Qual é o conteúdo do princípio da legalidade material tipicidade em matéria tributária?

Eduardo Kowarick Halperin
Graduado em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Tributário pelo IET/PUCRS. Mestre em Direito Tributário pela USP. Advogado. E-mail:

Resumo. O presente artigo irá analisar criticamente a Teoria da Legalidade Tributária que permeia a obra “Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”, apresentando três críticas: a primeira, que a regra da legalidade tributária não impede a redução de alíquotas pelo Poder Executivo; a segunda, que o princípio da legalidade tributária não permite o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributária; e, a terceira, que a doutrina da “tipicidade fechada” de Alberto Xavier é pertinente e atual.

Palavras-chave: legalidade, regra, princípio, tipicidade fechada

Abstract.

This article will critically analyze the Theory of Tax Legality that permeates the work “Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”, presenting three criticisms: the first, that the rule of tax legality does not prevent the reduction of rates by the Executive Branch; the second, that the principle of tax legality does not allow the use of indeterminate concepts and general clauses in the abstract taxable events; and, the third, that Alberto Xavier’s “closed tax legality” doctrine is pertinent and up-to-date.

Keywords: legality, rule, principle, closed tax legality

Introdução

“That is what this suit is about. Power. The allocation of power among Congress, the President, and the courts in such fashion as to preserve the equilibrium the Constitution sought to establish. […] Frequently an issue of this sort will come before the Court clad, so to speak, in sheep’s clothing: the potential of the asserted principle to effect important change in the equilibrium of power is not immediately evident, and must be discerned by a careful and perceptive analysis. But this wolf comes as a Wolf.”
(Justice Antonin Scalia, em sua dissidência no caso Morrison v. Olson, 487 U.S. 654)

Recentemente, o Professor Luís Eduardo Schoueri, juntamente com Diogo Ferreira e Victor Luz, lançou o livro “Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227” 1. Nos casos referidos pelo título, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei poderia delegar ao Poder Executivo a competência para a redução e para o reestabelecimento de alíquotas de PIS e COFINS, não havendo nisso qualquer violação à legalidade tributária. A tese central da obra é que essas decisões do Supremo Tribunal Federal violaram a dimensão de regra da legalidade tributária.

Não se discorda da tese central dos autores. A regra da legalidade prescreve de forma objetiva um comportamento que deve ser seguido pelo Poder Público (“se aumentar tributo, deve ser por meio de lei formal”), o qual é manifestamente desrespeitado pela União Federal nas hipóteses em que um tributo é majorado por meio de Decreto. O objetivo do presente artigo é examinar criticamente a Teoria da Legalidade Tributária que permeia a obra, mais precisamente três fundamentos que foram sustentados pelos autores ao longo dela: (i) a regra da legalidade seria uma via de mão dupla, proibindo tanto o aumento quanto a redução de tributos por meio de Decreto; (ii) o princípio da legalidade tributária permitiria o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais em hipóteses de incidência tributária, assim como autorizaria que o Poder Executivo “complementasse” e “esclarecesse” as referidas hipóteses; e (iii) a noção de tipicidade “fechada” ou “estrita” seria improcedente.

Essa análise crítica é importante por duas razões. Em primeiro lugar, porque o tema da legalidade tributária vem ganhando enorme atenção de parcela da doutrina, que tem introduzido ideias tais como a “deslegalização” e a “legalidade líquida”, todas elas propondo um enfraquecimento da legalidade enquanto limitação ao poder de tributar 2. Tais ideias, por sua vez, vêm recebendo aceitação da jurisprudência. A presente discussão diz respeito a muito mais do que a fixação de alíquotas de PIS e de COFINS. Qualquer controvérsia envolvendo a legalidade tributária diz respeito, no fundo, a uma discussão sobre democracia e alocação de poder – o bordão “no taxation without representation” é uma antiga prova disso.

Em segundo lugar, essa análise crítica é importante porque como toda obra do Professor Schoueri – que neste caso contou com a coautoria de Diogo Ferreira e de Victor Luz – o livro “Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal” está destinado a influenciar enormemente a doutrina e a moldar o conceito de legalidade tributária na jurisprudência, notadamente no próprio Supremo Tribunal Federal. Isso não ocorre por acaso. O Professor Schoueri é um dos maiores tributaristas do país, sendo uma grande fonte de exemplo e de inspiração para gerações de alunos, dentre os quais, com muito orgulho, eu me incluo.

Feitas essas considerações iniciais, passa-se a examinar criticamente três dos fundamentos que sustentam a Teoria da Legalidade Tributária apresentada pelos autores.

Legalidade: uma via de mão única

O presente tópico irá examinar a tese dos autores de que a legalidade seria uma “via de mão dupla”, isto é, que seria necessária lei em sentido formal tanto para o aumento quanto para a redução de tributos. Esse exame será feito da seguinte forma: primeiro, serão retomadas, ainda que sucintamente, as circunstâncias do caso analisado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 1.043.313, mais simples do que aquelas do caso da ADI n. 5.227 (embora as conclusões jurídicas sejam as mesmas). Segundo, serão analisados os argumentos empregados pelos autores para fundamentar a tese da legalidade como uma “via de mão dupla”. Por fim, em terceiro lugar, serão apresentados argumentos que pretendem infirmar tal tese.

O § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865, de 2004, permitiu ao Poder Executivo “reduzir e reestabelecer” as alíquotas de PIS e de COFINS não cumulativos sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas:

“Art. 27 § 2º O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.”

Com base nesse dispositivo legal, o Poder Executivo, por meio dos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, reduziu a zero as alíquotas de PIS e de COFINS sobre receitas financeiras (excluídas as receitas decorrentes do recebimento de juros sobre o capital próprio). Em 2015, contudo, o Poder Executivo, por meio do Decreto n. 8.426, reestabeleceu parcialmente as referidas alíquotas, atribuindo uma alíquota de 0,65% ao PIS e de 4% ao COFINS incidentes sobre as receitas financeiras. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por meio do RE n. 1.043.313, que o Decreto n. 8.426/2015 não violou a legalidade tributária.

Comentando as circunstâncias do caso, Schoueri, Ferreira e Luz entendem que (a) os Decretos que reduziram as alíquotas de PIS e de COFINS seriam inconstitucionais, por violarem a regra da legalidade tributária; e (b) o dispositivo legal que instituiu a possibilidade de redução e reestabelecimento das alíquotas de PIS e de COFINS por meio de Decreto também seria inconstitucional, visto que igualmente violaria a legalidade tributária. Isto é, a legalidade tributária seria violada não só pelo aumento, mas também pela autorização legal para a redução das alíquotas por meio de Decreto e pela sua efetiva redução:

“Neste livro, sustentamos que também a redução de alíquotas de tributos deve ser feita por lei que a estabeleça, por força do conteúdo da Legalidade Tributária. É dizer: em tese, a redução realizada no passado também estaria em desacordo com a Legalidade Tributária. No entanto, o não questionamento, por parte dos contribuintes, da inconstitucionalidade cometida pelo Executivo dez anos antes não justifica uma segunda inconstitucionalidade.” 3

“Objetivamente, portanto, entendemos que o § 2º do artigo 27 da Lei n. 10.865/2004 é inconstitucional. Esse vício, importa ressaltar, atinge tanto a delegação atribuída ao Poder Executivo para reduzir como para reestabelecer as alíquotas dessas contribuições. A rigor, portanto, a redução da alíquota sobre receitas financeiras para zero, pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, também poderia ter sua inconstitucionalidade declarada pelo STF. Por certo, o Tribunal assim não se manifestou porque questionamentos acerca da redução das alíquotas por ato infralegal não são objeto do RE n. 1.043.313, de forma que eventual manifestação a esse respeito poderia representar julgamento extra petita.” 4

A obrigatoriedade de lei em sentido formal para a redução de tributos, segundo os autores, seria suportada por dois argumentos: em primeiro lugar, o § 6º do art. 150 da Constituição Federal determinaria que benefícios fiscais apenas podem ser concedidos mediante “lei específica”. Em segundo lugar, o art. 97 do Código Tributário Nacional, cumprindo o seu papel constitucional de “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar” (art. 146, II, da CF), teria complementado a Constituição Federal determinando que somente a lei poderia tratar da redução de tributos. É o que dizem os autores:

“De fato, como antecipamos, a regra da Legalidade Tributária é uma via de mão dupla: não se pode majorar nem reduzir tributos sem lei que o estabeleça. A importância é tamanha, que o constituinte não se furtou a regulamentar a matéria de forma direta na Constituição, estabelecendo, no artigo 150 § 6º, reserva de ‘lei específica’ para o estabelecimento de benefícios fiscais em geral. Cumprindo o papel de lei complementar, ainda, o artigo 97, incisos I, II e VI, do CTN, expressamente impõe que somente a lei poderá tratar da extinção ou da redução de tributos e, ainda, das causas de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários.” 5

Quanto a esse argumento dos autores relacionado ao art. 97 do Código Tributário Nacional, importante ressaltar que, ao fim e ao cabo, de acordo com os fundamentos apresentados, seria ele quem dotaria de significado o art. 150, I, da Constituição Federal. Assim, o que a regra constitucional da legalidade tributária prescreveria é que somente a lei pode estabelecer a instituição de tributos, ou a sua extinção (art. 97, I); a majoração de tributos, ou sua redução, […] (art. 97, II); a definição do fato gerador da obrigação tributária principal […] (art. 97, III); a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo […] (art. 97, IV); a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas (art. 97, V); e as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades (art. 97, VI):

“Em matéria de Legalidade Tributária, já mencionamos a importância do artigo 97 do CTN ao ‘complementar’ a Legalidade Tributária prevista no artigo 150, inciso I, da Constituição.” 6

“Mas o que significa, de forma mais aprofundada, ‘exigir ou aumentar tributo’? A resposta não se extrai facilmente do texto constitucional. […]” 7

“Os incisos do artigo 97, portanto, respondem à pergunta posta no início do subtópico anterior (o que significa exigir ou aumentar tributo?).” 8

“Em resumo: o conteúdo da regra da Legalidade Tributária é extraído do ordenamento a partir da combinação dos artigos 146, incisos II e III, e do artigo 150, inciso I, ambos da Constituição, bem como dos artigos 9º, inciso I, e do artigo 97, ambos do CTN: somente lei em sentido formal (isto é, votada pelo Congresso Nacional) pode estabelecer o antecedente e o consequente normativo de um tributo, não sendo admitida qualquer tipo de delegação para ato infralegal, uma vez que somente a lei – ela mesma – pode estabelecer tais elementos.” 9

A tese dos autores a respeito da redução de tributos por meio de atos infralegais, portanto, pode ser resumida da seguinte forma: a legalidade tributária veda a redução de alíquotas por meio de Decretos e a delegação legal para tanto, seja porque a Constituição Federal exige lei específica para a concessão de benefícios fiscais (art. 150, § 6º), seja porque o art. 97 do Código Tributário Nacional complementou a norma constitucional da legalidade com a exigência expressa de lei em sentido formal para a redução de tributos e para a fixação de alíquotas.

Não há, contudo, qualquer violação à legalidade tributária decorrente da autorização de redução de alíquotas por meio de Decreto, tal como foi feito na Lei n. 10.865/2004, e tampouco na sua efetiva redução, levada a cabo pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005. Isso se dá por três razões: em primeiro lugar, a legalidade constitucional, tanto em sua dimensão de regra quanto em sua dimensão de princípio, é um limite ao poder de tributar (art. 150, I) e um direito individual (art. 5º, II), não sendo uma garantia estatal. Em segundo lugar (e em decorrência da afirmação anterior), o art. 97 do Código Tributário Nacional jamais poderia complementar a legalidade de forma a adicionar a tal norma constitucional uma garantia estatal. E, em terceiro lugar, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da Constituição Federal não impede que lei autorize a redução de alíquotas por meio de Decretos.

Em primeiro lugar, a legalidade é norma que tem como objetivo proteger o indivíduo frente ao Estado. Mais do que um escudo, que isola completamente o indivíduo, a legalidade é uma peneira: protege o indivíduo das impurezas estatais, mas permite que cheguem até ele eventuais vantagens concedidas pelo Estado. Essa constatação é suportada por três argumentos: um argumento linguístico, um argumento teleológico e um argumento sistemático.

O argumento linguístico decorre da constatação de que o constituinte empregou determinadas expressões, tais como “garantias asseguradas ao contribuinte” (art. 150, caput), “exigir ou aumentar tributo” (art. 150, I) e “garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País” (art. 5º, II), que só fazem sentido num contexto de proteção do indivíduo frente ao Estado. Sem a introdução de elementos normativos adicionais, não há como se ler “garantias asseguradas ao contribuinte” como “garantias asseguradas ao contribuinte e ao Estado”, assim como não há como se ler “aos brasileiros e aos estrangeiros” como “aos brasileiros, aos estrangeiros e ao Estado”. Nesse sentido, o constituinte até poderia ter empregado linguagem diversa na redação do texto constitucional, determinando, por exemplo, que “somente lei pode dispor sobre matéria tributária”, mas não o fez 10.

O argumento teleológico decorre da constatação de que a finalidade de se exigir uma lei em sentido formal para determinada matéria é, de um lado, garantir que essa matéria seja objeto de participação democrática (princípio democrático) e, de outro lado, assegurar que as normas reconstruídas a partir do texto legal sejam gerais, promovendo a confiabilidade, a cognoscibilidade e a calculabilidade do ordenamento jurídico (princípio da segurança jurídica) 11. Por um lado, essas finalidades são compatíveis com uma regra que pretende proteger o contribuinte frente ao Estado, exigindo lei formal para a instituição ou para o aumento de tributos. Por outro lado, nenhuma dessas finalidades é compatível com uma regra que exija lei em sentido formal para a redução de tributos. Seria no mínimo estranho um contribuinte que reclamasse da falta de participação democrática na decisão que gerou a redução da sua carga tributária (“no tax reduction without representation”) ou que protestasse contra a redução “surpreendente” das alíquotas dos seus tributos.

Essa finalidade de proteção do indivíduo é ainda mais evidente na legalidade tributária. A tributação envolve a restrição de liberdades asseguradas pela Constituição, de forma que há uma necessidade ainda maior de se permitir aos cidadãos que possam calcular as consequências dessas restrições e de se garantir que tais restrições só ocorrerão mediante a sua concordância, manifestada por meio do parlamento 12. Em suma: a finalidade da legalidade, especialmente da legalidade tributária, não é estabelecer uma regra geral a respeito da necessidade de se editar leis formais para quaisquer matérias tributárias, mas sim proteger o cidadão de restrições aos seus direitos fundamentais.

O argumento sistemático, mais precisamente topográfico, decorre da constatação de que o enunciado a partir do qual se reconstrói a norma geral da legalidade está elencado no Título II da Constituição Federal (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), dispondo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II). Já o enunciado a partir do qual se reconstrói a norma da legalidade tributária, por sua vez, foi incluído na Seção II do Título VI (“Das Limitações do Poder de Tributar”) – caso desejasse que a legalidade fosse uma “via de mão dupla”, o constituinte poderia ter inserido o referido enunciado na Seção anterior, que dispõe acerca dos “Princípios Gerais” do Sistema Tributário Nacional. É dizer: a localização topográfica do enunciado a partir do qual se reconstrói a norma não deve ser encarada como uma simples contingência do processo constituinte ou legiferante, mas sim como um importante indicativo acerca de qual interpretação é mais coerente com o ordenamento jurídico.

A legalidade tributária, portanto, é uma norma que protege o contribuinte frente ao Estado. Essa conclusão decorre da linguagem empregada pelo constituinte (argumento linguístico), das finalidades de se exigir lei em sentido formal (argumento teleológico) e dos capítulos nos quais foram inseridos os enunciados a partir dos quais se reconstroem as normas da legalidade (argumento sistemático).

Em segundo lugar, o art. 97 do Código Tributário Nacional não deve ser interpretado como o introdutor no ordenamento jurídico de uma regra de legalidade que impede o Poder Executivo de reduzir tributos. Essa conclusão é suportada por três argumentos: dois argumentos linguísticos e um argumento sistemático.

O primeiro argumento linguístico decorre da simples leitura do inciso I do art. 150 da Constituição Federal: é vedado “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Schoueri, Ferreira e Luz afirmam que um significado mais aprofundado desse enunciado normativo “não se extrai facilmente do texto constitucional” 13. Será? A interpretação desse dispositivo em algumas situações pode até não ser fácil, mas no caso da redução de tributos não parece ser difícil. São dois os comportamentos proibidos: exigir e aumentar. Aumentar significa precisamente o contrário de reduzir. Quanto ao exigir, poderia até se argumentar que um tributo com uma nova alíquota seria uma nova exigência, mas se assim fosse, não faria sentido a alusão adicional ao aumento de tributo, pois ele também seria uma nova exigência. Ainda, poderia se considerar exigir como um sinônimo de cobrar, de forma que seria necessária lei determinando todos os aspectos da incidência (inclusive a alíquota) para que a cobrança fosse constitucional. Mas, novamente, nessa hipótese, ficaria sem sentido a alusão ao aumento do tributo, visto que um aumento de tributo por meio de Decreto já estaria vedado pelo verbo exigir. Para que o verbo exigir tenha sentido próprio, sem qualquer redundância com o verbo aumentar, o comportamento “exigir tributo sem lei que o estabeleça”, vedado pela Constituição Federal, deve ser compreendido como aquele no qual o ente federado institui um tributo (ou algum dos seus elementos) por meio de ato infralegal.

O segundo argumento linguístico decorre da leitura do inciso II do art. 146 da Constituição Federal: “cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”. “Regular” não é “adicionar” e tampouco “introduzir”. Nesse sentido, se o constituinte quisesse que Lei Complementar pudesse alterar as limitações constitucionais ao poder de tributar, teria empregado verbo semelhante ao do inciso III do mesmo art. 146: “cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária […]” (destaque nosso). Ainda, importante perceber que a regulação que cabe à Lei Complementar é relacionada às limitações constitucionais ao poder de tributar – conforme já dito, limitar o poder de tributar não é o mesmo que limitar o poder de reduzir tributos; em verdade, é a sua antítese.

O argumento sistemático é relacionado com o segundo argumento semântico e decorre da hierarquia das normas envolvidas. Se a norma constitucional diz que é vedado exigir ou instituir, é porque não vedou reduzir os tributos. Na verdade, pode-se inferir a partir dessa omissão justamente o contrário: há uma norma constitucional implícita que autoriza a redução tributária por meio de ato infralegal. O Estado pode, se assim entender, nunca mais reduzir tributos por meio de Decreto. O que não pode fazer é ignorar que ele pode fazê-lo se assim entender, e que esse poder decorre da própria Constituição Federal, sendo vedado a qualquer ato infraconstitucional, inclusive Lei Complementar, limitá-lo.

A suposta regra que proíbe a redução de tributos por meio de Decreto, portanto, não decorre da interpretação do art. 97 do Código Tributário Nacional. Em verdade, nos trechos em que tal enunciado coincide com a norma constitucional, ele é expletivo. Nos trechos em que ele inova, tal como no inciso II, que exige lei para a redução de tributos, ou no inciso IV, que exige lei para fixar uma nova alíquota (inclusive mais baixa), ele é inconstitucional. Se tal dispositivo desaparecesse amanhã, o sistema normativo continuaria o mesmo. Essa conclusão decorre da linguagem empregada pelo constituinte (argumentos linguísticos) e da hierarquia existente entre as normas envolvidas (argumento sistemático).

Em terceiro lugar, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da Constituição Federal, muito embora exija “lei específica” para a concessão de benefícios fiscais, não impede a delegação da lei para que haja a redução de alíquotas por meio de Decretos. Saliente-se, inicialmente, que referida norma sequer é capaz de suportar integralmente a tese dos autores (“redução de tributos deve ser feita por meio de lei”), uma vez que ela se dirige a um tipo específico de redução de tributos (benefícios fiscais), que não esgotam a totalidade de hipóteses possíveis de diminuição da carga tributária. Mas, mesmo nos casos de benefícios fiscais, como foi o caso da autorização para a atribuição de alíquota zero do PIS e da COFINS às receitas financeiras, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da Constituição Federal permite a delegação normativa para que haja a redução tributária por meio de Decreto. Essa conclusão decorre de argumentos linguísticos e sistemáticos.

O argumento linguístico decorre da constatação de que o § 6º do art. 150 da Constituição Federal, ao determinar que o benefício fiscal “só poderá ser concedido mediante lei específica”, não está criando uma regra da legalidade específica para os benefícios fiscais, uma vez que, para tanto, bastaria fazer alusão à “lei”, não sendo necessária a referência à “lei específica”. A exigência de “lei específica”, na verdade, quer evitar a instituição de benefícios fiscais por meio de leis “ônibus”, nas quais vários temas diferentes são incluídos e, assim, o debate parlamentar a respeito da pertinência da concessão do benefício fiscal e dos seus impactos orçamentários pode restar prejudicado.

A partir daí, pode-se argumentar, de forma sistemática, que a referida norma se relaciona com (i) a legalidade orçamentária (instituída pelo art. 165, § 6º, da Constituição Federal) e com (ii) o princípio democrático 14. De um lado, a legalidade orçamentária tem como objetivo resguardar o equilíbrio entre receitas e despesas no orçamento público, determinando que o projeto de lei orçamentária “será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”. De outro lado, o princípio democrático estabelece que eventuais renúncias de receita devem ser aprovadas pelos representantes do povo 15. É que a regra da legalidade deve ser interpretada em conexão com o princípio democrático que visa materializar, de forma que a representatividade popular no processo de elaboração normativa deve ser considerada 16.

O importante disso tudo é que não há inconstitucionalidade na lei que autoriza a redução de alíquota por meio de Decreto e tampouco no próprio Decreto que a reduz: havendo previsão orçamentária acerca da renúncia fiscal decorrente da concessão do benefício e ocorrendo discussão pelo parlamento a respeito da possibilidade de concessão do benefício fiscal por meio da delegação normativa, a norma reconstruída pelo § 6º do art. 150 da Constituição Federal resta observada 17. O § 6º do art. 150 da Constituição Federal, vale lembrar, foi inserido no capítulo constitucional das limitações ao poder de tributar, não podendo ser utilizado como argumento para se restringir essa limitação, isto é, para impedir que tributos sejam reduzidos, ainda mais quando as razões que justificaram a edição dessa regra (participação democrática na concessão de benefícios fiscais e equilíbrio orçamentário) foram plenamente atendidas. Por certo, há que se verificar se esse é o caso da Lei n. 10.865/2004, mas o importante, aqui, é refutar a existência de uma regra geral da legalidade que impeça a delegação normativa para que o Poder Executivo reduza tributos ou conceda benefícios fiscais.

A norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da Constituição Federal, portanto, não exige a edição de lei formal para que haja a redução de tributos. De um lado, referida norma incide apenas sobre os benefícios fiscais, e não sobre todas as reduções de tributos; de outro lado, argumentos sistemáticos suportam a conclusão de que a norma exige, tão somente, que a concessão do benefício fiscal seja acompanhada de previsão orçamentária da renúncia de receita e de debates parlamentares, não havendo inconstitucionalidade na delegação da concessão do benefício fiscal para Decreto, desde que cumpridos os requisitos mencionados.

Por fim, há que se esclarecer que, muito embora seja constitucional a redução de tributo por meio de Decreto quando há delegação da lei para tanto, o mesmo não ocorre quando o Decreto reduz o tributo sem autorização legal. Mas essa inconstitucionalidade não decorre de uma eventual violação à regra ou ao princípio da legalidade tributária – como já dito, essas normas, que têm como finalidade a limitação do poder de tributar, não devem ser invocadas para impedir a redução de tributos. A redução tributária por meio de Decreto sem a autorização legal viola o princípio da separação de poderes, norma estruturante do sistema jurídico e do próprio Estado de Direito 18. Com efeito, a Constituição Federal é clara em atribuir ao Congresso Nacional a competência para dispor sobre o sistema tributário (art. 48, I 19), cabendo ao Poder Executivo tão somente editar Decretos para a fiel execução das leis (art. 84, IV 20). Assim, se o Poder Executivo reduzir um tributo sem autorização legal, o ato que promoveu tal redução será inválido – mas não necessariamente ineficaz, uma vez que o princípio da proteção da confiança poderá atuar em determinado caso concreto para proteger o contribuinte que agiu com base no referido ato normativo.

As considerações anteriores permitem concluir que a redução de tributos pode ser feita por meio da delegação de lei a atos infralegais, uma vez que a legalidade serve à proteção do contribuinte, e não para assegurar o poder de tributar do Estado. De um lado, o art. 97 do Código Tributário Nacional, no trecho em que exige lei formal para a redução de tributos, é inconstitucional; de outro lado, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da Constituição Federal é observada quando a delegação normativa pra que haja redução tributária por meio de Decreto é precedida de previsão orçamentária e de debates legislativos.

Princípio da legalidade tributária e o dever de determinabilidade das hipóteses de incidência

O presente tópico irá examinar a tese dos autores de que o princípio da legalidade, diante da indeterminação que é inerente à linguagem, admitiria o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais pelo legislador na instituição das hipóteses de incidência tributárias. Após a apresentação dos fundamentos dos autores que dão suporte à referida tese, serão elaborados argumentos que pretendem infirmá-los, sustentando que o princípio da legalidade não permite o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributárias.

Os autores sustentam que a chamada “flexibilização” da legalidade tributária nada mais seria do que uma dimensão de princípio da legalidade tributária. Isso porque, diante da equivocidade da linguagem, não seria possível ao legislador ser exaustivo na elaboração das hipóteses de incidência tributária, razão pela qual o Poder Executivo deveria contribuir com o esclarecimento das referidas hipóteses. Segundo os autores, não existiria uma verdadeira “flexibilização”, mas sim o reconhecimento de que os princípios, enquanto “mandamentos de otimização”, exigiriam uma descrição completa da hipótese de incidência “na medida do possível”:

“A nosso ver, longe de revelar flexibilização ou afastamento da Legalidade Tributária, esses exemplos permitem compreender o verdadeiro conteúdo principiológico inserido nessa norma e ressignificar o papel do Poder Executivo na regulamentação da lei tributária. A Legalidade Tributária, enquanto princípio, demanda que o legislador, na maior medida possível, descreva de forma completa e clara os aspectos da regra matriz de incidência tributária. No entanto, como mandamento de otimização, é certo que o legislador tributário não conseguirá ser exaustivo, não poderá resolver todas as lacunas e incertezas. Como é próprio da linguagem, os termos empregados nos enunciados normativos serão dotados de algum grau de indeterminação. Diante dessas limitações, é admissível que decretos e atos da Administração Pública não se limitem à mera reprodução de dispositivos legais, mas sim contribuam para tornar as previsões legais mais claras e passíveis de aplicação efetiva.” 21

“Justamente nesse contexto é que a Legalidade Tributária, em sua dimensão de princípio, possui tanta importância: o legislador deve, na maior medida possível, ser claro e determinante quanto aos conceitos que empregar. Ainda assim, considerando que princípios não têm o condão de alcançar aplicação absoluta, haverá algum grau de indeterminação nos conceitos utilizados.” 22

“A Legalidade, enquanto princípio, exige que se busque o maior grau de determinação possível; é nesse sentido que acerta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quando afasta aquela ideia de ‘tipicidade cerrada’, como se fosse regra a proibir o emprego de cláusulas gerais e conceitos indeterminados.” 23

“Por exemplo, a impressão de que o STF vem admitindo, de modo reiterado, ‘flexibilizações’ à Legalidade Tributária não parece refletir adequadamente o contexto e as conclusões alcançadas pela Corte em diversos julgados recentes. Ainda que essa distinção exata não tenha sido apresentada nesses julgamentos, parece-nos que os precedentes citados nos votos do Ministro Relator versam da Legalidade Tributária em sua dimensão de princípio, espécie normativa que não se aplica de forma absoluta, mas na maior medida possível. Em razão disso, é possível reconhecer – em linha com diversas manifestações do STF – que limites impostos pela realidade prática impeçam que o legislador tributário seja exaustivo em suas previsões. Diante disso, seria plenamente admissível – inclusive, desejável enquanto mecanismo de maior eficiência – que o regulamento cumpra papel de complementar e esclarecer as previsões legais necessárias para concretizar a obrigação tributária. Talvez o caso mais emblemático a esse respeito seja justamente o julgamento do RE n. 343.446 (contribuição para custeio do SAT), mencionado em diversas oportunidades durante a análise do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. Apesar de ser indicado como exemplo de ‘flexibilização’ da Legalidade Tributária, entendemos que esse caso demarca apenas o verdadeiro conteúdo dessa norma, reconhecendo que a lei deve estabelecer todos os elementos da obrigação tributária (dimensão de regra da Legalidade) e do modo mais determinado possível (dimensão de princípio da Legalidade), sem prejuízo de o regulamento esclarecê-los e dar-lhes efetividade, caso as circunstâncias assim demandem.” 24

A análise crítica da tese dos autores será feita da seguinte forma: primeiro, será analisada a definição do princípio da legalidade tributária apresentada pelos autores. Segundo, serão formuladas críticas a essa definição, assim como ao conteúdo normativo atribuído pelos autores ao referido princípio. Por fim, será apresentada uma síntese conclusiva das críticas elaboradas à tese dos autores a respeito do princípio da legalidade tributária.

Os autores descrevem os princípios como “mandamentos de otimização”, os quais “devem ser perseguidos na maior medida possível, considerando as possibilidades jurídicas e fáticas” 25. Conforme referido pelos autores, trata-se da clássica definição de princípio elaborada por Robert Alexy:

“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.” 26

Com base nessa definição de princípio, os autores definem o princípio da legalidade tributária como uma norma que “demanda que o legislador, na maior medida possível, descreva de forma completa e clara os aspectos da regra matriz de incidência tributária”. Diante da equivocidade inerente à linguagem, prosseguem os autores, o legislador não conseguirá ser exaustivo, de forma que seria permitido o emprego de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, assim como seria admissível a Administração Pública editar atos infralegais que “contribuam para tornar as previsões legais mais claras e passíveis de aplicação efetiva”, ou ainda que a Administração Pública esclareça e dê efetividade ao cumprimento da norma. Essa tese a respeito do princípio da legalidade tributária apresenta três problemas.

Em primeiro lugar, os autores definem o princípio da legalidade tributária com base em um dos comportamentos que o promove (“descrever de forma completa e clara os aspectos da hipótese de incidência”), ao invés de defini-lo com base no estado de coisas que ele visa promover (por exemplo, calculabilidade). É dizer: tomando por base a definição de princípio de Alexy segundo a qual “princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível” 27, a definição do princípio da legalidade dos autores focou no “realizado na maior medida possível”, mas esqueceu-se do “algo”. Ainda que Alexy e Ávila divirjam quanto à definição de princípio, pode-se afirmar que esse “algo” da definição daquele corresponde ao “estado de coisas” da definição deste, o qual demanda determinados comportamentos que tenham como efeito a sua promoção 28. Descrever de forma completa e clara os aspectos da hipótese de incidência, sem dúvida, é um dos comportamentos que o princípio da legalidade tributária exige, mas não é o único, assim como “ter quatro patas” é uma das características de um cachorro, mas não é a única.

Os estados de coisas promovidos pelo princípio da legalidade tributária podem ser tanto deduzidos de princípios que lhe são axiologicamente superiores quanto induzidos a partir de outras normas. Do princípio democrático, pode-se deduzir o ideal de representatividade na edição de leis. A partir da exigência de representação parlamentar anterior à instituição ou ao aumento de tributos, pode-se induzir um ideal de calculabilidade e de mensurabilidade 29. A eficácia negativa da regra da legalidade, por sua vez, cria ideais de liberdade e de livre iniciativa. Nesse sentido, Humberto Ávila define o princípio da legalidade tributária por meio do dever de promoção de sete estados ideais: formalidade, previsibilidade, calculabilidade, mensurabilidade, representatividade, livre iniciativa e liberdade 30.

A partir do dever de “descrever de forma completa e clara os aspectos da hipótese de incidência” até pode-se induzir a promoção de estados ideais de calculabilidade e de mensurabilidade, mas outros estados ideais promovidos pelo princípio da legalidade tributária, tais como os de representatividade, livre iniciativa e liberdade, não são diretamente induzidos a partir dessa conduta. A ausência de menção a esses estados ideais na definição do princípio da legalidade tributária, por sua vez, faz com que, por exemplo, não se tenha base normativa para sustentar que eventual lei exigindo uma motivação extratributária para a realização de um planejamento tributário violaria o referido princípio, por não promover os estados ideais de liberdade e de livre iniciativa.

Enfim, o problema todo é tentar definir o todo (princípio) por meio da descrição de uma parte (uma das condutas que o promove), sem que haja qualquer descrição dos estados de coisas que devem ser imediatamente promovidos. Esses estados de coisas, por sua vez, devem ser promovidos pela adoção de inúmeras condutas. Isso significa que apenas aludir ao comportamento de “descrever de forma completa e clara os aspectos da hipótese de incidência” é insuficiente para descrever o conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária, o qual demanda a identificação dos estados de coisas a serem promovidos, para que, a partir daí, sejam inferidos os comportamentos necessários para a sua promoção.

Em segundo lugar, a definição de princípio de Robert Alexy, adotada pelos autores, determina que os estados de coisas devam ser promovidos “na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Os autores não apresentam qualquer restrição jurídica ao princípio da legalidade tributária, tais como eventuais princípios colidentes, mas sim uma restrição fática: a equivocidade da linguagem. Com efeito, sabe-se que o Direito apresenta uma dupla indeterminação: de um lado, os textos são equívocos, permitindo a reconstrução de mais de uma norma, de outro lado, as normas são vagas, não havendo clareza quanto aos fatos que recaem no seu âmbito de aplicação 31. Em suma, segundo os autores, o princípio da legalidade tributária, diante da restrição fática imposta pela equivocidade da linguagem, a qual impediria o legislador de ser exaustivo e de eliminar incertezas, admitiria o emprego de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados nas hipóteses de incidência tributária. O princípio da legalidade tributária, no entanto, não permite o emprego de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados nas hipóteses de incidência tributária.

Inicialmente, é necessário esclarecer que uma coisa são os conceitos indeterminados, outra coisa é a indeterminação dos conceitos. De um lado, conceitos indeterminados são termos tais como “boa-fé” e “função social”, os quais possuem um sentido altamente indeterminado antes do processo interpretativo 32. De outro lado, a indeterminação dos conceitos, ou melhor, a equivocidade da linguagem, é característica inerente a quaisquer termos, sejam eles determinados ou não. Nesse sentido, pode-se identificar a existência de ao menos quatro problemas interpretativos decorrentes da indeterminação da linguagem (ou “casos de vagueza em sentido amplo”): o gradualismo, a vagueza combinatória, a insaciabilidade e a textura aberta 33.

O gradualismo diz respeito à existência de zonas de penumbra existentes quando as propriedades que caracterizam o referente são cumpridas gradualmente. Tomemos como exemplo a expressão “grandes fortunas”, constante na regra de competência tributária constante do art. 153, VII, da Constituição Federal. Contribuintes com um patrimônio de vinte mil reais ou de vinte bilhões de reais situam-se numa zona de clara aplicação (ou não) da regra, mas o que dizer do contribuinte com um patrimônio de vinte milhões de reais? Há, no caso desse último, uma zona de penumbra acerca da incidência da regra.

A vagueza combinatória ocorre quando parte das propriedades relevantes está presente no objeto referido, mas outra não está. Exemplo disso é a discussão envolvendo a incidência da imunidade tributária dos “templos de qualquer culto” em relação aos templos maçônicos. A maçonaria apresenta algumas propriedades que a caracterizam como um culto, mas apresenta outras tantas que desautorizam tal caracterização. Independentemente da melhor solução para o caso, o importante aqui é perceber que a existência de “problemas de enquadramento” é inerente à linguagem e às normas.

A insaciabilidade ocorre quando é impossível enumerar de forma exaustiva as propriedades suficientes para o uso de determinado termo. Aqui entram os já referidos conceitos indeterminados (tais como “boa-fé” e “função social”) e as cláusulas gerais ou abertas (tais como “solidariedade” e “dignidade”). A insaciabilidade de determinados termos, como se vê, está na raiz de inúmeros debates entre juristas, os quais procuram reconstruir argumentativamente os sentidos normativos mais adequados para essas expressões.

Por fim, a textura aberta ocorre quando a evolução das circunstâncias fáticas faz com que surjam novas características que gerem dúvidas a respeito da aplicabilidade de determinado termo a essa nova realidade 34. Um bom exemplo do problema decorrente da textura aberta da linguagem é o termo “serviço”. A evolução tecnológica e econômica da sociedade fez com que passássemos a considerar como serviços, no plano da linguagem natural, atividades distintas das clássicas obrigações de fazer, tais como o licenciamento de software e a disponibilização de conteúdo por streaming. Se a linguagem constitucional, em particular aquela presente nas regras de competência tributária, deve acompanhar a evolução da linguagem natural, trata-se de outro debate. O importante aqui é perceber que a mudança de circunstâncias fáticas pode gerar incertezas quanto ao âmbito de aplicação de determinadas expressões.

Isso tudo demonstra que apesar do gênero “indeterminação da linguagem” ser inerente à linguagem e gerar inúmeros problemas interpretativos, as diferentes espécies de indeterminação não são inerentes a todo tipo de linguagem e acabam gerando tipos de problemas específicos. De um lado, a insaciabilidade e o gradualismo são características de determinados termos, cujo emprego em hipóteses de incidência tributárias é proibido por força da eficácia bloqueadora do princípio da legalidade tributária. É que expressões como “boa-fé”, “grande” ou “razoável” são altamente indeterminadas, promovendo justamente o contrário daquilo que o princípio da legalidade, dentre outras coisas, visa promover: um estado de previsibilidade e de calculabilidade. De outro lado, a vagueza combinatória e a textura aberta são inerentes a qualquer enunciado normativo por meio do qual se pretenda criar regra geral e abstrata, duas características essenciais para as hipóteses de incidência tributária.

Disso tudo se conclui que, por mais que a equivocidade da linguagem impeça a univocidade de sentido do texto, ela não impede a sua determinabilidade. Nesse sentido, o fato de que a linguagem sempre vai apresentar algum grau de indeterminação não significa que não existam expressões mais determináveis do que outras. Afinal de contas, mesmo com toda a indeterminação da linguagem, conseguimos fazer planos, marcar compromissos, dar direções e estabelecer diálogos precisos, tudo isso mediante o emprego de expressões suficientemente determinadas para tais finalidades. Isso significa que, embora não se possa exigir total determinação do texto, o que seria impossível, pode-se e deve-se exigir que ele seja cognoscível, isto é, que haja a elevada capacidade de se compreender os seus sentidos possíveis 35.

Ora, se é verdade que o princípio da legalidade tributária promove um estado ideal de calculabilidade das possibilidades normativas, então o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais em hipóteses de incidência tributária, ao contrário do que foi sustentado pelos autores, é vedado pelo referido princípio. Os “problemas” da linguagem que são inerentes às regras gerais e abstratas e, portanto, às hipóteses de incidência tributária, são aqueles que dizem respeito à vagueza combinatória e à textura aberta – estes sim representam um limite fático para a atuação do princípio da legalidade tributária.

Em terceiro lugar, os autores sustentam que, diante da equivocidade dos textos normativos, inclusive daqueles que veiculam hipóteses de incidência, seria admissível que atos do Poder Executivo “complementassem”, “esclarecessem” e “dessem efetividade” às referidas hipóteses. Isso significa que se determinado enunciado possui três sentidos normativos possíveis, N1, N2 e N3, então o Poder Executivo poderia “complementar” tal enunciado “esclarecendo” que o sentido correto é N1, “dando efetividade” à norma. Essa tese contém duas incoerências internas e é infirmada por, ao menos, outras duas razões.

A primeira incoerência interna consiste na afirmação de que a hipótese de incidência deve ser determinada ao máximo, isto é, no limite da determinabilidade da linguagem, e que, após atingir esse máximo, ela deveria ser “complementada” pelo Poder Executivo. Ora, se a hipótese já foi determinada no grau máximo permitido pela linguagem, não haveria como o Poder Executivo, por meio de um ato também vertido em linguagem, determiná-la ainda mais. É que os limites da determinação linguística já teriam sido atingidos.

A segunda incoerência interna consiste na constatação de que, se a função do ato do Poder Executivo é “complementar”, “esclarecer” e “dar efetividade” ao texto normativo editado pelo Poder Legislativo, o qual padeceria de uma indeterminação decorrente dos problemas inerentes à linguagem, então por que os atos do Poder Executivo não padeceriam dos mesmos problemas? Ora, tais atos são igualmente compostos por linguagem. Precisaríamos, assim, de infinitos atos do Poder Executivo, cada um deles complementado e esclarecendo o anterior, o qual sempre padeceria dos problemas inerentes à linguagem.

Essas duas constatações, longe de sustentarem que seria possível determinar a hipótese de incidência no grau máximo permitido pela linguagem, apenas pretendem demonstrar que a equivocidade da linguagem não é o real limite à efetividade do Princípio da legalidade tributária e tampouco o ponto de partida da atuação do Poder Executivo. Repita-se: a inegável existência de equivocidade da linguagem não possui qualquer relação com a função que a Constituição Federal atribuiu ao Poder Executivo em matéria tributária.

Além dessas duas incoerências internas, as quais, por si só, demonstram que não se deve relacionar a equivocidade da linguagem à esfera de atuação do Poder Executivo, há um problema constitucional decorrente da tese apresentada pelos autores. Conforme já dito na introdução, a discussão sobre a legalidade é, fundamentalmente, uma discussão sobre alocação de poder.

De um lado, hipóteses de incidência contendo conceitos indeterminados e cláusulas gerais, as quais deveriam ser “complementadas” por meio de atos infralegais, atribuem maior poder ao Executivo. De outro lado, a exigência de hipóteses de incidência tributária determináveis atribui maior poder ao Legislativo. A Constituição Federal fez uma clara opção: atribuiu o poder de regular o sistema tributário ao Poder Legislativo.

Por um lado, o art. 48, inciso I, da Constituição Federal estabeleceu que caberia ao Congresso Nacional dispor sobre matérias envolvendo o sistema tributário. Por outro lado, o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, dispôs que caberia ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. Essa opção constitucional é claramente incompatível com um sistema no qual o Poder Executivo deve “complementar” e “esclarecer” as hipóteses criadas pelo Poder Legislativo. Hipóteses de incidência contendo conceitos indeterminados e cláusulas gerais não permitem uma “fiel execução”, sendo inconstitucionais. Da mesma forma, Decretos que “complementam” e “esclarecem” a lei, extrapolam da função de executá-la “fielmente”, razão pela qual também são inconstitucionais.

Aqui entra em cena um princípio estruturante do Estado de Direito, o princípio da separação de poderes, cláusula pétrea da nossa Constituição 36. Cabe ao Poder Legislativo decidir quem, por que, quando e em que medida terá seus direitos fundamentais de propriedade e de liberdade restringidos por meio da tributação. Pode ser que essa não tenha sido a melhor escolha, mas a questão de quem deve decidir é distinta da questão de qual é a melhor decisão 37.

A limitação constitucional da atuação do Poder Executivo em matéria tributária torna o nosso sistema tributário lento, muitas vezes anacrônico, incapaz de acompanhar rapidamente o desenvolvimento tecnológico – e é justamente essa a intenção. Constituições existem precisamente para evitar mudanças, protegendo certos direitos de forma que as futuras gerações não consigam modificá-los facilmente 38. A Constituição Federal de 1988, em matéria tributária, optou por privilegiar a segurança jurídica e o princípio democrático, em detrimento de um sistema tributário ágil e flexível.

Além de um problema constitucional, a tese dos autores a respeito da atuação do Poder Executivo apresenta um problema metodológico, mais precisamente a respeito do conceito de interpretação jurídica. Esse problema decorre de uma confusão entre, de um lado, a inexistência de univocidade de sentido do enunciado, e, de outro lado, a existência de um sentido que seja o mais adequado.

Na interpretação de um poema, não há qualquer problema em se elencar os diversos sentidos que podem ser atribuídos a um texto, e parar por aí. Na interpretação de um enunciado jurídico, contudo, espera-se mais. Muito embora elencar os sentidos normativos possíveis de um texto seja parte da interpretação jurídica, deve-se apontar, por meio do emprego de argumentos jurídicos, qual é a melhor resposta, ainda que essa não seja a única resposta correta. Por isso, pode-se afirmar que a interpretação jurídica envolve uma decisão a respeito de qual é a melhor resposta possível, isto é, qual resposta possui a maior aceitabilidade jurídico-racional do ponto de vista da comunidade jurídica 39.

Se isso tudo for verdade, então pouco importa que o Poder Executivo tenha “esclarecido” determinado enunciado por meio da fixação do sentido normativo N1. Se o sentido N2 encontra maior aceitabilidade racional (e isso deve ser demonstrado por meio de uma justificação adequada por parte do Poder Judiciário), então N1 é um sentido inválido, assim como o é o ato do Poder Executivo que o fixou. As hipóteses de incidência, muito embora possuam mais de um sentido possível (os quais não devem ser muitos, sob pena de inconstitucionalidade), possuem um único sentido que é o mais adequado, e não cabe ao Poder Executivo decidir qual é esse sentido.

As considerações anteriores permitem concluir que, em primeiro lugar, a equivocidade da linguagem empregada nos enunciados relativos às hipóteses de incidência não é o ponto de partida para a atuação do Poder Executivo. Em segundo lugar, é função do Poder Legislativo, e não do Poder Executivo, definir de forma clara as hipóteses de incidência. Por fim, em terceiro lugar, por mais que os enunciados jurídicos apresentem mais de um sentido possível, apenas um desses sentidos é o mais adequado, de forma que se o Poder Executivo optar por qualquer outro sentido essa escolha será inválida.

A diferença da tese sustentada pelos autores quanto ao conteúdo do princípio da legalidade tributária e o que se defende no presente artigo talvez fique mais clara por meio da análise de um exemplo, envolvendo a contribuição ao SAT (Seguro de Acidente de Trabalho). Referida contribuição foi instituída pela Lei n. 8.212/1991 e previa que a alíquota seria atribuída a partir do grau de risco de acidente de trabalho da atividade preponderante do contribuinte (leve, médio ou grave), o qual deveria ser aferido por meio de Decreto. O Supremo Tribunal Federal, por meio da análise do Recurso Extraordinário n. 343.446, entendeu que tal disposição não violaria o princípio da legalidade tributária:

“O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de ‘atividade preponderante’ e ‘grau de risco leve, médio ou grave’, não implica ofensa ao princípio da igualdade tributária, C.F., art. 150, I. […] Em certos casos, entretanto, a aplicação da lei, no caso concreto, exige a aferição de dados e elementos. Nesses casos, a lei, fixando parâmetros e padrões, comete ao regulamento essa aferição. Não há falar, em casos assim, em delegação pura, que é ofensiva ao princípio da legalidade genérica (C.F., art. 5º, II) e da legalidade tributária (C.F., art. 150, I).” 40

Para Schoueri, Ferreira e Luz, a decisão do Supremo Tribunal Federal foi correta, tendo reconstruído adequadamente o conteúdo do princípio da legalidade tributária. É que, segundo eles, a dimensão de princípio da legalidade tributária autorizaria o emprego de conceitos indeterminados e a posterior “complementação” desse conceito pelo Poder Executivo:

“Ainda que o julgamento do RE n. 343.446 não tenha se valido desses termos, parece-nos que foi a concepção da Legalidade Tributária enquanto princípio que tangenciou o entendimento descrito acima. Como mandamento de otimização, espera-se que o legislador descreva, na maior medida possível, os elementos que compõem a hipótese de incidência tributária. A descrição nunca será absoluta, isto é, exauriente. Alguns desses elementos dependerão, em maior ou menor grau, da complementação de ‘dados e elementos’ que o Poder Executivo poderá prover. Até aqui, ao menos, as conclusões do RE n. 343.446 parecem plenamente alinhadas ao conteúdo da Legalidade Tributária defendida no subtópico anterior. O que o Tribunal fez foi, apenas, confirmar essa dimensão principiológica e, no caso concreto, entendeu suficientemente atendido o princípio, uma vez que o conceito, posto indeterminado, já se encontrava no texto legal. É dizer – completamos nós – o Tribunal entendeu que o legislador foi o mais preciso possível, dadas as circunstâncias, conferindo suficiente certeza e permitindo que o Executivo regulamentasse o que já estava na lei.” 41

De acordo com o conteúdo normativo que se atribui ao princípio da legalidade tributária no presente artigo, contudo, o Supremo Tribunal Federal errou. Nesse sentido, importante observar que a premissa adotada pelo Ministro Carlos Velloso e pelos autores, segundo a qual Lei n. 8.212/1991 teria sido o mais precisa possível, mas que para se aferir os “dados e elementos” necessários à sua aplicação seria inevitável a atuação do Poder Executivo, decorre do fato de que o Poder Legislativo escolheu empregar expressões que dependem da aferição de “dados e elementos” para serem determináveis. Essa escolha do Poder Legislativo, no entanto, é inconstitucional.

Não se trata, ao contrário do que afirmam os autores, de uma exigência de uma descrição exauriente, mas sim de uma descrição determinável. Se essa exigência é ruim, se ela “engessa” a tributação, se ela atrapalha a política fiscal do país, nada disso importa. O que importa é que essa exigência decorre da Constituição Federal, mais precisamente do princípio da legalidade tributária. A hipótese de incidência da contribuição ao SAT viola esse princípio na medida em que não promove os ideais de determinabilidade, de mensurabilidade e de representatividade. De um lado, a hipótese contém termos que padecem de insaciabilidade (atividade preponderante é aquela com o maior número de empregados ou a que é responsável pelo maior faturamento?) e de gradualismo (qual o limite entre leve, médio e grave?), de outro lado, a hipótese atribui ao Poder Executivo a função de determinar os sentidos normativos da referida hipótese e de, em última instância, estabelecer a alíquota do tributo.

De todo o exposto ao longo deste tópico, pode-se concluir, em primeiro lugar, que o conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária é mais amplo do que o simples dever de determinabilidade da hipótese de incidência tributária. Esse princípio obriga a adoção de condutas que visam promover diversos estados ideais, dentre eles o de calculabilidade, o de livre iniciativa e o de representação. Em segundo lugar, o princípio da legalidade tributária, por meio da sua eficácia bloqueadora, torna inválidas hipóteses de incidência que contenham conceitos indeterminados, cláusulas gerais ou expressões que gerem elevadas zonas de penumbra. Em terceiro lugar, o princípio da legalidade tributária, também por meio de sua eficácia bloqueadora, torna inválidos atos do Poder Executivo tendentes a “complementar”, “esclarecer” ou “dar efetividade” às hipóteses de incidência tributária, exceto quando esses atos normativos tenham fixado o sentido normativo que, além de possível, seja o mais aceitável racionalmente.

Importante, por fim, reiterar o princípio da legalidade tributária, por ser princípio, não deixa de ser normativo. Eles se diferenciam de simples “valores” justamente porque possuem caráter deontológico, e não axiológico 42. É dizer: o princípio da legalidade institui o dever de que sejam adotados comportamentos necessários à realização dos estados de coisas que ele promove 43.

Tipicidade fechada: uma ideia atual

O presente tópico irá examinar a afirmação dos autores de que a ideia de “tipicidade fechada”, defendida, sobretudo, na obra de Alberto Xavier, seria uma “pretensão inalcançável” que deveria ser superada. Esse exame será feito em três partes. Em primeiro lugar, irá se analisar as afirmações feitas pelo voto do Ministro Relator Dias Toffoli no Recurso Extraordinário n. 1.043.313/RS sobre a ideia da “tipicidade fechada”, assim como as afirmações dos autores a esse respeito. Em segundo lugar, será analisada a obra “O Princípio da Legalidade e da Tipicidade da Tributação” 44, por meio da qual Alberto Xavier, considerado pelo próprio Ministro Dias Toffoli como o “líder” da corrente que defende a “tipicidade fechada”, fundamenta sua tese. Por fim, em terceiro lugar, será sustentado que a doutrina da “tipicidade fechada” está mais atual do que nunca.

O Ministro Dias Toffoli sustenta que a doutrina da “tipicidade fechada”, liderada por Alberto Xavier e adotada pela jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal, teria sido superada em decisões mais recentes. Com isso, passou a se permitir que “a lei dialogasse com o regulamento” para tratar dos elementos da hipótese de incidência tributária:

“Acerca da legalidade tributária, é certo que, tradicionalmente, o Tribunal vinha pautando seu entendimento no sentido de que ela seria estrita ou fechada. Entendia-se, em síntese, que o legislador deveria dispor, em toda extensão e profundidade, sobre todos os elementos da regra matriz de incidência tributária. Nesse sentido, não se permitia que a lei dialogasse com o regulamento para tratar desses aspectos tributários. […] Essa orientação, aliás, sempre foi defendida pela doutrina mais clássica, como a capitaneada por Alberto Xavier. No exame do RE nº 343.446/SC, o Supremo Tribunal Federal sinalizou uma ruptura desse dogma, apontando, nas palavras de Marco Aurélio Greco, que a ‘exigência constitucional […] é de uma legalidade suficiente e não de uma legalidade estrita’.” (p. 3-4 do voto)

“Na ADI nº 4.697/DF, esteve em questão a mesma matéria sob o enfoque da Lei nº 12.514/04, que possibilita aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas fixar, conforme os tetos e parâmetros nela prescritos, as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas. Em relação ao princípio da legalidade tributária, o Relator, o Ministro Edson Fachin, asseverou que não podia concordar com a aplicação do princípio da tipicidade cerrada, tal como defendida por Alberto Xavier, ‘sob pena de inviabilização da tributação no país ou, pelo menos [de se] assumir um modelo de legalismo datado na evolução histórico-filosófica das ideias tributárias brasilianas’.” (p. 5 do voto)

As considerações do Ministro Dias Toffoli a respeito da chamada “doutrina da tipicidade fechada” foram expressamente referendadas por Schoueri, Ferreira e Luz. Para os autores, a pretensão da referida doutrina quanto à determinação das hipóteses de incidência seria inalcançável:

“Nesse sentido, as ponderações do Ministro Dias Toffoli acerca da superação da doutrina que encarava a Legalidade Tributária como ‘cerrada’ são absolutamente pertinentes. É o reconhecimento de que esperar do legislador tributário determinações absolutas e suficientes à sua aplicação em qualquer cenário é uma pretensão inalcançável.” 45

“Verificamos que os primeiros tópicos dos votos do Ministro Dias Toffoli buscam estabelecer premissas a respeito da ‘moldura’ da Legalidade Tributária no Ordenamento Jurídico Brasileiro e sobre o entendimento atual adotado a seu respeito pelo STF. Ainda que estejamos de acordo com várias dessas premissas, como a superação de concepções ‘estritas’ ou ‘cerradas’ acerca da Legalidade Tributária, outras demandam olhar mais cuidadoso.” 46

Diante das colocações da decisão do STF e da obra de Schoueri, Ferreira e Luz a respeito da improcedência da ideia de legalidade “fechada”, a qual teria uma pretensão inalcançável, cumpre analisar a obra de Alberto Xavier a esse respeito, uma vez que tal autor teria “capitaneado” a referida doutrina, conforme afirmado pelo Ministro Dias Toffoli. De fato, é inegável que a sua obra “Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação”, de 1978, exerceu e ainda exerce uma enorme influência na doutrina e na jurisprudência.

Antes de mais nada, é preciso diferenciar três formas distintas de se compreender a teoria de Alberto Xavier a respeito da tipicidade “fechada”. Em primeiro lugar, há, supostamente, uma teoria da interpretação pressuposta por essa doutrina. Em segundo lugar, há a doutrina a respeito do conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária. E, em terceiro lugar, há a doutrina a respeito do conteúdo normativo do postulado da legalidade tributária.

Em primeiro lugar, pode-se dizer que, em diversas passagens, Alberto Xavier parece pressupor uma teoria cognitivista da interpretação. A teoria cognitivista da interpretação entende que interpretar corresponde a descobrir o significado normativo do enunciado, isto é, interpretar envolve atos de conhecimento 47. A adoção de uma teoria cognitivista da interpretação fica clara nos trechos em que Alberto Xavier entende ser possível que determinados enunciados normativos tenham sentido normativo unívoco, o qual seria obtido por mera dedução, tal como no exemplo abaixo:

“a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecidos. A decisão do caso concreto obtém-se, assim, por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato na norma, independentemente de qualquer livre valoração pessoal.” 48

Quanto à adoção de uma teoria cognitivista da interpretação por Alberto Xavier, concorda-se com Schoueri, Ferreira e Luz: exigir do legislador que elabore hipóteses de incidência tributária com sentidos unívocos envolve uma pretensão inalcançável. Mas, a bem da verdade, o próprio Alberto Xavier reconhece, mais adiante, que a linguagem sempre terá um certo nível de indeterminação:

“Antes de mais, cumpre fazer uma observação fundamental: é que, a bem dizer, não existem conceitos absoluta e rigorosamente determinados; e que, deparando com aquilo que já se tem designado por uma ‘indeterminação imanente’ de todos os conceitos, se é forçado a reconhecer que a problemática da indeterminação não é tanto de natureza como de grau.” 49

Esse reconhecimento de Alberto Xavier quanto à “indeterminação imanente” da linguagem, de um lado, é contraditório com as suas afirmações anteriores a respeito da “dedução” e da “subsunção” do sentido normativo a partir do enunciado, de outro lado, joga nova luz a respeito da doutrina do autor sobre a chamada “tipicidade fechada”. Afinal, se Alberto Xavier realmente entendesse que fosse possível ao legislador incluir expressões com sentido unívoco nas hipóteses de incidência, então bastaria a ele sustentar a existência de um princípio da legalidade tributária que vedasse o emprego de expressões não unívocas. Um postulado da legalidade tributária, dirigido ao intérprete, seria completamente desnecessário, uma vez que as hipóteses de incidência que não violassem o princípio da legalidade tributária teriam apenas um sentido normativo possível. Disso tudo decorre que a simples defesa da existência de um postulado da legalidade tributária por Alberto Xavier, conforme será demonstrado mais adiante, desautoriza a conclusão de que o autor era adepto de uma teoria cognitivista da interpretação, e de que essa teoria teria relação com a doutrina da tipicidade fechada.

Em segundo lugar, Alberto Xavier sustenta uma doutrina a respeito do conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária. Segundo essa doutrina, o Princípio da Legalidade Tributária poderia ser deduzido a partir do Estado de Direito e da Segurança Jurídica, e promoveria, dentre outras coisas, um ideal de calculabilidade. Nesse sentido, o princípio da legalidade tributária exigiria do legislador que as hipóteses tributárias oferecessem, na medida do possível, um elevado grau de determinação conceitual, vedando o emprego de cláusulas gerais, próprias de Estados totalitários:

“O método da cláusula geral – tão caro aos Estados totalitários – não pode deixar de brigar com a própria essência do Estado de Direito e, em especial, com os valores da segurança jurídica que este encarna.” 50

“As normas tributárias, como normas de decisão material (Sachentscheidungsnormen) visam pois a delimitar, na medida do possível, a livre valoração e decisão do administrador e do juiz.” 51

“O princípio da determinação converte, pois, o tipo tributário num tipo rigorosamente fechado: e tipo fechado não só no sentido que lhe atribui Oliveira Ascenção, de tipo que exclui outros elementos juridicamente relevantes que lhe sejam exteriores, […], mas também no sentido que lhe atribuem Larenz e Roxin, de tipo que oferece elevado grau de determinação conceitual, ou de fixação do conteúdo.” 52

“Recorde-se uma vez mais ser a segurança jurídica o fundamento do princípio da determinação; lembre-se mais uma vez que a segurança jurídica se traduz na suscetibilidade de previsão objetiva, por banda dos particulares, das suas situações jurídicas, de tal modo que estes sejam protegidos na sua confiança quanto aos direitos e deveres futuros; e, presentes estas ideias, concluir-se-á naturalmente que a indeterminação conceitual relevante para o Direito Tributário é precisamente aquela que afeta a referida segurança jurídica, a mencionada suscetibilidade de previsão objetiva.” 53

A doutrina de Alberto Xavier a respeito do princípio da legalidade tributária, portanto, não afirma que tal princípio exige univocidade de sentido por parte das hipóteses de incidência. O princípio da legalidade tributária, segundo o autor, exige que as hipóteses de incidência contidas na lei sejam suficientemente determináveis a ponto de os contribuintes poderem planejar suas vidas com segurança, de forma a preservar os direitos fundamentais à liberdade e à propriedade.

Em terceiro lugar, pode-se depreender a partir da obra de Alberto Xavier a existência de uma doutrina a respeito do postulado da legalidade tributária. De acordo com o autor, esse postulado determinaria que a interpretação das hipóteses tributárias fosse feita mediante: (i) a prevalência de argumentos linguísticos, (ii) a vedação da analogia e (iii) a adoção de uma postura formalista:

“A regra constitucional de reserva absoluta representa, pois, um duplo ditame: ao legislador e ao órgão de aplicação do direito. Ao primeiro, enquanto o obriga – sob pena de inconstitucionalidade – a formular os comandos legislativos em matéria tributária em termos de rigorosa reserva absoluta. Ao segundo, por excluir o subjetivismo na aplicação da lei, a criação judicial ou administrativa do Direito Tributário, o que envolve, de um lado, a proibição da analogia e, de outro lado, a proibição da discricionariedade.” 54

“a tipologia se distingue da classificação, ao deixar de fora do seu âmbito realidades que, se bem que aspectos do conceito geral, foram precisamente excluídas pela atividade seletiva do legislador. Por outras palavras: os tipos tributários são todos eles emanação do conceito geral de tributo, baseado na ideia de capacidade contributiva, mas não esgotam esse conceito.” 55

“A tipicidade do Direito Tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para a valoração dos fatos e produção dos efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ela estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo legal.” 56

A doutrina do postulado da legalidade tributária de Alberto Xavier é particularmente pertinente para os dias atuais na medida em que ressalta que, se de um lado a existência de capacidade contributiva é requisito para que determinado fato seja selecionado como tributável, de outro lado, existe toda uma gama de fatos que denotam capacidade contributiva, mas que não foram selecionados pelo legislador, de forma que os tipos tributários não esgotam o conceito de capacidade contributiva. Em outras palavras: a interpretação eminentemente textual e formalista das hipóteses de incidência tributária, tal como exige o postulado da legalidade tributária, impede que considerações a respeito de elementos que não são reconstruídos a partir do texto da hipótese de incidência, tais como a capacidade contributiva, sejam utilizadas para se determinar o âmbito de incidência da regra tributária.

As breves considerações anteriores permitem concluir que a “teoria da tipicidade fechada” de Alberto Xavier não é “inalcançável” e tampouco é “datada”. De um lado, ela não é “inalcançável” porque admite que os conceitos empregados nas hipóteses de incidência apresentam algum grau de indeterminação; de outro lado, ela não é “datada” porque, mesmo que se diga que o autor, em alguns trechos, adotou uma ultrapassada teoria cognitivista da interpretação, subsistem as suas doutrinas a respeito do princípio da legalidade tributária e do postulado da legalidade tributária, ainda pertinentes para os dias atuais. A verdade é que podemos dizer que a legalidade tributária é “suficiente”, que ela é “fechada”, que ela é “cerrada”, que ela é “líquida”, que ela é “sólida”, que ela é “azul”, que ela é “vermelha” etc. O nome pouco importa. O que interessa é: qual o conteúdo normativo da legalidade tributária? Segundo Alberto Xavier, há, de um lado, um princípio da legalidade tributária, que, dentre outras coisas, proíbe o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributária; há, de outro lado, um postulado da legalidade tributária, que determina a prevalência de argumentos linguísticos, a vedação da analogia e o formalismo na interpretação de hipóteses de incidência. Essas duas teses de Alberto Xavier, além de fortemente persuasivas e reconduzíveis ao ordenamento jurídico brasileiro, são, infelizmente, mais atuais e necessárias do que nunca.

Conclusão

Na tradição judaica, a ceia de Pessach é marcada por um costume chamado “Má nishtaná”, por meio do qual o integrante mais jovem da família dirige uma série de questionamentos ao membro mais antigo, que vão desde perguntas gerais (“Por que esta noite é diferente de todas as outras noites?”) até perguntas específicas (“Por que nas outras noites não mergulhamos os vegetais nem mesmo uma só vez, mas nessa noite mergulhamos duas vezes?”). Ao responder essas perguntas, o membro mais antigo conta ao mais jovem e a toda família a história da fuga do povo judeu da escravidão no Egito, que é justamente o fato celebrado na ceia de Pessach, explicando, afinal, por que se trata de uma noite diferente de todas as outras noites: naquela noite se comemora a liberdade. No Pessach, o questionamento pelo membro mais jovem do que está ali estabelecido é visto não só como uma forma de manter a tradição e passá-la adiante, mas também como uma maneira de demonstrar respeito pelo membro mais antigo da família, a quem são dirigidas as perguntas e de quem são esperadas as respostas. É com o espírito de Pessach que os questionamentos formulados no presente artigo devem ser encarados: como uma forma de manter a tradição do debate científico, de demonstrar respeito pelos autores e de celebrar a liberdade acadêmica.

Feitas essas considerações, conclui-se que, em primeiro lugar a regra da legalidade tributária não é uma “via de mão dupla”, mas sim uma “via de mão única”, na medida em que não impede que o Poder Legislativo delegue ao Poder Executivo o poder de reduzir tributos. Em segundo lugar, o conteúdo do princípio da legalidade tributária é mais amplo do que o defendido pelos autores e veda o emprego em hipóteses de incidência tributárias de termos que contenham termos apresentando insaciabilidade (tais como conceitos indeterminados ou cláusulas gerais) ou gradualismo (diversas zonas de penumbra), assim como veda que o Poder Executivo “complemente”, “esclareça” ou “dê efetividade” às hipóteses de incidência tributárias. Por fim, em terceiro lugar, a “doutrina da tipicidade fechada” de Alberto Xavier, por meio da qual ele delimita o conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária e do postulado da legalidade tributária, é extremamente coerente com o ordenamento jurídico brasileiro e pertinente para os dias atuais.

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Qual é o conteúdo do princípio da legalidade material tipicidade?

O princípio da tipicidade enuncia que não basta simplesmente exigir-se lei formal e material para criação do tributo, pois é necessário que a lei que crie um tributo "defina tipo fechado, cerrado, todos os elementos da obrigação tributária, de modo a não deixar espaço algum que possa ser preenchido pela Administração ...

O que é o princípio da legalidade em matéria tributária?

O princípio da legalidade tributária é o responsável por controlar a imposição de tributos. Ou seja, ele exige legislação tributária para que sejam efetuadas cobranças aos contribuintes.

O que é o princípio da legalidade?

O que diz o princípio da legalidade? Previsto no inciso II, do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, o princípio da legalidade determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O que prevê o princípio da legalidade em matéria tributária e em qual artigo da Constituição Federal consta esse princípio?

O princípio da Legalidade está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso II, e determina que “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. SUMÁRIO: Introdução.