A depressaõ e melancolia se apresentam na mesma estrutura psiquica

Atualmente, a depress�o se tornou um assunto presente no cotidiano, sendo um tema extremamente difundido na sociedade contempor�nea. � raro encontrarmos algum cidad�o do mundo nos dias de hoje que n�o esteja a par da tem�tica da depress�o. Nessa dire��o, Peres (2003) nos afirma que a presen�a da depress�o no cotidiano � algo alarmante e nos aponta algumas quest�es sobre sua incid�ncia. Segundo a autora, em 1970, havia cerca de cem milh�es de pessoas diagnosticadas com depress�o no mundo; 30 anos depois esse n�mero somava a quantidade de um bilh�o de pessoas. A depress�o ainda figura como problema de sa�de p�blica. A Organiza��o Mundial de Sa�de estima que, em 2020, seja a segunda maior patologia em termos de incapacita��o, s� perdendo para os problemas cardiovasculares.

Em pa�ses emergentes, provavelmente ser� a primeira (OMS, 2002). Sobre sua incid�ncia na Fran�a, Peres (2003) nos mostra um aumento de 60% dos casos em 10 anos (1980-1991). No caso em quest�o, trata-se do aumento de um milh�o de diagn�sticos. Os Estados Unidos, por sua vez, registraram, no per�odo entre 1980 e 1989, algo entre 2,5 e 4,7 milh�es de consultas e prescri��es de antidepressivos. Num sentido parecido, Santos (2014) afirma que foram vendidas, em 2007, 23,2 milh�es de c�psulas de fluoxetina – um antidepressivo comum atualmente - sendo que, em 2011, foram vendidas 34,6 milh�es de c�psulas, o que mostra um aumento de quase 50% em quatro anos.

Ainda em 2012, a OMS divulgou outros dados importantes. No caso em quest�o, a depress�o figura como uma das principais causas de afastamento do trabalho dentre todas as doen�as listadas no mundo. A estimativa � de que 350 milh�es de pessoas de todas as idades s�o afetadas. Curiosamente, o mesmo c�lculo, para 2009, somava 120 milh�es de pessoas depressivas, quase a ter�a parte do que se tem em 2012. Todos esses dados nos indicam como a depress�o tem se alastrado pela sociedade contempor�nea, n�o fazendo qualquer tipo de distin��o et�ria ou social, mas se apresentado como algo a que todo indiv�duo est� sujeito.

No Brasil, temos, atualmente, uma taxa de 5,8% de pessoas diagnosticadas com depress�o. Esses n�meros fazem o pa�s respons�vel pela maior taxa de preval�ncia de depress�o da Am�rica Latina e o segundo das Am�ricas, s� perdendo para os Estados Unidos (5,9) (Estad�o, 2017).

A psican�lise, como nos diz Phillipe Julien (2004), n�o � voltada � idiotia no sentido de que n�o manteria um di�logo com outras pr�ticas. Assim, muitos temas e termos s�o tomados da psiquiatria cl�ssica e retomados a partir da no��o de sujeito do inconsciente, como nos apontam Alvarez, Esteban e Sauvagnat (2004). Desse modo, ao pensarmos a depress�o a partir da psican�lise, nos deparamos com a quest�o da singularidade do sofrimento e da impossibilidade de generaliza��o, o que n�o significa impossibilidade de constru��o e transmiss�o de um saber. Tratar da singularidade � reportar a um campo espec�fico de problemas que s� podem ser tratados pelo modo como o sujeito trata, pela linguagem, as dificuldades com eventos de ordem pulsional que afetam diretamente o seu corpo. A depress�o se encontra diretamente ligada a essa dimens�o.

Seguindo nessa dire��o, Quinet (2013) nos afirma que a depress�o n�o � uma entidade cl�nica ou um sintoma, mas um estado do sujeito que se caracteriza por dor, tristeza e falta de vontade. Desse modo, o que percebemos � que a depress�o, a partir da psican�lise, come�a a tomar um aspecto de afeto. Pinheiro, Quintella e Verztman (2010) assinalam “que a depress�o configura-se como um estado que pode se manifestar em v�rias organiza��es ps�quicas” (2010, p. 155). Rodrigues (2000), por sua vez, nos mostra como Freud utiliza o termo melancolia para tratar de um quadro psic�tico bastante preciso, enquanto os fen�menos depressivos se faziam presentes em diversas categorias nosogr�ficas, os concebendo como pr�prios do existir humano. � nesse sentido que ele afirma que � a “inibi��o geral que caracteriza os estados de depress�o” (Freud, 1926/2010a, p. 19).

Nesse texto, temos como meta apresentar a perspectiva da depress�o a partir do ensino de Lacan. Pretendemos abordar a depress�o aqui a partir dos registros imagin�rio, simb�lico e real, pois acreditamos que as contribui��es lacanianas nos fornecem elementos para uma compreens�o da depress�o n�o apenas como inibi��o, mas como uma resposta do sujeito frente ao Outro, trazendo � tona algo sobre seu desejo. Al�m disso, a perspectiva lacaniana tamb�m nos auxilia a pensar a quest�o do diagn�stico diferencial de melancolia e sua inser��o no campo das neuroses ou das psicoses.

A Depress�o em Lacan

Ao dar continuidade ao trabalho de Freud, Lacan se encontra em um momento hist�rico diferente. Se na �poca em que Freud desenvolveu seu trabalho – nas tr�s primeiras d�cadas do s�culo XX, especificamente – a depress�o n�o era assunto difundido na sociedade, o mesmo n�o acontece com o psicanalista franc�s. Lacan prop�e uma releitura da obra freudiana a partir dos anos 50 e, posteriormente, inicia um caminho que lhe � pr�prio. Paralelamente, a depress�o come�ava a se tornar um problema m�dico presente na sociedade, at� chegar ao ponto de ser comum, desafiando o saber m�dico. Nesse sentido, se a histeria se apresentava no s�culo XIX como mal-estar que desafiava a medicina, o que assistimos no fim do s�culo XX e come�o do XXI � o apogeu do modelo narc�sico-melanc�lico como mal-estar contempor�neo (Moreira, 2008). Segundo Pinheiro e Vertzman (2003), podemos tomar a depress�o como principal sintoma cultural dos tempos atuais. Logo, a depress�o enquanto mal-estar subjetivo n�o passa despercebido para Lacan como sintoma do mal-estar na civiliza��o de sua �poca.

Desse modo, h� uma refer�ncia que pode nos indicar a perspectiva lacaniana da depress�o. Trata-se do texto Televis�o (1974/2003). J� de in�cio, podemos notar algumas diferen�as em rela��o � proposi��o freudiana da depress�o. Podemos constatar como a depress�o, em Freud, assume o aspecto de um estado do sujeito e, para Lacan, podemos ver algo diferente. Segundo o psicanalista:

A tristeza, por exemplo, � qualificada de depress�o, ao se lhe dar por suporte a alma, ou ent�o a tens�o psicol�gica do fil�sofo Pierre Janet. Mas esse n�o � um estado de esp�rito [�tat d’ame], � simplesmente uma falha [faute] moral, como se exprimiam Dante ou at� Espinosa: um pecado, o que significa uma covardia moral, que s� � situado, em �ltima inst�ncia, a partir do pensamento, isto �, do dever de bem dizer, ou de se referenciar no inconsciente, na estrutura. (Lacan, 1974/2003, p. 524)

O que podemos ver aqui � uma diferen�a bem espec�fica entre os dois psicanalistas na abordagem da depress�o. Se Freud nos fornece uma explica��o metapsicol�gica para o fen�meno, conferindo import�ncia para a din�mica libidinal, Lacan vai al�m e utiliza como refer�ncia a filosofia moderna de Spinoza do s�culo XVI e tamb�m a poesia de Dante, precisamente seu Inferno, que data do s�culo XIV. Para uma compreens�o dessas diferen�as, � necess�rio nos apoiarmos no trabalho realizado por Teixeira (2008), no qual o autor tece alguns coment�rios sobre as refer�ncias utilizadas por Lacan. Segundo o autor, para que entendamos essa proposi��o da depress�o, � necess�rio partirmos de 3 pontos, sendo eles: a) no��o de pecado ou de falta moral, b) Dante, C) Spinoza.

O primeiro ponto � abordado de maneira clara e precisa. A rela��o da psican�lise com o pecado � �ntima, isso �, a psican�lise traz uma rela��o com a no��o de pecado e falta moral judaico-crist�. Para a psican�lise, se h� algum pecado – entendido aqui no sentido de falta –, ele seria fruto da pr�pria estrutura. Da pr�pria divis�o que o significante opera sobre o sujeito. O sujeito ent�o n�o se reconhece em um determinado modo de satisfa��o pulsional, que se separa dele na forma de desejo culp�vel. A culpabilidade inconsciente � o que faz o sujeito se sentir doente e encontrar satisfa��o no sofrimento. Isto � poss�vel por ele, e s� ele, ter acesso ao gozo que a linguagem lhe imputa pela via do desprazer.

Essa capacidade de se satisfazer com o pr�prio sofrimento que nos permite partir para o segundo ponto abordado pelo autor. O sofrimento humano nos leva, segundo Teixeira (2008), at� Dante. � l�, no seu Inferno, que os homens se encontram tristes e submersos numa �gua nauseabunda. L� est�o por in�rcia, como se a tristeza consistisse em afundar nesta �gua. Uma concord�ncia com a satisfa��o pela via do sofrimento. Teixeira (2008) nos mostra como a leitura de Lacan �. As pessoas tristes se punem por n�o interrogarem essa rela��o estrutural com o pecado e por se entregarem � culpa inconsciente. Segundo o autor, essa quest�o nos mostra como a posi��o depressiva est� relacionada ao sujeito que acaba abandonando a tarefa de zelar por uma tens�o que � necess�ria � sua pr�pria condi��o de sujeito do desejo. Essa tens�o se apresenta para o sujeito sob a forma de exig�ncia de uma ren�ncia pulsional. Ela est� relacionada com a perda fundamental que o sujeito sofre durante o processo de separa��o do Outro materno. Nesse sentido, abrir m�o dessa tens�o � abrir m�o do que permite ao sujeito se situar em uma via desejante que lhe � pr�pria. As consequ�ncias n�o poderiam ser outras que n�o a morosidade e o abatimento que caracterizam o quadro.

� exatamente por isso que, no Inferno de Dante, os tristes se encontram presos � �gua morna e s� saem de l� para reclamar. � uma posi��o de n�o querer nada saber que se apresenta atrav�s de uma recusa �tica do pensamento por meio de uma lamenta��o indefinida.

O terceiro ponto, para n�s, tem uma import�ncia especial, na medida em que nos possibilita por fim a uma compreens�o da proposi��o lacaniana da depress�o. Esse ponto diz respeito � filosofia de Spinoza. Teixeira (2008) nos mostra que, na perspectiva do fil�sofo, a l�gica da afetividade repousa sobre uma natureza que tem uma rede de conex�es. A inteligibilidade dos afetos s� pode ser alcan�ada atrav�s do pensamento. Nesse sentido, o fil�sofo afirma que n�o h� afec��o do corpo da qual n�o possa se formar um conceito de maneira clara e distinta, e tamb�m n�o h� dom�nio de ideias obscuras. O que h� s�o ideias amputadas e desconexas de sua causalidade. Mas essa inteligibilidade n�o � alcan�ada facilmente. Esse pensar n�o � uma tarefa f�cil. �, na verdade, uma tarefa que requer certa implica��o por parte do sujeito. A complexidade desse movimento � evidenciada por Teixeira (2008) quando ele nos diz que:

Na medida em que s� temos consci�ncia dos efeitos dessa rede de composi��es e decomposi��es causais, estamos condenados a ter ideias inadequadas e confusas que nos fazem sofrer. � por essa raz�o que a ilus�o de valores, da qual se valem os comandos morais, confunde-se essencialmente, aos olhos de Spinoza, com a ilus�o da consci�ncia. (Teixeira, 2008, p. 32)

A quest�o da ilus�o da consci�ncia serve para ilustrar a complexidade do assunto. O que ela n�o deixa passar despercebido � o fato de que a inteligibilidade das afec��es do corpo pode fugir da consci�ncia. A partir da�, temos uma esp�cie de condena��o ao caos, visto que cabe ao sujeito se orientar em rela��o aos seus afetos; sendo que esta n�o � uma tarefa f�cil.

A dificuldade em alcan�ar a inteligibilidade dos afetos tamb�m foi um tema abordado por Lacan. Em seu ensino, o psicanalista franc�s nos mostra que essa inteligibilidade n�o pode ser alcan�ada sen�o por uma esp�cie de fisgada moment�nea, que reconduz o sujeito ao caos instaurado pela condi��o de sujeito desejante. Nesse sentido, ele afirma que:

No p�lo oposto da tristeza existe o gaio saber, o qual, este sim, � uma virtude. Uma virtude n�o absolve ningu�m do pecado - original, como todos sabem. A virtude que designo como gaio saber � o exemplo disso, por manifestar no que ela consiste: n�o em compreender, fisgar no sentido, mas em ro��-lo t�o de perto quanto se possa, sem que ele sirva de cola para essa virtude, para isso gozar com o deciframento, o que implica que o gaio saber, no final, fa�a dele apenas a queda, o retorno ao pecado. (Lacan, 1974/2003, p 525)

Mas como essa quest�o se d� a partir do referencial te�rico lacaniano? O que est� em quest�o que faz com que essa inteligibilidade seja algo que se possa apenas ro�ar de perto, como diz o psicanalista?

Nesse mesmo sentido, podemos articular com outros psicanalistas que nos ajudam a compreender a posi��o de Lacan. Quinet (2013) nos afirma que a tristeza tem sua raiz no momento em que “o sujeito recua diante do dever �tico de bem-dizer o desejo” (Quinet, 2013, p. 177). Posi��o consoante com a de Alberti (2002), que afirma que o sintoma psicanal�tico � muito diferente da depress�o visto que o primeiro surge como um dito, uma mensagem, e o segundo surge exatamente como um n�o-dizer, uma absten��o do sujeito perante as palavras e a vida. Mas o que a psican�lise pode oferecer frente ao sujeito depressivo que se ausenta da tarefa de bem-dizer seu desejo? O que h� al�m dessa recusa? Como alternativa aos tratamentos medicamentosos e a terapias ditas cient�ficas, podemos recorrer a Siqueira (2007) para um di�logo. A autora nos afirma que a psican�lise`, ao operar pela palavra, prop�e ao sujeito a �tica de bem-dizer seu desejo. O analista, ao ocupar o lugar de objeto de causa desejo, permite que o desejo venha � tona. E � isso – o desejo – o que importa aqui para pensarmos as possibilidades da psican�lise frente � depress�o. Kehl (2002), por sua vez, nos afirma que:

Talvez se possa dizer tamb�m, que, toda vez que algu�m desconfia da solu��o de compromisso obtida por meio do sintoma, e toma coragem de dirigir ao outro uma palavra que ele ainda n�o sabe aonde o possa levar, esse algu�m est� se lan�ando numa empreitada que visa � sublima��o: fazer do desejo palavra, suspendendo uma parte – pois s� � poss�vel que seja uma parte – das restri��es do recalque. Criar uma fala pr�pria, em que a palavra plena ocupe o lugar do discurso que � totalmente alienado ao Outro, a partir das evid�ncias do desejo; criar um estilo pr�prio, construir um destino, com a parcela de estetiza��o da vida e que todos temos direito. (Kehl, 2002, p. 169)

O que percebemos, ent�o, � que a depress�o, a partir da psican�lise lacaniana, nos deixa �s voltas com uma problematiza��o do desejo. Quinet (2002), no pref�cio � segunda edi��o do seu livro Extravios do desejo, afirma que o sujeito triste, independente de sua estrutura, caracteriza-se por n�o se orientar no inconsciente sobre o seu desejo, o qual, por isso, encontra-se extraviado. O oposto de bem-dizer o desejo � maldiz�-lo, ignor�-lo. Assim percebemos que a rela��o da tristeza com o desejo � apontada na medida em que, sem desejo, a vida � triste.

A partir disso, podemos pensar uma diferencia��o te�rica-cl�nica dos diversos estados depressivos tendo como refer�ncia norteadora o desejo. Nesse sentido, Soler (2002) afirma que h� v�rios desejos poss�veis dentro da depress�o. H� o desejo abolido do melanc�lico e o desejo problem�tico/duvidoso do neur�tico. Temos tamb�m amor pelo objeto, �dio de si, investimento narc�sico. Por fim, essas quest�es n�o deixam de estar marcadas pelos destinos do desejo. A psican�lise nos mostra que essas diversas rela��es poss�veis do sujeito com o seu desejo revelam – cada uma a seu modo – uma posi��o subjetiva diferente. Essa quest�o � importante para pensarmos a cl�nica da depress�o. � � medida que esse estado pode estar presente em v�rios contextos cl�nicos diferentes que o analista deve estar atento para a possibilidade de confus�o diagn�stica. � somente a partir da diferencia��o te�rico-cl�nica de um afeto depressivo para uma posi��o estrutural que o analista pode operar um diagn�stico diferencial que, por sua vez, o auxiliar� no exerc�cio de uma escuta pautada sempre pelo desejo.

Nesse sentido, para compreendermos as diversas rela��es poss�veis do sujeito deprimido com o seu desejo, � necess�rio uma discuss�o sobre a inser��o da melancolia no campo das psicoses ou das neuroses.

A Melancolia Lacaniana

A melancolia – tratada pela psiquiatria cl�ssica como psicose man�aco-depressiva e pela psiquiatria contempor�nea como transtorno do humor – ainda fomenta outro debate na cl�nica lacaniana da depress�o. Ao mesmo tempo que serve de ponto de amarra��o entre a proposi��o de Freud e a de Lacan, e nos fornece uma resposta sobre a especificidade do desejo melanc�lico. Partiremos dela como ponto de amarra��o e como modelo para compreender a depress�o que acontece nos quadros de melancolia e nos quadros definidos pela psiquiatria como psicose man�aca-depressiva e/ou transtornos bipolares.

Berlinck e F�dida (2000) afirmam, categoricamente, que “a melancolia � neurose composta de conflito, culpa e depress�o” (p. 3), por essa ser uma “neurose narc�sica onde o conflito intraps�quico ocorre entre as inst�ncias do ego e do superego implicando o sujeito na culpa” (p. 3). Essa posi��o traz � tona uma quest�o cl�nica que acreditamos ser problem�tica. Considerar a melancolia como mera neurose de conflito � insuficiente para a cl�nica psicanal�tica, uma vez que esta n�o se reduz aos conflitos neur�ticos. Os autores v�o al�m e, citando Lambotte (1997) e Roudinesco e Plon (1998), afirmam que “n�o h�, pois, como considerar a melancolia como uma psicose ainda que seja necess�rio reconhecer que ela se encontra pr�xima tanto da neurose obsessiva como da paranoia” (Berlinck & F�dida, 2000, p. 19). Entretanto, a posi��o de Moreira (2008) parece nos ajudar a entender essa concep��o apresentada por F�dida e Berlinck. A autora, amparando-se em Neurose e Psicose (Freud, 1924/2011), pensa a defini��o de neurose de transfer�ncia como um conflito entre o Eu e o Id, e as neuroses narc�sicas como um conflito entre o ego e o superego. A melancolia se enquadraria no �ltimo caso e, portanto, n�o figuraria como algo da ordem de uma psicose, visto que esta se configura como um conflito “entre o ego e o mundo externo” (Moreira, 2008, p 34). Lambotte (2001), por sua vez, ainda nos afirma que a concep��o da melancolia concebida enquanto neurose narc�sica, e n�o como psicose, � proveniente da distin��o freudiana entre neurose e psicose (1924/2011). Nas palavras da autora:

Isto me pareceu extremamente interessante, porque Freud jamais retomou essa problem�tica, e, na verdade, a partir de minha experi�ncia cl�nica, percebi uma certa forma de organiza��o ps�quica que me parece ser uma estrutura, que toma toda a apar�ncia de melancolia, mas que se distingue quando eu falo de psicose – da psicose man�aco-depressiva. Quer dizer, eu diferencio a melancolia da psicose man�aco-depressiva, e a melancolia n�o � uma neurose, ela n�o tem nada a ver com uma neurose de transfer�ncia. (Lambotte, 2001, p. 85)

Na psican�lise lacaniana, a insufici�ncia dessa concep��o � referente ao objeto a. Sua implica��o � expl�cita, pois a cl�nica psicanal�tica se orienta por um diagn�stico diferencial em rela��o a posi��o do sujeito frente ao Outro. Essa posi��o � determinada pela extra��o, ou n�o, desse objeto num momento espec�fico da rela��o do sujeito com o Outro. Trata-se de um momento pr�-especular, no qual n�o h� distin��o dos corpos do vir-a-ser sujeito e do Outro materno. � exatamente esse mesmo objeto e sua possibilidade de extra��o que faz com que situemos a melancolia no campo das psicoses, vejamos o porqu�.

A extra��o tamb�m pode ser entendida em Lacan como separa��o. Segundo o psicanalista:

Pela separa��o o sujeito acha, se podemos dizer, o ponto fraco do casal, primitivo da articula��o significante, no que ela � de ess�ncia alienante. � no intervalo entre esses dois significantes que vige o desejo oferecido ao balizamento do sujeito na experi�ncia do discurso do Outro, do primeiro Outro com quem ele tem que lidar, ponhamos, para ilustr�-lo, a m�e, no caso. E no que seu desejo est� para al�m ou para aqu�m no que ela diz, do que ela intima, do que ela faz surgir como sentido, e no que seu desejo � desconhecido, � nesse ponto de falta que se constitui o desejo do sujeito. (Lacan, 1964/2008, pp. 213-214)

A import�ncia dessa rela��o com o Outro est� ligada ao fato de que:

O Outro � o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, � o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer. E eu disse - � do lado desse vivo, chamado � subjetividade, que se manifesta essencialmente a puls�o. (Lacan, 1964/2008, p. 200)

Como podemos ver, a queda – ou extra��o – do objeto e sua consequente falta figuram como respons�veis pela emerg�ncia do desejo do sujeito. Ap�s a extra��o, o objeto ocupa a posi��o de objeto causa de desejo. E se o desejo � o que move o sujeito, podemos atestar a import�ncia desse objeto ao dialogar com Lacan (1962/2005), no Semin�rio 10, quando afirma que sempre que nos encontramos diante da quest�o �ltima da causa, que � irredut�vel at� mesmo � cr�tica, devemos buscar seu fundamento nesse objeto oculto.

O movimento de separa��o que faz com que o objeto assuma o status de causa � formalizado por Lacan (1962/2005, p. 317) no esquema da separa��o:

A depressaõ e melancolia se apresentam na mesma estrutura psiquica

Figura 1. Esquema da Separa��o (Lacan, 1962/2005, p. 317)

Mas o que acontece na melancolia � diferente. O esquema fornecido por Quinet (2013, p. 216) nos mostra como o trajeto da puls�o revela um cen�rio onde n�o h� extra��o do objeto e este se encontra fundido com o sujeito.

A depressaõ e melancolia se apresentam na mesma estrutura psiquica

Figura 2. Trajeto da puls�o na melancolia. (Quinet, 2013, p. 216)

Dessa forma, o que temos na n�o-extra��o � uma rela��o do sujeito com o Outro materno em que n�o h� a possibilidade de emerg�ncia do desejo do sujeito, uma vez que o objeto – n�o extra�do e, portanto, n�o faltante – n�o assume o status de causa. Lacan nos afirma que:

� na medida em que, por exemplo, a crian�a, a crian�a d�bil toma o lugar [...] que a m�e a reduz a n�o ser mais que o suporte de seu desejo num termo obscuro, que se introduz na educa��o do d�bil a dimens�o do psic�tico. [...] � certamente algo da mesma ordem do que se trata na psicose. (Lacan, 1964/2008, p. 225)

A partir dessa colagem com o objeto podemos ver como uma passagem em Televis�o nos mostra a rela��o da melancolia com a mania a partir de uma perspectiva lacaniana. Segundo Lacan (1974/2003):

E o que se segue – baseando que essa covardia, por ser recha�o [rejet] do inconsciente, chegue � psicose – � o retorno no real daquilo que foi recha�ado de linguagem; � a excita��o man�aca pela qual esse retorno se faz mortal. (Lacan, 1974/2003, p. 525)

� exatamente o recha�o na linguagem que permite a colagem do sujeito com o objeto. Podemos compreender, a partir da�, a proposi��o de Rodrigues (2000), quando a autora nos afirma que � a partir da no��o de forclus�o do Nome-do-Pai que podemos compreender melhor os fen�menos da melancolia. Sobre a excita��o man�aca, a autora nos diz que, embora seja a maneira inversa da melancolia, ambas est�o relacionadas ao mesmo mecanismo de retorno do real.

Leader (2015) tece alguns coment�rios sobre o sujeito man�aco que podem nos ajudar nesse caminho. O autor nos fala de como o sujeito que se encontra em epis�dio man�aco se caracteriza por ter um discurso pronto. As palavras t�m se mostrado um item chave para a compreens�o desses fen�menos. O que se percebe atrav�s de relatos pessoais � uma grande flu�ncia e facilidade em usar as palavras, em se comunicar. As ideias ficam claras, as associa��es tamb�m. Alguns escritores at� dizem que � como se as palavras simplesmente estivessem l� e eles s� precisassem peg�-las e registrar no papel com a caneta. Isto, segundo Leader (2015), permite-nos explicar a euforia do man�aco de outra maneira: n�o � o estado euf�rico que faz com que ele fale muito, mas a sua capacidade de dominar a linguagem que o faz ficar euf�rico. Sempre devemos lembrar que as palavras n�o s�o meros acess�rios no campo psicanal�tico e, por isso, merecem a devida aten��o. Para Ferrari (2006), o man�aco �, ent�o, o sujeito que acredita ter triunfado sobre o objeto, ter se tornando o mestre do significante. Ele aposta na possibilidade de ser em fun��o da profus�o do ter, sem saber que essa rela��o pode ser perigosa o suficiente a ponto de conduzi-lo ao apagamento. � essa incompletude que falta para o sujeito man�aco, e � por isso que seu discurso desliza sobre v�rios assuntos de maneira fluida.

O que propomos � uma alternativa junto com Ferrari (2006), que nos afirma que o que acontece na melancolia � que o objeto a – enquanto objeto extra�do ou causa de desejo – est� fora do jogo. O que temos, ent�o, � apenas a presen�a da perda libidinal e da morte. Se as investiga��es psicanal�ticas nos mostraram que a sombra do objeto tomou posse do Eu, podemos ver que � exatamente esse colar com o objeto que nos explica muito da melancolia. Almeida (2002) nos afirma que a dor melanc�lica � uma dor pura, pois n�o � significantizada. Ele ainda nos afirma que se Freud nos revela que o melanc�lico � o sujeito que adoece para ter acesso � verdade da condi��o humana, isso s� se d� em fun��o dele ter sido tomado pelo Outro como objeto por completo, ocupando o lugar desse objeto a. Esse lugar junto ao objeto a pode ser de um horror tamanho para o sujeito psic�tico e, na melancolia, traduzir-se na identifica��o com o objeto perdido, tornando o sujeito alvo da puls�o de morte. Ainda sobre a peculiaridade desse momento, podemos recorrer � Lacan (1962/2005), que nos afirma que:

O problema do luto � o da manuten��o, no n�vel esc�pico, das liga��es pelas quais o desejo se prende n�o ao objeto a, mas � i(a), pela qual todo amor � narcisicamente estruturado, na medida em que esse termo implica a dimens�o idealizada a que me referi. � isso que faz a diferen�a entre o que acontece no luto e o que acontece na mania e na melancolia. (Lacan, 1962/2005, p. 364)

Essa colagem do sujeito com o objeto na mania, que atesta a inefic�cia do tecido simb�lico, tamb�m pode ser pensada pela via do amor. Martins (2010) nos afirma que o amor � uma fun��o imagin�ria que se baseia na identifica��o narc�sica. Quando Freud (1914/2010b) nos fala que o sujeito, ao se enamorar pelo objeto, se perde nele, temos, em termos lacanianos, uma inefic�cia do tecido simb�lico; ao menos no que diz respeito � separa��o do sujeito e do objeto em um n�vel metapsicol�gico. � por isso que Lacan (1976) afirma que h�, no amor, uma esp�cie de loucura.

O que o autor nos aponta � o fato de que h� na paix�o amorosa uma equival�ncia entre o objeto amado e o Ideal do Eu. Na paix�o amorosa, o Ideal do Eu pode se situar no mundo dos objetos, no n�vel do Eu ideal. Temos, ent�o, uma regress�o t�pica ao imagin�rio quando o amoroso finalmente ama seu pr�prio Eu. O Ideal do Eu � assimilado ao Eu Ideal como um objeto para o autoenaltecimento. A articula��o entre o enamoramento com o objeto e a mania pode ser estabelecida se recorrermos, mais uma vez, � Leader (2015). O psicanalista brit�nico nos traz casos de sujeitos em epis�dios man�acos. Ao que parece, h� uma rela��o precisa da posi��o do sujeito durante o epis�dio com a maneira pela qual o sujeito � visto, em termos de seu Eu ideal. Como exemplo ele nos traz o caso do advogado e escritor Andy Behrman, que, quando crian�a, iria receber o nome do primeiro astronauta norte-americano a orbitar a Terra. Durante seus epis�dios man�acos, era comum que ele embarcasse em avi�es para fazer v�os aleat�rios, unicamente para voar ao redor do mundo. Andy Behrman tamb�m fala de um epis�dio apavorante, ele diz: “Senti-me trancado dentro de um globo igual �quele com o qual cresci, mostrando todos os continentes e pa�ses em relevo” (Leader, 2015, p. 53).

Esse modelo se repete em outro caso. Leader (2015) tamb�m nos fala de uma crian�a cuja fam�lia havia se mudado de pa�s unicamente para benefici�-la. Sua m�e lhe dizia que o c�u era o limite. Esse sujeito, quando mais velho, foi hospitalizado ap�s um epis�dio man�aco em que acreditou que seu carro decolaria, tal como um avi�o. O que temos na mania, ent�o, s�o sujeitos que se identificam com seu eu ideal [da �poca infantil] durante os epis�dios. Eles se identificam com a posi��o que ocupavam no desejo do Outro. Dessa forma, o fato de a mania trazer � tona a quest�o do Eu Ideal n�o � mero acaso, mas um fen�meno metapsicol�gico. O epis�dio man�aco se caracteriza como uma psicose na medida em que o pr�prio del�rio man�aco nos denuncia uma posi��o do sujeito frente ao desejo do Outro. Trata-se de uma posi��o na qual o sujeito n�o consegue trilhar um caminho pautado no seu desejo em fun��o da falta de recursos simb�licos. A inefic�cia do tecido simb�lico que h� no enamoramento est� presente tamb�m na mania. Somente ela nos explicaria a facilidade com a qual o sujeito desliza sob as palavras. Se n�o h� um tecido simb�lico para amparar o discurso, temos um discurso vazio, sem sentido e de palavras soltas.

Acreditamos que essa proposi��o fica mais clara quando Alberti (2002) nos afirma que o suic�dio melanc�lico s� acontece na fase hipoman�aca, isto �, quando o sujeito sai da depress�o profunda e adentra num estado de mania reduzida. � por isso que Lacan (1974/2003) nos afirma que o retorno do real que conduz � mania pode ser mortal. Na depress�o melanc�lica, o sujeito se encontra petrificado sob o julgo do Outro absoluto e n�o pode se mexer. Quando ele sai desse estado, ele tenta se descompletar do Outro absoluto. A proposi��o da mania como correlata ao campo das psicoses confirma-se visto que a tentativa de suic�dio se relaciona muito bem com as proposi��es de Lacan (1962/2005) sobre o acting-out e a passagem ao ato. Segundo o psicanalista, enquanto o primeiro estaria relacionado a uma subida � cena por parte do sujeito, uma transfer�ncia selvagem direcionada ao Outro – testemunhando a vig�ncia de certa l�gica significante -; a passagem ao ato, embora tamb�m seja considerado um tratamento dado a ang�stia, estaria mais relacionada a um movimento do sujeito em que ele, ao se haver com um curto-circuito pulsional, se deixa cair. Segundo o autor:

O momento da passagem ao ato � o do embara�o maior do sujeito, com o acr�scimo comportamental da emo��o como dist�rbio do movimento. � ent�o que, do lugar em que se encontra — ou seja, do lugar da cena em que, como sujeito fundamentalmente historizado, s� ele pode manter-se em seu status de sujeito —, ele se precipita e despenca fora da cena. Essa � a pr�pria estrutura da passagem ao ato. (Lacan, 1962/2005, p. 129)

Num sentido parecido, Quinet (2013) nos afirma que “a passagem ao ato, contrariamente, n�o faz la�o social, n�o tem endere�amento, como mostra o fora-do-discurso do suic�dio melanc�lico: o sujeito � equivalente a esse objeto deca�do do discurso do mestre – ele � o recha�o da civiliza��o” (p. 42).

Toda essa quest�o ilustra a delicadeza que se apresenta diante de uma an�lise da depress�o enquanto posi��o subjetiva. De todo modo, podemos afirmar que analisar a melancolia unicamente a partir da quest�o do conflito � virar as costas para o sujeito e se ater � fenomenologia cl�nica. Ao fazerem isso, Berlinck e F�dida (2000) e Lambotte (2001) n�o levam em conta o Nome-do-Pai enquanto dispositivo que ordena o psiquismo. Abordar o sujeito do inconsciente por meio de outro balizador que n�o este pode nos levar a um cen�rio de cria��o de novas categorias e tipos cl�nicos a partir de uma simples mudan�a no la�o social contempor�neo. Por fim, n�o temos alternativa que n�o seguirmos com Kehl (2009) e Quinet (2002, 2013) e situarmos a melancolia no campo das psicoses.

A metapsicologia nos aponta a� a fus�o do sujeito com o objeto. Essa fus�o, por sua vez, tem seu fundamento pr�-determinado num per�odo muito precoce. Desse modo, a melancolia diz respeito a um momento espec�fico vivenciado pelo sujeito e que deve ser considerado no debate sobre as estruturas e tipos cl�nicos.

Todas essas quest�es nos levam ao encontro do que Suzana Faleiro Barroso (2014) chama de uma cl�nica do objeto. Essa figura como algo que vai al�m da cl�nica significante, isso �, a cl�nica do sentido. A cl�nica do objeto aparece como fator importante para pensarmos temas como a psicose, a toxicomania, o autismo, a depress�o e a adolesc�ncia, visto que, trabalhando com o objeto, ela traz algo �ntimo do sujeito que vai al�m de um discurso. �, portanto, ao situar a melancolia no campo das psicoses que damos o primeiro passo para uma distin��o dos v�rios estados depressivos e uma consequente compreens�o da depress�o nas diversas estruturas cl�nicas.

Essa distin��o ainda nos permite fazer algumas considera��es sobre a depress�o que se apresenta na melancolia. Na melancolia, temos a depress�o atrav�s do seu pr�prio desencadeamento. Ferrari (2006) nos afirma que o sujeito melanc�lico possui uma s�rie de tra�os e senten�as superegoicas que lhes conferem coes�o imagin�ria. � uma esp�cie de superidentifica��o com os pap�is sociais, correlata � identifica��o ao p� da letra, pr�pria da psicose. Sua identifica��o � estritamente com o ser do tra�o significante, e n�o com a fun��o representativa do significante. Ferrari (2006) ainda aponta essa superidentifica��o com tra�os superegoicos como o que produz amarra��o para o sujeito, mas tamb�m nos traduz uma vontade de apagamento da forclus�o do Nome-do-Pai.

Nesse sentido, podemos pensar que o fato de as superidentifica��es supereg�icas serem o que confere coes�o imagin�ria ao sujeito n�o deve ser tomado como aleat�rio. Essa quest�o tamb�m nos evidencia como o sujeito melanc�lico � tomado de maneira absoluta como objeto do Outro, nesse caso, uma esp�cie de Outro social. Desse modo, a depress�o pr�pria do quadro melanc�lico se inicia quando essas identifica��es – as quais se d�o no mesmo n�vel para o sujeito – entram em conflito devido a alguma incoer�ncia entre elas. Num sentido parecido, Quinet (2002) nos afirma que o desencadeamento da melancolia se d� a partir da perda um significante mestre. � por isso que Freud nos fala, em Luto e Melancolia (1915/2010c), que a perda melanc�lica diz respeito a uma perda de um ideal, ou algo da ordem de uma decep��o, que o sujeito n�o tem consci�ncia. Quinet (2002) afirma que “no caso da psicose, ou seja, no processo melanc�lico, h� um significante ideal que cumpre a fun��o de supl�ncia da foraclus�o do Nome-do-Pai. � justamente o abalo desse significante que provocar� o desencadeamento da melancolia” (p. 143).

Mas se na melancolia temos uma inefic�cia do registro simb�lico no que diz respeito � separa��o sujeito-objeto, podemos chamar aten��o para outra quest�o apontada por Quinet (2002): a perda que acontece em n�vel do Ideal do Eu acaba provocando um abalo narc�sico na imagem do eu. Esse abalo narc�sico nos leva por fim, ao desencadeamento da crise depressiva melanc�lica. �, portanto, a partir desse abalo que temos a hemorragia libidinal descrita por Freud.

Outra considera��o sobre a depress�o melanc�lica � apontada por Rodrigues (2000), que nos chama a aten��o para o fato de que a dor melanc�lica � uma dor pura. Segundo a autora, h� a� uma diferen�a entre a tristeza que � caracter�stica da vida humana e a tristeza do epis�dio melanc�lico. Essa diferen�a � resultante das diferen�as estruturais. A ambival�ncia caracter�stica do luto pende para a deprecia��o do objeto na melancolia na medida em que Eros est� ausente. Podemos articular essa posi��o com a de Ferrari (2006), que afirma que a dor de existir n�o � exclusiva do melanc�lico, entretanto a vivencia em seu estado puro, provavelmente resultado da aus�ncia de Eros.

Rodrigues (2000) ainda aponta uma diferen�a que n�o se reduz � dor de existir. Trata-se da culpa. A culpa do melanc�lico � diferente da culpa neur�tica. Podemos dizer que a culpa neur�tica � fruto de uma posi��o f�lica que o sujeito ocupou frente ao Outro e logo surge como um resultado do confronto com a lei. J� a culpa melanc�lica � de outra ordem e implica um gozo real, fora do simb�lico e da ordem f�lica. � uma culpa relacionada � ambival�ncia da perda, mas a aus�ncia de recursos simb�licos faz com que o sujeito se sinta devastado por esse sentimento. Desse jeito, podemos atestar a diferen�a estrutural entre o desejo do depressivo melanc�lico e outras formas de deprimir-se apresentadas pelo sujeito.

A Depress�o Neur�tica e sua Rela��o com os Tr�s Registros

Acreditamos que, tal como em Freud, o termo Inibi��o pode nos auxiliar mais uma vez na compreens�o da depress�o. Sobre a inibi��o, Lacan (1962/2005) diz que:

Assim � que a inibi��o est� na dimens�o do movimento, no sentido mais amplo desse termo. N�o entrarei no texto, mas, mesmo assim, voc�s est�o suficientemente lembrados dele para ver que Freud, a prop�sito da inibi��o, n�o p�de fazer outra coisa sen�o falar apenas da locomo��o. Existe movimento, pelo menos metaforicamente, em toda fun��o, mesmo que n�o seja locomotora. (Lacan, 1962/2005, p. 18)

Al�m disso, Lacan (1962/2005, p. 89) nos fornece um esquema, em que situa a inibi��o em rela��o �s demais modalidades de resposta do sujeito frente a ang�stia (Figura 3).

Ele prop�e tamb�m dois eixos: um diz respeito � movimenta��o do sujeito e o outro diz respeito � dificuldade do sujeito. No entanto esse esquema pode ser visto de maneira atualizada. Calazans (2015), p. 126) prop�e uma duplica��o e acrescenta ao lado do vetor movimento os registros: imagin�rio, simb�lico e real. Do lado da dificuldade, acrescentam-se as modalidades distintas de respostas que se d�o sobre esses tr�s registros (Figura 4).

Percebemos, ent�o, que a atualiza��o proposta por Calazans nos permite identificar “ora a predomin�ncia de respostas imagin�rias no registro imagin�rio, simb�lico e real, ora a predomin�ncia de respostas simb�licas nos registros do imagin�rio, simb�lico e real, ora a predomin�ncia de respostas reais nos registros do imagin�rio, simb�lico e real” (Calazans, 2015, p. 126).

Dessa forma, o esquema atualizado traz � tona uma especificidade da inibi��o enquanto resposta que n�o pode passar despercebida. A inibi��o, a partir desse esquema, �, por defini��o, uma resposta imagin�ria que se d� num registro imagin�rio. O registro imagin�rio por sua vez �, por excel�ncia, o registro em que se evita a falta.

A depressaõ e melancolia se apresentam na mesma estrutura psiquica

Figura 3. Esquema da ang�stia. (Lacan, 1962/2005, p. 89)

A depressaõ e melancolia se apresentam na mesma estrutura psiquica

Figura 4. Esquema da ang�stia atualizado por Calazans (2015, p. 216)

N�o � aleat�rio o fato de o per�odo especular – aquele em que o vir-a-ser-sujeito se encontra alienado junto � imagem do Outro – estar intimamente relacionado com esse registro.

Vemos ent�o que a depress�o neur�tica, abordada a partir da perspectiva da inibi��o em Lacan, assume um car�ter de evita��o da falta, evita��o do conflito. Essa posi��o � perfeitamente consoante com a no��o de covardia moral. Se Freud nos mostra uma �ntima rela��o entre depress�o e inibi��o, um di�logo com Lacan nos permite compreender a inibi��o de uma outra perspectiva que n�o exclui a freudiana mas a complementa: � na tentativa de evitar a falta que o sujeito cai na armadilha de n�o bem-dizer seu desejo e se acovarda. N�o h� aposta por parte do sujeito e o resultado n�o � outro que n�o a tristeza.

Embora n�o haja aposta do sujeito no seu desejo, a diferen�a fundamental da depress�o neur�tica em rela��o � depress�o melanc�lica � que o abatimento do sujeito ainda figura como um dizer ou uma posi��o do sujeito sobre esse desejo. Reneg�-lo e inibir-se passa, primeiramente, pelo reconhecimento desse desejo como tal.

Soler (2002) nos ajuda a pensar essa quest�o quando fala que h� na neurose uma quest�o de morte que sempre se atualiza na cadeia de significantes. Essa situa��o confere ao sujeito um sentimento de vida, como tamb�m um abatimento que pode ser caracterizado como depress�o. Entendemos que a quest�o do sentimento de vida s� pode estar relacionada com a manifesta��o do desejo, visto que, na psican�lise, � isso que movimenta o sujeito. Alberti (2002), por sua vez, nos mostra que se o melanc�lico depressivo se submete ao jugo cruel do supereu na neurose obsessiva, temos um sujeito que, de alguma forma, se rebela contra essas acusa��es. Embora tenhamos nos dois quadros uma puls�o s�dica dirigida ao Eu, na neurose, o sujeito tem recursos suficientes para externalizar essa puls�o, entrando no jogo obsessivo do mestre e do escravo (Ferrari, 2006). Ao n�o aceitar a perda de amor, como faz o melanc�lico, o neur�tico obsessivo acaba apresentando um quadro de demanda de amor, mesmo com uma grande vergonha por n�o apostar em si, em seu desejo.

Outra possibilidade de emerg�ncia da depress�o na neurose obsessiva � mencionada por Kehl (2009). A autora nos afirma que, nesse caso, a posi��o do sujeito diante do fantasma � de um eleito. O filho preferido da m�e. Da� a depress�o pode se originar a partir de um fracasso nos investimentos ideias. O obsessivo � convocado para os desafios (reedi��es inconscientes da rivalidade com o pai). Entretanto, uma vit�ria frente aos desafios remeteria o sujeito � fantasia de realiza��o do incesto, por isso o obsessivo sempre fracassa ao ser bem-sucedido. O obsessivo ent�o se abate em fun��o do fracasso. H� um des�nimo, falta de amor pr�prio e inseguran�a, por isso eles n�o confiam na alegria de viver. Outro caso poss�vel que a autora nos traz est� relacionado aos rituais e atividades fren�ticas praticados pelo obsessivo. Isto n�o impossibilita a instala��o de um quadro de depress�o. Essas atividades e esses rituais nada mais s�o do que uma tentativa de adiar o ato que pode lhe levar de encontro � sua via desejante.

Nessa dire��o, Martins (2010) nos mostra como o neur�tico depressivo n�o se acha culpado como o melanc�lico. Ao inv�s disso, ele se acha impotente e sente vergonha por isso. Se o melanc�lico tem uma esp�cie de onipot�ncia �s avessas, n�o � esse o caso do depressivo, nem de maneira comum, nem �s avessas. Ele n�o est� propriamente triste, mas cansado e desanimado. � um sujeito sem lugar. Um morto vivo. Ele se constrange ao se apresentar para os outros, pois queria se apresentar de outra maneira. Uma imagem potente � o que incita seu desejo; uma imagem potente e nost�lgica. O autor ainda nos aponta que toda essa quest�o est� relacionada com o fato de ele n�o ter um objeto, fazendo com que toda sua libido se direcione para esse ideal nost�lgico.

Podemos tamb�m pensar a depress�o no sujeito hist�rico. Assim como na obsess�o, o desejo se faz presente. Pinheiro, Quintella e Verztman (2010) nos mostram como na histeria a nega��o do desejo fracassa e o sujeito ainda se mant�m, sintomaticamente. Freud, por sua vez, mostra-nos a presen�a da depress�o na histeria atrav�s de alguns casos cl�nicos, como o da Sra. Emmy Von N e o famoso Caso Dora, nos quais ambas as pacientes apresentavam sintomas depressivos. Desse modo, se na neurose obsessiva temos a ambival�ncia como fator de influ�ncia, h� algo novo aqui. Pinheiro, Quintella e Verztman (2010) apontam que, na histeria, o sintoma surge como um la�o desejante com o outro que, figurado pela posi��o de um pai claudicante, deixa o sujeito insatisfeito permanentemente perante o objeto sempre faltoso.

� por isso que esses autores afirmam que o depressivo neur�tico � fisgado pelo desejo. N�o � um desejo em torno do novo, mas em torno de algo passado. Isto nos interessa, visto traz � tona a maneira que o sujeito encontra para sustentar sua posi��o. � a partir da� que o analista o escuta e pode compreender o fen�meno depressivo que assola os tempos atuais. Essa escuta � uma aposta, uma aposta no desejo do sujeito.

Ainda sobre esse desejo de algo que falta, podemos conversar com Teixeira (2008), que nos afirma que, se o objeto da psican�lise � esse objeto sem sentido, isso implica que o falante deve deixar de procurar o sentido exato e a justa conex�o. Seu trabalho consiste em bricolagens prec�rias, uma vez que o sujeito emerge atrav�s de um estilo completamente singular. A partir da�, cada um pode lidar com sua pe�a ou a falta dela � sua maneira. � isso que a cl�nica psicanal�tica tem a oferecer ao sujeito depressivo. Siqueira (2007) nos mostra que a psican�lise faz um movimento com o sujeito no sentido de que ele saia desse estado de evitar a falta.

Considera��es

A psican�lise nos mostra que a depress�o como estrutura cl�nica n�o existe. A depress�o em si n�o existe. No entanto nos deparamos com o que podemos chamar de posi��es depressivas do sujeito, que se manifestam nos mais variados contextos cl�nicos. Essa varia��o � atestada n�o s� pela depress�o melanc�lica, em que testemunhamos uma esp�cie de anula��o do desejo do sujeito frente ao Outro, mas tamb�m pela depress�o neur�tica, em que a pr�pria posi��o do sujeito traz � tona algo do seu desejo. Como sa�da, prop�e-se a �tica do bem-dizer. Acreditamos que o sujeito, ao se manifestar atrav�s da fala, ascende ao registro simb�lico. N�o se trata de uma cura propriamente dita, mas de uma posi��o subjetiva – assim como a depress�o – na qual o sujeito pode conseguir alguma orienta��o em rela��o ao seu desejo.

Refer�ncias

Alberti, S. (2002). Os quadros nosol�gicos: Depress�o, melancolia e neurose obsessiva. In A. Quinet (Org). Extravios do desejo-depress�o e melancolia (pp.155-162). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.

Almeida, C. P. (2002). Depress�o: Doen�a do discurso. In A. Quinet (Org.), Extravios do desejo - depress�o e melancolia (pp. 119-121). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.

Alvarez, J. M., Esteban, R., & Sauvagnat, F. (2004). Fundamentos de psicopatologia psicoanal�tica. Madrid: Editorial Sintesis.

Barroso, S. F. (2014). As psicoses na inf�ncia: Um corpo sem a ajuda de um discurso estabelecido. Belo Horizonte: Scriptum.

Berlinck, M. T., & F�dida, P. (2000). A cl�nica da depress�o: Quest�es atuais. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 3(2), 9-25. DOI: 10.1590/1415-47142000002002

Calazans, R. (2015). Sobre a psicopatologia dos atos. Psicologia Cl�nica, 27(1), 123-136. DOI: 10.1590/0103-56652015000100007

Estad�o. (2017). Brasil � o pa�s mais depressivo da Am�rica Latina. Link

Ferrari, I. F. (2006). Melancolia: De Freud a Lacan, a dor de existir. LatinAmerican Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 105-115. Link

Freud, S. (1926/2010a). Inibi��o, Sintoma e Ang�stia. In Obras Completas, Inibi��o, sintoma e ang�stia, O futuro de uma ilus�o e outros textos (Vol. 17, pp. 9-98) S�o Paulo: Cia das Letras.

Freud, S. (1914/2010b). Introdu��o ao narcisismo. In Obras Completas, Introdu��o ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (Vol. 12, pp. 9-37). S�o Paulo: Companhia das Letras.

Freud, S. (1915/2010c). Luto e Melancolia. In Obras Completas, Introdu��o ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (Vol. 12, pp. 127-144). S�o Paulo: Companhia das Letras.

Freud, S. (1924/2011). Neurose e Psicose. In Obras completas, O eu e o id, autobiografia e outros textos (Vol. 16, pp. 158-164). S�o Paulo: Companhia das Letras.

Julien, P. (2004). Psicose, pervers�o, neurose: A leitura de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.

Kehl, M. R. (2002). Sobre �tica e Psican�lise. S�o Paulo: Companhia das Letras.

Kehl, M. R. (2009). O tempo e o c�o. S�o Paulo: Boitempo.

Lacan, J. (1976). Conf�rences et entretiens dans des universit�s nord-am�ricaines. In Scilicet (Vol. 6). Paris: Seuil.

Lacan, J. (1974/2003). Televis�o. In Outros Escritos (pp. 508-543). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Lacan, J. (1962/2005). O Semin�rio, livro 10: A ang�stia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Lacan, J. (1964/2008). O Semin�rio, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psican�lise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Lambotte, M-C. (1997). O discurso melanc�lico. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.

Lambotte, M-C. (2001). A deser��o do Outro. Revista da Associa��o Psicanal�tica de Porto Alegre, (20), 84-101. Link

Leader, D. (2015). Simplesmente Bipolar. Rio de Janeiro: Zahar.

Martins, F. M. M. C. (2010). Entre os abismos da melancolia e depress�o: O eu abismado e o campo das timopatias. Tempo psicanalitico, 42(1), 171-181. Link

Moreira, J. O. (2008). Da melancolia dos dias cinzentos � depress�o das noites sem fim. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 60(3), 32-39. Link

Organiza��o Mundial de Sa�de. (2002). Relat�rio Mundial de Sa�de: Sa�de mental: Nova concep��o, nova esperan�a. Lisboa: Climepsi.

Peres, U. T. (2003). Melancolia e Depress�o - Cole��o psican�lise passo-a-passo. Zahar: Rio de Janeiro.

Pinheiro, T., & Vertzman, J. S. (2003). As novas subjetividades, a melancolia e as doen�as auto- imunes. In T. Pinheiro (Org). Psican�lise e formas de subjetiva��o contempor�neas (pp. 77- 104). Rio de Janeiro: Contra Capa.

Pinheiro, M. T. S., Quintella, R. R., & Verztman, J. S. (2010). Distin��o te�rico-cl�nica entre depress�o, luto e melancolia. Psicologia Cl�nica, 22(2), 147-168. DOI: 10.1590/S0103-56652010000200010

Quinet, A. (2002). Atualidade da depress�o e a dor de existir. In A. Quinet (Org). Extravios do desejo - depress�o e melancolia. (pp. 89-96). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.

Quinet, A. (2013). Psicose e La�o Social: Esquizofrenia, paran�ia e melancolia (2� ed.). Rio de Janeiro: Zahar.

Rodrigues, M. J. S. F. (2000). O diagn�stico de depress�o. Psicologia USP, 11(1), 155-187. DOI: 10.1590/S0103-65642000000100010

Roudinesco, E., & Plon, M. (1998). Dicion�rio de psican�lise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Siqueira, E. S. E. (2007). A depress�o e o desejo na psican�lise. Estudos e Pesquisa em Psicologia, 7(1), 68-77. Link

Soler, C. (2002). Um mais de melancolia. In A. Quinet (Org.), Extravios do desejo - depress�o e melancolia (pp. 94-114). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.

Teixeira, A. (2008). Depress�o ou lassid�o do pensamento? Reflex�es sobre o Spinoza de Lacan. Psicologia Cl�nica, 20(1), 27-41. DOI: 10.1590/S0103-56652008000100002

Qual a diferença entre depressão e melancolia?

Para Freud a depressão está vinculada a um afeto, sintoma ou estado que envolve tristeza, desgosto, inibição e angústia. Já a melancolia está associada a um estado inconsciente de impossibilidade de elaboração do luto, uma neurose narcísica.

Como se caracteriza a melancolia no transtorno depressivo?

A melancolia, então, apresenta alguns sinais claros na condição da pessoa. Abatimento mental e físico. Ela parece perdida e não demonstra interesse em nada. Isso é perigoso, pois o prolongamento disso pode desenvolver sérios problemas, como a depressão.

Como a psicanálise explica a depressão?

O estudo demonstrou que, a psicanálise aborda a depressão como um fenômeno psicossocial, considerando a forma como o sujeito opera frente as situações coletivas como objeto central para a compreensão do transtorno.

O que causa a depressão melancólica?

A depressão melancólica, ou depressão com características melancólicas, é um subtipo da depressão clínica no DSM-IV e DSM-5. ... .