Raquel Raichelis, Docente e pesquisadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil Show
A maioria dos artigos que integram esta edição teve como base as exposições das/os autoras/es no 12º Seminário Anual de Serviço Social, promovido pela Cortez Editora e realizado no TUCA (teatro da PUC-SP) em 6 de maio de 2019, que teve como tema central as comemorações dos 40 anos do “Congresso da Virada” (setembro de 1979) e também dos 40 anos do Serviço Social & Sociedade da Cortez Editora. Na abertura dessa edição destaca-se o texto “Cinco teses sobre a formação social brasileira” de Mauro Iasi, no qual desenvolve uma análise sobre a formação sociohistórica brasileira, com destaque para o caráter predatório das relações coloniais e escravistas que marcaram indelevelmente o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no Brasil. Movido pelo “pessimismo da razão e otimismo da vontade”, o autor nos brinda com uma instigante análise da dominação burguesa em nosso país, avançando para períodos mais recentes nos quais destaca o esgotamento da política de conciliação de classes e os desafios para o trabalho profissional frente à persistente crise social do tempo presente. Na sequência, Marilda Iamamoto resgata em seu artigo “Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos” o significado político do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais realizado em São Paulo, em setembro de 1979, e o movimento no Serviço Social que deu origem à histórica “virada” contra o conservadorismo profissional, na ambiência sociopolítico das lutas contra a ditadura civil-empresarial no Brasil, que levaram à sua derrocada. Em sua análise, ao mesmo tempo em que destaca a importância desse amplo e profundo processo de ruptura teórica e política com o lastro conservador, a autora chama atenção para o ressurgimento de um projeto conservador na profissão e na sociedade, em relação ao qual a categoria profissional precisa estar preparada para enfrentar, em um duplo movimento: aprofundando a dimensão político-pedagógica do trabalho cotidiano com as classes subalternas no âmbito das políticas sociais e, ao mesmo tempo, colaborando para fortalecer a dimensão coletiva das lutas sociais. O terceiro artigo “Servicio Social en América Latina:desigualdad social regional, crisis de democracia y capitalismo”, de Rita Molina, atual presidente da Asociación Latinoamericana de Enseñanza e Investigación en Trabajo Social – ALAEITS, aborda a conjuntura de regressão social que caracteriza o cenário sociopolítico da América Latina, com a radicalização de estratégias neoliberais que visam enfraquecer as estruturas democráticas e os sistemas de proteção social na região. A autora destaca os impactos devastadores dos indicadores sociais em todas as dimensões da vida social, principalmente na ampliação da pobreza, da fome e do desemprego na região. Ao mesmo tempo realiza uma análise crítica das tendências privatistas da formação acadêmica no Serviço Social em toda a América Latina, e o ressurgimento de traços pragmatistas e conservadores no trabalho profissional, que ameaçam a materialização do projeto ético-político em nível de cada nação e no continente como um todo. Nesse contexto adverte que “apenas um processo de construção coletiva poderá viabilizar e dinamizar concepções e práticas verdadeiramente compartilhadas nos processos de formação e no exercício profissional a favor da promoção, defesa e exigibilidade dos direitos humanos”. Os demais artigos que completam esse número especial contribuem para adensar as análises sobre o movimento de renovação do Serviço Social brasileiro e a contribuição do Serviço Social & Sociedade, traçando um rico painel de questões que caracterizam as tendências desse processo global que envolveu a profissão em seu esforço de validação teórica e construção de um projeto profissional coletivo crítico e comprometido com as classes trabalhadoras. Contribui para isso o artigo “O enfrentamento conservador da ‘questão social’ e desafios para o Serviço Social no Brasil” de Josiane Santos, atual presidente do CFESS, que aborda em seu texto o trato conservador da “questão social” na atual conjuntura política, conclamando a categoria profissional para a importância da resistência política nas ruas, no trabalho, nas atividades coletivas. Importante mencionar ainda dois artigos que têm como foco o periódico Serviço Social & Sociedade da Cortez Editora, destacando sua importância para o movimento renovador no Serviço Social. No texto intitulado “Revista Serviço Social & Sociedade: 40 anos contribuindo para o pensamento crítico do Serviço Social brasileiro”, Raquel Raichelis et al. realizam um balanço dos 40 anos ininterruptos deste periódico e sua contribuição à difusão do pensamento crítico da profissão. E Esther Lemos, atual presidente da ABEPSS, apresenta em seu artigo “40 anos da virada e a contribuição da Serviço Social e Sociedade na disseminação da produção intelectual”, o papel dessa entidade para a formação profissional e para a pesquisa, bem como a contribuição da Serviço Social & Sociedade na disseminação da produção intelectual de destacadas/os pesquisadoras/es da área e das ciências sociais em geral, evidenciando a potência política da produção do conhecimento como arma da crítica e da resistência ao pensamento conservador. Fecham esse número duas contribuições relevantes que apresentam resultados de pesquisa sobre o Movimento de Reconceituação do Serviço Social. O artigo “O projeto da Escola de Serviço Social de Belo Horizonte – 1960-1975: uma reconstrução histórica”, de autoria de Rosangela Batistoni, realiza uma reconstrução histórica do emblemático projeto da Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais que, afinado com a reconceituação latino-americana, dá origem ao conhecido Método BH, experiência precursora da aproximação do Serviço Social à tradição marxista, ainda sob as condições políticas adversas que marcaram a vigência da ditadura no Brasil. E, na mesma trama do Movimento de Reconceituação e da renovação profissional, o texto de Isaura Aquino “A participação do CBCISS no Movimento de Reconceituação e o Congresso da Virada”, tem como objeto de análise o CBCISS, importante centro de difusão do pensamento desenvolvimentista na segunda metade dos anos de 1960, cujas maiores expressões foram as edições dos famosos seminários de Araxá e Teresópolis, no contexto denominado por Paulo Netto (1991) de “modernização conservadora”. Os/as leitores dessa edição do Serviço Social & Sociedade certamente serão recompensados pela excelente contribuição que oferece à história e à memória de um período dos mais significativos, não apenas para o Serviço Social, mas também para a história recente da sociedade brasileira, fundamental para decifrar o presente e projetar o futuro da profissão em nosso país. ReferênciasIAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social – ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1992. PAULO NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1991. PAULO NETTO, J. P. A construção do projeto ético-político do Serviço Social frente à crise contemporânea. In: CFESS/ABEPSS; CEAD/UNB (Org.). Crise contemporânea, questão social e Serviço Social. Capacitação em Serviço Social e política social. Brasília: CEAD/UnB, 1999. Para ler os artigos, acesseServ. Soc. Soc. no.136 São Paulo set./dez. 2019 Link externoServiço Social & Sociedade – SSSOC: www.scielo.br/sssoc Como citar este post [ISO 690/2010]: RAICHELIS, R. A virada do Serviço Social brasileiro contra o conservadorismo: 40 anos depois [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/10/24/a-virada-do-servico-social-brasileiro-contra-o-conservadorismo-40-anos-depois/ Qual o nome do Movimento de reconceituação do Serviço Social?Resumo: O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina, deflagrado em 1965, em meio aos movimentos por mudanças e a reação contrarrevolucionária, constitui-se um marco histórico nessa profissão.
Quais as contribuições dos movimentos sociais para a reconceituação do Serviço Social?Podemos apontar quatro principais conquistas no movimento de reconceituação: a articulação de uma nova concepção da unidade latino-americana; a explicitação da dimensão política da ação profissional, tendo em vista de que o tradicionalismo ocultava a dimensão política da profissão e a interlocução crítica com as ...
O que foi o Movimento de reconceituação do Serviço Social no Brasil?O Movimento de Reconceituação é o marco do Serviço Social que vem propor a ruptura das práticas tradicionais, é através deste movimento que surge um perfil profissional mais crítico, capaz de atuar nos desafios postos à profissão.
Quando ocorreu o Movimento de reconceituação do Serviço Social no Brasil?Resumo. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina, deflagrado em 1965, em meio aos movimentos por mudanças e a reação contrarrevolucionária, constitui-se um marco histórico nessa profissão.
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