Quais são os principais fluxos migratórios do continente africano?

Introdução

1No período atual presenciamos coexistências de movimentos no que concerne à migração internacional. Eles são marcados por intensos fluxos de pessoas que se deslocam em diferentes escalas, sejam elas: regional, nacional ou global. Para fazer a leitura da migração internacional no contexto da globalização, destacamos os movimentos migratórios dos africanos para o território brasileiro, de maneira especial no estado do Ceará, localizado na região Nordeste do país.

2Com relação ao movimento migratório supracitado, destaca-se a presença de estudantes que buscam qualificação profissional – nível superior e se inserem no país por intermédio dos programas de cooperação estudantil fomentado pelo Governo do Brasil; investidores e trabalhadores qualificados que se inserem no mercado formal de trabalho, mas também existem aqueles que permanecem no território brasileiro sem documentação regular e por isso realizam trabalhos informais e precarizados (BOMTEMPO, 2019).

3Nesta perspectiva, o texto busca apresentar a recente migração internacional de africanos, tendo como recorte empírico o território brasileiro, sobretudo o estado do Ceará. Para tanto, as discussões estão centradas na explicação de um fenômeno migratório, cuja relevância e significação só podem ser captadas pela utilização de métodos apropriados com a complexidade inerente aos fatos, que integram aspectos históricos, espaciais e sociais, de sociedades diversas, no caso a africana e a brasileira, e sua inserção nos desdobramentos do capitalismo contemporâneo.

4A metodologia utilizada na investigação se baseia no entendimento da migração de africanos no território cearense. Diante da complexidade do período atual, referenciado em Vettorassi e Dias (2018), procuramos articular caminhos teórico-metodológicos que garantam explicar a migração como fenômeno espacial, social e temporal, formada por sujeitos migrantes. Desse modo, a construção metodológica quali-quantitativa é o caminho no qual escolhemos para a explicação do fenômeno na sua totalidade.

5Nesse sentido, foram selecionadas categorias e conceitos pertinentes à leitura do objeto, posteriormente foi realizado levantamento bibliográfico e documental, com temas de interesse da pesquisa; levantamento de informações jornalísticas publicadas em revistas e jornais eletrônicos; levantamento estatístico nas bases eletrônicas da Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente na Agência FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e microdados do Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de Estrangeiros (SINCRE) – com destaque para as seguintes variáveis estatísticas: migrações internacionais na escala global (mundo e continentes), os principais destinos das migrações entre os países africanos, a migração africana na escala mundo e suas características; e por fim, sustentado pelo referencial teórico, leitura e interpretação de dados e informações foi realizada a pesquisa empírica na cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, um dos lugares de maior concentração de migrantes africanos na região Nordeste do Brasil.

6Com os resultados do estudo e sua publicação, nestas primeiras décadas do século XXI, pretende-se contribuir para a explicação do conteúdo global e particular das migrações internacionais materializadas nos territórios e movidas para o trabalho e qualificação profissional, de forma especial para a migração de africanos no Brasil.

Migração internacional e territorialidades: possibilidades de leituras

7A migração no período atual pode ser designada como fenômeno espacial e social, e seu entendimento de acordo com Sayad (1998, 1999) perpassa pelo conhecimento acerca de seus condicionantes históricos, econômicos, políticos e culturais que não são homogêneos, nem espacialmente, muito menos temporalmente. Logo é necessário ter em vista os diversos desafios teóricos e metodológicos utilizados, pois as migrações são explicadas por um conjunto de teorias que intentam, de alguma forma, desvendar o novo em cada período histórico.

8De acordo com Gaudemar (1977), a discussão do conceito de migração, percebida enquanto « mobilidade espacial da força de trabalho » tem um caráter importante no entendimento da relação entre a dinâmica populacional e o processo de acumulação do capital, posto que a migração é, segundo George (1971), não só o deslocamento humano, mas também a irradiação geográfica de um dado sistema econômico e de uma estrutura social.

9No período atual, a leitura das migrações tem despertado interesse de especialistas de diversas áreas do conhecimento. Desse modo, consoante à Sayad (1998) e Peraldi (1999), dada a diversidade dos fluxos migratórios, o caminho epistemológico para consecução dos estudos que versam sobre a temática considerada, seja o encontro de inúmeras disciplinas: história, geografia, demografia, economia, direito, sociologia, psicologia, antropologia, linguística, ciência política, entre outras.

10Assim, para a explicação dos fluxos migratórios em curso, faz-se mister considerar, do ponto de vista estrutural, o contexto da globalização e as mutações do sistema econômico, social e político, que no período atual, se esboça enquanto um « capitalismo com tendência financeira » que interfere na intensificação dos fluxos de capital e uma nova conformação dos espaços de decisão. Baseado em Chesnais (2001), é possível afirmar que capitalismo interfere também dada sua materialização desigual e combinada na escala mundo, na formação socioespacial de cada país, atrelado ao desenvolvimento de redes materiais e imateriais que desencadeia segundo Nedelcu (2010) na generalização do uso das tecnologias de informação, na aceleração da mobilidade tanto de ideias, como de pessoas numa situação transfronteiriça. Como resultado, desse contexto estrutural, na conjuntura dos países e regiões, temos de acordo com Souchaud e Baeninger (2009) e Baeninger (2012) uma diversidade de fluxos populacionais, bem como a redefinição dos espaços da migração.

11Diante do apresentado, ou seja, da complexidade própria do tempo presente, Sayad (1998) afirma que a migração deve ser lida enquanto um « fato social completo ». Enquanto uma palavra de duas ordens, a interpretação e a explicação da migração não deve separar os lugares de origem e de migração dos sujeitos em movimento, como fazem, por exemplo, os trabalhos que primam pela análise estatística, mas com vistas ao entendimento da totalidade, é interessante para explicação do fenômeno migratório, considerar o sujeito que o compõe, ou seja, o migrante, sendo ele ao mesmo tempo emigrante e imigrante, que realiza a síntese dialética de permanência – migração e também de acordo com Tarrius (1993) e Schmoll (2005) se coloca em circularidade.

12Na perspectiva apresentada, as generalidades, particularidades e singularidades podem ser explicadas na medida que consideramos o migrante enquanto elo dos lugares, já que ele carrega em si, o lugar de origem, o lugar de migração e de circularidade. Para tanto, um caminho teórico-metodológico pode ser aquele, que na escala dos espaços de vida (formado por variáveis estruturais e conjunturais), considere a trajetória do migrante e suas territorialidades construídas nos espaços das relações cotidianas, de moradia e de trabalho.

13De acordo com Sack (1986) a territorialidade é uma tentativa do indivíduo ou um grupo de indivíduos que por intermédio de suas ações, controlam, influenciam pessoas, fenômenos e relações, sendo o espaço, portanto, um mediador da correlação de forças entre eles.

14Ademais, Raffestin assevera que:

[...] territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo. [...] A territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que, de certa forma, é a « face vivida » da « face agida » do poder (1993, p. 160-162).

15Para explicar melhor o conceito de territorialidade, vamos usar o exemplo que Raffestin (1993), no qual ele enfatizou que a territorialidade de um siciliano pode ser caracterizada pelos hábitos diários, ou seja, relações com o trabalho, com o não-trabalho, com a família, a mulher, a autoridade política, entre outros. Todavia, não é possível compreender essa territorialidade se não se considerar aquilo que a construiu, os lugares em que ela se desenvolve e os ritmos que ela implica (RAFFESTIN, 1993).

16Assim, na Geografia contemporânea, a construção do território não é entendida e considerada apenas por meio da atuação e do poder dos agentes hegemônicos, como o Estado ou as corporações empresariais. Ela se estende até o nível das práticas cotidianas, abrangendo também as manifestações de poder pertencentes aos diferentes grupos e sujeitos que atuam e vivenciam os vários territórios presentes no espaço geográfico e que, apesar de não serem hegemônicos, desenvolvem distintas territorialidades sobre esse espaço.

17Desta forma, concordamos com visão de Sack (1986) e Raffestin (1993) e afirmamos que a territorialidade pode ser lida como o acontecer de todas as atividades cotidianas, seja no espaço do trabalho, do lazer, na igreja, na família, na escola etc, isso tudo como resultado e condição do processo de produção de cada território. E assim, são as práticas cotidianas dos migrantes africanos no Brasil que na dimensão subjetiva constroem territorialidades próprias a partir dos lugares de moradia, lazer, estudo e trabalho.

Contextualização dos movimentos migratórios originários do continente africano

18As migrações do continente africano remetem historicamente a processos antigos, desde as complexas questões climáticas no interior da África, conflitos entre os diferentes impérios e reinos, até o recente processo de colonização que se iniciou com a invasão do continente pelas antigas potências coloniais, levando seu povo a se deslocar constantemente. Além dessas questões, os fluxos no continente africano são constantes e sempre existiram, por diversas razões e motivações. No entanto, muitos teóricos consideram a mobilidade dos africanos no interior do próprio continente como sendo,

uma maneira de escapar da pobreza, da morte por desnutrição. Para alguns autores, o movimento migratório no continente africano apresenta uma especificidade motivada por conflitos étnicos e, sobretudo políticos e, estes são fatores que tornam difícil à análise da migração internacional na África e, sobretudo, ao sul do Saara (CASTLES e MILLER, 2004 apud TCHAM, 2012, p. 12).

19Assim, o deslocamento de pessoas para além dos limites das fronteiras políticas de cada país africano em direção aos países vizinhos parece não ser vista por muitos pesquisadores como estratégia de realização dos projetos de vida pessoal ou familiar (afetivo, emocional, religioso, de saúde ou intelectual), mas apenas como simples estratégia de sobrevivência (TCHAM, 2012). Essas interpretações, coadunam com as teorias das migrações que durante muito tempo, considerava somente os aspectos econômicos e sociais como relevantes na decisão da mobilidade, mas não dava a devida atenção aos sujeitos e suas particularidades (SENA, 2018).

20Desta forma, iremos elucidar no decorrer do texto, os fluxos internacionais no continente africano, suas principais motivações, e perpassar também por algumas particularidades que conseguimos observar a partir das leituras do recorte empírico e durante os depoimentos dos migrantes no trabalho de campo.

21Conforme informações da Organização das Nações Unidas (United Nations, Department of Economic and Social Affairs 2017), havia cerca de 258 milhões migrantes internacionais no mundo, em 2017, distribuídos de acordo com a região dos continentes (África, Ásia, Europa, América Latina e Caribe, América do Norte e Oceania) como podemos visualizar na tabela 1.

Tabela 1 – Quantidade de migrantes internacionais no mundo (em milhões), por região dos continentes (2000, 2010 e 2017)

Quais são os principais fluxos migratórios do continente africano?

Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs (2017). Elaborado pelas autoras.

22De acordo com os dados da tabela 1, podemos verificar o aumento do volume de migrantes internacionais em todos os continentes, notadamente: Europa que em 2000 possuía 56,3 milhões, e passou para 77,9 milhões de migrantes em 2017; e a Ásia que em 2000 possuía 49,2 milhões de migrantes, ultrapassando o continente europeu em 2017 com 79,6 milhões de migrantes internacionais, logo é, a região do mundo com o maior número de migrantes internacionais; na sequência temos América do Norte, que de 40,4 milhões passou para 57,7 milhões de migrantes internacionais em 2017; posteriormente o continente africano que em 2000 possuía 14,8 milhões, aumentou para 24,7 milhões de migrantes internacionais. Na América Latina e Caribe o volume de migrantes é menor em relação aos outros continentes, já que em 2017 apresentou somente 10 milhões de migrantes; e por último, Oceania com 8,4 milhões de migrantes internacionais. Esses dados evidenciam a dinâmica e o crescimento dos fluxos populacionais no interior de cada continente.

23Ademais, ainda segundo os dados da Organização das Nações Unidas (2017) conseguimos analisar a quantidade de migrantes internacionais da África, em 2017, por destino, isto é, em quais região do mundo existe esse fluxo de africanos. Vejamos na tabela 2.

24Em 2017, o número de migrantes internacionais da África correspondia no total de 36,3 milhões distribuídos no mundo, sendo que a maioria migrou no próprio continente, ou seja, 19,4 milhões de migrantes tem como destino a própria África, uma migração intracontinental.

Tabela 2 – Número de migrantes internacionais da África, por destino (2017)

Quais são os principais fluxos migratórios do continente africano?

Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs (2017). Elaborado pelas autoras.

25Enquanto migração para além do continente africano, temos a seguinte configuração: Europa (9,3 milhões de africanos, sobretudo na parte Oeste e Sul da Europa); Ásia (4,4 milhões de africanos, notadamente na parte Oeste da Ásia); América do Norte (2,6 milhões de africanos, principalmente nos Estados Unidos da América); Oceania (500 mil africanos, sobretudo na Austrália e Nova Zelândia); e América Latina e Caribe (100 mil africanos, com ênfase para a América do Sul).

26É interessante ressaltar ainda que na tabela 1, em 2017, a quantidade de migrantes internacionais no continente africano era relativa a 24,7 milhões, e comparando com a tabela 2, percebemos que de fato os maiores números são dos países africanos e apenas 5,3 milhões é dos outros continentes.

27De acordo com Tolentino (2009) o movimento no continente africano é favorecido principalmente pela porosidade das fronteiras resultante, em parte, da grande quantidade de blocos de integração regional que, também facilitam a livre circulação de pessoas, o que se traduz na grande quantidade de migrações sejam elas temporárias e também permanentes. Esse fenômeno explica que muitos países da África sejam classificados tanto como de origem como de acolhimento de migrantes, bem como de trânsito, segundo a proximidade de destinos mais procurados regional e internacionalmente.

  • 1 De acordo com ONU o Norte da África é formado por sete países: Argélia, Egito, Líbia, Marrocos, Saa (...)

28Destarte, cabe destacar os principais fluxos migratórios no próprio continente africano, entre os países, que de acordo com o estudo África em Movimento: dinâmica e motores da migração ao Sul do Saara (Rural Africa in motion Dynamics and drivers of migration South of the Sahara) divulgado pela Agência da ONU para alimentação e agricultura (FAO) e o Centro de Pesquisas Agrícolas para o Desenvolvimento (CIRAD), os fluxos populacionais dos países do Norte1 foram os que mais se destacaram na migração para o exterior (90%), enquanto, os países africanos subsaarianos se movem principalmente na África (quase 70%), para os países vizinhos ou dentro de sua região continental. Nesse sentido, a África Ocidental e oriental são as regiões mais dinâmicas em termos dos países de envio e recebimento de fluxos populacionais, como podemos verificar na Figura 1.

Figura 1 – Migrações no continente africano (2015)

Quais são os principais fluxos migratórios do continente africano?

Fonte: FAO/CIRAD, 2017.

29Ao fazer a interpretação da figura 1 é possível identificar os principais países que recebem fluxos populacionais, quais sejam: a Costa do Marfim, Nigéria, Quênia e Etiópia. Ainda, segundo informações da mencionada pesquisa, esses países também se destacam no papel das comunidades econômicas regionais que adaptaram regulamentos facilitando a livre circulação de pessoas, embora o direito de residir e do trabalho continue sendo controlado. Essas dinâmicas continentais podem até ser mais fortes, pois não incluem fenômenos como: a) a significativa migração ilegal no continente; b) a dinâmica da migração circular (muito relacionada com a agricultura) e; c) a migração residencial entre países. Diante do apresentado, é possível afirmar que a migração africana é parcialmente facilitada pelos regimes de livre circulação, como também à natureza porosa das fronteiras que contribui tanto para o movimento de pessoas como do comércio informal.

30Outro aspecto interessante das migrações no continente africano, é também o deslocamento para estudo e trabalho, que mormente ocorre entre países vizinhos. Durante o trabalho empírico realizado na cidade Fortaleza/CE, conseguimos identificar em alguns depoimentos dos entrevistados que antes migrar para o Brasil, alguns estudantes migraram tanto para outro país do continente africano, como exemplo, de Guiné Bissau para o Senegal, que são países fronteiriços, como também já tinham realizado migração internacional para outro continente, com destaque para países da Europa (Portugal, França, Inglaterra Itália, entre Outros). Vejamos então, um depoimento de um migrante gabonês, que migrou para fins de estudo no Brasil (Ceará) e relatou um pouco da sua experiência familiar atrelada à migração:

Minha mãe e meu pai progenitor eles são originados do Camarões, e quando eu tinha três meses de idade minha mãe migrou para o Gabão, por melhores condições de vida e conflitos familiares. Tenho cinco irmãos, quatro estão em Gabão mesmo, e uma irmã que estuda na França (Bordeaux) faz mestrado em Finanças e atualmente tem um estágio na agência bancária. Minha mãe atualmente mora na Suíça, se casou com um suíço e trabalha lá como enfermeira (Migrante de nacionalidade Gabonês – junho de 2018).

31Este depoimento reforça a ideia de que os recentes fluxos migratórios coexistem no espaço – tempo, bem como apresentam características de circularidade e transescalaridade, já que sua configuração se faz de maneira articulada: a) entre países vizinhos (com destaque para Camarões e Gabão); b) fluxos para além do continente africano, haja vista os deslocamentos para países da Europa e da América Latina. Ainda, é possível ressaltar que a motivação que impulsiona a migração é plural, ou seja, motivada pelo trabalho e conflitos a mãe migrou no próprio continente africano e posteriormente adentrou ao continente europeu, sendo que sua condição – de trabalhadora migrante – sustenta direta ou indiretamente uma migração entre gerações com vistas ao trabalho e qualificação profissional em diversos países, conformando assim uma migração para o trabalho e qualificação profissional, circular, transescalar e geracional, sustentada pelas redes técnicas informacionais.

32Nessa perspectiva, podemos inferir que, os fluxos migratórios originários na África e que se configura de maneira transescalar, estão atrelados a uma gama de processos que perpassam pela instabilidade econômica e política dos países do próprio continente, como também pelos elementos históricos, tais como: melhores condições de vida, conflitos étnicos, religiosos e territoriais que ainda induzem com maior pujança aos movimentos migratórios.

A migração africana no território brasileiro

33As relações entre os países africanos e o Brasil é histórica do ponto de vista econômico e populacional. Do ponto de vista populacional, podemos afirmar que a mobilidade de africanos para o Brasil não é um fenômeno recente, mas se trata de um processo histórico que pode ser compreendido a partir de alguns marcos periodizados pelas dinâmicas do espaço.

34De acordo com Kaly (2007) as relações brasileiras com a África começaram no século XVI quando teve início a transferência de africanos oriundos de vários países para o Brasil na condição de escravos. Esse fenômeno se estendeu até o século XIX (quando da assinatura de documentos com vistas à abolição da escravatura – « Lei Áurea », 1888). Após a abolição da escravatura em território brasileiro até meados do século XX, houve, por um lado, uma quebra nas relações entre os países da África Subsaariana, e, por outro lado, o surgimento de relações comerciais com os países do Norte da África e com a África do Sul.

35Foi somente na década de 1960 que a diplomacia brasileira alterou sua política externa, já que no mandato do presidente Jânio Quadros (1961) foram instaladas as primeiras embaixadas brasileiras em países da África, com destaque para Senegal, Gana, Camarões. Esse fato permitiu que o Brasil estabelecesse acordos de cooperação cultural e técnica com alguns países da África Subsaariana (MUNGOI, 2006).

36De acordo com Kaly (2007), com a mudança da política externa brasileira em relação aos países africanos, os resultados da cooperação técnica e cultural elaboradas no governo de Jânio Quadros, foi notada a presença da primeira leva de africanos no Brasil para fins de qualificação profissional. Tratou-se da chegada do primeiro grupo de estudantes (década de 1960), constituído por 16 pessoas oriundas do Senegal, Gana, Camarões e Cabo Verde (que ainda nesse período era colônia de Portugal). Sucessivamente, o número de estudantes africanos no Brasil aumentou consideravelmente em relação à primeira leva, sobretudo pela implementação do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), criado oficialmente em 1965.

37Nas décadas de 1980 e 1990, Kaly (2007) ressalta que além de estudantes, a mobilidade entre África e Brasil, foi marcada pela presença de refugiados africanos que solicitaram refúgio devido às perseguições políticas sofridas nas guerras de libertação ou nas guerras civis pós-independência. Tais refugiados eram originários de países como Angola, Moçambique, Congo, Libéria, Serra Leoa, entre outros.

38No período atual, de maneira geral, os movimentos migratórios têm sido cada vez mais intensos, não somente na clássica migração entre países da « periferia global » para os « países centrais », mas entre os países do próprio sul global, como é caso da presença crescente de migrantes africanos na América Latina, com destaque para o Brasil, como também de latino americanos que realizam migração ou solicitam refúgio para o território brasileiro, como exemplo, pode ser citada a migração de refugiados haitianos, colombianos e venezuelanos em território brasileiro. Na concepção Phelps (2014), o recente aumento dos fluxos Sul-Sul se deve, também, às políticas migratórias cada vez mais restritivas do norte Global.

39Nesse contexto, segundo Visentini (2010), a migração para o Sul global fez da África um dos protagonistas nas relações exteriores brasileiras, fenômeno potencializado pela existência de laços coloniais e acordos bilaterais, como já abordado, que datam dos anos 1960.

  • 2 Para compreender a dinâmica vinculada à presença dos africanos no Brasil nas primeiras décadas do s (...)

40Desse modo, na Figura 2, é possível verificar a evolução dos fluxos migratórios dos africanos no Brasil a partir das variáveis: volume migratório e local de residência por unidades da federação. Para tanto, foram considerados os dados obtidos da Polícia Federal, por intermédio do Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (SINCRE) nos anos de 2002, 2007, 2012 e 20172.

Figura 2 –Evolução dos fluxos migratórios de africanos no Brasil, por Unidade da Federação (2002, 2007, 2012, 2017)

Quais são os principais fluxos migratórios do continente africano?

Fonte: Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (SINCRE). Elaborado pelas autoras.

41De acordo com os dados da figura 2, verifica-se que, em 2002, a quantidade de migrantes africanos entrados no Brasil ainda era modesta. Havia apenas no total 717 africanos registrados, sendo que a maioria estava concentrada nos estados do Rio de Janeiro (211 migrantes africanos) e São Paulo (202 migrantes africanos) que historicamente são duas metrópoles nacionais que centralizam as atividades econômicas no território e com isso, registram os maiores fluxos migratórios internacionais. Já em 2007, o número de migrantes africanos registrados aumentou para 1467, para tanto, os estados que mais concentravam ainda era São Paulo (479 migrantes africanos), que ultrapassou o Rio de Janeiro (390 migrantes africanos), além disso, outro estado que também demonstrou relevância em relação à residência dos africanos foi o Paraná (107 migrantes) e logo em seguida o Ceará (82 migrantes africanos) mesmo não apresentando expressividade nesse recorte temporal.

42Em 2012, esse número de migrantes africanos registrados aumentou para 2904 no total, tendo em vista que outras unidades federativas além de São Paulo (974 migrantes africanos) e Rio Janeiro (730 migrantes africanos) começaram a se destacar, como Minas Gerais (246 migrantes africanos), Ceará (170 migrantes africanos), Paraná (126 migrantes africanos) e o Rio Grande do Sul (118 migrantes africanos).

43Mas, foi em 2017 que a quantidade de migrantes africanos registrados aumentou de maneira mais acentuada, isto é, no total havia 6957 migrantes africanos no território brasileiro, notadamente em São Paulo (2814 migrantes africanos), Rio Grande do Sul (1024 migrantes africanos), Santa Catarina (574 migrantes africanos) ultrapassando assim, o Rio de Janeiro (479 migrantes africanos), além das outras unidades federativas que demostraram relevância no recebimento de migrantes africanos, quais sejam: Ceará (380 migrantes africanos), Paraná (360 migrantes africanos), Minas Gerais (319 migrantes africanos), Distrito Federal (225 migrantes africanos), Goiás (167 migrantes africanos) Bahia (156 migrantes africanos) e Pernambuco (115 migrantes africanos).

44Com relação ao perfil dos migrantes africanos que residem no Brasil podemos evidenciar que são: trabalhadores qualificados (profissões: engenheiros, eletricistas, médicos, biólogos, escritores, economistas, professores, enfermeiros, cozinheiros, aeronautas, farmacêuticos, administradores ou funcionários executivos, dentre outras profissões); trabalhadores com qualificação técnica ou que possuem experiência sem obter uma qualificação estudantil (profissões: carpinteiro, garimpeiros, mecânicos, trabalhadores domésticos, vendedores viajantes, pedreiros, entre outras); os estudantes e bolsistas que buscam qualificação profissional nas instituições de ensino brasileiras; os profissionais liberais que podem, ou não, ter qualificação profissional; e os investidores que podem assumir cargos de diretores, gerentes ou proprietários. Além disso, de caráter mais particular, temos as migrações também de sacerdotes, atletas, aposentados, artistas e oficiais, entre outras especificidades.

45Destarte, na figura 3 elencamos as principais nacionalidades dos migrantes provenientes do continente africano no Brasil e com isso conseguimos compreender tanto o lugar de origem do migrante africano, como também em qual estado da federação eles residem no Brasil.

Figura 3 – Nacionalidade dos imigrantes no Brasil provenientes do continente africano (2002, 20007, 2012 e 2017)

Quais são os principais fluxos migratórios do continente africano?

Fonte: Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (SINCRE). Elaborado pelas autoras.

46Na figura 3, é possível visualizar que em 2002, 2007 e 2012 as principais nacionalidades dos migrantes africanos registrados no Brasil, eram de angolanos, cabo-verdianos, bissau-guineenses, moçambicanos, nigerianos e sul-africanos, tendo em vista que a maioria é proveniente de países africanos que falam língua portuguesa. Entretanto, em 2017, houve alterações em relação à nacionalidade dos migrantes africanos no Brasil, sendo que as principais nacionalidades passaram a ser: senegaleses (2131 migrantes registrados) que ultrapassou os angolanos (1164 migrantes registrados), ganeses (681 migrantes registrados), nigerianos (620 migrantes registrados), bissau-guineenses (426 migrantes registrados) e moçambicanos (310 migrantes registrados), que serão apresentados no texto, conforme as informações do SINCRE.

47Ressaltamos que os angolanos concentraram residência sobretudo no Rio Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Ceará. Para tanto, conforme Kaly (2007), podemos dividir os migrantes angolanos em três grupos, quais sejam: os migrantes do sul da Angola (da sociedade Unbundo – é uma das línguas bantus mais faladas em Angola) que vivem mais no Rio Janeiro, que são justamente os fugitivos da guerra civil, e muitos não têm qualificação profissional. O segundo e terceiro grupo são compostos por angolanos originários de Luanda (capital) e são estudantes e trabalhadores que migraram em busca de trabalho e qualificação profissional no Brasil (KALY, 2007).

48Enquanto os cabo-verdianos, em 2002 e 2007 a maioria dos registros estava concentrado no Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará. Já em 2012 e 2017 o fluxo de cabo-verdianos diminuiu para este estado, que ficou em terceira posição (no quesito residência no Brasil) e tiveram destaque os estados do Ceará, Minas Gerais, São Paulo e Rio Janeiro respectivamente, o que demostra, portanto, novas centralidades no que concerne aos estados que concentram fluxos migratórios africanos recentes. Além disso, o perfil desses cabo-verdianos é: em maior parte estudantes (que vem pelo PEC-G, pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e pelos acordos com faculdades privadas, de modo específico no território cearense) e um pequeno número de migrantes trabalhadores.

49Já os migrantes bissau-guineenses, entre 2002 e 2007 residiam sobretudo em Minas Gerais, Paraná, São Paulo e Ceará. Ainda, assim como os cabo-verdianos, os registros dos bissau-guineenses (estudantes e trabalhadores) em 2012 e 2017 estavam concentrados especificamente nos estados do Ceará, São Paulo, Minas Gerais e Bahia (esses migrantes chegaram com a criação do campus da Unilab no município de São Francisco do Conde, localizado no estado da Bahia em 2013).

50Em relação aos migrantes moçambicanos, percebemos que em 2002, 2007 e 2012 os registros desses migrantes ocorreram principalmente em São Paulo, Rio Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Já em 2017, houve um aumento nos fluxos registrados desses migrantes, para os seguintes estados: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Ademais, destacamos os perfis dos migrantes moçambicanos no Brasil que são: estudantes e bolsistas nas instituições de ensino dos estados pontuados e trabalhadores. Conforme os estudos de Subuhana (2005), os estudantes moçambicanos migraram para o Brasil por conta dos laços de amizade que unem os dois países com ênfase em suas especificidades históricas, sociais, econômicas, educacionais, linguísticas e culturais.

51Cabe elucidar ainda, o aumento dos imigrantes nigerianos registrados no Brasil, de acordo com recorte temporal destacado, sendo que foi possível observar um padrão, em todos os anos (2002, 2007, 2012 e 2017), isto é, a maioria dos nigerianos estava em: São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, respectivamente. Diferente das outras nacionalidades, os nigerianos são sobretudo trabalhadores e investidores e poucos estudantes.

52Por último, os fluxos mais recentes registrados no Brasil são de migrantes senegaleses e ganeses que demostraram um aumento significativo em 2017. Além disso, os senegaleses estão especificamente em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro; enquanto os ganeses estão concentrados em Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, e Rio Grande do Sul.

53Para tanto, os autores Tedesco e Mello (2015) ressaltam que a maioria dos senegaleses migram para o Brasil com o objetivo de morar e trabalhar, além da forte formação de redes que produzem e alimentam os fluxos; são redes constituídas por fatores de localização, regionalização, amizade, interconhecimento entre os migrantes (TEDESCO E MELLO, 2015).

54Ainda, conforme informações da reportagem publicada pelo jornal O globo em 2014 « [...] 8.766 ganeses obtiveram visto de turismo para o período da Copa do Mundo de futebol de 2014 ocorrida no Brasil. Pelas regras do visto, eles têm 90 dias para permanecer no país. Mas a Polícia Federal (PF) já sabe que ao menos 500 deles pediram refúgio. E outros estão na fila para entrar com o pedido [...] » (SANCHES e ILHA, 21 jul. 2018, Jornal O globo). Desta forma, inferimos que tanto os senegaleses, quanto os ganeses são migrantes que chegaram no Brasil na perspectiva de adentrar ao mercado de trabalho brasileiro e com isso construir suas trajetórias de vida e trabalho no país.

55No século XXI, a migração de africanos (estudantes, refugiados, sem documentação, investidores e trabalhadores documentados) apresenta uma nova espacialidade, como foi possível verificar na figura 2. Essa realidade se apresenta como diferente em relação a outros períodos da história recente do Brasil, sobretudo ao longo do século XX, em que se teve, de fato, a organização do Brasil enquanto República. No que concerne às migrações internacionais no Brasil, a distribuição dos migrantes sempre obedeceu a uma lógica de concentração das atividades econômicas, ou seja, movidos pela inserção nas atividades laborais, os migrantes procuravam residir nas áreas com maior centralidade de atividades econômicas (industriais, comerciais e de serviços), a saber: os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, em que as capitais dos estados (as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo) tiveram pujança econômica ao longo do século XX.

56Todavia, no início do século XXI (2003 - 2009), pela liderança de um governo federal de esquerda (Partido dos Trabalhadores – PT), representado pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva e sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff (2010-2014) (teve seu mandato interrompido por 2 anos devido a um Golpe de Estado liderado pela extrema direita brasileira), foi elaborada uma política nacional com vistas à diminuir o desequilíbrio regional (econômico e social) entre as grandes regiões brasileiras (Sudeste, Sul, Centro Oeste, Norte e Nordeste). Sendo que das 5 regiões, a que apresentava maiores níveis de desigualdades sócio econômica era a região Nordeste. Desse modo, atrelado aos governos estaduais (que formam a região Nordeste), por um lado, foram elaboradas políticas de incentivo à dinamização da economia regional e local e, ao mesmo tempo, uma política nacional que primou pela atração de investimentos nacionais e internacionais que alterou a dinâmica econômica e social de alguns estados da região, sendo os principais: Bahia, Pernambuco e Ceará. Por outro lado, a política social do governo, que trabalhou em prol da diminuição dos déficits habitacionais para a classe trabalhadora, dos índices de mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida, por via de fortalecimento do sistema de saúde público e incentivo à educação (diminuição das taxas de analfabetismo, evasão escolar e continuidade dos estudos em nível superior, com garantia da ampliação das vagas em Universidades Públicas), sobretudo na região Nordeste do Brasil, fez com que tivéssemos nova configuração geográfica das atividades econômicas de todos os setores, bem como dos serviços educacionais. Sendo a região Nordeste do Brasil, aquela que teve maior mudança.

57Esse projeto político alterou a dinâmica econômica e social do país e por sua vez garantiu com que novos fluxos migratórios fossem sentidos, tanto internos (inter-regionais e intra-regionais), como também internacionais.

58No que concerne à migração dos africanos na região Nordeste, ainda, de acordo com a figura 2 os estados que mais se destacam com a presença desses sujeitos são: Bahia, Pernambuco e Ceará. Sendo que a migração de africanos no Ceará é evidenciada principalmente a partir das instituições de ensino superior públicas e privadas, pois, segundo Langa (2016) a chegada de migrantes para o estado do Ceará, teve início na segunda metade da década de 1990, com o primeiro grupo oriundo de Angola. Nesse período, chegavam somente estudantes de países africanos que falavam a língua portuguesa para se integrar na Universidade Federal do Ceará (UFC), por meio do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G). Já em 1998, iniciou-se a migração massiva de estudantes bissau-guineenses e cabo-verdianos e, dois anos depois, estudantes são-tomenses, angolanos e moçambicanos (LANGA, 2016).

59Dessa forma, a presença dos africanos, em especial dos estudantes, trabalhadores e investidores tem marcado a paisagem e as práticas cotidianas da metrópole Fortaleza e outras cidades do território cearense que recebem migrantes africanos, no recorte temporal mais recente, conforme pode ser constatado na figura 4.

Figura 4 – Distribuição dos imigrantes africanos no território cearense (2017)

Quais são os principais fluxos migratórios do continente africano?

Fonte: Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (SINCRE).
Elaborado pelas autoras.

60Na figura 4, é possível visualizar a distribuição dos migrantes africanos no estado do Ceará. No ano de 2017, verificamos que havia no total 380 migrantes africanos registrados, sendo que a concentração se dá em: Fortaleza – capital do Estado do Ceará (176 migrantes), Redenção (139 migrantes), Acarape (37 migrantes), Barbalha (8 migrantes), Crato (7 migrantes) e Sobral (2 migrantes). Além de outras cidades, como, Caucaia, Maranguape, Maracanaú, Quixadá e Jijoca de Jericoacoara.

61Dos migrantes entrevistados, verificamos que a migração para o Brasil é motivada pela possibilidade da qualificação profissional. Alegam que num primeiro momento, o Brasil não era a primeira opção para busca da qualificação e sim os países europeus, mas que pelo custo de vida na Europa, procuraram alternativas na escala global para realização dos estudos. Assim, a eleição do Brasil se deu pelos seguintes motivos: custo de vida menor em relação aos países europeus, facilidades com a língua portuguesa (já que grande parte dos entrevistados eram originários de países que falam português), incentivos do governo brasileiro (2003-2016) para emissão de visto de permanência para estudantes e concessão de bolsas de estudo na graduação, mestrado e doutorado (para estrangeiros), bem como, ampliação do número de vagas nas universidades públicas do Brasil para estrangeiros provenientes dos países latino americanos e africanos.

62Percebemos que de fato a motivação maior da migração africana para o estado do Ceará é para fins de estudo e secundariamente para o trabalho e investimentos. É cada vez mais crescente, na fala dos entrevistados, a vontade de permanecer no Brasil, por um lado, devido às instabilidades econômicas e política nos países de origem, e por outro, a possibilidade de adentrar ao mercado de trabalho brasileiro (como profissional ou pequeno investidor), já que se trata de um país que por sua grande extensão territorial, necessita de mão de obra qualificada para trabalhar tanto nas grandes cidades (em bairros periféricos), como em cidades médias e pequenas. Portanto, os migrantes africanos conseguem verificar essa possibilidade de permanecer no país e assim continuar a trajetória de vida e trabalho em território brasileiro.

63Desse modo, os migrantes que permanecem realizam circularidades múltiplas para fins laborais no próprio estado do Ceará. Entre as nacionalidades presentes, as que se destacam nas cidades cearenses são: Fortaleza com 21 cabo-verdianos, 93 bissau-guineenses, 42 senegaleses (é um fluxo recente como já foi apresentado e a maioria é trabalhador – vendedores ou empregados de casa comercial – e poucos estudantes), 3 angolanos, 2 beninenses, dentre outras nacionalidades; Redenção com 54 angolanos, 7 cabo-verdianos, 67 bissau-guineenses, 6 moçambicanos e 5 são-tomenses; Acarape com 32 bissau-guineenses, 3 angolanos e 2 moçambicanos; em Barbalha o fluxo presente é de cabo-verdianos; e no Crato com 6 moçambicanos e 1 cabo-verdiano.

64De acordo com a espacialização apresentada, é possível afirmar que a circularidade migratória dos africanos que permanecem no estado do Ceará se faz mais para cidades médias e pequenas e que portanto, trata-se de uma interiorização da migração no estado, ou seja, um fenômeno novo, já que em períodos anteriores, a presença do migrante era notada, a partir das estatísticas e também pela observação da paisagem, nas grandes cidades e metrópoles nacionais e regionais (como é o caso de Fortaleza).

65Para Sena (2018), o aumento na quantidade de migrantes africanos no Ceará, denota a construção de territorialidades, sobretudo de estudantes das instituições de ensino públicas e privadas, principalmente na metrópole Fortaleza e também nas cidades de Redenção e Acarape por conta da criação, no ano de 2010 (como parte das políticas do Governo Luís Inácio Lula da Silva), da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Na sequência, esses estudantes também estão nas cidades médias, e na região metropolitana de Fortaleza como Caucaia, Cascavel, Maranguape, Maracanaú, Eusébio e Paracuru.

66Ainda, de acordo com a pesquisa empírica, verificou-se na cidade de Fortaleza múltiplas territorialidades dos africanos, tendo em vista que esses migrantes buscaram primeiramente os locais de estudos, a partir daí, construíram as suas territorialidades em diferentes bairros de Fortaleza.

67Além disso, mesmo que em alguns casos as territorialidades dos migrantes sejam móveis ou temporárias, alguns estudantes ampliaram a sua permanência no Brasil se inserindo na pós-graduação, ou entrando no mercado de trabalho (principalmente, hospitais, escolas, lojas, postos de gasolina, supermercados, Secretária do estado do Ceará, empresas de ônibus e de computadores ou mesmo passaram em concursos públicos do Governo do Estado do Ceará) ou realizaram investimentos próprios, como destacado por Bomtempo e Sena (2018) e Bomtempo (2019).

68Por último, destacamos que não é apenas para estudo e trabalho que os africanos permanecem em Fortaleza, mas também realizam práticas de consumo e lazer, inserindo-se no cotidiano de uma metrópole. Nos relatos africanos entrevistados, verificamos algumas práticas de lazer e também de consumo, quais sejam: festas africanas em diferentes bairros da cidade de Fortaleza, passeios nos centros culturais localizados à beira mar, tais como: no Dragão do Mar, na Praia de Iracema e nos Shoppings Centers – enquanto espaços de lazer.

Considerações finais

69Neste texto, foi apresentado um panorama dos movimentos migratórios entre os países do continente africano e também de africanos para outros continentes. Além disso, ressaltamos as principais características desses fluxos populacionais internacionais, pois a partir dos dados levantados da Organização das Nações Unidas, em 2017, conseguimos verificar os principais destinos da migração internacional do continente africano, que se apresenta de maneira inter e transescalar, já que coexistem fluxos migratórios entre países no próprio continente africano, como também para países do continente europeu e latino americano.

70Diante das possibilidades de fazer a leitura da migração internacional no contexto da globalização, a elaboração inicial da nossa proposta foi motivada pela tentativa de explicar os movimentos migratórios de africanos para o território brasileiro (que ocorrem não sem conflitos de múltiplas naturezas), com ênfase no entendimento do perfil dos sujeitos envolvidos na mobilidade, quais sejam: a migração com objetivo de qualificação profissional – nível superior que se inserem no país por intermédio dos programas de cooperação estudantil fomentado pelos Governos da República Brasileira (2003 -2010; 2011 – 2016 – com interrupção devido ao Golpe de Estado realizado pelos partidos de Extrema Direita); a migração de investidores e trabalhadores qualificados que se inserem no mercado formal e não formal de trabalho.

71Verificamos também, que a migração internacional africana no contexto Sul-Sul é um fenômeno que permitiu ampliação dos fluxos e construção de territorialidades dos africanos no Brasil em diferentes unidades federativas, assim como em diversas cidades do estado do Ceará. A presença de africanos tem aumentado significativamente do ponto de vista do volume de migrantes na referida cidade, demonstrando assim, o papel de centralidade do estado do Ceará na atração de migrantes internacionais.

72Por fim, concluímos que as reflexões teóricas, o levantamento de dados e informações, bem como a pesquisa empírica constituiu como importante fonte para elaboração da pesquisa, no qual permitiu, entre outros, explicar as novas dinâmicas migratórias dos africanos no território no Brasil e de maneira qualitativa no estado do Ceará nas primeiras décadas do século XX.

Quais são os principais fluxos migratórios da África?

O maior movimento dos trabalhadores migrantes no continente é atribuído às regiões da África Ocidental, Oriental e Austral. Os jovens do Oeste Africano são tidos como os que mais se deslocam em busca do trabalho.

Quais são os principais fluxos migratórios?

Os principais destinos da migração internacional são os países industrializados, entre eles estão: Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e as nações da União Europeia. Os Estados Unidos possuem o maior número de imigrantes internacionais – dos 195 milhões, 39 milhões residem naquele país.

Como se deu o fluxo migratório na África?

Na África subsaariana os fluxos migratórios são maioritariamente horizontais, isto é, realizam-se dentro e entre os países da região, e em números reduzidos para fora do continente africano.