Quais foram os principais objetivos da grande reforma da cidade do Rio de Janeiro?

No começo do século XX, o Rio de Janeiro, apesar de sua deslumbrante paisagem natural, era em muitos aspectos um lugar difícil para se viver. Fruto de uma urbanização acelerada e sem planejamento, o centro do Rio era uma região tão interessante quanto caótica. Suas vielas estreitas e sinuosas, úmidas, sujas e mal iluminadas eram foco permanente de doenças. As epidemias eram frequentes; o trânsito, uma grande confusão.

Os pobres, grande parte deles, moravam em habitações coletivas sem as mínimas condições de higiene. Pelas ruas do centro da cidade uma profusão de gente, carroças e carruagens disputava ojá reduzido espaço com o bonde e com os primeiros automóveis – signo maior de nossa modernidade tropical. Para muitos higienistas, sanear era construir avenidas; era alargar as ruas para melhor aproveitamento do sol e dos ventos; era mudar os costumes; era demolir o velho e insalubre casario.

Sucessor de Campos Sales na presidência da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906) fez de seu programa de governo um compromisso com essas ideias. Saneamento e modernização foram as suas promessas. Para tocar a reforma urbana, Rodrigues Alves convidou o engenheiro Francisco Pereira Passos, nomeado prefeito da capital com poderes discricionários. A saúde pública – cujo comando foi entregue a Oswaldo Cruz – e as obras de maior vulto, como a modernização do porto e a construção das avenidas Central e do Mangue, ficaram sob a responsabilidade do governo federal. Inaugurada em 1905, a avenida Central (hoje Rio Branco) tornou-se o grande símbolo da reforma.

Inspirada no plano de remodelação de Paris executado pelo barão Georges-Eugène Haussmann ainda no século XIX, a Reforma Pereira Passou transformou radicalmente a fisionomia do centro do Rio. Em poucos anos, uma nova metrópole nasceria dos escombros da velha cidade. Edifícios suntuosos e de arquitetura variada surgiram para ornamentar as novas avenidas; hábitos considerados incompatíveis com os preceitos da higiene pública foram proibidos; novas redes de esgoto e de abastecimento de água foram construídas, assim como novas linhas de bonde, agora eletrificadas; a iluminação pública, antes fornecida pelos lampiões a gás, começou a ser substituída por postes de eletricidade. Com a remodelação do traçado urbano do centro, o tráfego desafogou; a cidade se expandia em todas as direções.

Mas, apesar de todas essas melhorias, a reforma teve também o seu lado sombrio e excludente. Centenas de casebres e cortiços foram demolidas por motivos de higiene ou para dar passagem às novas artérias que surgiam em ritmo vertiginoso. Com as demolições, a população que tinha alguma fonte de renda deslocou-se do centro para o subúrbio, enquanto que os mais pobres foram habitar as encostas dos morros, engrossando o contingente populacional das favelas que começavam a surgir. O “furor das picaretas regeneradoras” – para usar a expressão de Olavo Bilac – recebeu da população o apelido de “Bota-Abaixo”. 

História do Brasil -

A cidade do Rio de Janeiro tinha cerca de 700 mil habitantes em 1904. Desde o início do século 19, manteve-se como a maior cidade do país. Com exceção de seus palacetes de Botafogo e Laranjeiras, era cortada por ruas estreitas e vielas, onde se erguiam prédios e imensos cortiços.

Nos morros, amontoados de barracos formavam as primeiras favelas. Nas áreas pantanosas, ocorriam epidemias de febre tifóide, varíola e febre amarela. O mau cheiro era insuportável, principalmente com o calor.

Uma reformulação do Rio de Janeiro foi concebida para tornar a cidade semelhante às metrópoles européias e agradável para sua elite. Abrir largas avenidas, erradicar as doenças, derrubar os cortiços e sobretudo empurrar para longe a massa pobre, negra e mestiça eram os desejos da população elegante do município.

Durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906), cortiços foram derrubados, dando lugar a belas praças, charmosos jardins, largas avenidas e vistosos palacetes. O Rio iria tornar-se a "cidade maravilhosa".

O resultado foi a deterioração das condições de vida dos trabalhadores. O preço dos aluguéis subiu, e a população mais pobre foi removida do centro para áreas mais distantes. Nos morros, as favelas proliferavam.

Em 9 de novembro de 1904, o governo decretou a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. O jovem dr. Oswaldo Cruz comandava a campanha. O anúncio provocou uma onda de protestos que culminou na chamada Revolta da Vacina. Nos dias seguintes, populares levantavam-se no espaço público recém-urbanizado incitando à rebelião. A polícia era recebida a pedradas. A multidão circulava ruidosamente pelas largas avenidas, pelos belos jardins, diante das suntuosas mansões.

O espaço público era ocupado, à força, pelos manifestantes. A fúria se voltava contra automóveis, bondes, delegacias, postes de iluminação, calçamentos. O governo perdeu o controle da capital, só retomado com a repressão do Exército, da Marinha e da Guarda Nacional. A revolta tornou-se epidêmica.

Para a maior parte da população, vítima de seu alheamento das decisões políticas, de uma modernização autoritária que desalojava os moradores e expulsava-os das regiões centrais, de um poder público que agravava cada vez mais suas condições de vida e não lhes oferecia nenhum tipo de assistência, a vacinação representava uma espécie de violação de seus próprios corpos.

Muitos pensavam que se tratava de uma política de extermínio da população pobre. Delírios febris?

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Qual era o objetivo da reforma da cidade do Rio de Janeiro?

A reforma de Pereira Passos no Rio de Janeiro tinha como objetivo modernizar a cidade, acabar com os cortiços, alargar as ruas e estabelecer a higienização local, com saneamento básico e recolhimento de lixo. O Rio de Janeiro era considerado um destino de viagens perigoso, pois a transmissão de doenças era altíssima.

Quais foram as principais reformas feitas no Rio de Janeiro?

Com plenos poderes dados pelo presidente Rodrigues Alves, Passos promoveu uma profunda reformulação urbana, cujos principais exemplos foram a construção da Avenida Central, a reforma do porto e a iluminação pública. Construíram-se luxuosos palacetes, praças e jardins no lugar de 600 edificações.

Quais são os objetivos da reforma urbana?

A Reforma Urbana é, basicamente, a promoção de uma série de políticas públicas para reordenar a lógica das cidades, democratizando suas estruturas e garantindo o seu acesso para as camadas economicamente inferiores da sociedade.

Quais eram os objetivos do poder público com a modernização da cidade do Rio de Janeiro?

Uma reformulação do Rio de Janeiro foi concebida para tornar a cidade semelhante às metrópoles européias e agradável para sua elite. Abrir largas avenidas, erradicar as doenças, derrubar os cortiços e sobretudo empurrar para longe a massa pobre, negra e mestiça eram os desejos da população elegante do município.