Quais os fatores contribuíram para que a organização de Roma mudasse?

RESUMO

Este trabalho pretende analisar a ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão do imperador Constantino I segundo uma historiografia que se dedicou à análise dos temas descritos. A análise consistiu, inicialmente, na observação acerca da abordagem do movimento liderado por Jesus de Nazaré, das perseguições aos judeus-cristãos até o século IV da Era Comum e a vinculação destes eventos na história messiânica da Judeia. A partir destas premissas, a análise da historiografia pretende elucidar as concordâncias e as discordâncias dos autores selecionados quanto à filosofia política das investidas persecutórias; as intenções; o messianismo; as leis republicanas às novas e ilícitas religiões e a conversão do imperador Constantino na Antiguidade.

Palavras-chave: Cristianismo. Império Romano. Historiografia.

ABSTRACT

This work intends to analyze the rise of Christianity in the Roman Empire and the conversion of Emperor Constantine I according to a historiography that was dedicated to the analysis of the subjects described. The analysis consisted initially of the observation of the approach of the movement led by Jesus Christ and of the persecutions of the Judeo-Christians until the fourth century of the Common Era and the linkage of these events in the messianic history of Judea. From these premises, the analysis of historiography intends to elucidate the concordances and disagreements of the selected authors regarding the political philosophy of the persecutory investigates; the intentions; the republican laws to the new and illicit religions and the conversion of the emperor Constantino in the Antiquity.

Keywords: Christianity. Roman Empire. Historiography.

1. INTRODUÇÃO

A presente monografia tece uma comparação entre as obras de Allain Corbin (2009), Bertrand Russell (2014), Christopher Dawson (2014), Edward Gibbon (2005), Jonathan Hill (2015), Paul Veyne (2009) e Reza Aslan (2014) acerca dos temas da ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão do imperador Constantino. Com o intuito de buscar as estruturas, para além de um fato, que determinaram a eclosão de uma religiosidade e de uma religião de tal envergadura, tomo como objeto de reflexão uma historiografia que se dedicou a analisá-las no contexto da Antiguidade romana.

Comumente o desenvolvimento do cristianismo é associado à conversão de Constantino para a ascensão do culto cristão no Império Romano e isso não pode ser negado, mas há de se levar em consideração o que permeava o Império Romano em declínio e o próprio César. A esfera espiritual romana estava cercada por outras religiões além do politeísmo romano, o Império Romano caminhava lentamente para queda, Constantino enfrentava problemas diversos e as invasões bárbaras aconteciam com frequência. O cristianismo surgiu neste meio como elemento estranho ao Sol Invictus e herdou de seu líder a característica de insurreto, clandestino e de reivindicação de nova identidade. Os seguidores de Jesus de Nazaré enalteciam o pobre e aparentemente não promoviam ou apreciavam a violência no império que foi justamente erguido e consolidado em bases morais violentas e segregatícias. Ser cristão no Império Romano após a morte de Jesus de Nazaré – até meados do século IV – era seguir e venerar um bandido1 que o Estado romano puniu pelos crimes de sedição, proibição de pagamento de impostos, blasfêmia e perversão da nação. Mesmo marcado pela violência na historicidade da sua formação, o cristianismo ascendeu lentamente na religiosidade romana até chegar aos sonhos de Constantino com a instrução In hoc signo vinces.

Na noite de véspera da Batalha da Ponte Mílvia2 em 312, Constantino supostamente sonhou com Jesus Cristo lhe dizendo que “sob este sinal vencerás” (In hoc signo vinces) e no dia seguinte o imperador leva para os escudos, estandartes de suas tropas e no seu próprio capacete o cristograma com o nome de Jesus Cristo em grego (). O que parecia ser mais um confronto maçante e padrão de retomada de poder acabou se tornando um marco na história, já que a vitória de Constantino sobre Maxêncio foi associada ao seu sonho. Assim, o cristianismo assumiu as rédeas da religião oficial do imperador e deixava sua condição de seita de vanguarda aos poucos. A partir deste momento, o curso da história humana foi mudado permanentemente pela figura de Jesus de Nazaré que já havia modificado a interpretação romana e judaica sobre o divino. O cristianismo e a Igreja se tornaram os maiores fenômenos culturais da humanidade, seja para o bem, seja para o mal. Cabe a busca por informações valiosas no que a historiografia selecionada oferece com a finalidade de desvendar as movimentações históricas no contexto selecionado.

É clara a complexidade do tema e importância para a historiografia. Isso é evidenciado de maneira geral pela maioria dos autores consultados para a elaboração deste trabalho. No entanto, a dificuldade do estudo destes temas é relacionada às fontes, em virtude de restrições de acesso, disponibilidade em bibliotecas, escassez de obras digitalizadas e a distância temporal e física dos eventos estudados. Desta forma, a metodologia da Análise Bibliográfica constitui os fundamentos da pesquisa, apropriando-se dos pressupostos teóricos da Escola dos Annales. O trabalho também conta com os argumentos da diversidade teórica que são elementos essenciais para a concepção do tema. No que diz respeito à importância da pesquisa, a história do cristianismo possui muitos aspectos que foram negligenciados pela historiografia ocidental dada sua relevância ao número de publicações sobre o tema em língua portuguesa. A análise sobre as mudanças das mentalidades e sobre a formação do pensamento escatológico, teológico e filosófico que o cristianismo infante criou foram deixadas de lado por uma historiografia escrita por autores que preferiam analisar os eventos a partir das instituições em detrimento dos sujeitos, criando um número alto de publicações que generalizam e tornam superficial a história do cristianismo primitivo e da cristandade. A historiografia moderna só conseguiu superar o anacronismo de ignorar a mudança das mentalidades quando adquiriu fundamentos teóricos suficientes para estudar os processos e fatos analisando os sujeitos e não somente as instituições.

2. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DOS CONTEXTOS JUDAICO-MESSIÂNICO E ROMANO

“Então se alguém vos disser: ‘O Cristo está aqui’ ou ‘acolá’, não acrediteis. Porque se levantarão falsos cristos e falsos profetas que farão grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. Vede, eu vos preveni.” (Mt. XXIV, 23 - 25)

Para compreender o que aconteceu entre a morte de Jesus de Nazaré e o Édito de Milão, período que o cristianismo ascendeu no Império Romano, se faz necessária, inicialmente, a análise braudeliana do contexto da vida de Jesus de Nazaré, do messianismo apocalíptico e o judaísmo relativamente radical exercido pela comunidade da Judeia que tinha como líder o messias conhecido como Jesus de Nazaré.

2.1. O Reino de Yahweh e seus reis

Os pregadores vagantes que de cidade em cidade falavam sobre o fim do mundo e eram sempre seguidos por populares não eram incomuns na época de Jesus de Nazaré. Era comum homens que se afirmassem como o messias. Desde o começo do mundo, inúmeras e ininterruptas predições anunciaram e preparavam todos para a vinda de um messias (GIBBON, 2005, p. 239). O século I foi tempo de aspirações messiânicas e apocalípticas entre os judeus da Palestina, lugar onde alguns supostos profetas pregavam a palavra de Deus e de seu julgamento. Mesmo com a falta de registro e documentos além do conteúdo escrito pelos primeiros cristãos, algumas supostas histórias de sujeitos com aspirações messiânicas são mencionadas no Novo Testamento e a história do profeta Teudas é uma delas. Segundo Lucas, o Evangelista, antes de ter a cabeça cortada pelos soldados romanos, Teudas, o milagreiro possuía um grande número de seguidores que o tinham como um grande homem.3 Outro sujeito conhecido pelo gentílico “Egípcio” criou um movimento insurreto e também foi morto pelas forças policiais romanas que não se intimidaram com o grande número de seguidores, conforme Lucas descreve nos Atos dos Apóstolos.4 Observando a descrição dos messias citados a partir dos textos bíblicos, a própria questão da quantidade de messias e o messianismo, o interesse sobre a análise do contexto em que viviam este homens se torna maior a fim de entender o que significou a ação de homens com aspirações messiânicas e sua finalidade. Porém, a investigação historiográfica sobre contexto que Jesus Cristo viveu e a questão do Jesus histórico – que também se autodeclarou messias – é relativamente nova nas investigações historiográficas e carece de fontes disponíveis para a execução desta tarefa, o que dificulta um pouco o trabalho de análise do contexto, levando em conta fontes cristãs e não-cristãs para desenvolver um parâmetro sobre como o movimento do Nazareno e sua mensagem escatológica foram predisponentes para a hostilidades que os judeus-cristãos sofreram após a sua morte, da mesma forma que há dificuldade para a compreensão do Jesus histórico como sujeito político-revolucionário levando em conta a escassez de fontes. Para Aslan (2013, p. 13),

 “O problema de situar o Jesus histórico é que, fora do Novo Testamento, não há quase nenhum vestígio do homem que iria alterar de modo permanente o curso da história humana. A referência não bíblica mais antiga e mais confiável de Jesus é do historiador judeu Flávio Josefo, do século I (morto em 100 d.C.). Em uma breve passagem na sua obra Antiguidades, Josefo escreve sobre um diabólico sumo sacerdote judeu chamado Ananus que, após a morte do governador romano Festo, condenou ilegalmente um certo ‘Tiago, irmão de Jesus, o que eles chamam de messias’ a apedrejamento por transgressão da lei. A passagem continua relatando o que aconteceu com Ananus após o novo governador, Albino, finalmente chegar a Jerusalém”.

O professor e teólogo Rudolf Bultmann concluiu que a busca pelo Jesus histórico é inacessível uma vez que as elaborações das primeiras comunidades cristãs encobriram o homem de Nazaré e destacaram o Cristo.5 Em 1985, um evento de pesquisa sobre o Nazareno chamado The Jesus Seminar, fundado por Robert Funk, buscou analisar Jesus a partir do ponto de vista histórico. O objetivo dos seminários consistia em isolar qual teria sido o núcleo básico dos ditos e feitos de Jesus, diferenciando-os das interpolações anteriores (SCHIAVO, 2009, p. 30). Levando em conta as discussões do Jesus Seminar, na avaliação de Schweitzer (BATALIOTO, 2010, p. 19), a teologia liberal quis inserir Jesus no âmbito da racionalidade universal e fez dele um mestre moral, filósofo humanista, uma criação da burguesia liberal ocidental e buscou esconder o homem revolucionário. Conforme descrito por Batalioto (2010, p. 19), para Schweitzer, na análise de Walter Kasper (BATALIOTO, 2010, p. 19 apud KASPER, 1978),

“(...) o Jesus de Nazaré que apareceu como messias, que anunciou a moral do reino de Deus, que fundou na terra o reino dos céus e morreu para consagrar sua obra, esse Jesus não existiu jamais. Se trata de uma figura esboçada pelo racionalismo, animada pelo liberalismo e adornada com roupagem histórica pela teologia moderna.”

Portanto, este trabalho tomará como objeto de estudo para a discussão Jesus de Nazaré, o Jesus histórico. A partir disso, a discussão tem como parâmetro a ideia de que a ação de Jesus de Nazaré como líder messiânico não foi um evento isolado no contexto em que ele estava inserido. Próximo do ano IV a.C., data que a maioria dos estudiosos acredita que Jesus de Nazaré nasceu6 alguns sujeitos foram executados por suas aspirações messiânicas. Estes homens de natureza similar à de Jesus são citados nos textos cristãos, como Simão da Pereia e Judas, o Galileu7, ambos mortos por suas aspirações messiânicas. A importância do messias é grande para os judeus, embora houvesse uma divergência sobre quem era ou o que é um messias neste contexto. Segundo Aslan (2013, p. 36), o messias é o descendente do rei Davi e ele vem para restaurar Israel, para libertar os judeus do jugo da ocupação e estabelecer o poder de Deus em Jerusalém. Alguns pensavam que o messias era uma figura que traria de volta a posição de glória e poder perdida pelos judeus. Em grupos mais radicais, o messias era de caráter mais apocalíptico e faria um novo mundo sobre as ruínas. Os essênios era um destes grupos mais radicais e esperava dois messias distintos – um rei, outro sacerdote – embora a maioria dos judeus achasse que o messias seria uma combinação de ambas as características de rei e sacerdote. Isaac (2002, p. 230) infere sobre o conceito de messias afirmando que para todo judeu, discípulo ou não de Jesus, o messias não podia ser senão um vencedor. Além da responsabilidade de ser o redentor de um povo, assumir-se como messias não era uma simples declaração. Era, na verdade, um ato de traição. Na Palestina do século I, simplesmente dizer as palavras “este é o messias” ou “eu sou o messias” em voz alta e em público poderia ser um crime, punível por crucificação. Jesus de Nazaré, além de apontado como messias, se afirmou como o último messias.8

2.2. Jesus de Nazaré, o zelota

Interpretado como líder zelota, inserir Jesus de Nazaré em qualquer movimento político-revolucionário da época é uma tarefa difícil, mas o que pode ser afirmado a partir do prisma historiográfico é que Jesus de Nazaré foi um homem político-revolucionário, que seu ministério ocorreu por motivos político-ideológicos e que ele foi morto por sua ousadia. Aslan (2009) afirma que Jesus integrou o movimento zelota durante seu ministério e que sua história aconteceu da forma que é conhecida por que ele fez parte deste movimento. Os zelotes eram os homens judeus que zelavam pelo nome de Yahweh, uma “célula revolucionária” dos fariseus, partidários do movimento político judaico que tinha como premissa a ideia de que o povo hebreu deveria rebelar-se contra ocupação romana na Judeia lutando, se possível, armado. Mesmo depois da morte do Nazareno, o movimento zelota não caiu em desuso. Muito pelo contrário, estes movimentos insurretos levaram, por exemplo, à Primeira Guerra Judaico-Romana iniciada em 66 d.C., mesmo ano da morte de Paulo.

Imaginar a ação de Jesus de Nazaré, o homem revolucionário zelota infeliz com a ocupação romana, ansioso pela efetivação do Reino de Deus e associá-lo à uma imagem de líder espiritual carismático, pacífico e terno é completamente dubitável. Não há possibilidade de pensar em um líder revolucionário que lutou pelas vias da diplomacia neste contexto, mesmo que o ministério de Jesus fosse aparentemente pacífico. As qualidades humanas e os sofrimentos humanos de Jesus desempenham um papel singularmente reduzido na apologética deste período (DODDS, 1965, p. 136) e o que é importante para a compreensão do líder revolucionário não leva em conta o líder religioso e legitimador da grandeza da crença. A concepção de Jesus como líder zelota é fundamentada, por exemplo, pelas descrições contidas no Novo Testamento, a partir de falas aparentemente xenofóbicas9 ou nacionalistas10 e de promoção de violência.11 Jesus integrou parte de um movimento que a autoridade romana, relativamente simpática às lideranças judaicas, não pôde ignorar: Jesus era um zelota.12 Quando Jesus de Nazaré viveu existiam quatro partidos na região da Palestina: os fariseus, os saduceus, os essênios e os zelotas. Os essênios viviam marginalizados no território de jurisdição romana e esperavam que um dia o Império Romano caísse em ruínas. Os fariseus também seguiam essa linha de pensamento, mas ora ou outra pareciam aderir ao modelo romano de governo a fim de manter as boas aparências na relação com o poder imperial. Os saduceus esperavam pelo messias que iria salvar a Palestina do jugo romano, e enquanto isso não acontecia, participavam do governo romano na região. Os zelotas eram a força de oposição ao jugo romano e sua origem explica a ideologia nacionalista dos seus partidários. Para os zelotas, a Palestina não era de Roma. A Palestina era do Deus de Israel e dos judeus.

A origem do zelotismo remonta ao ano 63 a.C., data em que Roma dominou Jerusalém. A entrada do poder romano em Jerusalém aconteceu quando Pompeu Magno, cercado por suas legiões conquistadoras sitiou o Templo de Deus, local mais santo das montanhas da Judeia. O momento que Jerusalém vivia era próspero, seu povo tinha remodelado o reino e o período era de relativa paz, depois da cidade passar por episódios violentos meio milênio antes com a destruição do Templo de Deus em 586 a.C. promovida pelos babilônios. Na época da invasão romana, Jerusalém possuía 100 mil habitantes e era um ponto no mapa do Império Romano de pouco interesse para a autoridade imperial, muito embora a região da fronteira13 e a fluidez dos poderes religiosos e políticos de Jerusalém fossem observadas pela autoridade romana com estreita vigilância, preferencialmente sobre o sumo sacerdote da região (ASLAN, 2013, p. 59). A religião é um elemento de força que fornece um fundamento transcendente de poder (VEYNE, 2009, p. 136) e a autoridade romana sabia que o chefe do Sinédrio tinha um prestígio político e religioso muito alto. A jurisdição do Sumo Sacerdote estava no âmbito de se fazer o cumprimento da lei de Deus e até mesmo a prisão de populares.

Os romanos entenderam que se quisessem tomar a região completamente, precisavam subtrair e controlar o Templo. Assim executado, o poder romano passou a nomear e destituir o líder local, fazendo o exercício da função de chefe do Sinédrio parte das funções públicas romanas. Mesmo sob o julgo romano, a comunidade judaica estava em melhor situação do que outras comunidades que também eram dominadas pelo Império de Roma. De forma geral, a autoridade imperial não tinha grandes problemas com os judeus. O poder romano permitia o livre exercício dos rituais e tudo o que dizia respeito à prática do culto judaico. O culto ao imperador, lei para todo povo dominado por Roma e para todos os romanos foi dispensado para os judeus. O que Roma pedia de Jerusalém era que duas vezes por dia houvesse sacrifício de um touro e dois cordeiros em nome do César e pelo zelo a sua saúde (ASLAN, 2013, p. 40).

Mas os judeus possuíam um complexo de superioridade que Roma nunca conseguiu compreender e que foi um dos motivos da violência das perseguições que os judeus-cristãos sofreram no Império Romano após a morte de Jesus de Nazaré. Para os civis romanos, o tratamento que a comunidade judaica recebia era, no mínimo, incompreensível. César não representava nada para os judeus, não era imortal e não era divino: César era humano, o líder imposto a ser suportado. A comunidade judaica imaginava o líder – o seu líder hebreu – como um desígnio divino, pensamento que é notável nos discursos messiânicos da época. Segundo Veyne (2009, p. 80), é com o cristianismo (e com a conversão de Constantino que inaugura a entrada sistemática da fé nas questões de poder político) que começa o problema milenar das relações do trono e do altar. As relações de poder e religião, normalmente muito confusas no mundo moderno, não faziam parte da lógica imperial de exercício de poder. A autoridade imperial romana mantinha uma relação com o povo judeu relativamente boa, mesmo que eventualmente algum conflito e hostilidade ocorresse entre ambas as partes.

De forma geral, a relação entre judeus e gentios era pacífica, o que é notável levando em conta a história da violência do domínio romano. Para Gibbon (2005, p. 237), a harmonia religiosa do mundo antigo pode explicar essa tolerância, geralmente exercida pela maioria dos povos que respeitavam e até mesmo exerciam o culto religioso dos outros povos vizinhos. O erro judaico foi ser o único povo que se recusou a partilhar o intercâmbio cultural religioso. A Judeia estava ocupada, mas a sensação de excepcionalidade e o tratamento de César não tinham nada de especial: este tratamento foi ordenado pelo Deus de Israel que olhava por todo e qualquer judeu. O tratamento que o Império proporcionava a comunidade era exercido como o Deus que combatia por Israel havia ordenado14 para seu povo na Terra. Mas Yahweh não pôde interferir no ato da ocupação romana e as lideranças judaicas locais que tomaram a Terra Prometida para seu povo há mil anos atrás tinham que aturar o jugo romano mil anos depois. Aslan argumenta que (2013, p. 29)

“(...) no entanto, mil anos mais tarde, essa mesma tribo que tinha derramado tanto sangue para purificar a Terra Prometida de todo elemento estrangeiro, de modo a governá-la em nome de seu Deus, agora se encontrava sofrendo sob a bota de um poder imperial pagão, forçada a compartilhar a Cidade Santa com gauleses, espanhóis, romanos, gregos e sírios – todos eles estrangeiros, todos eles pagãos, obrigada por lei a fazer sacrifícios no próprio Templo de Deus em nome de um idólatra romano que vivia a mais de mil quilômetros de distância.”

Essa movimentação dos romanos na Terra Sagrada não foi aceita em silêncio pelos judeus. A dominação pagã era uma afronta ao território sagrado, dado aos judeus por desígnio divino, única e exclusivamente para aquele povo escolhido entre tantos outros. Dessa forma, a violência se tornaria institucionalizada a fim de devolver para as terras sagradas à ordem divina que fora posta de lado com a ocupação romana na Palestina (ASLAN, 2013, p. 29).

2.3. Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus

Jesus de Nazaré, um entre milhares de simples judeus, atravessou a Galileia realizando supostos milagres15, convidando pessoas a se tornarem seus seguidores para consolidar o que ele chamava de “Reino de Deus”. Jesus de Nazaré lançou um movimento tão nocivo à ordem imperial que foi perseguido, capturado, zombado, torturado e morto como criminoso de Estado. A autoridade imperial romana não poderia ignorar este homem tão notável e perigoso à manutenção do poder imperial, mesmo que fosse impensável enfrentar a força policial romana sozinho. A violência do conflito entre o movimento de Jesus e Roma tinha como fundamento a premissa de que as relações de poder estabelecidas não deveriam ser modificadas. Jesus de Nazaré resistiu à relação de poder fundamentada pela legitimidade do César, e partindo do pressuposto de pensar na resistência política levando em conta o que está contido nos textos do Novo Testamento, a investigação historiográfica e sociológica sobre o contexto messiânico em que ele estava inserido, o Nazareno foi vencido, enfim, por uma relação de poder inexoravelmente sólida que não sofreria nenhum tipo de alteração pela ação de qualquer grupo e qualquer homem até o surgimento do Nazareno como líder político-revolucionário: Jesus de Nazaré foi morto por motivos político-ideológicos.

As acusações que deram embasamento a sua condenação foram os crimes de sedição, blasfêmia16 declarada ao Sumo Sacerdote, perversão da nação e a proibição do pagamento de tributos a Roma. A resposta que Jesus deu à pergunta feita pelas autoridades do Templo de Deus sobre o pagamento de tributos17 depois da quebraria promovida no pátio do Templo18 é parte fundamental da ideia de que Jesus foi perseguido por motivos políticos-ideológicos, levando em conta sua resposta19 que foi interpretada pela força policial do Sinédrio como típica ideologia zelota. Segundo Aslan (2013, p. 101), a explicação é que de acordo com Jesus, César tem direito a “receber de volta” a moeda de denário não porque ele mereça o tributo, mas porque é a sua moeda: seu nome e imagem estão estampados nela e ela circula por todo o território que ele administra. O Deus de Israel não tem nada a ver com isso. A jurisdição divina não tinha nenhuma relação com isso, afinal, o Deus de Israel não exercia seu poder e autoridade sobre os gentios. Deus tem o direito de “receber de volta” a terra que os romanos tomaram para si, porque é a terra dele. “A terra é minha”, diz o Senhor20 e César não tem nada a ver com isso. A pergunta não é simples, mas as forças policiais romanas entenderam a resposta como algo similar a “Então, dê a César a propriedade de César, que não inclui a terra e devolvei a Deus o que é dele, a terra que vocês ocupam ilegalmente”. O que pertence a Deus é a terra que não pertence à Roma. Em uma resposta aparentemente simples, Jesus se denunciou como zelota e caiu na armadilha da pergunta utilizada para descobrir homens que não concordavam com o pagamento de impostos à Roma, argumento suficiente para acusá-lo de ser um zelota, já que a negação ao pagamento de tributo era um crime entendido pela autoridade romana como ação tipicamente zelota.

Na criação do mito de Jesus, episódios como a pergunta sobre tributação ser devida ou não são destaque para a compreensão do incômodo e notabilidade que ele causou às autoridades romanas. Sua atuação a partir do exercício do seu ministério foi tão notável que sua morte deveria ser notável como sua existência. No fim da sua vida, segundo a literatura cristã, Cristo sentiu o medo da morte no jardim dos Montes das Oliveiras – o Getsêmani – e como já havia supostamente previsto, foi traído por Judas21 e negado por Pedro três vezes.22 Logo após foi condenado pelo Sumo Sacerdote, mesmo que houvesse dificuldade em achar algum testemunho para acusá-lo formalmente23 e condená-lo. Mas Jesus se denunciou com sua fala blasfema (na resposta sobre se ele é ou não o Cristo) e o seu zelotismo (a negação de pagar impostos a Roma e sua vontade em consolidar o Reino de Deus a partir da ideia de que ele seria o rei dos judeus). Em poucos instantes estavam fundamentadas as acusações contra Jesus que o levariam a morte na cruz no Gólgota. Depois de capturado, Cristo foi vestido com um manto de cor púrpura e com uma coroa de espinhos. Para os soldados romanos, naquele momento de zombaria, Jesus de Nazaré era, finalmente, o Rei dos Judeus.24

2.4. A investida persecutória contra Jesus de Nazaré: fundamentos jurídicos

Levando em conta a história dos messias anteriores a Cristo, chamar Jesus de messias, portanto, era colocá-lo em conflito direto e imediato com a autoridade policial romana. Roma jamais aceitaria que um homem do interior do império pudesse causar tantos problemas. Perseguição gera desordem de todos os tipos e a autoridade imperial, como qualquer liderança de Estado, não queria um sujeito criando problemas e principalmente não permitiria nenhum movimento suficientemente sólido e uniforme que pudesse ameaçar a autoridade romana, mesmo que isso fosse impensável por qualquer homem ou movimento insurreto neste contexto. A autoridade judaica superior não entendia o que Jesus de Nazaré profetizava no seu ministério e seu parecer sobre a sua condenação foi o mesmo dos romanos.

Segundo Cietto e dos Santos (2005), quando Roma passou a administrar a Judeia tornando-a uma procuradoria imperial, foi conferido às autoridades judaicas o poder de autoridade geral. Não se podia executar nenhuma sentença sem a aprovação dos judeus. Roma era o poder maior, eraa verdade incontestável no direito do exercício do poder e fixava o limite de poder que outras lideranças poderiam exercer dentro do território que estava sobre o seu jugo. O problema da filosofia política discutido por Foucault (2015, p. 278) é visualizado no exercício do poder imperial romano, apresentado aos povos dominados como um tipo de verdade incontestável e imposta, se necessário, pela força: como pode o discurso da verdade, ou simplesmente a filosofia entendida como o discurso da verdade por excelência, fixar os limites do poder? A autoridade judaica agiu sem imaginar qual seria o limite do seu poder já que a autoridade romana lhes conferia poder e jurisdição sobre seu povo de forma jurídica e não só religiosa. Por isso, a política do direito romano, inexoravelmente rígida, foi injusta com a condenação do Nazareno.25 Segundo Cietto e dos Santos (2005, p. 08), no momento que Pôncio Pilatos proferiu a sentença Ibis in crucem (subirás à cruz), a condenação seria executada por um tribunal romano, quando, a partir do exercício do Direito romano, Cristo deveria ser julgado formalmente pelo Sinédrio. O processo de condenação de Jesus foi executado a partir de inúmeras irregularidades, como a sua prisão com intenção prévia de condenação, zombaria e a própria condenação do Grande Conselho. O Sinédrio não poderia conduzir nenhum processo sem a permissão do Procurador romano26, mas observando o contexto messiânico, a transgressão dos dispositivos da lei era uma tentativa de condenar uma pessoa a fim de minar as ações dos bandidos (ou supostos bandidos) que agiam contra a autoridade romana. A ação de Pôncio Pilatos27 é a personificação desta ideia: para não perder seu prestígio e posição, Pilatos preferiu entregar o Nazareno para a crucificação.28

Cristo não resistiu e sucumbiu ao poder romano. Ele salvou os outros, a si mesmo não pode salvar.29 Os judeus-cristãos interpretaram sua morte de uma forma diferente. Eles esperam a volta dele, sua salvação e a consolidação da sua palavra. O espírito (ainda) está sonhando no homem (KIERKEGAARD, 2010, p. 45). Esta é a premissa do dogma cristão, construída a época da sua morte. Os judeus ortodoxos não entenderam a vida e morte de Jesus como messiânica e até hoje esperam o seu messias.30 A discordância dos judeus-cristãos e dos não-cristãos evidencia que a distância na compressão entre o que significa o Jesus apocalíptico é também a mesma distância em relação ao que significa o Jesus revolucionário (ŽIŽEK, 2014 apud ALTIZER, 1997). Naquele momento que o ministério de Jesus chegou ao fim, a comunidade da Judeia estava dividida sobre como interpretar a mensagem escatológica do Nazareno. A consciência judaica parecia suspensa num estado de desequilíbrio (DAWSON, 2014, p. 176 apud DANIEL-ROPS, 1962, pp. 43-44). A morte de Jesus de Nazaré não foi um evento isolado na história da violência romana contra os judeus e nas transformações que o Império Romano sofria, já que homens com intenções similares foram mortos de forma parecida. Mas a morte de Jesus foi diferente de qualquer outra morte promovida pela violência da força policial romana. A morte dele significou o começo de uma nova ordem no Império Romano e em Israel, já modificada pelo seu ministério.31

A simbologia da morte de Cristo possui duas perspectivas distintas levando em conta a interpretação historiográfica. A primeira é que as intenções do Nazareno em reformar os velhos cultos romanos falharam porque não havia possibilidade de fazê-lo. As forças conservadoras não permitiriam uma alteração tão profunda nas instituições romanas, mesmo que o anseio pela mudança fosse escamoteado por um discurso profético e difícil de se fazer entender dentro e fora da Judeia. Nenhum profeta é entendido ou bem recebido na sua própria terra.32 O Reino que Jesus de Nazaré pregou e seu ministério não corresponderam às expectativas dos hebreus sobre o líder aguardado: a de um rei guerreiro triunfante que iria destruir o poder dos gentios e restaurar o poder de Israel (DAWSON, 2014, p. 172). Porém, aconteceu o que não era esperado: Jesus de Nazaré falhou no que se propôs a fazer. A segunda perspectiva sobre a morte de Cristo é que sua vida e ministério marcaram a religião romana profundamente, mesmo que a intenção do movimento zelota fosse a de formar o Reino de Deus na terra e não de substituir o culto pagão, mesmo que o paganismo gerasse sentimento de oposição nos judeus. O ministério de Jesus não tinha intenção de ser uma seita protestante dentro do judaísmo, ele simplesmente aconteceu por questões ideológicas divergentes dentro dos grupos judaicos que interpretaram de formas distintas a vida e as suas ações, da mesma forma que o Nazareno interpretou que seu ministério era legítimo e que ele era o Filho do Homem.33

2.4.1. Cristologia da morte: mártir ou ignorância de Roma?

Considerando a simbologia da morte de Jesus fundamentada na cristologia joanina, a submissão de Jesus à sua crucificação foi um sacrifício para uma eventual vitória dos judeus em algum momento incerto e desconhecido, mas muito aguardado por todos. Nos Atos dos Apóstolos não há grande alarde com a crucificação34 porque ela é, na verdade, um plano de Deus executado pelo Nazareno, imbuído pelo espírito da providência divina.35 O plano divino era este, mas os judeus entregaram o Nazareno nas mãos dos que não tinham fé e que desprezaram a fé. A partir da perspectiva cristológica paulina contida na Primeira Epístola aos Coríntios, a morte de Jesus de Nazaré tem caráter escatológico36 e que se a sabedoria divina fosse do mundo dos vivos, ela impediria a morte do Nazareno. Nas cartas de Paulo aos gálatas, Jesus e sua morte representam uma nova ordem que se sobrepunha a antiga ordem universal, o que significava, além de muitas outras coisas, que judeus e gentios eram iguais, tanto como homens e mulheres, livres e escravos, gregos e latinos, porque (Gl. III, 26 – 29)

“Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, pois todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só Cristo Jesus. Ora, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.”

Observando a ação do movimento que Jesus de Nazaré liderou e o que ele significou para a autoridade imperial romana, uma afirmação pode ser feita levando em conta a historicidade e a violência dos conflitos judaico-romanos antes da morte de Jesus de Nazaré e depois dela, nas investidas persecutórias contra os judeus-cristãos promovida pelos imperadores Nero, Vespasiano, Trajano e Adriano: a paralaxe judaica, a leveza insuportável de ser judiado e o peso insuportável de ser divino em terras pagãs mudou. A eternidade e infinitude de Deus são ao mesmo tempo, absolutamente reais e absolutamente incompreensíveis(CHAUÍ, 1979, p. 13) para todos os que acreditam na sua força, onipresença e onisciência como também são absolutamente reais e absolutamente incompreensíveis para os que não acreditam na sua força, onipresença e onisciência. A autoridade romana era um dos grupos que observava a questão judaica e sua ideologia, depois da ação do movimento liderado por Cristo, como um elemento absolutamente ilegal, insurreto e clandestino que, portanto, deveria ser neutralizado. Após a ação do Nazareno como líder de um movimento político, não haveria condição de manter a relação entre gentios e judeus sem hostilidades porque Jesus de Nazaré afirmou ser rei em uma terra que era de um imperador e seu movimento era populoso. O que não foi notado por todo o movimento zelota e pelo próprio Jesus de Nazaré, talvez pela fé que transcendeu qualquer pensamento real sobre a situação da Judeia ou por qualquer motivo inacessível para o historiador, é que a autoridade romana jamais aceitaria que um sujeito comum – mais um entre tantos – ousasse anunciar-se como rei em um território já administrado por César.

A religião não funcionava como um elemento de sabedoria, mas sim, de força. Por ora, depois da morte de Cristo, a religião era apenas consolação para a alma do devoto, reduzindo-se a preceitos muito simples de um Deus bom e justo que deve ser obedecido (CHAUÍ, 2015, p. 12). Para os que acreditavam na palavra de Yahweh, ele era a verdade, mesmo que a autoridade romana insistisse em dizer que a verdade era o poder imperial e que essa verdade estava evidente na condenação e morte do Nazareno: a terra prometida não é dos judeus e qualquer um que afirmar o contrário será morto. Porém, a verdade naquele momento não era a verdade do Deus de Israel, não era a verdade que o poder romano impunha e que era a essência da relação de poder exercida sobre o povo judeu. Naquele momento que Jesus de Nazaré sucumbiu à força policial romana no Gólgota, crucificado como prova absoluta de fé, exercendo o fracasso que se transcendeu em triunfo (THELAMON, 2009, p. 36), a paralaxe judaica era evidente. O derradeiro teste de fé e verdade para os cristãos ia além do que Paulo escreveu na Epístola aos Coríntios.37 A única verdade após a morte do messias conhecido como Jesus de Nazaré era que o tratamento especial dos romanos oferecido aos judeus acabou.

3. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DAS PERSEGUIÇÕES AOS CRISTÃOS ENTRE OS SÉCULOS I E IV

“De mil maneiras somos pressionados, mas não esmagados. Vivemos perplexos, mas não desesperamos, perseguidos, mas não desamparados. Somos abatidos até o chão, mas não aniquilados, trazendo sempre no corpo a morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo”. (2Cor. IV, 8 - 11)

As perseguições à comunidade protocristã foram parte importante da ascensão do culto, da criação da unidade cristã e da história do cristianismo. Sua consolidação e grandeza foram construídas, além de outros fatores, a partir das investidas persecutórias que as autoridades romanas e judaicas executaram que acabaram por fortalecer as cristandades. A historiografia selecionada investigou quais foram as intenções em perseguir, seus resultados e sua eficácia. Assim, se faz necessária a busca de aproximações e divergências no que foi concluído sobre as perseguições a fim de posterior comparação.

3.1. Filosofia política como fundamento para as perseguições

Roma sempre foi um local de eventos muito delicados desde sua fundação até a sua queda. Sua fundação em 753 a.C. com os míticos Rômulo e Remo é, ainda, uma belíssima história lendária do que se tornaria a capital do mundo alguns séculos depois. Roma se organizou politicamente de três formas distintas no período que vai de 753 a.C. até 566 d.C.: de sua fundação em 753 a.C. até 510 a.C., Roma era uma monarquia: Regnum Romanum. Neste período, de acordo com a tradição, os reis que governaram Roma foram Rômulo (morto em 715), Numa Pompílio, rei sabino (715-672), Tulo Hostílio, rei romano (672-640), Anco Márcio, rei sabino (640-616), Tarquínio Antigo, rei estrusco (616-578), Sérvio Túlio, rei estrusco (616-578) e Tarquínio Soberbo, filho de Tarquínio Antigo (534-509). De 510 a.C. até 27 a.C., Roma foi uma república, a Res Pvblica Romana estabelecida às Guerras Púnicase de 27 a.C. até 566 d.C., Roma foi o Imperum Romanum ou Senatus Populusque Romanus (BORNECQUE, 1976, p. 06).

O que é notável através de todo o período desde a fundação de Roma até a morte de Jesus de Nazaré é que, durante quase toda a sua existência, o Império Romano lidava relativamente bem com as outras religiões que eram concomitantes ao culto pagão e dava certa liberdade aos cultos diversos, muito embora a tolerância religiosa fosse quase extinta menos de quatrocentos anos após o século I. O fundamento da intolerância religiosa dos romanos aos cristãos partiu do princípio de que a lógica cosmológica e a ordem político-social não poderiam, não deveriam e não seriam modificadas por nenhum grupo. Outro fundamento da intolerância religiosa é que o Império Romano não precisava de novas bases espirituais e morais e isso era justamente o contrário do que dizia a doutrina judaico-cristã, além de reforçar uma nova identidade para os fiéis. Segundo Woolf (2017, p. 326), a noção de conceber uma religião como uma entidade demarcada com suas próprias instituições, com elementos que podem ser dicotômicos com o conceito de cidadania é algo relativamente nova na história e o foi o cristianismo que iniciou essa transformação.

A questão identitária foi um dos muitos problemas que o judeus-cristãos enfrentaram no período em que eram interpretados como elemento estranho aos romanos, no tempo que o cristianismo não era uma instituição, mas era uma seita protestante dentro do judaísmo. Os judeus-cristãos imaginavam que sua identidade religiosa estava além do papel que eles exerciam na sociedade em que estavam inseridos. Os judeus ortodoxos entendiam que sua identidade religiosa não tinha relação com o lugar que eles ocupavam socialmente no território que estava sobre o jugo romano. Esta noção de superioridade não foi entendida pela autoridade imperial e foi um dos vários motivos que levaram as perseguições. A superioridade hebraica era um sentimento, não uma realidade. Essa foi uma herança dos judeus para os judeus-cristãos que foi reinterpretada tardiamente pelo trono imperial. Enquanto essa reinterpretação não foi executada pelo trono imperial, a comunidade cristã primitiva sofreu com as perseguições, violência e morte.

Para compreender as investidas persecutórias que o Império Romano executou é importante lembrar que até o século II todas as ações de perseguição encontravam-se circunscritas às autoridades das províncias romanas. As ações persecutórias eram executadas pela autoridade romana, o que era a regra universal no Império: o código de lei limitava a pena capital estritamente ao governador romano. No episódio do julgamento de Jesus de Nazaré, Pôncio Pilatos afirmou publicamente que o Nazareno era inocente das acusações38 e deixou que populares decidissem sobre a condenação. Este ato do governador da Judeia romana não condiz com a premissa da ação persecutória romana a partir do segundo século da Era Cristã. As perseguições não eram simplesmente o ato de buscar a extinção ou minar o incipiente e descentralizado cristianismo primitivo (como foi a perseguição ao movimento liderado por Cristo), ela funcionava como um elemento que reforçava a religião civil romana, como o imperador Décio (201-251) e Valeriano (201-251) fizeram (DAWSON, 2014, p. 215). Um exemplo do Estado executando as perseguições é um dos eventos mais curiosos da história romana: o incêndio de Roma. Nero, culpado pelo incêndio, procurou pretextos para não ser julgado responsável pelo incêndio, atribuindo-a um grupo de pessoas que foi incriminado, segundo descrito por Tácito: “Nero, para desviar as suspeitas, procurou culpados, e castigou com as mais terríveis penas a certo grupo, já odiado por suas abominações, que o vulgo chamava cristãos” (SILVA, 2011 apud Tácito, Anais XV, 44, p. 03). Segundo Croix (SILVA, 2011b apud CROIX, 1963), neste contexto, o poder imperial não intervinha diretamente sobre a questão dos cristãos, e sim os governadores de província, como contido no Evangelho de Lucas, no episódio que Jesus de Nazaré foi interrogado por Pôncio Pilatos e Herodes Antípoda.39

3.2. A interpretação dawsoniana

O historiador galês Christopher Dawson (1889 – 1970) foi um dos grandes nomes dos estudos sobre a história das religiões. Dawson caracterizou suas obras pelo diálogo interdisciplinar riquíssimo com a antropologia, sociologia, literatura, teologia, filosofia e filosofia da história. A obra analisada neste trabalho, A formação da Cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e queda da unidade medieval (1967) consiste nas aulas que ele ministrou na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, entre 1958 e 1962. Dawson abordou a história do cristianismo primitivo até a queda da unidade medieval a partir do prisma cultural, mas sem negligenciar os aspectos políticos e econômicos quando discute sobre as perseguições.

Dawson explica que o cristianismo surgiu como seita protestante dentro do judaísmo no momento que o maior governo do mundo atingia seu pleno desenvolvimento e que o ápice da prosperidade romana foi construído e consolidado não em bases morais, mas sim, em violência e crueldade (2014, p. 206). A comunidade protocristã sabia que estava além da impenetrável ordem romana, separados por uma fissura muito profunda que os segregava dos romanos. De um lado, estava a ordem imperial, exercida pela força, morte e demonstração de poder já entendida na morte de Jesus de Nazaré como na morte de Pedro, supostamente morto nas investidas persecutórias que Nero executou a fim de culpar quaisquer sujeitos pelo incêndio que reduziu boa parte de Roma às cinzas. No outro lado estavam os novos judeus, os semeadores de uma nova ordem que desorganizava completamente a construção delicada do mundo antigo. A Igreja infante funcionou como uma ordem que não tinha relação com o mundo antigo. Muito pelo contrário, a Igreja foi substituindo aos poucos o helenismo que era presente no Império Romano. O helenismo era uma cultura forte, de grande tradição patriarcal e comunicável para outros idiomas, mas não tinha unidade espiritual, fato que deu margem para que o cristianismo primitivo pudesse buscar algum espaço.

Mesmo que o cristianismo estivesse substituindo as características da religião helenística aos poucos (como o abandono da tradição de homens que interagiam com deuses na mesma instância física), o cristianismo e seus seguidores utilizaram do pioneirismo helenístico sobre a compreensão do mundo para criar a própria ideia sobre o lugar que eles habitavam. Assim, a abordagem filosófica tomou as rédeas do pensamento protocristão e pôde, quatro séculos mais tarde, proporcionar fundamentos suficientes para que Santo Agostinho escrevesse “A Cidade de Deus”, primeiro esforço teológico-filosófico cristão. A cultura helenística ainda era muito forte e não tinha interesse em fornecer ao culto cristão lugar neste meio. O cristianismo primitivo possuía elementos detestáveis para a cultura helenística, conforme descrito por Luciano de Samósata na sua obra De Morte Peregrini40:

“Os cristãos, como sabes, adoram um homem até hoje – o personagem distinto que introduziu seus rituais insólitos e foi crucificado por isso (…) Essas criaturas mal orientadas começam com a convicção geral de que são imortais o que explica o desdém pela morte e a devoção voluntária que são tão comuns entre ele; e ainda foi incutido neles pelo seu legislador original que são todos irmãos, desde o momento que se convertem, e vivem segundo as suas leis. Tudo isso adotam como fé, e como resultado desprezam todos os bens mundanos considerando-os simplesmente como propriedade comum”.

Já no século II o cristianismo começou a passar pelo processo definitivo que descaracterizaria sua associação com o judaísmo. No segundo século da era cristã, o cristianismo existia e era exercido mais intensamente no mundo helenístico do que nas comunidades judaicas (HILL, 2007, p. 61). O cristianismo era promovido em grego e não em aramaico, era urbano e caminhou para um novo cenário religioso em detrimento do culto e mundo hebreu. Para Hill (2007, p. 61), é difícil determinar como aconteceu o declínio do cristianismo judaico, mas a mudança era inevitável. Os últimos eventos de violência que a força policial romana exerceu na Palestina afastaram os judeus mais ainda dos gentios e essa distância deu margem para que os cristãos pudessem se inserir dentro do mundo pagão no século I.41 Neste momento, a expectativa messiânica alcançou o auge: de um lado, no surgimento do cristianismo, e de outro a revolta do povo hebreu contra o poder dos gentios, o que levou à destruição de Jerusalém e a reconstrução do judaísmo em novas bases (DAWSON, 2014, p. 171). Para Mimouni (2009, p. 22), a separação do cristianismo com o judaísmo foi o resultado das hostilidades interjudaicas (judeus-cristãos e judeus ortodoxos) e posteriormente em uma forma antijudaica (judeus e cristãos).

Os cristãos não foram tão radicais como foram seus antepassados próximos. Dawson reforça que embora a comunidade protocristã tivesse herdado o juízo do protesto judaico contra a força imperial romana, a comunidade não tinha intenções muito radicais no que diz respeito a qualquer reforma de ordem social (DAWSON, 2014, pp. 206 – 207). Dessa forma, a comunidade cristã perdia a identificação com o radicalismo exercido pela comunidade judaica da Palestina, mas também perdia o mínimo de identificação que possuía com os gentios. A comunidade protocristã não interpretava a dominação romana da mesma forma que o movimento de Jesus de Nazaré. Para os judeus-cristãos, a dominação romana era, sim, uma ordem dada pelo seu Deus e concentrava no retorno de Cristo a vitória sobrenatural sobre os homens de Roma. Essa forma de pensar e entender a posição que eles ocupavam na sociedade imperial os afastou de romanos e judeus e inseriu a comunidade infante em um cotidiano que se tornou oculto aos olhos de todos. A partir deste discurso, a ligação mantida pelos judeus-cristãos com o mundo pagão tornou-se, normalmente, acidental (DAWSON, 2014, p. 206). Começaram neste momento as perseguições aos judeus-cristãos dentro do Império Romano. Dawson infere na discussão explicando como a vida social oculta e a substituição da associação à cidade pela Igreja como o relacionamento fundamental do homem com o próximo foram elementos predisponentes para a fundamentação das investidas persecutórias (DAWSON, 2014, p. 208). A forma que o cristão vivia isolado no Império causou consequências revolucionárias, ao invés de causar nenhuma reação. O cristianismo infante possuía na sua doutrina a valorização da classe não privilegiada, o que é completamente dicotômico com a organização da sociedade antiga que privilegiava as classes altas em detrimento das mais baixas. Dawson explica que essa relação aparentemente simples era mais complexa porque se relaciona diretamente com a questão econômica. Segundo Dawson (2014, p. 208), a regra romana de cidadania tinha ligação direta com a questão econômica, o que significava que a posição do homem no Império Romano era, geralmente, determinada pela quantidade de bens tributada às suas propriedades no censo. Quando o cristianismo surgiu com o discurso de que ricos, pobres, romanos, estrangeiros e todos se reuniriam em condições iguais, a autoridade imperial romana percebeu que o movimento incipiente não era tão pacífico quanto parecia. Além do pobre ser exaltado, o rico era rebaixado no mundo que era deles.42

Apresentando estes pontos, Dawson encerra a discussão sobre a política das perseguições e avança na discussão sobre a ascensão do cristianismo no Império Romano e a formação da cultura bizantina. A conclusão de Dawson sobre a política das perseguições é que perseguir foi um ato falho da autoridade romana. Perseguir os cristãos fez com que a concepção de mártir se espalhasse como uma mensagem de profissão de fé, o que é a função do culto em si, levando em consideração a premissa que o cristianismo é uma religião de profissão de fé. A partir do pensamento veyneano, no que diz respeito a discussão sobre a finalidade das hostilidades entre gentios e cristãos, a oposição entre pagãos e cristãos tem apenas sentido religioso e não político ou nacional (VEYNE, 2009, p. 115 apud INGLEBERT, 1994, p. 233). O cristianismo revelou a relativa simplicidade do culto pagão, o que minou o exercício da religião do mundo antigo e deu espaço para uma nova ordem em ascensão primitiva. Veyne lembra (2009, p. 41) que se dermos crédito à Epístola aos Romanos, o mundo pagão era apenas vícios.43 Observando o conteúdo da epístola aos romanos, o processo de ascensão do culto cristão e a conjuntura dos fatos durante os quatro primeiros séculos depois da morte do Nazareno, para Durant (1950, p. 364), a função histórica do cristianismo foi restabelecer a base moral do caráter e da sociedade por meio de sanções sobrenaturais e apoio aos preceitos de ordem social, e infundir nos rudes bárbaros, por meio de um credo imbuído de milagres, mitos, medo, esperança e amor, a ideia de conduta mais elevada, bases que o mundo pagão não possuía. As perseguições só reforçaram o que já era muito presente no pensamento da comunidade protocristã infante: a perpetuação da mensagem do Filho do Homem aconteceria em pouco tempo e seus mártires não esqueceriam dos seus irmãos. Muito pelo contrário, todos estavam sob o olhar de Deus e o poder dele reinou sobre os gentios.44 Dawson concluiu que as perseguições aos cristãos no Império Romano foram um fracasso político, já que em termos espirituais houve uma divisão enorme. Para Dawson, a única solução para este problema foio talento de Constantino (2014, p. 205).

3.3. A interpretação thelamoniana

Françoise Thelamon é uma das autoras que participou da obra do historiador francês Alain Corbin, História do Cristianismo: para compreender melhor nosso tempo (2010). Thelamon é Professora-Emérita da Universidade de Rouen na França e seus temas de investigação sempre tem relação com a história do cristianismo.45 Na obra analisada, Thelamon contribuiu para a discussão com dois capítulos sobre as perseguições e os costumes cristãos no mundo pagão.

Thelamon infere sobre as perseguições afirmando que, incialmente, os cristãos não foram perseguidos sistematicamente e que isso só aconteceu em meados do século III (2009, p. 34). A autora discute porque o Império Romano, relativamente tolerante e simpático com os diferentes cultos, perseguia os cristãos e afirma que a resposta de Jesus de Nazaré sobre se é devido ou não pagar tributo a Roma ia na contramão da política normativa do mundo antigo, o que foi parte das fundamentações políticas das investidas persecutórias, levando em conta que ele era o líder do movimento que a autoridade romana perseguiu e que se tornou mártir para os judeus-cristãos. Thelamon explica que a resposta era a base da lealdade política dos cristãos e do status de submisso ao Estado romano, mas também consistia na separação dos domínios políticos e religiosos, ao mesmo tempo que seu entrelaçamento era política normativa do mundo antigo (2009, p 34). As políticas normativas do Império Romano inseriram os cristãos na categoria de cidadãos que não era bem vista pelos gentios. Thelamon concorda com Gibbon quando infere sobre a superioridade judaica que foi herdada pela comunidade cristã-primitiva.

A interpretação thelamoniana é análoga a interpretação dawsoniana quando infere sobre a promoção do ideal de martírio. Segundo Thelamon (2009, p. 36), pouco tempo após o ano 200, os cristãos são muito mais numerosos e toda cidade que possuía uma comunidade cristã tinha uma Igreja com um bispo local, assistido por diáconos e padres. Mesmo que a comunidade tivesse encontrado o mínimo de unidade, houve perseguição e no ano 249, em Alexandria, um massacre anticristão aconteceu e foi sintomático para a exaltação do ideal de martírio, sacrifício e a imitação de Cristo. No decorrer do século III, iniciaram-se as perseguições sistêmicas. Se antes elas eram esporádicas, locais e pontuais, no século III se tornaram jurídicas. Os motivos que levaram a essa perseguição sistêmica foram as invasões dos godos, acontecimento entendido como uma ruptura da paz dos deuses. Thelamon explica que o imperador Décio ordenou um tipo de súplica geral e todos os cidadãos romanos (os habitantes livres) e suas famílias deveriam realizar um ato em honra aos deuses. Para isso, certificados foram emitidos para os que cumpriram a tarefa. E assim, mesmo sem intenção prévia e édito de perseguição, o suplício inaugurou uma perseguição sistêmica aos cristãos que se recusaram a executar o ato em honra aos deuses de Roma e não praticaram o culto pagão pela volta da ordem no Império Romano. A perseguição aos cristãos ocorria, portanto, não pelo o que os cristãos eram, mas pelo o que eles faziam. No caso, a perseguição iniciou-se pelo fato de que a comunidade cristã não executou uma ordem imperial importantíssima para a manutenção do bem-estar social romano: eles foram perseguidos pelo o que não faziam. Os mártires voluntários surgiram e reforçaram mais ainda a unidade e crença da comunidade forçada a exercer um rito que não dizia respeito às suas convicções (THELAMON, 2009, p. 37).

Com essa situação delicada, mais de 50 anos depois, o imperador Valério ordena uma perseguição geral para encerrar o descontentamento dos gentios para os cristãos, apontados como responsáveis pela desordem divina e terrestre. Juridicamente falando, foi neste momento que as perseguições começaram, suportadas por dois éditos.46 Segundo Thelamon (2009, p. 37), essas investidas persecutórias foram tão violentas que o bispo de Roma e quatro diáconos foram decapitados. As perseguições só se encerraram quando após a capitulação de Valeriano pelos persas, seu filho, Galiano, suspende as perseguições. Só o imperador Galério conseguiu perceber que as perseguições foram tentativas inúteis de erradicar o cristianismo e que as investidas persecutórias fortaleceram a unidade dos cristãos e suas bases teológicas.

A análise de Françoise Thelamon consiste, portanto, em apresentar a linearidade das perseguições, seus estágios e sua finalidade. Para a autora, só em 311 que as perseguições foram reconhecidas como um fracasso, por mais violentas que elas foram nos primeiros dois séculos após a morte de Jesus Nazareno (THELAMON, 2009, p. 38), concordando, assim, com a interpretação dawsoniana das perseguições que as apresenta como violentas e ineficazes.

3.4. As perseguições interjudaicas

As autoridades religiosas judaicas perseguiram os homens que se juntavam à comunidade protocristã, ação que tirava do movimento infante o pouco de unidade que eles possuíam. Segundo Mimouni (2009, p. 19), o cristianismo subsistia em comunidades completamente diversas, como no mundo helenístico e no mundo de língua hebraica. Um dos fiéis de origem grega, Estêvão, foi condenado à morte no mesmo ano da morte de Cristo por lapidação, acusado de blasfêmia contra o Templo de Jerusalém logo após seu discurso que acusa a autoridade judaica de assassinar, trair o messias, resistir ao Espírito Santo e não guardar a Lei promulgada pelos anjos.47 Eis o problema cristão: a autoridade romana perseguia o judeu-cristão e a autoridade judaica também. Em concomitância com Dawson, Thelamon infere que estes eventos contribuíram para o inevitável afastamento e isolamento que a Igreja infante sofreu. Para a autoridade imperial romana, a recusa do culto dos deuses e seu monoteísmo exclusivista tornavam culpados os judeus-cristãos por toda e qualquer desgraça que Roma sofria no seu processo de declínio e a julgar pela proximidade do culto protocristão com o culto judaico, o judaísmo ortodoxo também sofria com o problema cristão. Para Thelamon (2009, p. 34), a falta de uma legislação anticristã foi sintomática para que os cristãos fossem perseguidos a partir das leis republicanas às novas e ilícitas religiões, leis que suportaram as execuções dos cristãos pelo incêndio de Roma em 64, acusados, além de incendiar a cidade, de “ódio ao gênero humano”, conforme Tácito escreveu entre 115 – 116. Neste imbróglio de suplícios notáveis, Pedro foi morto e crucificado de ponta-cabeça a seu pedido para não ser mártir da mesma forma que seu líder foi onde hoje está a Basilica Sancti Petri,no Vaticano, dentro da cidade de Roma.

3.5. A interpretação gibboniana

Edward Gibbon foi um historiador inglês nascido em 1737, notavelmente conhecido por sua interpretação cientificista da história do cristianismo. A obra analisada neste trabalho, Declínio e queda do Império Romano (2005) é um marco na historiografia e também é considerada a primeira obra moderna da história. Gibbon utilizou pressupostos sociológicos, culturais e políticos para escrever sobre o Império Romano e o cristianismo, ao invés de usar a lógica da providência divina.48

Gibbon afirma que o cristianismo, sua ascensão e consolidação não foram eventos isolados nas transformações que o Império Romano sofria (2005, p. 235). Levando em conta a premissa de que a ascensão do cristianismo no Império Romano não estava isolada de todas as transformações que ele sofria, Gibbon questiona: com que meios a fé cristã obteve vitória sobre as religiões já estabelecidas no mundo, já que a esfera espiritual romana estava permeada por outras formas de apreciação do divino? O judaísmo já se mostrou desprezível para Roma. Jesus de Nazaré foi morto com a autorização romana, muito embora sua morte foi legitimada com a insistência dos próprios judeus.49 O mais óbvio para Gibbon é que o êxito do cristianismo se deu, inicialmente, graças ao seu convincente discurso de doutrinação e a providência divina do seu autor. Esta é uma resposta que não atende aos pressupostos teóricos científicos, já que coloca como explicação para um fenômeno tão complexo a atribuição divina e Gibbon discorda dessa premissa divina como predisponente para o êxito do cristianismo50 e apresenta cinco motivos para o favorecimento do culto cristão no Império Romano.

Para Gibbon (2005, p. 236), um dos cinco motivos que favoreceu o fortalecimento do cristianismo foi o zelo dos cristãos e a intolerância herdada da religião judaica, “mas purificada pelo espírito acanhado e antissocial que, em vez de atrair, dissuadiu os gentios a abraçar a lei de Moisés”. O segundo ponto que Gibbon afirma como sintomático para o favorecimento do cristianismo no Império Romano era que a doutrina de uma vida futura dava legitimidade a suposta verdade de outra vida. O terceiro ponto são os milagres atribuídos a Igreja primitiva e à Jesus de Nazaré. O quarto ponto diz respeito à “pura e austera moralidade dos cristãos”. E finalmente, o quinto ponto apresentado por Gibbon como predisponente para o favorecimento dos cristãos no Império Romano era a disciplina e união da república cristã que, mesmo lentamente, formou no âmago do império um Estado forte e independente. Mesmo com estes pontos destacados por Gibbon, os cristãos sofreram com o ressentimento pagão. Para Gibbon (2005, p. 289), se lermos minuciosa e atentamente o curso da história, fica evidente que o cristianismo infante foi, por um tempo relativamente longo, um movimento de pequena notoriedade e que não merecia uma resposta tão enfática e/ou violenta.

Gibbon afirma que a grande primeira perseguição aos cristãos ocorreu após o grande incêndio de Roma durante o reinado de Nero (2005, p. 289). Sem aparente interesse em discutir o início das perseguições, Gibbon afirma no mesmo parágrafo que a repressão aos cristãos durou pouco tempo, que ela se reduziu só às fronteiras da cidade de Roma e que o verdadeiro alvo da perseguição não foram os cristãos (o grupo generalizado), mas sim uma seita judaica chamada gaulonita.51 Segundo Gibbon (2005, p. 291), uma notória investida persecutória aos cristãos pode ser notada durante o governo do imperado Décio, que exilou e/ou executou os bispos cristãos de maior importância e por mais de um ano proibiu a eleição de um novo bispo para Roma. Porém, como de fato a historiografia analisada concorda (e Gibbon não se exclui), a maior perseguição pode ser verificada no espaço de tempo que Diocleciano governou. Durante seu governo, vários éditos austeros autorizavam a queima de Igrejas, tomada dos bens cristãos, exílio, tortura e a execução de muitos fiéis. Os modelos de apreensão dawsoniano e thelamoniano das perseguições até o século IV são análogos ao de Gibbon, que afirma que as perseguições variavam seu grau de violência até o momento que Galério assinou um édito que dava aos cristãos permissão para reuniões, profissão de suas opiniões e de “reunirem-se em seus conventículos sem temor de serem molestados, contanto que mantivessem sempre o devido respeito às leis e ao governo estabelecido” (GIBBON, 2005, p. 291).

Em suma, para Gibbon, a comunidade cristã perdeu um grande número de fiéis nessas condições repressivas. Os cristãos tinham um gosto pelo mártir que às vezes, mesmo na falta de acusador e acusação, supriam por sua própria confissão à autoridade romana por qualquer negação a religião pagã ou a negação de sacrifícios, perturbando a celebração do culto pagão imperial e assim, obtinham fundamento para a morte por serem cristãos. Normalmente, os cristãos eram perseguidos pelo o que não faziam, como a negação do culto aos deuses romanos. Segundo Gibbon (2005, p. 295), no período que se estende até ao édito de Galério, 2 mil cristãos foram executados.

3.6. Aproximações e divergências entre os modelos de apreensão historiográficos das perseguições aos cristãos entre os séculos I e IV

A historiografia selecionada apresenta o tema das perseguições de forma uníssona. Dawson (2014, p. 206), Thelamon (2009, p. 34) e Gibbon (2005, p. 235) concordam que o cristianismo era uma nova ordem totalmente diferente da ordem que regia o mundo antigo. Judeus, romanos e o mundo antigo foram abalados pelo discurso escatológico contido na mensagem cristã.

Todos os autores concordam que o cristianismo surgiu como uma seita protestante no judaísmo e que isso foi predisponente para as perseguições interjudaicas. O cristianismo infante enfrentava diversos problemas, segundo os autores: o primeiro deles era lidar com o problema da perseguição do poder secular imperial. Dawson afirma (2014, p. 206) que de um lado estava a ordem imperial, exercida pela força, pela demonstração de poder já entendida há muito e reforçada pela morte do Nazareno, como na morte de Pedro, supostamente morto nas investidas persecutórias promovidas por Nero. Para Thelamon (2009, p. 34), o problema era o mesmo. O problema do cristianismo infante era ir na contramão das políticas normativas que regiam o mundo antigo. Concordando com Thelamon sobre a ideia de que o culto cristão infante ia na contramão das políticas normativas romanas, localiza-se o segundo problema dos cristãos. Dawson afirma (2014, p. 208) que a regra romana de cidadania tinha ligação direta com a questão econômica, o que significava que a posição do cidadão romano era, geralmente, determinada pela quantidade de bens tributada às suas propriedades no censo. Quando o cristianismo surgiu com o discurso de que ricos, pobres, romanos, estrangeiros, escravos e mestres eram iguais e se reuniriam nas mesmas condições, as políticas normativas romanas estavam ameaçadas, já que este discurso agradou as classes mais baixas no momento em que o Império Romano passava por transformações econômicas profundas. Gibbon infere (2005, p. 291) sobre as perseguições de forma mais superficial, mas existe concordância com as interpretações de Dawson e Thelamon. Todos os autores apresentam que o grau de intensidade das perseguições variou até o momento que Galério assinou o édito que dava aos cristãos permissão para reuniões, profissão de suas opiniões e de se reunir sem incômodo. A interpretação gibboniana das perseguições é análoga à interpretação thelamoniana quando afirma que os cristãos foram perseguidos e mortos não pelo o que eram, mas sim pelo o que faziam (no caso, o que não faziam: exercício do culto imperial pagão).

Para Thelamon (2009, p. 34), a negação das ordens de César para realização de sacrifícios pelo bem-estar romano é um exemplo claro de que a perseguição consistia em não-obediência dos cristãos. Para Gibbon (2005, p. 291), a comunidade cristã perdeu um grande número de fiéis por conta da filosofia política como fundamento para as perseguições, os “hábitos estranhos” dos cristãos e a negação dos judeus em participar do intercâmbio cultural religioso, característico do mundo antigo. Gibbon também afirma (2005, p. 236) que os cristãos tinham gosto pelo mártir e que às vezes, mesmo na falta de acusador e acusação, os cristãos supriam por sua própria confissão à autoridade romana por qualquer negação a religião pagã ou a negação de sacrifícios, perturbando a celebração do culto pagão imperial e assim os cristãos tinham algum fundamento para justificar a morte pelo o que eles eram e faziam. Sobre essa questão, Dawson e Thelamon não apresentam nenhum tipo de discussão e material, enquanto Gibbon finaliza sua discussão sobre as perseguições discorrendo sobre como a ideia de mártir foi promovida entre os cristãos primitivos como um tipo de legitimação máxima de fé.

Perseguir os cristãos, enfim, foi predisponente para o fortalecimento da unidade cristã que mais tarde se tornaria a maior força política e religiosa do ocidente. A comunidade cristã infante sofreu por 300 anos com a perseguição, com a exclusão do cotidiano romano e com a culpa de ser divino em terras pagãs. Mas como em uma ação da providência divina, o comandante do Império Romano – império que insistiu em afirmar que o movimento liderado por Cristo e seu culto eram ilegítimos – supostamente recebeu uma instrução de Jesus Cristo na véspera de um conflito de poder. A instrução era simples: “Sob este sinal vencerás”. O imperador Constantino marcou seus escudos e todo o equipamento da sua tropa com as iniciais do nome Jesus Cristo em grego e, por acaso do destino ou por maior habilidade em combates militares, Constantino e suas tropas venceram o conflito. A partir disso, a seita de vanguarda perseguida e ignorada ganhava o status de imperial aos poucos. Constantino tornou-se cristão e tomou sobre seus ombros “a tarefa de restaurar a Tua santíssima morada”, segundo Eusébio de Cesareia escreveu na biografia sobre o imperador cristão. Roma era cristianizada aos poucos. Roma, aos poucos, tornava-se eterna.

4. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS SOBRE A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I

“Porque eu amo sinceramente seu nome, respeitando a força que com muitas provas tem se manifestado e tem feito minha sólida fé. Eu mesmo me apresso a tomar sobre os meus ombros a tarefa de restaurar a Tua santíssima Morada e reestabelecer o Seu santíssimo tabernáculo.” (CESAREIA, 1994, p. 246)

Constantino foi o imperador que aderiu ao cristianismo e fez dele sua religião após sonhar com Jesus de Nazaré e uma instrução de batalha, e a historiografia discute sobre o caráter da conversão do imperador. Ela foi ideológica ou foi religiosa? A partir desta dúvida, se faz necessária a análise da historiografia selecionada a fim de buscar aproximações e divergências sobre o caráter da conversão de Constantino.

4.1. A interpretação veyneana

Paul-Marie Veyne é um historiador francês que se debruçou sobre o tema da ascensão do cristianismo no Império Romano. Historiador e antropólogo, Veyne discorre na obra Quando nosso mundo se tornou cristão (2009) os nuances da conversão do imperador Constantino ao cristianismo. O autor também discute se a religião tem raízes psicológicas e se a Europa tem raízes cristãs.

A historiografia possui alguns assuntos que criam discussões longas. Eventos distantes ou recentes, longos ou curtos criam no pesquisador e historiador inúmeros questionamentos distintos que são, muitas vezes, divergentes. Um exemplo é notado na história do Brasil e diz respeito a transferência da família real portuguesa em 1808 para o Rio de Janeiro. Foi fuga ou foi transferência? A Coroa Portuguesa estava com medo na Europa? O que significaria, enfim, o ato de transferência da família real? Não é mérito deste trabalho discutir tal tema, mas a utilização deste exemplo pode demonstrar como grandes movimentações no decorrer da história são incisivamente discutidas a fim de alcançar alguma conclusão.

Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)

A conversão de Constantino pode soar como uma surpresa para o leitor entusiasta de história que não tem conhecimento sobre a historicidade dos imperadores que antecederam Constantino. Afinal, como que um imperador se torna cristão em um mundo que o culto ao Nazareno é uma das coisas mais repugnantes ao pensamento secular romano? Os imperadores que antecederam Constantino notaram que a Igreja infante estava atuando como uma nova ordem totalmente diferente da ordem que regia o mundo antigo. Além de mudar religiosamente o Império Romano, o cristianismo modificava-o politicamente. O cristianismo não foi um evento isolado nas transformações que o império sofria, especialmente quando Roma caminhava para seu fim. Segundo Dawson (2014, p. 206), os elementos helenísticos e orientais apareceram no Império Romano no momento de seu declínio e a reação do império foi valorizar o politeísmo e perseguir os cristãos.

Aos cristãos foi atribuída a culpa de todos os males que Roma sofria. Quando Constantino tornou-se imperador, herdou dos últimos governantes o fracasso das perseguições. As perseguições foram um fracasso e deixaram o império mais divido do que antes. Constantino agiu de forma hábil e tomou a decisão que contemplou a paz e ordem: a aceitação do culto cristão por parte do império e a cooperação da antiga e nova ordem. Essa reconfiguração do poder religioso com o poder imperial fez, finalmente, com que o cristianismo pudesse existir em relativa paz. Uma nova base moral comum a todo romano nascia e a decadência moral e cívica da antiga classe governante era abandonada. Para Dawson (2014, p. 270), o cristianismo participou do último estágio da revolução social do império, mas não foi parâmetro para que isso ocorresse. O que não era esperado foi a interpretação dos cristãos sobre a tolerância do exercício do seu culto. Os cristãos entenderam que essa tolerância velada era ganho de liberdade religiosa. Mas o que parece ser mais impressionante foi a conversão de Constantino ao culto cristão, levando em conta a historicidade formação da seita (a seita se forma a partir da morte de Jesus de Nazaré que possuía uma pensamento que ia contra toda a política normativa romana), a historicidade das perseguições (todos os imperadores anteriores a Constantino perseguiram os cristãos exaustivamente, mesmo que não houvesse eficácia nas investidas persecutórias) e o que permeava aquele momento que o Império Romano vivia.

Em litígio com Maxêncio, na noite de véspera da Batalha da Ponte Mílvia em 312, o imperador Constantino sonhou com Jesus Nazareno lhe dizendo que “sob este sinal vencerás” (In hoc signo vinces) e no dia seguinte o imperador leva para os escudos, estandartes de suas tropas52 e no seu próprio capacete o cristograma com o nome de Jesus Cristo em grego53 (). O que parecia ser mais um confronto maçante e padrão de retomada de poder acabou se tornando um marco na história, já que a vitória de Constantino sobre Maxêncio foi associada ao seu sonho. A revolução que Constantino fez foi grandiosa. Segundo Veyne (2009, p. 10), as ações do imperador após sua conversão foram, talvez, os atos mais audaciosos de um líder autocrata. Suas atitudes de favorecer o cristianismo em detrimento do culto imperial pagão desafiavam o que a maioria dos romanos pensava sobre o cristianismo.54 Se Constantino mantivesse o cristianismo como clandestino, o culto cristão permaneceria como uma seita de vanguarda. Veyne afirma (2009, p. 12) que foi em 29 de outubro de 312 e não em 313, com o Édito de Milão que se pode demarcar o fim da antiguidade pagã e o início da era cristã. Segundo Veyne (2009, p. 181), a tradição historiográfica escolheu, mais do que a conversão de Constantino, o Édito de Milão como o início da era cristã. O problema é que o Édito de Milão não é um édito, tampouco é de Milão. A crença que este texto (e Constantino) é o elemento libertador do culto cristão é, para Veyne (2009, p. 182), equivocada. A tolerância aos cristãos já era exercida há dois anos, logo após a vitória da batalha da Ponte Mílvia. Constantino não precisou de um édito para suportar o culto cristão. Seu sonho e a suposta instrução militar divina de Jesus de Nazaré foram suficientes para que anos de perseguições cessassem aos poucos. O fim efetivo das perseguições ocorreu com o édito de Galério, já discutido no último capítulo como concordância entre Dawson, Thelamon e Gibbon. Segundo Veyne (2009, p. 182), o Édito de Milão é uma epístola que continha instruções para os funcionários das províncias, na sequência de uma resolução tomada de comum acordo na cidade de Milão por Constantino e Licínio. Licínio editou em Nicomédia seu mandatum55 em junho de 313. Veyne concluiu que essa instrução de Constantino e o mandatum de Licínio conferem autoridade maior sobre a tolerância do culto cristão ao édito de Galério emitido em 313.

Assim, resolvido o problema das perseguições, Constantino tinha outro problema: os pagãos. Para Veyne (2009, p. 16), Constantino e seu pragmatismo obtiveram grande vantagem sobre os pagãos. O imperador cristão nunca quis impor sua nova fé a força e evitou que os pagãos se tornassem inimigos do cristianismo e principalmente, inimigos do imperador. O problema de Constantino foi, essencialmente, violar equilíbrio das duas religiões (VEYNE, 2009, p. 21) favorecendo o cristianismo em detrimento do culto pagão. Constantino respeitou seus princípios de tolerância, mas deixou de lado a atenção que a comunidade pagã precisava quando, em 314, deixou de celebrar os tão apreciados Jogos Seculares que, uma vez a cada um século e uma década festejavam os pagãos a data de fundação da cidade de Roma, lendária e sagrada. Veyne infere sobre afirmando que além deste “esquecimento”, Constantino tomou algumas medidas astuciosas, como instituir o repouso dominical e a lei que impunha a abolição total dos sacrifícios pagãos (VEYNE, 2009, p. 21). Foi com o imperador Constantino que o Império Romano começou a se cristianizar lentamente. Naquele momento eram fundamentadas as bases morais e religiosas da Europa e do ocidente pelos próximos dois milênios. Se em 197, conforme Tertuliano, “tornamo-nos cristãos, [mas] não se nasce cristão”, na época do governo de Constantino, se nascia cristão e pagão se tornava cristão.

4.1.1. Cálculo ideológico, boa-fé ou capricho?

Fé a razão se relacionam, mas muitas vezes de forma parcial. A religião fornece ao indivíduo um fundamento transcendente de poder, mas não de conhecimento. O indivíduo que se diz possuidor de fé ligada a qualquer culto busca adquirir força. Constantino buscava esta força metafísica. Para Veyne (2009, p. 70), os reais motivos da conversão de Constantino são inacessíveis e estão na “caixa preta” de que falam os psicólogos. Mas, Veyne afirma que a conversão de Constantino não tinha objetivo político, e sim de boa-fé. A conversão de Constantino foi, enfim, um capricho pessoal (VEYNE, 2009, p. 71).

Veyne não apresenta Constantino como um “puro espiritual” (VEYNE, 2009, p. 72), mas diz que os historiadores que observam na atitude de Constantino um mero cálculo ideológico não conseguem fundamentar sua ideia. O que seria uma provável atitude de Constantino seria uma aliança com um partido cristão contra seus inimigos. Para Jerphagnon (VEYNE, 2009, p. 72 apud JERPHAGNON, s.d.), Constantino “terá dito a si mesmo que, para assim se implantar apesar de tantas oposições, o cristianismo disporia de algo mais do que os velhos cultos”. Constantino não adotou o culto cristão em virtude de um cálculo ideológico realista, mas, sem pensar nas oportunidades que a adoção do cristianismo traria, pressentiu que essa nova religião rejeitada por quase todo o Império Romano traria um dinamismo para a sua personalidade (VEYNE, 2009, pp. 72-73). Um dos fundamentos da ideia de que a conversão de Constantino não foi um cálculo ideológico é que a boa-fé é evidente em um fato: o imperador não tinha nenhuma necessidade de utilizar o culto cristão para conseguir poder ou unidade e estabilidade no Império Romano, procurando nos alicerces metafísicos a solução para os problemas do império ou para obter e legitimar suas conquistas, tanto como poderia reunificar todo o império (que estava em declínio e seguia para a queda) sem se tornar cristão. Para Pietri (VEYNE, 2009, p. 74 apud PIETRI, 1995, p. 222), quando Constantino se converteu, sua conversão não colocava o culto cristão a serviço do trono, mas o contrário. Inaugura-se o secular problema de poder sistematizado entre o sagrado e o político que não existia na antiguidade. Porém, pensando no pressuposto ideológico da conversão de Constantino, segundo Veyne (2009, p. 128), a ideia de imaginar a conversão de Constantino como a busca de fundamentação metafísica para a unidade imperial é falsa. O imperador que talvez tenha feito isso foi Diocleciano, porém sua “busca metafísica” era praticada na contramão da conversão ao cristianismo. Diocleciano estava persuadido de que a salvação do Império Romano exigia que os cristãos voltassem a seguir a religião pagã e assim o império poderia voltar a triunfar. A premissa de que o monarca, único e inexorável se fará respeitar pela obrigação de servir a seus Deus é equívoca. Constantino não obrigou ninguém a se tornar cristão, embora tenha dado preferência ao novo culto em detrimento do culto secular imperial.

Entendida como boa-fé, a conversão de Constantino pode ser discutida levando em consideração a complexidade e riqueza do cristianismo em comparação com o culto pagão. Para Veyne (2009, p. 75), a diferença entre os deuses pagãos do deus adotado por Constantino é grande. A religião imperial pagã era só uma parte da vida e do cotidiano dos romanos, muito embora fosse, provavelmente, a mais importante, mas ela não contemplava tudo como a religião que levava o nome de Cristo em toda mensagem de profissão de fé. Dessa forma, além de ir na contramão das políticas normativas do Império Romano e do mundo antigo, o cristianismo substituiu aos poucos uma relação fundamental. O poder vem de Deus e o soberano que reina pela graça dele deve estar a serviço da religião sem se limitar a ser o líder da celebração à Cristo. É só com essa modificação da organização política romana que Constantino pôde assumir a tarefa de “restaurar a Tua Santíssima morada”. Seu pensamento tornou-se análogo ao do Nazareno e era messiânico, buscando a universalidade do culto. Constantino foi habilidoso nisso. O cristianismo não teve o trabalho de ensinar aos romanos separar Deus e o César, porque o ideário romano já sabia que os Deuses significavam e eram uma coisa diferente do que César era (VEYNE, 2009, p. 89). Muito embora as pretensões de Constantino consistissem em universalizar o cristianismo, a aparência religiosa das instituições romanas não se modificou após Constantino se converter. De qualquer forma, as instituições se transformaram e o Império Romano tornou-se cristão. Veyne faz uma apologética boa-fé do imperador afirmando que (VEYNE, 2009, p. 128)

“Foi tão-só por Constantino que a história universal oscilou, porque ele foi um revolucionário movido por uma grande utopia e por estar convencido de que um papel imenso lhe estava reservado na economia milenar da Salvação. Mas também e sobretudo porque este revolucionário foi igualmente um grande imperador, um realista que tinha o sentido do possível e do impossível”.

Na conclusão de Veyne, Constantino inseriu a Igreja no império e deu uma função central ao seu governo, que era de dar todo e qualquer tipo de suporte a religião de Cristo. Dessa forma, o cristianismo pôde se tornar uma religião mundial. É difícil definir o que significou em totalidade a conversão de Constantino ao cristianismo e este é um dos nós que a historiografia tenta romper. Segundo Lima (2010, p. 493), Jacó Burkhardt é um dos poucos historiadores que vai contra a ideia da conversão pela boa-fé. Burkhardt recusa a boa-fé observando a hagiografia como viés de interpretação sem valor acadêmico. Como já foi discutido, a partir da apropriação dos pressupostos teórico-metodológicos utilizados por Paul Veyne para interpretar a conversão de Constantino, essa é uma visão incorreta sobre a conversão do imperador. Constantino não procurou nenhum apoio da minoria desprovida de influência que eram os cristãos. Muito provavelmente, se precisasse de apoio, ignoraria a seita protestante judaica infante. Constantino se converteu porque acreditou na verdade que Jesus de Nazaré dizia ser a única verdade e porque acreditou na redenção da sua alma, espírito e na proteção divina.56

4.2. A interpretação russelliana

Bertrand Russell foi um dos mais notórios pensadores britânicos. Russell não era historiador, mas era influente na filosofia, lógica e matemática. A obra utilizada para discussão sobre a conversão de Constantino, História da Filosofia Ocidental: A Filosofia Católica (2015), é essencialmente objetiva. Russell dividiu seu texto em duas partes. A primeira parte (Os Pais) abrange o desenvolvimento religioso dos judeus, o cristianismo nos primeiros quatro séculos e discute a filosofia e teologia de Santo Agostinho. A parte dois (Os escolásticos) discute desde o papado na “Idade das Trevas” até Santo Tomás de Aquino. Esta obra foi selecionada para a discussão porque a história do ocidente e da filosofia na Idade Média se misturam (ou até se confundem) com a história da filosofia católica. O interessante na obra de Russell é que ele era um ateu convicto e ainda justificou sua descrença na obra Por que não sou cristão (1965), o que mostra sua aptidão para trabalhar um tema sem associá-lo ao seu sentimento.

Russell discute a ascensão do cristianismo no Império Romano a partir das cinco causas57 que Gibbon determinou como modelo explicativo. Embora Russell concorde com este modelo, algumas ressalvas devem ser feitas. A primeira causa que colaborou para a ascensão do cristianismo antes da conversão de Constantino é, para Russell, correta. Para Russell (2015, p. 43) era evidente que os cristãos eram os únicos que acreditavam na ideia de que eles eram o único grupo de iriam, depois da morte, para o céu e também acreditavam que se ocorresse algo de ruim no mundo, o mal acometeria os pagãos. No século III, por exemplo, nenhuma religião que competia por prestígio junto ao cristianismo tinha um caráter tão ameaçador. O cristianismo levou vantagem nisso porque, além de escatológico, interpretava a vida terrena como parte de um processo divino. Mas o que importa para Russell é a união e disciplina da república cristã. Russell infere sobre a união e disciplina cristã buscando uma ligação com o século XX. Para o autor, no mundo moderno e político, todo político busca o apoio dos católicos para obter prestígio e para agradá-los. E embora pareça moderno e anacrônico o fato de que a influência católica na política é grande, Russell diz que Constantino compreendeu isso no tempo em que foi imperador. Segundo Russell (2015, p. 45), “esse parece ter sido o cálculo de Constantino. O apoio dos cristãos como um só bloco organizado seria obtido se ele os favorecesse”. Discordando de todos os autores discutidos, Russell afirma que a conversão de Constantino foi um cálculo político-ideológico e também afirma que como grande parte do exército era cristã, sua conversão foi influenciada por isso.

4.2.1. A intepretação maravaliana

Pierre Maraval é um historiador francês especialista no cristianismo primitivo e antiguidade tardia.58 É professor-emérito da Universidade de Paris. Maraval participou da obra de Allain Corbin, História do Cristianismo: para compreender melhor nosso tempo (2009) discutindo o período que o Império Romano se tornou cristão.

Maraval infere sobre a conversão de Constantino afirmando inicialmente que, a princípio, o imperador parece ter sido monoteísta e acreditava em um Deus supremo criador que se manifestava por nomes e formas diversas (MARAVAL, 2009, p. 49). A adesão de Constantino ao cristianismo foi progressivamente revelada pelo próprio discurso do imperador. Maraval insiste, da mesma forma que Veyne, que não há motivos suficientemente bons para questionar a boa-fé e sinceridade da conversão de Constantino ao cristianismo, mesmo que a conversão sincera e de boa-fé tomasse proporções políticas inimagináveis.

O objetivo de Maraval é, ao invés de questionar a conversão de Constantino, evidenciar que Constantino não foi o imperador que tornou o Império Romano cristão. Maraval infere sobre a conversão como um dos fatores predisponentes para a ascensão do culto cristão no Império Romano, tanto como o Édito de Milão de 313. Para Maraval (2009, p. 50), o édito assegurava a “proteção metafísica” do império, como também reconhecia que a religião não poderia ser imposta a força. O que Constantino queria com o édito dizia respeito à sua própria ideia de divindade, já manifestada várias vezes antes do episódio na noite anterior da Batalha da Ponte Mílvia, segundo Eusébio de Cesareia, seu biógrafo. A intenção de Constantino foi, para Maraval, de proporcionar para cristãos e pagãos uma unidade comum espiritual. Esta unidade comum era o monoteísmo que não dava margem para intolerância e coerção. Assim, com o Édito de Milão e o fim das perseguições que Diocleciano promoveu, Constantino tinha como intenção inserir os cristãos na política imperial, o que não caracteriza a conversão como cálculo ideológico.

4.2.2. A interpretação woolfiana

Greg Woolf é um historiador britânico referência em história e arqueologia do mundo romano. Atual dirigente do Instituto de Estudos Clássicos e professor da disciplina homônima na Universidade de Londres59, Woolf publicou na sua obra Roma: a história de um Império (2017) um capítulo inteiro sobre o Império Romano cristão. Woolf infere inicialmente afirmando que antes do ano 200, textos não cristãos dificilmente fazem comentários sobre a existência de comunidades cristãs (WOOLF, 2017, p. 331). Woolf levou em conta que o cristianismo surge como unidade religiosa no século II, momento em que o judaísmo-cristão sofre com as investidas persecutórias dos gentios e judeus ortodoxos. Para Woolf (2017, p. 330), um dos fatores predisponentes para a separação definitiva do culto judaico ortodoxo do culto judaico-cristão foi a apologética constante e incisiva que escritores cristãos e líderes judeus que criou uma fissura entre as duas esferas espirituais, reforçadas dois séculos mais tarde com o ajuda da força imperial romana. A força imperial advinha da boa-fé de Constantino, convertido pela fé na salvação divina promovida pelo Nazareno. Woolf infere (2017, p. 340) que as motivações religiosas da conversão de Constantino sempre serão obscuras, mas sua conversão deixou um tipo de “obrigação” para seus sucessores cristãos. Levando em conta o enfoque hagiográfico de Eusébio sobre a vida de Constantino, seu sucesso e êxito em converter-se se deu por conta de seu “tradicionalismo imperial”. A historiografia parece ignorar que Constantino foi, antes de um imperador cristão que deu à Igreja o que ela precisava para ascender, imperador de Roma. Constantino e seu tradicionalismo viveram guerras civis, disputas com o palácio, fundou Constantinopla e depois de cumprir as funções imperiais, deu à Roma a proteção divina do Nazareno. Segundo Woolf (2017, p. 330), no que diz respeito às óticas fiscal e militar, o império estava melhor no fim da sua gestão do que na ascensão e isso tem relação com o envolvimento de Constantino com o culto cristão. Em discordância com os outros autores (com exceção de Russell), Woolf conclui que, ideologicamente, depois da conversão houve forma de criar e estabelecer analogias implícitas entre o governante divino e próprio governo (WOOLF, 2017, p. 340). Dessa forma, a conversão de Constantino foi, essencialmente, ideológica, a fim de cooptar novos partidários para uma “solidariedade ideológica”. Porém, Woolf infere que se esta realmente foi a intenção de Constantino, ela foi falha como a política das perseguições.

O erro de Constantino foi não notar que no século IV toda a “república cristã” tinha como preceito a valorização da autoridade e ortodoxia. O culto cristão estava dividido pela heresia, por cismas (como o arianismo e a própria desassociação com o judaísmo ortodoxo) e isso fez com que o império ficasse mais dividido que já estava (WOOLF, p. 341, 2017). Neste imbróglio, a questão levantada por Woolf soa interessantíssima e diz respeito a gestão negligente de Constantino. Como que Constantino pôde dar atenção à um grupo minoritário e deixar que o norte do Império caísse em mãos bárbaras? A resposta para Woolf é simples: Constantino fizera um pacto faustiniano com Cristo (WOOLF, p. 341, 2017).

4.3. Aproximações e divergências entre os modelos de apreensão historiográficos da conversão de Constantino

A conversão de Constantino foi, indubitavelmente, um dos eventos chave para ascensão do cristianismo em terras romanas. Sem ele e sua boa-fé, o cristianismo teria permanecido como uma seita de vanguarda e os resultados disso seriam desconhecidos. De fato, a conversão de Constantino constitui uma grande questão: o que levou o imperador de Roma a tornar-se cristão? A questão discutida não é a natureza da fé do imperador (o que não é intenção deste trabalho discutir) ou se a fé cristã era devida ou não. A questão também não consiste em responder os exatos motivos da conversão de Constantino.

A essência humana nunca será compreendida se a faceta espiritual for ignorada e isso é indubitável. A fé e espiritualidade (e a religião) eram parte importante da vida dos romanos, se não a maior delas. O culto pagão, associado à cultura helenista era forte, era de grande tradição patriarcal e era o alicerce da unidade imperial romana. Constantino nasceu pagão e tornou-se cristão. Seu tradicionalismo não deixaria de lado o que permeava o trono imperial só pela sua conversão religiosa. O que Constantino não sabia era que ele estava na Igreja infante e não acima dela. A revolução que Constantino fez foi o ato mais audacioso de um líder autocrata. Na época da conversão de Constantino, 5 a 10% do Império Romano era cristão (GIRARDET, 2006, pp. 82-83) ou pouco mais de 10%. A partir das conclusões obtidas por Veyne, a conversão de Constantino ao cristianismo foi de boa-fé. Constantino não buscou vantagens políticas e ideológicas na sua conversão. Para Veyne (2009, p. 72), Constantino era um “puro espiritual” e os motivos reais da sua conversão sempre estarão obscuros. A conversão não consistiu só na ressignificação da fé romana ou na adoção de outra divindade para fortalecer os alicerces metafísicos da minada unidade imperial romana. Para Veyne (2009, p. 72-73), a nova fé traria um dinamismo para a personalidade do imperador, mesmo que a nova religião fosse rejeitada por até 80% ou 90% do Império Romano. Veyne insiste na boa-fé da conversão fundamentado no fato de que Constantino não precisava, enfim, de nenhum apoio de grupos minoritários, como o cristianismo infante. A conversão não colocou a Igreja à serviço de Roma, mas o contrário (VEYNE, 2009, p. 74 apud PIETRI, 1995, p. 222). Sendo assim, fica evidente que a boa-fé foi a tônica da conversão do imperador.

Discordando da perspectiva de Paul Veyne, surge Bertrand Russell afirmando que a conversão de Constantino tem caráter de cálculo ideológico. Russell afirma que a partir do prisma político que se torna entendível o caráter da conversão do imperador (RUSSELL, 2015, p. 45). Russell afirma que o que parecer ter sido o cálculo de Constantino, foi justamente o que Veyne afirma ser a negação de Constantino: buscar na conversão o apoio de um grupo minoritário e relativamente insignificante no mundo pagão. Para Russell (2015, p. 45), o apoio da comunidade cristã, como um só bloco organizado, o favoreceria se ele obtivesse apoio. Pierre Maraval concluiu que, a princípio, a conversão do imperador aconteceu de forma gradual e foi de boa-fé. Maraval concorda com a perspectiva de Paul Veyne de que não há fatos e motivos suficientemente bons para questionar a conversão do imperador, mesmo que a conversão mudasse completamente a configuração política romana. Greg Woolf concluiu que a conversão de Constantino foi “um pacto faustiniano com Cristo” (WOOLF, p. 341, 2017) e que ela é, aparentemente, ideológica. Porém, na conclusão de Woolf, se Constantino buscou cooptar com sua conversão novos partidários cristãos, sua política foi falha. A falha consistiu na falta de percepção sobre o ideário cristão do século IV que observava a ortodoxia e autoridade como valores seculares, a divisão da cristandade (pelo arianismo que causou efeitos inimagináveis na comunidade ou pelas heresias e cismas) e a recém separação do cristianismo e do judaísmo ortodoxo.

Em suma, a conversão de Constantino foi, de acordo com quase todos os autores, de boa-fé. Constantino não era um homem de fé exclusiva, como quase todo romano. Seu talento deu o caráter de regionalização ao cristianismo, neutralizou um cristianismo antipagão, conseguiu perceber que para pagãos e cristãos o imperador era um líder religiosamente marcado. Sua fé era compacta e pura e não tinha como função alicerçar o trono imperial em uma nova instância metafísica: Constantino decidiu sabiamente não associar poder a fé, mas sua conversão inaugurou a entrada sistemática do poder religioso na política e é essa a novidade da conversão do trono imperial. A conversão atuou como um mecanismo que trocou a mentalidade primitiva que apenas polvilhava como uma poeira de superstições (VEYNE, 2009, p. 72 - 73 apud PIETRI, 1995, p. 222) pelo politeísmo monista do cristianismo, pela nova natureza metafísica do Deus cristão, tornando o culto ao Nazareno algo de extrema superioridade. A revolução da conversão é tamanha que a antiga base moral comum a todo o mundo mediterrâneo antigo, elo de ligação com as decadentes classes governantes antigos e a cultura cívica, mudaria completamente com a divulgação da mensagem cristã. Constantino e sua conversão impulsionaram o último estágio da revolução social que acontecia no império. Se a arte é a maneira de organizar os materiais, deve a Igreja Católica Romana figurar entre as mais importantes obras-primas da história (DURANT, s.d., p. 364) e Constantino como seu idealizador.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“(...) Toda a autoridade me foi dado no céu e na terra. Ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei. Eis que eu estou convosco, todos os dias, até o fim do mundo.Mt. XXVIII, 18-20)

A história do Cristianismo não diz respeito só a formação da seita protestante dentro do judaísmo e a ascensão do culto dentro dos limites do Império Romano. Essa história é uma das muitas que fascinam o historiador, o curioso e o religioso. Pensando no curso da história da Igreja, muitas dúvidas ainda são pertinentes a discussão historiográfica. A primeira dúvida (apresentada intencionalmente como dúvida) é Jesus de Nazaré. A opção de iniciar e concluir este trabalho discutindo sobre o Nazareno se deu porque, sem ele, sua ideologia e morte, talvez, a história elegesse outro homem para figurar o lugar eterno do salvador da humanidade e a discussão sobre Jesus, o messias, seria como as histórias dos inúmeros supostos profetas e messias que a autoridade romana matou sem hesitar ou talvez não existisse um salvador eleito. Para os estudiosos e historiadores, este homem insurreto é conhecido como “Jesus de Nazaré”, “Jesus Nazareno” ou “Jesus histórico”. Para outros, fiéis, simpáticos e seguidores (estes “outros” compõem, hoje, a cifra de 2 bilhões de pessoas)60, este homem é conhecido como Jesus Cristo, Cristo ou até mesmo Deus. Todas designações citadas compõem o mesmo homem, mas elas são diametralmente opostas. As primeiras compõem a imagem de um homem político, revolucionário e sábio que proliferou o conhecimento que ele dizia ser divino e a verdade nas terras que ele morava e por onde ele passou. Ele também queria livrar a sua terra da ocupação romana e devolvê-la a seu Deus. A outra designação compõe a imagem que está marcada no imaginário popular há mais de dois mil anos: a do Filho de Deus, morto na cruz no Gólgota como um triunfo. Observando as formas de se referenciar a este homem, fica evidente a dúvida: quem ou o que era este homem? Jesus era um profeta judeu, era o Filho de Deus ou era um judeu rebelde? Esta pergunta continua criando um número considerável de respostas que compõe um debate interminável, afinal, discutir tudo o que diz respeito à fé (principalmente a fé cristã) gera polêmica. E a polêmica da discussão existe justamente porque o objeto da discussão é uma das personagens mais polêmicas, misteriosas e curiosas da história humana. Este trabalho foi composto a partir da ideia de que Jesus de Nazaré foi um homem político-revolucionário e que suas ações que iam contra a política normativa romana levaram-no, depois de três anos de ministério, à sua morte na cruz no Gólgota.

A ideia sobre Jesus que tomei para a criação deste trabalho surgiu a partir da metodologia de pesquisa livre de qualquer influência religiosa. Porém, mesmo não exercendo nenhum tipo de religião, compreendo que não há como entender a ação de Jesus de Nazaré sem levar em conta o Jesus Cristo. Este homem que foi o fundamento para o nascimento da religião mais popular existente e seu ministério, sua vida, suas ideias e principalmente, sua morte, modificaram permanentemente o curso da história humana. Jesus de Nazaré parecia um homem além do seu tempo: sua mensagem de fé e amor era difundida no meio de homens que aparentemente não tinham condições de compreender o significado destas mensagens escamoteadas em parábolas e falas que até hoje são relativamente difíceis de compreender.

Segundo a literatura cristã, Jesus de Nazaré era um homem simples e não apreciava a riqueza e os possuidores dela.61 Jesus de Nazaré era um homem definitivamente ativo e, se necessário, era incisivo e até violento quando a fé era deixada de lado.62 Ele era profeta e sabia o que iria acontecer com ele.63 Era um homem sábio, mas sua sabedoria não foi suficiente para conseguir vencer os romanos. Sua máxima sobre o Reino de Deus é uma das mais fascinantes incógnitas deste imbróglio apocalíptico. O anúncio do Reino de Deus, hoje, não significa muita coisa para quem é cristão ou não. É algo, a julgar pela modernidade, a ciência, a descrença e o aparente desinteresse dos fiéis em discutir a mensagem do seu líder, secundário. Mas no contexto que Jesus de Nazaré estava inserido, anunciar a vinda do Reino de Deus era algo de extrema importância. A comunidade judaica vivia à espera da consolidação do Reino de Deus, sua efetivação e finalmente, após todas as etapas cumpridas, a paz judaica finalmente seria alcançada. Porém, Jesus de Nazaré e todos que faziam parte do seu movimento sabiam que o poder imperial era inexorável. A partir disso, o anúncio de que Cristo era o messias que toda a comunidade judaica esperava para libertar a terra do jugo de Roma não deveria ser dito.64 E assim Jesus de Nazaré seguiu com seu ministério. O início da vida messiânica de Jesus aconteceu depois da prisão de João65, quando Jesus foi para a Galileia e deixou Nazaré e “desde então, Jesus começou a pregar e a dizer: ‘Convertei-vos, pois o reino dos céus está próximo”.66 A afirmação no Nazareno era muito ousada a julgar pela história dos outros messias que, não da mesma forma, anunciaram algum tipo de mudança na política normativa romana.67

Um dos problemas da compreensão do contexto em que Jesus está inserido é que fora dos textos do Novo Testamento, existe pouco ou nenhum vestígio de Jesus e dos outros supostos profetas insurretos. Segundo Aslan (2013, p. 13), a referência mais antiga e não-bíblica confiável de Jesus é do historiador judeu Flávio Josefo que escreveu sobre a morte de Tiago, o Justo, irmão de Jesus. Quando Josefo faz a referência ao nome de Jesus, ele complementa com a informação “o que eles chamam de messias” (ASLAN, 2009, p. 14). Outro problema para a compreensão do contexto considerando a falta de documentação é que as elaborações das cristandades não tinham interesse em documentar a história do Nazareno, mas sim em destacar o Cristo. De qualquer forma, tomado como documentação, os textos que destacam o Cristo são válidos para a compreensão do homem e do mito. Para a discussão neste trabalho, foram consultadas quatro designações que a história, teologia, fé e a “realidade” construíram sobre Jesus. Segundo Schiavo (2006, p. 02), o homem Jesus de Nazaré, que viveu na Galileia até a metade do I século, filho do carpinteiro conhecido como José, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Simão e Judas68 é o Jesus real. Provavelmente, Jesus de Nazaré foi discípulo de João Batista, homem que o batizou e depois da morte de João, o Nazareno atuou como rabi, líder de um movimento escatológico-apocalíptico, sábio, filósofo, suposto curandeiro e reformista igualitário. O Jesus histórico é o homem que é buscado a partir da documentação existente, sociologia, arqueologia, história e literatura bíblica. O Jesus histórico e o Jesus real são próximos, mas não há certeza se o primeiro corresponde exatamente ao segundo.

O Jesus teológico é o do dogma, criado a partir dos quatros primeiros concílios69 e este homem-divindade é o Jesus da fé, o Cristo. Ele é diferente do Jesus real e mesmo havendo aproximação com Jesus histórico que as primeiras descrições das cristandades buscaram esconder, este será o Cristo da fé que é também o alicerce do dogma da Igreja.

Por último, há o Jesus da fé. Ele é o Filho de Deus, Filho do Homem, o Messias, o ungido, o Salvador e é até mesmo confundido com Deus. Nesta interpretação, a ação do homem político e revolucionário que a história e este trabalho buscam não tem valor algum. Este é o Jesus da simbologia da salvação, da paz eterna, do desejo, da intimidade, da orientação para a vida eterna.

Este trabalho se fundamentou em duas concepções de Jesus: o real e o histórico. A partir disso, o primeiro capítulo, Modelos de apreensão historiográficos dos contextos judaico-messiânico e romano procurou entender, dentro das limitações criadas pela escassez de documentos e do limite do tamanho da pesquisa, o que significaram as ações do Jesus real e histórico no contexto que ele estava inserido e o que elas significaram após a sua morte em todo o Império Romano. A primeira conclusão obtida é que afirmar-se como messias, o que Jesus fez, foi o primeiro ponto que a autoridade imperial romana observou como ameaça. Na Judeia do primeiro século, autoproclamar-se como messias era um crime, passível de punição por crucifixão.

Além dessa afirmação, Jesus de Nazaré buscou, mesmo que escamoteada por um discurso profético, a mudança da política normativa romana. Ele negou o pagamento de tributos a Roma, tinha caráter sedioso, pervertia a nação e era blasfemo. Sua ação, levando em conta a história dos messias que o antecederam, claramente o levaram ao conflito imediato e direto com a autoridade romana e a história é conhecida há muito: Jesus de Nazaré foi morto pela autoridade imperial romana por ser perturbador de lei e não por se afirmar Filho de Deus. Depois da sua morte, o tratamento que os judeus recebiam dos romanos mudou. A questão judaica no Império Romano tornou-se mais delicada do que já era para os gentios e para os próprios judeus. O movimento lançado pelo Nazareno era uma seita protestante dentro do judaísmo e não foi compreendido por todos. Os que compreenderam sua mensagem tornaram-se os judeus-cristãos, perseguidos por gentios e judeus ortodoxos.

A partir dessas premissas, o segundo capítulo, Modelos de apreensão historiográficos das perseguições aos cristãos entre os séculos I e IV, partiu, primeiramente, do pressuposto de que a notabilidade do movimento lançado pelo Nazareno foi predisponente para as hostilidades posteriores a morte dele no Gólgota. Além disso, as investidas persecutórias tinham como fundamento a ideia de que a lógica cosmológica, a ordem político-social e a política normativa de Roma não deveriam ser mudadas. A autoridade imperial romana não queria uma nova base espiritual e moral, e a infante doutrina cristã dizia justamente o contrário.

A historiografia selecionada questionou as intenções, as formas e os resultados das investidas persecutórias e as conclusões obtidas a partir da análise das obras de Allain Corbin (2009), Bertrand Russell (2014), Christopher Dawson (2014), Edward Gibbon (2005), Jonathan Hill (2015), Paul Veyne (2009) e Reza Aslan (2014) é que:

  1. Perseguir os cristãos fortaleceu a criação da unidade das cristandades até então, sem unidade;

  2. A recusa da prática do culto pagão foi fator importante para a violência das perseguições;

  3. As perseguições interjudaicas são notáveis nos textos bíblicos, como por exemplo, na morte de Estevão;70

  4. As perseguições criaram o ideal de martírio voluntário e imitação de Cristo;

  5. Não havia legislação anticristã e os cristãos foram perseguidos a partir das leis republicanas às novas e ilícitas religiões;71

  6. A suspensão das perseguições iniciou-se quando, após a capitulação de Valeriano pelos persas, Galiano, filho do imperador, suspende as investidas persecutórias;

  7. Foi no ano de 311 que um imperador – Galério – percebeu que perseguir os cristãos nada adiantava. Pelo contrário, o imperador percebeu que as investidas persecutórias não só fortaleceram as bases teológicas dos cristãos, mas também deram unidade às comunidades cristãs que até então subsistiam nos mundos hebraico e helênico.72

A partir do fim das perseguições, a comunidade cristã pode expandir sua fé por todo o Império Romano. O êxito da fé cristã em Roma não pode ser explicado só pelo fim das perseguições: a ideia inicial é que o êxito da fé cristã no Império Romano (que perseguiu os cristãos por 300 anos) se deu pela conversão de Constantino. Esta é a discussão do terceiro capítulo, Modelos de apreensão historiográficos sobre a conversão de Constantino. A pergunta que permeia a discussão é: a conversão do imperador foi cálculo ideológico ou boa-fé? Como já apresentada na discussão, a resposta exata para essa pergunta fica inacessível para os historiadores já que fé é algo muito subjetivo. Porém, considerando o que a historiografia selecionada discute, o poder do imperador e o que eram as cristandades na época da conversão de Constantino, o imperador rendeu-se a fé em Cristo por pura paixão e crença na sua salvação. Depois de converter-se, Constantino deu preferência ao culto cristão em detrimento do pagão, deixando de lado os Jogos Seculares tão caros aos pagãos, instituindo o repouso dominical e a abolição dos sacrifícios pagãos (VEYNE, 2009, p. 21). Além de ter o imperador como aliado e fiel, a Igreja infante possuía elementos que o culto pagão não possuía. O cristianismo possuía rica filosofia, relação íntima com o fiel, aceitava todos, tinha caráter de reforma igualitária e diferente do culto pagão que era a parte mais importante da vida romana, o cristianismo era a única parte da vida do que acreditava na palavra de Cristo. Desestabilizando a ordem que regia o mundo antigo, o cristianismo substituiu aos poucos a relação fundamental de poder que permeava as políticas normativas romanas: o poder vem de Deus e o soberano que reina pela graça Dele deve estar a serviço da religião sem se limitar a ser o líder da celebração à Cristo. Só depois desta mudança que Constantino assumiu realmente o que disse sobre o lugar de Cristo na Terra.73

Anos mais tarde, uma série de leis emitidas entre 391 e 394 vedaram qualquer prática do culto pagão. Qualquer sacrifício era punido da forma mais rígida possível. Teodósio, o imperador que juridicamente tornou o cristianismo oficial, tornou a antiga religião ilegal, dando o status que o cristianismo gozava dois séculos atrás ao quase extinto culto imperial pagão. Com Teodósio, finalmente, depois de perseguidos, torturados e executados, a máxima há muito querida poderia ser dita por qualquer um dos cristãos: Roma Christiana. Roma est aeternum.74

6. REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Pilatos e Jesus. São Paulo: Boitempo, 2014.

AMARANTE, José. Latinitas: leitura em língua latina. Fábulas mitológicas e esópicas, epigramas, epístolas. Salvador: EDUFBA, 2015.

ARIÈS, Phillipe. A história das mentalidades. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

ASLAN, Reza. Zelota: A vida e época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

BATALIOTO, Marcelo. A ressureição de Jesus a partir de Andrés Torres Queiruga. 105 f. Dissertação (Mestrado em Teologia). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010.

BETTENSON, Henry. Documents of the Christian Church. Oxford: Oxford University Press, 1963.

BORNECQUE, Henri. Roma e os romanos: literatura, história, antiguidades. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1976,

BRANDÃO, José Luís (coord.); OLIVEIRA, Francisco de (coord.). História de Roma Antiga, Vol. I: das origens à morte de César. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017.

BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BURRY, John Bagnell. A history of the later Roman Empire from Arcadius to Irene, 395 A.D. to 800 A.D. Londres: London Macmillan and New York Publishing, 1889.

CESAREIA, Eusébio de. Vida de Constantino. Madri: Editorial Gredos, 1994.

CHARTIER, Roger. Por uma sociologia histórica das práticas culturais (introdução). Em: A História entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

CIETTO, Luiz. DOS SANTOS, Edley Matos. O Julgamento de Cristo e o Direito Romano: uma análise sobre a justiça na condenação de Jesus. ACTA Científica - Ciências Humanas. Vol. 1, n. 8, 2005.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e Obra. Em: KIERKEGAARD, Søren Aabye. Diário de um sedutor; Temor e tremor; O desespero humano. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

_______________________. Breve apresentação. Em: SPINOZA, Benedictus de. Ética. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2015.

_______________________. A nervura do real: imanência e liberdade em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

CORBIN, Alain (org.). História do Cristianismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

DAWSON, Christopher. A Formação da Cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e queda da unidade medieval. São Paulo: É Realizações, 2014.

DODDS, Eric R. Pagan and Christians in an Age of Anxiety. Cambridge: Cambridge UP, 1965.

DUBY, Georges. Problemas e métodos em história cultural; A história dos sistemas de valores. Em: Idade Média, Idade dos homens: do amor e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

DUNN, James D. G. Jesus remembered. Cambridge: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 2003.

FLUSSER, David. Jesus. São Paulo: Perspectiva, 2010.

FONTANI, Alessandro; BERTANI, Mauro. Situação do curso. Em: FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975/1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Coleção Tópicos.

FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

GARMUS, Ludovico (org). BÍBLIA SAGRADA. – 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010.

GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império Romano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

GIRARDET, Klaus M. Die Konstantinische Wende. Voraussetzungen und geistige Grundlagen der Religionspolitik Konstantins des Großen. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2006.

GEISLER, Norman, Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2002.

HILL, Jonathan. História do Cristianismo. São Paulo: Edições Rosari, 2008.

ISAAC, Jules. Jesus e Israel. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

KIERKEGAARD, Søren Aabye. Diário de um sedutor; Temor e tremor; O desespero humano. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

__________________________. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativo direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.

KONINGS, Johan. A Questão do Jesus “Histórico”. Horizonte, Belo Horizonte, v. 1., n. 1, pp. 55-58, 1º sem. 1997.

LIMA, Henrique Espada. Micro-história. Em: CARDOSO, C.F.S. e VAINFAS, R. (org.). Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

MIMOUNI, Simon C. As comunidades cristãs de origem judaica na Palestina. Em: CORBIN, Alain (org.). História do Cristianismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

PATLAGEAN, Evelyne. A história do imaginário. In: LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

RANCÉ, Christiane. Jesus. Porto Alegre: LP&M, 2012.

RUSSELL, Bertrand. História da filosofia ocidental – Livro 2: A filosofia católica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

SAMÓSATA, Luciano de. De Morte Peregrini, 11 – 3; Em: GEISLER, Norman, Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2002.

SANTO AGOSTINHO, Confissões. São Paulo: Editora Vozes, 2002.

SILVA, Diogo. P. da. As perseguições aos cristãos no Império Romano (séc. I-IV): dois modelos de apreensão. Revista Jesus Histórico, v. 7, 2011.

TERTULIANO. Apologético. Em: REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Patrística e Escolástica. São Paulo: Paulus, 2005.

THELAMON, Françoise. Viver como cristão “no mundo sem ser mundo”: Perseguidos, mas submetidos ao Império Romano (até 311). Em: CORBIN, Alain (org.). História do Cristianismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

___________________. “Vivemos convosco, mas...”. Os cristãos e os costumes do seu tempo. Em: CORBIN, Alain (org.). História do Cristianismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

VEYNE, Paul. Quando o nosso mundo se tornou cristão. Lisboa: Edições Texto & Grafia, Lda, 2009.

WOOLF, Greg. Roma: a história de um império. São Paulo: Editora Cultrix, 2017.

ZILLES, Urbano. Significação dos símbolos cristãos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.

ŽIŽEK, Slavoj. MILBANK, John. A monstruosidade de Cristo: paradoxo ou dialética?. São Paulo: Três Estrelas, 2014.

_____________. A visão em paralaxe. São Paulo: Boitempo, 2008.

1 O termo “bandido” é empregado no decorrer do texto a partir da designação romana comum para qualquer sujeito rebelde ou insurreto discutida por Aslan (2013).

2 A Batalha da Ponte Mílvia foi um confronto que ocorreu no ano 312, oriundo da série de conflitos nas primeiras décadas do século IV conhecidos como as Guerras Civis da Tetrarquia. Constantino e Maxêncio se enfrentaram na Ponte Mílvia, sobre o rio Tibre, em Roma. As hostilidades se iniciaram com a crise que o Império Romano enfrentou no século III e pela ambição de Maxêncio em tornar-se imperador. Maxêncio declarou-se imperador e declarou guerra à Constantino como vingança pela morte de seu pai, Maximiniano, morto em 310 após a tentativa de depor Constantino executada por Maximiniano. No conflito da Ponte Mílvia, Constantino venceu Maxêncio e extinguiu a Tetrarquia, tornando-se o único governante do Império Romano e adotou o cristianismo como sua religião.

3 At. V, 36: “Porque há algum tempo apareceu um certo Teudas, que se considerava grande homem. A ele se juntaram cerca de quatrocentos homens. Ele foi morto, e todos os que o seguiam foram dispersos e reduzidos a nada.”

4 Saulo de Tarso – Paulo, o autointitulado apóstolo após converter-se a fé em Cristo – foi confundido com este homem insurreto e é questionado por um tribuno militar se ele é o homem conhecido como “Egípicio”, conforme descrito em At. XXI, 38: “Por acaso não és o egípcio que há dias promoveu uma revolução, que levou quatro mil guerrilheiros para o deserto?”

5 Bultmann concluiu que essa busca é inacessível levando em conta as análises de Albert Schweitzer sobre a construção de Jesus de Nazaré como mito religioso. Cf. KONINGS, Johan. A Questão do Jesus “Histórico”. Horizonte, Belo Horizonte, v. 1., n. 1, pp. 55-58, 1º sem. 1997.

6 Segundo Dunn (2003), Jesus de Nazaré nasceu próximo ao ano 4 antes da Era Comum, algum tempo antes da morte de Herodes, o Grande, conforme descrito em Lc. III, 23: “Ao iniciar o ministério, Jesus tinha uns trinta anos”. O ministério de Jesus aconteceu no décimo quinto ano da administração do imperador Tibério, estimado no ano 27 ou 28 da Era Comum.

7 At. V, 37: “Depois dele apareceu Judas, o Galileu, nos dias do recenseamento, e arrastou o povo consigo. Mas também ele morreu, e todos os que o seguiam se dispersaram.”

8 Segundo Rancé (2008, p. 127), quando Jesus de Nazaré leu o rolo de Isaías, conscientemente foi escolhida por ele uma passagem profética para anunciar que ele era o messias, conforme Is. LXI, 1-3 (também citado em Lc. IV, 17-19): “O espírito do Senhor Deus repousa sobre mim, porque ele me ungiu. Enviou-me para levar uma boa-nova aos pobres, medicar os corações despedaçados, proclamar aos cativos a libertação e aos prisioneiros a abertura do cárcere, para proclamar o ano da graça do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus...”

9 Mt. XV, 22-24: “De repente, uma mulher cananeia, que vinha daquela região, começou a gritar: Senhor, Filho de Davi, tem piedade de mim! Minha filha está sendo terrivelmente atormentada pelo demônio. Mas ele não lhe respondia nenhuma palavra. Os discípulos se aproximavam e lhe pediram: Manda-a embora, pois ela vem gritando atrás de nós. Jesus respondeu: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.”

10 Para Flusser (2010, p. 53-54), o fato de que Jesus atuasse exclusivamente com os naturais de Israel não significava que sua mentalidade era estreita, xenofóbica e nacionalista. A fala de Jesus e a negação da cura de uma criança filha de uma mulher cananeia tem relação com o pensamento celestial que consistia na ideia de que só as “ovelhas de Israel” eram assistidas pelo messias Jesus de Nazaré. De forma geral, Jesus de Nazaré não curava não-judeus.

11 Jo. XV, 6: “Se alguém estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem”. Quando Jesus de Nazaré instrui seus apóstolos para a pregação, o discurso de violência também é aparente, conforme descrito em Mt. X, 34: “Não penseis que eu vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas a espada.”

12 Segundo Flusser (2010, p. 48), não seria incorreto descrever Jesus como um fariseu, mas num sentido mais amplo. O Nazareno via os fariseus como os herdeiros contemporâneos de Moisés, afirmando que os homens deveriam moldar suas vidas segundo seus ensinamentos. A afirmação faz sentido mesmo que Jesus fosse influenciado diretamente pelo essenismo, já que ele estava enraizado no judaísmo universal não sectário. A filosofia e a prática deste judaísmo eram as dos fariseus.

13 A Judeia era uma província imperial localizada próxima às fronteiras do Império Romano com o Império Persa, grande inimigo dos romanos. As hostilidades eram tão intensas que as guerras romano-persas se iniciaram em 92 a.C. e terminaram em 628 d.C., encerradas pelas guerras bizantino-árabes. Manter uma província na região da fronteira auxiliava na observação de investidas contra Roma.

14 Js. X, 42: “Josué tomou todos estes reis e suas terras de uma só vez, porque o Senhor Deus de Israel combatia em favor de Israel”.

15 O termo “suposto” é utilizado a partir das conclusões obtidas pelo Jesus Seminar. Segundo Schiavo (2009, p. 11), Jesus de Nazaré praticou supostas curas milagrosas sem realizar os procedimentos tradicionais da medicina. O que ele fez foi aliviar sofrimentos que hoje são conhecidos como psicossomáticos de forma, até então, desconhecida. Cf. SCHIAVO, Luiggi. A Busca pelas palavras e atos de Jesus: o Jesus Seminar. Caminhos, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 29-53, jan./jun. 2009.

16 Mt. XVI, 63-68: “O sumo sacerdote lhe disse: Conjuro-te pelo Deus vivo: dize-nos se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Jesus respondeu-lhe: Tu o disseste. Entretanto vos digo: Um dia vereis o Filho do homem sentado à direita do Todo-poderoso, vindo sobre as nuvens do céu. Então o sumo sacerdote rasgou as vestes e disse: Blasfemou! Que necessidade temos de mais testemunhas? Acabais de ouvir a blasfêmia. O que vos parece? Eles responderam: É réu de morte. Então começaram a cuspir-lhe no rosto e a dar-lhe bofetadas, e outros a ferir-lhe o rosto, e diziam: Advinha, ó Cristo, quem foi que te bateu?”

17 Mt. XXII, 17: “Dize-nos, pois, o que te parece: É justo pagar imposto a César ou não?”

18 Mc. XI, 11-17: “Chegaram a Jerusalém. Entrando no Templo, Jesus começou a expulsar os que ali vendiam e compravam. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Não permitia que ninguém transportasse objetos pelo Templo. E ensinava, dizendo-lhes: Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós, porém, fizestes dela um covil de ladrões!”

19 Mt. XXII, 21: “Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

20 Lv. XXV, 25.

21 Mt. XXVI, 47-56.

22 Mt. XXVI, 69-75.

23 Mc. XIV, 55: “Os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho contra Jesus, para condená-lo a morte, mas não o achavam.”

24 Mc. XV, 16-20: “Os soldados o conduziram para dentro do pátio do palácio e convocaram todo o batalhão. Vestiram-lhe um manto de púrpura e o coroaram com uma coroa tecida de espinhos. E começaram a saudá-lo: Salve, rei dos judeus”.

25 A definição de Direito para os romanos remetia obrigatoriamente aos seus principais mandamentos, que eram “viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu” (CIETTO e DOS SANTOS, 2005, p. 07 apud CASTRO, 2003, p. 83). Estes princípios não foram utilizados para conferir legitimidade à condenação de Jesus, executada a partir de inúmeras irregularidades. Autores como Agamben (2014) e Flusser (2010) afirmam que não havia fundamentação acusatória para que Jesus fosse considerado culpado e que o processo que o condenou à morte foi conduzido de forma irregular. Rosadi (AGAMBEN, 2014, p. 51 apud ROSADI, 1904, pp. 407-408) afirma que do ponto de vista do direito, Jesus de Nazaré não foi condenado, mas morto. Seu sacrifício não foi uma injustiça, mas sim um homicídio.

26 Francisci (AGAMBEN, 2014, p. 52 apud FRANCISCI, 1968, p. 25) afirma que o sinédrio que organizou um movimento sedicioso e não Jesus. Além disso, Francisci afirma também que existiam normas que impunham ao governador romano não se influenciar pelas voces populi.

27 Para Bickerman (AGAMBEN, 2014, p. 52 apud BICKERMAN, 1935, pp. 228-229), há certa dificuldade em encontrar coerência no processo da ação de Pilatos. Bickerman afirma que as narrativas dos evangelistas seguiam, de forma verossímil, uma apresentação diferente com fins teológicos.

28 Para Speidel (CIETTO e DOS SANTOS, 2008, p. 08 apud SPEIDEL, 1979, p. 93), “Pilatos agiu muitas vezes irrefletidamente. Não tinha compreensão para com os judeus e nem para com os seus costumes”.

29 Mt. XVII, 42.

30 A comunidade protocristã lamentou que os judeus ortodoxos negassem a vinda do messias. Paulo lamenta a negação de Cristo pelos judeus ortodoxos, conforme Rm. IX, 6: “Não é que a palavra de Deus tenha ficado sem efeito. É que nem todos nascidos de Israel são Israel”.

31 Na obra Monarquia, Dante Alighieri (AGAMBEN, 2014, pp. 56-57 apud ALIGHIERI, 2012) discorre sobre a veracidade do julgamento de Pilatos e como o ato de julgar Jesus de Nazaré conferia verdade à salvação da humanidade pecadora a partir de um julgamento presidido por um juiz que tivesse autoridade legítima sobre todo o gênero humano: “Se o Império Romano não foi de direito, o pecado de Adão não foi punido em Cristo e isto é falso. [...] Se Cristo, portanto, não tivesse padecido sob um juiz regular, aquela pena não teria sido uma punição”.

32 Lc. IV, 24: “E continuou: Eu vos asseguro: Nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra”.

33 Sobre o termo “Filho do Homem” e a associação com o nome de Jesus, ver FLUSSER, David. Jesus. São Paulo, Perspectiva, 2010, pp. 97-106.

34 At. II, 22-23: “Israelitas, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, homem de quem Deus deu testemunho diante de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus por ele realizou, como vós mesmos o sabeis, depois de ter sido entregue, segundo os desígnios da presciência de Deus, vós o crucificastes e o matastes por mãos dos ímpios.”

35 Filósofos e teólogos discutem há séculos a natureza da ação divina na morte do Nazareno e o seu real significado. Segundo Chauí (1999, p. 114), em uma correspondência de Spinoza para Willem van Blijenbergh, há uma questão levantada por Blijenbergh sobre a vontade divina e a cristologia da morte do Nazareno: se a providência e a vontade divina forem uma só e mesma coisa e se a conjuntura divina conservar tudo o que foi por Ele criado, parece ou que Deus é o autor do mal (também executado na morte de Cristo) ou que ele não existe.

36 1Cor. II, 6-8: “Todavia, ensinamos entre os perfeitos uma sabedoria que não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo, que são reduzidos a nada. Mas ensinamos uma sabedoria divina, misteriosa, escondida, predestinada por Deus antes dos séculos para a nossa glória. Nenhum dos chefes deste mundo a conheceu, pois se houvessem conhecido, nunca teria crucificado o Senhor da glória”.

37 1Cor. XV, 17: “Se Cristo não foi ressuscitado, então nossa fé é vazia e sua fé é em vão”.

38 Mt. XXVII, 24: “Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso”.

39 Lc. XXIII, 5-7: “Eles, porém, insistiam, dizendo: Ele subleva o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui. Ouvindo isto, Pilatos perguntou se era galileu. Informado que era da jurisdição de Herodes, remeteu-o a Herodes, que também naqueles dias estava em Jerusalém”.

40 SAMÓSATA, Luciano de. De Morte Peregrini, 11 – 3, p. 450; Em: GEISLER, Norman, Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2002.

41 Reforçando a distância entre o mundo judaico e pagão, um evento colaborou para que o distanciamento fosse ainda maior, assim como condenou o cristianismo incipiente. A destruição do Templo em 70 d.C., ocorrida no contexto da Primeira Guerra Judaico-Romana foi sintomática para as hostilidades posteriores.

42 Tg. II, 5 – 7: “Ouvi, irmãos meus caríssimos: Deus não escolheu os pobres aos olhos do mundo como ricos na fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam? Mas vós desprezastes o pobre! Não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam para os tribunais? Não são eles que blasfemam o bom nome do invocado sobre vós?”

43 Rm. I, 29: “Estão cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade. Repletos de inveja, homicídio, discórdias, fraudes e malvadeza”.

44 Na mensagem de Constantino aos seus súditos orientais (VEYNE, 2007 apud CAMERON, A., HALL, S.G, 1999) em 325, o imperador conta que soube, em 303, que Apolo acabara de notificar em Delfos que já não podia fornecer oráculos verídicos, porque a presença de Justos sobre a Terra o impedia. Tendo o imperador Diocleciano perguntado, à sua volta, quem poderiam ser estes Justos, um oficial da guarda imperial respondeu: “Provavelmente os cristãos”.

45 Informação coletada do endereço eletrônico da Universidade de Rouen. Disponível em http://grhis.univ-rouen.fr/grhis/?page_id=1194. Acesso em 13 de dezembro de 2017.

46 Segundo Silva (2011, p. 36), Valeriano promulgou dois éditos em conjunto com o Senado de Roma, que estabeleceram as diretrizes da perseguição e a ilicitude do Cristianismo. As autoridades romanas não tinham dúvidas do caráter hostil do Cristianismo em relação à res publica. A perseguição promovida por Valeriano objetivava a destruição das comunidades cristãs a partir do confisco de seus bens e da destruição física de suas principais lideranças e notáveis.

47 At. VII, 54 - 58: “Ao ouvirem tais palavras, começaram a ferver e espumar de raiva contra ele. Cheio do Espírito Santo, Estêvão olhou para o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus. Então disse: Estou vendo os céus abertos e o Filho do Homem de pé à direita de Deus. Gritando em altas vozes, taparam os ouvidos e lançaram-se todos juntos sobre Estêvão. Arrastaram-no para fora da cidade e o apedrejaram.”

48 Ver SALLES, Fernão de Oliveira. História e Crítica: Gibbon e a “Grande imoderada de Roma”. Cadernos de Filosofia Alemã, v. 20; n. 1, 2015, pp. 33-48.

49 Segundo Aslan (2013, pp. 171-172), quando Pilatos entrega Jesus de Nazaré para a crucificação, o próprio Jesus diz que a culpa da sua morte não é de Pilatos, mas, sim, dos judeus, conforme Jo. XIX, 10-11: “Disse-lhe então Pilatos: Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e poder para te crucificar? Jesus lhe respondeu: Não terias nenhum poder sobre mim se não te fosse dado do alto. Por isso, quem me entregou a ti tem pecado maior.”

50 Gibbon infere (2005, p. 235) sobre o desenvolvimento da Igreja dizendo: “Entretanto, como a verdade e a razão raras vezes tem recepção favorável no mundo, e como a sabedoria da Providência condescende frequentemente em fazer das paixões do coração e das circunstâncias gerais da humanidade os instrumentos com que executa seu propósito, seja-nos ainda permitido perguntar (embora com a devida humildade), não em verdade quais as primeiras, e sim as segundas causas do rápido desenvolvimento da Igreja cristã”.

51 A seita judaica gaulonita era um tipo de célula dos zelotes, partido que Jesus de Nazaré integrou durante seu ministério. A seita pertencia a mesma linha dos macabeus, integrantes de um exército rebelde judaico que tomou do Império Selêucida a terra prometida aos judeus. As revoltas se iniciaram em 167 a.C. depois da proibição do culto judaico por Antíoco IV Epifânio, imperador selêucida da época.

52 Segundo MacMullen (VEYNE, 2009, p. 12 apud MACMULLEN, 1984, pp. 44-47), o cristograma nos escudos das tropas não significava que o soldado que utilizava o escudo para a batalha tornou-se cristão a fim de vencer a batalha. Pelo contrário, o exército permaneceu pagão durante muito tempo.

53 Segundo Zilles (1994, p. 146), o cristograma escrito em grego Chi (χ) Rho (ρ) - ΧΡΙΣΤΟΣ, grego para “Cristo” - já era usado antes do imperador Constantino, mas foi popularizado com o episódio em que Constantino utiliza o cristograma em seu lábaro, obedecendo a suposta orientação do Nazareno para vencer a batalha contra Maxêncio na Ponte Mílvia.

54 Segundo Giradet (2006, pp. 82-83), na época em que Constantino se converteu, 5 a 10% do Império Romano era cristão, talvez 70 milhões de habitantes.

55 Do latim “comando”.

56 Sl. XXIII, 4: “Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e teu cajado me protegem.”

57 Discutidas anteriormente, as cinco causas são (1) o zelo inflexível e intolerante dos cristãos, (2) a doutrina de uma vida futura, (3), os poderes miraculosos atribuídos à Igreja primitiva, (4) a moral pura e austera dos cristãos e (5) a união de disciplina da república cristã.

58 Informações coletadas no endereço eletrônico do Comité Français des Études Byzantines. Disponível em <http://www.cfeb.org/curiculum/mb_maraval.pdf>. Acesso em 13 de dezembro de 2017.

59 Informações coletadas no endereço eletrônico da Universidade de Londres. Disponível em <https://research.sas.ac.uk/search/staff/831/professor-greg-woolf/>. Acesso em 13 de dezembro de 2017.

60 Informações disponíveis em <https://escola.britannica.com.br/levels/fundamental/article/cristianismo/480977>. Acesso em 30 de outubro de 2017.

61 Mt. XIX, 23 – 26: “E Jesus disse aos seus discípulos: Eu vos garanto que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E digo mais ainda: É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus. Ao ouvirem isso, os discípulos se espantaram e disseram: Então, quem pode salvar-se? Jesus olhou para eles e disse: Para os seres humanos, isso é impossível, mas para Deus tudo é possível.”

62 Mc. XI, 11-17: “Chegaram a Jerusalém. Entrando no Templo, Jesus começou a expulsar os que ali vendiam e compravam. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Não permitia que ninguém transportasse objetos pelo Templo. E ensinava, dizendo-lhes: Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós, porém, fizestes dela um covil de ladrões!”

63 Mt. XVI, 21: “Desde então, Jesus começou a mostrar a seus discípulos que era necessário ele ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e ao terceiro dia ressuscitar.”

64 Mt. XVI, 13 - 20: “Chegando à região de Cesareia de Felipe, Jesus perguntou a seus discípulos: Quem as pessoas dizem que é o Filho do homem? Eles responderam: Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas. Então ele perguntou-lhes: E vós, quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. Em resposta, Jesus disse: Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue quem te revelou isso, mas o Pai que está nos céus. E eu te digo: Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja e as portas do inferno nunca levarão vantagem sobre ela. Eu te darei as chaves dos céus, e tudo que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo que desligares na terra será desligado nos céus. E deu ordens aos discípulos de não falarem para ninguém que ele era o Cristo.

65 Há uma interessante discussão levantada por Flusser (2010) sobre a ideia de João como precursor de Jesus. Essa discussão tem como premissa a ideia de que que os evangelistas Mateus e Marcos divergem na cronologia dos fatos. C.f. FLUSSER, David. Jesus. São Paulo: Perspectiva, 2010, pp. 27-34.

66 Mt. III, 17.

67 Alguns destes homens são Teudas, Simão da Pereia, Judas, o Galileu e “Egípcio”. O livro Atos dos Apóstolos possui referências a Teudas e ao “Egípcio”, conforme descrito em At. V, 36: “Porque há algum tempo apareceu um certo Teudas, que se considerava grande homem. A ele se juntaram cerca de quatrocentos homens. Ele foi morto, e todos os que o seguiam foram dispersos e reduzidos a nada”. Saulo de Tarso – Paulo, o autointitulado apóstolo após converter-se – foi confundido com este homem insurreto de origem egípcia e é questionando por um tribuno militar se ele é o homem conhecido por “Egípicio”, conforme descrito em At. XXI, 38: “Por acaso não és o egípcio que há dias promoveu uma revolução, que levou quatro mil guerrilheiros para o deserto?”

68 Mt. XIII, 55: “Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas?”

69 Os quatros primeiros concílios ecumênicos foram os de Nicéia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedônia (451).

70 At. VII, 54 - 58: “Ao ouvirem tais palavras, começaram a ferver e espumar de raiva contra ele. Cheio do Espírito Santo, Estêvão olhou para o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus. Então disse: Estou vendo os céus abertos e o Filho do homem de pé à direita de Deus. Gritando em altas vozes, taparam os ouvidos e lançaram-se todos juntos sobre Estêvão. Arrastaram-no para fora da cidade e o apedrejaram.”

71 Essas leis suportaram as execuções dos cristãos pela culpa do incêndio de Roma, em 64, tanto como pelo crime de “ódio ao gênero humano”, conforme Tácito descreveu em algum momento entre 115 e 116. Pedro, apóstolo de Cristo, supostamente foi morto nessa investida persecutória.

72 2Cor. IV, 8 - 11: “De mil maneiras somos pressionados, mas não esmagados. Vivemos perplexos, mas não desesperamos, perseguidos, mas não desamparados. Somos abatidos até o chão, mas não aniquilados, trazendo sempre no corpo a morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo.”

73 “Tomo sob meus ombros a tarefa de restaurar a Tua Santíssima morada” (CESAREIA, 1994, p. 256).

74 Do latim “Roma é cristã. Roma é eterna”.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. O Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor. Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: http://www.brasilescola.com.