura larga configuravam o padrão da época. A sociedade esperava que as mulheres tivessem olhos grandes, pés pequenos, cintura fina, cabelo longo e bem escuro, dentes brancos e pele pálida. Um corpo arredondado, com quadris largos e seios grandes, era sinônimo de beleza.

Como foi a transformação do padrão de beleza ao longo do tempo?

Os padrões de beleza sofreram grandes mudanças ao longo da história. Em cada época é possível identificar a valorização por um ou outro tipo físico, dos corpos roliços aos mais secos, das barriguinhas pronunciadas aos abdomens sequinhos, dos seios minúsculos aos bustos fartos.

Quais foram as mudanças na sociedade sobre a exigência da beleza feminina ao longo do tempo?

Século XVI e XVIII Com o passar do tempo, a sociedade passou a valorizar corpos magros e foram nos séculos XVI e XVIII que isso ganhou maior importância. Há relatos históricos de que as mulheres usavam espartilhos e corpetes para ajustar a cintura e garantir uma aparência mais bonita.