Todos sabem que executivos, gestores e empreendedores, de um modo geral, devem conhecer o ramo de atuação de seu negócio e saber administrar de modo eficaz e eficiente o seu empreendimento, visando auferir retorno de seus investimentos e garantir a continuidade do negócio.
Mas não é só isso. Todos devem compreender que uma empresa, tal como uma pessoa física, é sujeito de direitos e obrigações, sendo diretamente impactada pelas regras legais vigentes no país. Assim, não basta conhecer bem e administrar de modo adequado seu negócio; o empresário deve dominar a legislação que rege o dia-a-dia de sua empresa, o que é fundamental para seu sucesso.
Além da legislação tributária, a legislação empresarial está intimamente ligada ao cotidiano de executivos, gestores e empreendedores. Porém, antes de compreender a importância do direito empresarial para o seu negócio, é necessário saber exatamente do que trata esse ramo do direito.
O direito empresarial é um ramo do Direito Privado e, portanto, trata de relações entre particulares. Ele regula os direitos e obrigações das sociedades, podendo dispor sobre regras para elaboração e execução dos contratos, regulamentando todos os aspectos relacionados à propriedade intelectual, incluindo marcas e patentes, instituindo e regulando a utilização dos títulos de crédito e, ainda, prescrevendo os meios e condições para recuperação de empresas em dificuldades financeiras, tais como a recuperação judicial e a falência.
A legislação empresarial está fundamentada basicamente no Código Civil, que dispõe sobre as principais regras que todo empresário deve conhecer para otimizar a gestão de sua empresa.
A título de exemplo, um empresário deve saber que, conforme os meios de organização de sua atividade, a sociedade poderá ser simples ou empresária. Sociedades prestadoras de serviços de natureza artística, científica ou intelectual, necessariamente serão constituídas como sociedades simples, salvo se adotarem o chamado elemento de empresa.
Essa definição inicial de qual formato societário encaixar sua empresa pode fazer uma diferença gritante no futuro, se seu empreendimento passar por dificuldades financeiras: se a sociedade for empresária, por exemplo, poderá se valer do instituto da recuperação judicial, no qual a lei garante a realização de esforços por parte do Estado, dos credores e da própria empresa para solucionar a crise, o que não é aplicável às sociedades simples.
Prof. Me. Nicolas Nicolielo
A necessidade de observar a boa-fé no mundo dos negócios não é novidade.
O art. 187 do Código Civil, por exemplo, destaca a boa-fé ao prever que “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Ainda, o art. 422 do mesmo Código, dispõe que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
E, por fim, também para exemplificar, o Código Civil Brasileiro, recentemente alterado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), dispõe, no art. 113, que “negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé”, e que a interpretação deverá considerar “qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida”.
Portanto, se alguém aliena a sua participação societária num dia, e se, no outro, a empresa é vendida por cifra milionária, existe a possibilidade de reclamar eventual prejuízo ou buscar indenização junto ao Poder Judiciário?
Recentemente, em dezembro passado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou um caso polêmico. As partes litigavam numa ação de dissolução parcial de sociedade que tinha por finalidade oficializar a retirada de sócio minoritário da empresa e apurar, mediante perícia, o valor correspondente aos haveres societários.
No decorrer da ação judicial as partes realizaram acordo e o sócio retirante, muito doente e sensibilizado pelas dificuldades financeiras enfrentadas pela sociedade, aceitou transigir e receber cerca de três milhões de reais para ceder sua participação societária.
Ocorre que no dia seguinte ao da homologação judicial do acordo, o ex-sócio tomou conhecimento de que a sociedade empresária fora alienada a um Grupo Americano pela quantia expressiva de aproximadamente quatorze milhões de dólares.
As negociações de venda aconteceram paralelamente à negociação travada com o ex-sócio, mas foram omitidas pelos sócios remanescentes, que ocultaram o negócio e forneceram dados falsos sobre a situação financeira da sociedade empresária.
Inconformado, o ex-sócio ajuizou ação indenizatória buscando o complemento do preço de seus haveres, sob o fundamento de “dolo ativo e omissivo na conclusão do negócio jurídico, violação da boa-fé e deveres fiduciários”, bem como reparação pelos danos morais sofridos.
O sócio retirante, em resumo, requereu judicialmente o direito de receber a diferença entre o preço pago por seus haveres sociais e o preço que deveria ter recebido se sua quota fosse avaliada conforme o preço do negócio que lhe foram ocultado, ajuizando a referida ação judicial contra a empresa e todos os sócios integrantes do quadro social.
Está dito no acórdão que a “questão nuclear a ser desvendada é se o autor tem direito na recomposição do preço ou se a negociação levada a cabo pelos réus foi um golpe de sorte ou uma negociação astuta e absurdamente lucrativa, muito comum no mundo dos negócios ou, ainda, se a negociação foi danosa e prejudicial ao autor por conduta desonesta levada a cabo pelos réus que omitiram informações e sonegaram dados a respeito da empresa e do próprio negócio que já estava fechado e selado.”
(Apelação Cível nº 70082901208, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 13-12-2019).
Ou seja, o Judiciário debateu se naquele caso em específico houve desonestidade e falta de transparência por parte da empresa e de seus associados, ou, contrariamente, se a transação estava dentro da normalidade e das jogadas comumente realizadas no mundo dos negócios.
E o Tribunal de Justiça do RS, destacando o dever de agir com boa-fé e transparência, julgou o pedido de indenização procedente porque houve lesão aos direitos do ex-sócio que fora vítima do “engenho malicioso perpetrado pelos réus na entabulação de acordo/transação por preço reduzido, quando sabiam que, com a concentração de todas as quotas sociais, o lucro da Família” estaria garantido.
Em resumo, a empresa e os sócios, com a intenção de obter vantagem, omitiram do antigo sócio informação relevante, de que a organização estava praticamente vendida por preço estratosférico.
Além disso, induziram o sócio em erro de avaliação, pois argumentaram que a empresa (já vendida), estava à beira da falência e acumulando dívidas, o que implicaria, consequentemente, na desvalorização da participação societária do sócio retirante.
Sem dúvida, um caso interessante, que demonstra a importância da boa-fé e da transparência nas transações empresariais.
IZABELA LEHN DUARTE | ADVOGADA
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV
Lehn Duarte Advogados