A meus raros amigos e a mim mesmo ismael

O uno fragmentado: concep��es de duplo na obra de Ismael Nery

Mariana Garcia Vasconcellos

VASCONCELLOS, Mariana Garcia. O uno fragmentado: concep��es de duplo na obra de Ismael Nery. 19&20, Rio de Janeiro, v. XIII, n. 1, jan.-jun. 2018. https://doi.org/10.52913/19e20.xiii1.02

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1.      A complexidade e a singularidade de Ismael Nery imp�em-se ao observador, seja qual for o ponto de partida de sua abordagem: sua biografia � cercada de uma aura m�stica constru�da por ele mesmo e por seus amigos mais pr�ximos, como Murilo Mendes, tornando-se dif�cil separar fato e fic��o; sua pintura, embora moderna, n�o compartilha das quest�es principais do modernismo brasileiro. Pintor, poeta, fil�sofo, d�ndi, cat�lico fervoroso; as diversas atividades a que se dedicava, com maior ou menor empenho, maior ou menor talento, valeram-lhe at�, da parte do cr�tico M�rio Pedrosa (1984, p. 194), compara��es com Leonardo da Vinci.

2.      Tamb�m seus temas s�o carregados de dualidades, duplicidades, opostos conflitantes. O duplo aparece n�o s� dentro das telas que mostram casais ou duas figuras, mas de maneira mais sutil e difusa em um di�logo extenso que se estabelece ao longo de toda a sua obra, na abordagem de quest�es como Eu e Outro, Masculino e Feminino, Sagrado e Profano (ou Divino e Sat�nico), Contingente e Essencial, F�sico e Espiritual, Interior e Exterior, Vida e Morte, entre outros tantos pares poss�veis. Exploro, neste artigo, as diversas manifesta��es dessas ideias em sua pintura e poesia, analisando implica��es filos�ficas e psicanal�ticas de suas escolhas e buscando identificar os impulsos que o levaram a trabalhar incessantemente, sob uma mir�ade de formas, aquele que pode ser considerado como seu tema fundamental: o absoluto.

3.      Iniciarei essa discuss�o partindo de uma breve contextualiza��o de sua obra. A pintura de Ismael Nery costuma ser classificada em tr�s momentos: expressionista at� 1923; cubista entre 1924 e 1927; e surrealista deste ano at� sua morte precoce em 1934.[1] Essa categoriza��o, entretanto, diz respeito apenas a quest�es formais (e, de certa forma, tem�ticas, no caso do surrealismo) que s�o superficiais em seu trabalho. Uma an�lise cr�tica das obras e das poucas informa��es de data��o dispon�veis mostra que as �fases� de sua pintura n�o s�o t�o facilmente dissoci�veis umas das outras, al�m de s� corresponderem de maneira bastante prec�ria aos estilos que lhes d�o nome.[2]

4.      Considerando que Nery dedicava-se � pintura como uma atividade secund�ria ou complementar a sua poesia e filosofia, � evidente que, mesmo em suas pesquisas formais mais atualizadas em rela��o � arte moderna internacional, o que realmente lhe interessava era encontrar a melhor maneira de exprimir visualmente ideias que havia elaborado em outros campos. Neste sentido, me parece pertinente - acima de qualquer tentativa de categoriza��o encontrada - o seguinte coment�rio de Clarival do Prado Valladares (1984, p. 242):

5.                               �����Sua linguagem escrita � simb�lica, assim como sua pintura, e, numa vis�o conjunta da obra po�tica e pict�rica, ele poderia ser entendido como um dos mais candentes exemplos do simbolismo. Desse modo, as caracteriza��es estil�sticas de expressionismo, cubismo e surrealismo passariam a valer como instrumento ou processo reflexivo para o simbolismo.

6.      Essa preocupa��o subjacente �s experimenta��es formais � tamb�m espiritual e mesmo religiosa. Embora relatos como o de Murilo Mendes encarem como excepcional a presen�a de t�o enraizado (e t�o peculiar) catolicismo em um pintor moderno - opondo-se �s tend�ncias anticlericais do meio art�stico-intelectual carioca -, naquele mesmo momento artistas de profunda e complexa espiritualidade promoviam, na Europa, as revolu��es abstracionistas na pintura. O cristianismo singular de Nery, entremeado de outras influ�ncias, n�o � t�o distante da Teosofia de Piet Mondrian, Franti�ek Kupka ou Wassily Kandinsky, por exemplo. Esses artistas t�m em comum o fato de terem tirado proveito das novas possibilidades pl�sticas proporcionadas pelos desdobramentos da arte moderna e vanguardista, direcionando-as para a express�o visual de preocupa��es espirituais e filos�ficas. O fato de Nery nunca ter abandonado a figura��o e, especialmente, a figura humana, n�o deve ser visto como um atraso em rela��o �s vanguardas mais radicais da Europa, mas como um aspecto inteiramente coerente com os caminhos de seu pr�prio pensamento, que refletia justamente sobre dualidades de corpo e esp�rito, mat�ria e ess�ncia.

7.      De fato, Ismael Nery desenvolveu um sistema filos�fico chamado de Essencialismo, que nunca redigiu pessoalmente. O registro mais pr�ximo, que chegou a ser aprovado por ele, foi feito por seu amigo Jorge Burlamaqui e republicado por Murilo Mendes em 1935,[3] j� ap�s a morte de Nery; � preciso notar, entretanto, que h� uma incontorn�vel vagueza nas explana��es. Na defini��o posterior de Murilo Mendes (1948, p. 65):

8.                               �����Era o essencialismo, baseado na abstra��o do tempo e do espa�o, na sele��o e cultivo dos elementos essenciais � exist�ncia, na redu��o do tempo � unidade, na evolu��o sobre si mesmo para descoberta do pr�prio essencial, na representa��o das no��es permanentes que dar�o � arte a universalidade.

9.      Depreende-se, bem ou mal, que trata-se de uma tentativa de enxergar a ess�ncia, a unidade, atrav�s da multiplicidade de varia��es de um mesmo objeto de investiga��o no tempo e no espa�o - seja ele uma situa��o ou uma pessoa - com vistas a aproximar-se o m�ximo poss�vel da verdade, ainda que esta permane�a sendo necessariamente relativa. A express�o pl�stica dessas ideias � um dos objetivos principais de suas pesquisas na pintura, motivo pelo qual � relevante buscar compreend�-las. Retomarei adiante, sob diferentes aspectos, as manifesta��es do essencialismo em sua pintura, mantendo em mente a dualidade de espa�o e tempo e sua oposi��o a uma verdadeira Ess�ncia. 

O duplo inquietante: primeiro momento da pintura de Ismael Nery

10.    Na obra de Ismael Nery, t�o variada em seus aspectos formais e estil�sticos, encontramos uma consider�vel uniformidade de temas, sobretudo na produ��o inicial que costuma ser chamada de seu �per�odo expressionista� e datada at� 1924, expandindo-se tamb�m para uma parcela de suas experimenta��es cubistas at� 1927. Al�m das figuras �nicas, geralmente autorretratos, h� uma insist�ncia das imagens de duas figuras, seja de casais ou duas mulheres.[4] Apesar de frequentemente portarem tra�os que ao desenvolver alguma familiaridade passamos a reconhecer como do pr�prio Ismael e de sua esposa Adalgisa, essas imagens n�o parecem ter a fun��o de retratos; trata-se antes, nas palavras de Mario de Andrade (1984, p. 59), da �realiza��o dum tipo ideal humano�, ao qual o artista chega atrav�s da progressiva esquematiza��o - abstra��o, se quisermos - das particularidades individuais, restando apenas uma curva do nariz, o formato dos olhos, como ind�cios de sua identidade.

11.    Nota-se igualmente que a composi��o dessas pinturas �expressionistas� repete-se constantemente; as figuras s�o cortadas na altura do busto, ocupando quase toda a superf�cie da tela, que n�o fornece refer�ncias espec�ficas de espacialidade. As personagens aparecem em contato f�sico ou - o que neste caso parece ser o mesmo - sobrepostas no plano do quadro. Embora a intera��o entre elas mostre varia��es, os diversos exemplos em que uma figura est� posicionada atr�s da outra, dando por vezes a impress�o de sussurrar-lhe ao ouvido, s�o os mais interessantes e perturbadores dentro da primeira obra de Nery [Figura 1]. Em alguns casos, h� uma fus�o t�o grande entre os dois indiv�duos que chegam a compartilhar uma ou mais partes do corpo; � o caso da obra Duas mulheres [Figura 2], em que o olho da figura morena pertence tamb�m, por sua posi��o, � mulher loira.

12.    A sugest�o de simbiose e a incerteza a respeito das identidades - ser�o dois indiv�duos ou um s�, desdobrado? - provoca no espectador a sensa��o daquilo que foi descrito por Sigmund Freud como �unheimlich�. Faz-se necess�rio, para melhor compreens�o dos efeitos caracter�sticos da pintura de Ismael Nery, tomar um certo espa�o para a exposi��o do �inquietante� (ou �estranho�) freudiano e suas rela��es com o duplo.

13.    O �unheimlich� �, segundo Freud (1996b, p. 139), �aquela categoria do assustador que remete ao que � conhecido, de velho, e h� muito familiar�. Um dos elementos que, quando encontrados na literatura e nas artes ou na vida real provocam essa sensa��o �, justamente, o duplo - por exemplo, na repeti��o de eventos ou similaridade excessiva entre dois indiv�duos. Para Freud e para Otto Rank (2013, p. 138), cujo estudo sobre esse tema � antecedente, o duplo surge como uma concep��o primitiva criada pela mente para lidar com a ideia da morte:

14.                             �����[...] o narcisismo primitivo, sentindo-se amea�ado pela inevit�vel anula��o do Eu, criou como primeira representa��o da alma uma imagem o mais id�ntica poss�vel ao Eu corp�reo, portanto, um verdadeiro duplo. Assim, a ideia da morte � desmentida atrav�s de uma duplica��o do Eu que se corporifica na sombra ou no reflexo.

15.    Entretanto, passado esse est�gio mental primitivo, o duplo �reaparece na supersti��o como mensageiro da morte� (2013, p. 142), ou seja, simbolicamente invertido. Para Freud (1996b, p.149),

16.                             �����[...] a qualidade de estranheza s� pode advir do fato de o �duplo� ser uma cria��o que data de um est�dio mental muito primitivo, h� muito superado - incidentalmente, um est�dio em que o �duplo� tinha um aspecto mais amistoso. O �duplo� converteu-se num objeto de terror, tal como ap�s o colapso da religi�o, os deuses se transformam em dem�nios.

17.    Verifica-se uma ambival�ncia, portanto, na imagem do duplo; est� relacionado em sua origem tanto com um amor excessivo ao Eu, como com a consci�ncia de sua mortalidade - duas quest�es que encontramos tamb�m na pintura de Nery.

18.    Entretanto, os exemplos de duplo que Rank busca na literatura, em autores como Hoffmann, Poe e Dostoievsky, envolvem ang�stia, medo, vontade de aniquila��o do duplo. N�o � precisamente esse o caso de Ismael Nery. Se a ang�stia � em alguma medida vis�vel, em especial em suas obras tardias, h� de in�cio antes uma fascina��o algo m�rbida, uma sensualidade do sentir-se duplo ou de espelhar-se no outro (ou na outra). Embora, segundo relatos, Nery tenha concebido desde muito cedo a no��o de sua morte precoce, nessas obras iniciais o artista demonstra um interesse apaixonado pela vida presente em seu pr�prio corpo e nas experi�ncias que este lhe possibilitava.

Dois e um s�: o andr�gino e a rela��o sexual

19.    Um dos aspectos mais frequentemente notados pelos comentadores da obra de Ismael Nery � a androginia manifesta nas figuras de seu per�odo expressionista. Maria Bernardete Ramos Flores (2014) fala sobre esse elemento da obra de Nery e suas ra�zes na ideia j� antiga do andr�gino como ser ideal e que resume em si a ess�ncia da humanidade. Al�m da sensualidade, tamb�m fortemente marcada na personalidade do artista, existe portanto na figura do andr�gino algo que remete � filosofia essencialista de Nery.

20.                             �����Para o artista brasileiro, na abstra��o do tempo e do espa�o, n�o havia lugar para divis�es entre sexo, erotismo e castidade, tudo era voltado para uma mesma experi�ncia m�stica. Seu projeto de desintegra��o do corpo pict�rico encerrava o desejo de encontrar a ess�ncia da forma divina como energia pura, o que o levou a criar o sistema filos�fico que denominou Essencialismo (FLORES, 2014, p. 829)

21.    Em alguns casos, trata-se de uma �nica figura que �, ao mesmo tempo, de ambos os sexos; o exemplo mais claro � a aquarela Andr�gino [Figura 3]. Mas, em muitos retratos de casal, Nery elimina quase todo ind�cio de g�nero espec�fico em ambas as figuras, representando portanto um par de opostos que s�o tamb�m, de certa forma, iguais [Figura 4]. Em ambos os exemplos, � a si mesmo que Ismael representa como andr�gino, seus tra�os misturados aos de Adalgisa em uma representa��o do �tipo ideal humano� - simultaneamente duplo e uno, como polos positivo e negativo que se neutralizam.

22.    � interessante comparar a vers�o de Paus�nias para o mito grego de Narciso, citada por Rank (2013, p. 116) - em que Narciso confunde o pr�prio reflexo com a imagem da irm� g�mea falecida a quem amava - com o poema Ismaela (1932), de Nery:

23.                             �����A minha irm� � a minha edi��o feminina e o meu castigo.

24.                             �����D� a todos o que nunca de mulher alguma eu recebi.

25.                             �����Se eu n�o soubesse que sou tamb�m o seu castigo

26.                             �����H� muito tempo que seria fratricida ou suicida.[5]

27.    No caso de Nery como de Narciso, a irm� (que o pintor n�o tinha) � tanto o Outro como uma repeti��o do Eu, realizando a fantasia de ver a si mesmo reproduzido em um ser exterior, em sua vers�o feminina e portanto pass�vel de ser transformada em objeto amoroso-sexual. O tema do incesto tamb�m aparece com frequ�ncia em seus poemas, como nesta Confiss�o do poeta de 1933:

28.                             �����Eu tenho um ci�me terr�vel da minha sogra e do meu genro

29.                             �����E uma saudade mortal da minha esposa falecida

30.                             �����Eu queria ter sido meu pai ou ser agora a minha nora.

31.                             �����Ou ter morrido como meu irm�o...

32.                             �����No instante em que nasci.

33.    Ismael perdeu seu pai aos nove anos e seu irm�o mais novo por volta dos dezoito,[6] ap�s o que sua m�e voltou-se para uma religiosidade intensa. Se n�o � poss�vel tentar dar conta de sua obra atrav�s de dados biogr�ficos como estes, eles servem ao menos como elementos enriquecedores e que conferem densidade psicol�gica �s imagens mentais e pict�ricas de Nery.

34.    O artista produziu mais de uma tela com a tem�tica das �irm�s,� seja explicitamente indicada no t�tulo, seja impl�cita na semelhan�a entre as duas figuras [Figura 5]. A obra O luar (dois irm�os) [Figura 6] � bastante peculiar: as duas figuras titulares s�o indissoci�veis, como que geradas a partir da mesma mat�ria. Suas fei��es se misturam e o arco que une as duas metades do rosto parece formar ainda uma terceira entidade. Apesar de referir-se especificamente a dois indiv�duos homens, uma ambiguidade de g�nero se estabelece em fun��o da forma arredondada no peito da figura � direita, que aparece como um seio em outras obras de Nery.

35.    As diversas representa��es da rela��o sexual em sua obra gr�fica, embora provavelmente posteriores (Nery n�o costumava datar seus desenhos), tamb�m devem ser comentadas aqui. Nelas, vemos dois corpos transparentes, indistintos, feitos da mesma linha simples e transformada em uma esp�cie de novelo �nico [Figura 7]. A profundidade e, consequentemente, a dist�ncia entre um e outro s�o aniquiladas; � imposs�vel separ�-los.

36.    Sua solu��o formal expressa elegantemente a fus�o absoluta entre dois indiv�duos, que n�o apenas forma momentaneamente uma unidade composta, mas tem tamb�m potencial de gerar um terceiro elemento, como Nery mostra em uma pequena s�rie chamada Origem, que mostra (ainda que fora da ordem natural) os momentos da reprodu��o humana: forma��o, embri�o, concep��o e a �Etapa final� [Figura 8].

O Eu-duplo

37.    Evidentemente, a quest�o do duplo tamb�m est� presente, por defini��o, nos autorretratos. Vale retomar a ideia de Rank a respeito da fun��o do duplo como salvaguarda contra a destrui��o do Eu. Ismael, que sempre acreditou que fosse morrer precocemente, reinventou incessantemente a pr�pria imagem, adotando diversos pap�is como quem experimenta-se em frente ao espelho. Murilo Mendes (1996, p. 60) cita uma afirma��o do pr�prio artista: �Senti sempre uma imperiosa necessidade de representar simultaneamente os pap�is mais diversos, e, quanto maior em n�mero fossem eles, mais eu me sentia est�vel na minha vida pessoal, e incorporado � vida universal�. A dualidade feminino-masculino � apenas uma entre as que Nery explora. Em seus autorretratos deste per�odo, tamb�m representa a si mesmo ora como ser divino [Figura 9] - mesmo como Cristo [Figura 10] -, ora sat�nico ou demon�aco [Figura 11], colocando em quest�o suas concep��es religiosas.

38.    Nestor Habkost (1994) aborda a diversidade de pap�is assumidos pelo artista nessa produ��o expressionista inicial como disfarces para um mesmo Eu, diferentes manifesta��es deste no plano - apol�neo, segundo o autor - das apar�ncias. Afirma que na representa��o dos corpos andr�ginos �Ismael chega � imagem de um corpo �nico e sint�tico, como se a busca de uma imagem de si s� pudesse se realizar, caso conjugasse todas as imagens poss�veis sem ser nenhuma delas.� Comparemos este trecho ao que Freud (1996b, p. 149) define como uma das ideias incorporadas � imagem do duplo:

39.                             �����H� tamb�m todos os futuros, n�o cumpridos mas poss�veis, a que gostamos ainda de nos apegar, por fantasia; h� todos os esfor�os do ego que circunst�ncias externas adversas aniquilaram e todos os nossos atos de vontade suprimidos, atos que nutrem em n�s a ilus�o da Vontade Livre.

40.    E, por fim, ao poema Ora��o de I. N. que Ismael escreve em 1933:

41.                             �����Meu Deus, para que pusestes tantas almas num s� corpo?

42.                             �����Neste corpo neutro que n�o representa nada do que sou,

43.                             �����Neste corpo que n�o me permite ser anjo nem dem�nio,

44.                             �����Neste corpo que gasta todas as minhas for�as

45.                             �����Para tentar viver sem rid�culo tudo que sou.

46.                             �����- J� estou cansado de tantas transforma��es in�teis.

47.                             �����N�o tenho sido na vida sen�o um grande ator sem voca��o,

48.                             �����Ator desconhecido, sem palco, sem cen�rio e sem palmas.

49.                             �����- N�o vedes, meu Deus, que assim me torno �s vezes irreconhec�vel

50.                             �����A minha pr�pria mulher e a meus filhos.

51.                             �����A meus raros amigos e a mim mesmo?

52.                             �����Dai-me, como v�s tendes, o poder de criar corpos para as minhas almas

53.                             �����Ou levai-me deste mundo, que j� estou exausto.

54.                             �����Eu que fui feito � vossa imagem e semelhan�a.

55.                             �����Am�m!

56.    Este poema � possivelmente, de toda a sua obra po�tica, o exemplo que mais claramente expressa a profunda ang�stia que parece ter sido a for�a motriz de seu trabalho art�stico, ou seja, a impossibilidade de transcender a conting�ncia e constituir-se como absoluto. De um lado, sonha com englobar em si, que imagina como Uno, toda a diversidade de seres e elementos existentes; de outro, a unidade de que efetivamente disp�e como indiv�duo � limitadora, pesam-lhe todos os Eus diversos que sente em si e que n�o consegue expressar adequadamente. A analogia entre este poema e a pintura Almas num corpo [Figura 12] � evidente; aqui, trata-se da representa��o visual, projetada no espa�o, das identidades m�ltiplas povoam um s� indiv�duo.

A fragmenta��o como busca da ess�ncia: o cubismo

57.    Por volta de 1924, Ismael Nery passou a fazer experimentos com uma linguagem mais pr�xima do cubismo, representando corpos que se desdobram e se decomp�em em planos no espa�o. Entretanto, longe de substituir os objetivos filos�fico-espirituais de sua obra anterior por uma observa��o fria peculiar ao cubismo anal�tico, Ismael transforma o estilo em ferramenta de express�o de seu sistema filos�fico essencialista. O Essencialismo, como vimos, lidava com a abstra��o do espa�o e tempo, que poderiam ser condensados e vistos simultaneamente. O interesse dos cubistas na representa��o do movimento, seja do objeto representado ou do ponto de vista cambiante do observador, pode ser visto como a preocupa��o em condensar, no espa�o da tela, mudan�as que se d�o ao longo do tempo. Entrando em contato com essas tend�ncias, era improv�vel que Nery n�o buscasse apropriar-se de uma t�cnica alheia que lhe abria possibilidades expressivas pr�prias.

58.    Um aspecto pouco comentado de sua obra, para o qual Tadeu Chiarelli (2004) chama a aten��o, � o interesse de Nery pelas tecnologias do cinema e da fotografia, capazes de realizar de maneira mais efetiva do que a pintura essa abstra��o do tempo e do espa�o. Murilo Mendes conta que, ao retornar de sua primeira viagem � Europa, o artista se disse decepcionado com a pintura, que �estava em crise, pois muitas de suas possibilidades deveriam ser realizadas pelo cinema�. Ismael produziu ao menos uma experimenta��o com a t�cnica do fotograma: uma imagem de sua pr�pria m�o, com o registro de seu movimento e a legenda �a m�o que fez os desenhos� [Figura 13]. Chiarelli (p. 173) observa que �al�m de signo fotogr�fico, essa imagem pode ser pensada igualmente como cinema - cinema poss�vel de ser alcan�ado fixando precariamente o deslocar da m�o sobre o papel durante a pose�.

59.    Em sua segunda estadia na Fran�a, em 1927, entrou em contato com Marc Chagall, com quem desenvolveu uma certa amizade. Encantou-se com as solu��es de representa��o do espa�o desenvolvidas pelo artista russo, que possibilitavam comprimir simbolicamente imensas dist�ncias dentro da superf�cie da tela. Em sua s�rie de obras ditas �chagallianas,� Ismael explora essa linguagem. Destaco a aquarela Composi��o [Figura 14] e o �leo Autorretrato [Figura 15] porque, ainda que n�o sejam os exemplos em que a influ�ncia de Chagall aparece com maior clareza, s�o interessantes por mostrar os usos pessoais - leia-se essencialistas - que Nery d� a essa l�gica compositiva.

60.    Na primeira imagem, a gravidade parece atuar a partir do centro da composi��o, em torno do qual organizam-se em c�rculo personagens, cidade, montanhas. Na segunda, mais carregado de simbolismo e de sentimento pessoal, o pr�prio Nery � representado sentado, imenso, tendo � sua direita o Rio de Janeiro e � esquerda, Paris - cada cidade � personificada em um rosto que beija o do pintor. Em ambas as imagens, as dist�ncias s�o anuladas, como em sonho. Esse � o primeiro surrealismo de Ismael Nery. Embora costume ser visto como um per�odo �nico, � preciso diferenciar os temas mais simples e alegres deste momento daqueles que vir�o em seguida.

Novas dualidades: interior e exterior, vida e morte

61.    Por volta de 1930, a obra de Ismael sofre uma mudan�a que costuma ser associada � sua conviv�ncia pr�xima com a ideia da morte, em fun��o da tuberculose que contrai em fins desse ano e que de fato ocasionar� seu falecimento em 1934, aos 33 anos de idade como - segundo relatos - j� h� muito tempo havia previsto. O artista praticamente abandona a pintura de cavalete, produzindo grande volume de desenhos e a maior parte de seus poemas conhecidos.

62.    Chamo a aten��o para a quest�o da poesia e da imagem na obra de Nery porque tamb�m a� h� duplicidade, rela��o j� h� muito estabelecida pela literatura art�stica no debate do �ut pictura poesis�. A palavra, arte do tempo; a imagem, do espa�o; cada qual com suas especificidades que nunca s�o inteiramente traduz�veis na outra. Se considerarmos que Ismael, como fil�sofo essencialista, via a abstra��o desses dois eixos como uma necessidade para a compreens�o da real condi��o humana, � evidente que s� lhe seria poss�vel ver suas ideias expressas artisticamente se fizesse sua abordagem por ambos os lados.

63.    No que diz respeito �s imagens, nesta fase o aspecto do duplo interioriza-se: sua preocupa��o principal desloca-se da dualidade Eu-Outro para aspectos que dizem respeito somente ao Eu, como corpo e alma, vida e morte, interno e externo. Esse �ltimo momento de sua produ��o � considerado �surrealista� em fun��o das imagens on�ricas e da presen�a de elementos - est�tuas cl�ssicas, paisagens des�rticas ou com constru��es desabitadas, entre outros - que remetem bem ou mal aos surrealistas europeus e, especialmente, � pintura metaf�sica de Giorgio de Chirico.[7]

64.    Ao inv�s de aparecer como figura multiforme e sensual, Nery passa a retratar-se morto, frequentemente cortado em peda�os ou com o cr�nio � mostra [Figura 16]. Tamb�m figuras aleg�ricas e at� sua esposa Adalgisa [Figura 17] t�m seus �rg�os internos expostos ou saindo para fora. N�o h� sangue ou viol�ncia - h� um interesse m�rbido, como um estudo de anatomia fantasioso, nessas figuras que n�o vivem nem morrem, mas existem na imobilidade de um n�o-espa�o que parece estar al�m de ambos os estados [Figura 18].

65.    Nestor Habkost (1994) desenvolve uma interessante teoria, identificando tr�s tipos de abordagem do pr�prio corpo que dizem respeito a diferentes momentos da obra de Nery:

66.                             �����Tomando por base sua obra pl�stico-po�tica e privilegiando aquelas que s�o auto-figurativas, cheguei a uma s�rie primeira [fase �expressionista�], onde a representa��o de si lida com o disfarce, com a apar�ncia: � o teatro do mesmo num palco apol�neo. Uma segunda s�rie traz o corpo desmembrado, traz o n�o visto interior que desfaz a apar�ncia, mostra a carne crua e nua, a dor do despeda�amento dionis�aco e a vida brotando em cada parte. A terceira s�rie apresenta o corpo metaf�sico, imaterial, o corpo como volume et�reo que se funde e se deixa transpassar por outros corpos, � uma esp�cie de nebulosa em movimento.

67.    Essa terceira s�rie � descrita por Habkost como uma solu��o cat�lica para esse problema do corpo, em oposi��o ao apol�neo e dionis�aco das anteriores: j� n�o � t�o sensual como uma, nem t�o carregada de horror como a outra. Despe-se do corpo f�sico, fonte de prazer e dor, e conserva apenas a alma imortal, sua ess�ncia. No poema em prosa Manh�, de 1932, Nery diz: �Olhei-me no espelho e achei excessiva a anatomia do meu corpo, sobretudo da minha cara. Para que olhos, para que boca, para que nariz? [...] O homem deveria ser uma bola com pensamento.�

68.    Algumas de suas pinturas, como Essencialismo [Figura 19] e Eternidade [Figura 20], n�o est�o distantes dessa ideia. � como se nelas o artista pudesse consolar-se a respeito da imin�ncia da morte com a perspectiva de uma perman�ncia da alma - que, devemos lembrar, Rank afirma ser o duplo original. Nery parece alcan�ar, enfim, uma representa��o satisfat�ria de seu essencialismo e de suas ang�stias existenciais nessas figuras indistintas em que s�o abolidas as dualidades de g�nero, corpo e alma, mat�ria e ess�ncia.

O uno inating�vel, o duplo frustrante

69.    Podemos considerar que, para o artista, o apropriar-se de m�ltiplas linguagens, estilos, personas, servia para compensar o que era visto como a inescap�vel incompletude de cada um desses elementos quando tomados separadamente. O que Nery almejava acima de tudo, fica claro em seus poemas e no conjunto de sua obra pict�rica, era o absoluto; n�o lhe sendo poss�vel ser simplesmente absoluto, dedicou-se a ser fragmentariamente tudo o que podia ser, desdobrando-se em uma mir�ade de pap�is e utilizando-se de todas as ferramentas dispon�veis.

70.    Esse desejo de unicidade, de absoluto, lembra aquilo que � ceticamente descrito por Freud como �sentimento oce�nico� no in�cio de O mal estar na civiliza��o. Esse sentimento lhe foi relatado por um amigo, com a hip�tese de que seria a fonte original de toda religiosidade no ser humano: �trata-se de um sentimento que ele gostaria de designar como uma sensa��o de �eternidade�, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras - �oce�nico�, por assim dizer� (1996a, p. 42). Ao buscar uma explica��o psicanal�tica para esse fen�meno, Freud lembra que, nas primeiras fases da vida, o rec�m-nascido n�o faz a distin��o entre ele pr�prio e o mundo, mas � logo for�ado a gradualmente construir esses limites:

71.                             �����Nosso presente sentimento do ego n�o passa, portanto, de apenas um mirrado res�duo de um sentimento muito mais inclusivo - na verdade, totalmente abrangente -, que corresponde a um v�nculo mais �ntimo entre o ego e o mundo que o cerca. Supondo que h� muitas pessoas em cuja vida mental esse sentimento prim�rio do ego persistiu em maior ou menor grau, ele existiria nelas ao lado do sentimento do ego mais estrito e mais nitidamente demarcado da maturidade, como uma esp�cie de correspondente seu. Nesse caso, o conte�do ideacional a ele apropriado seria exatamente o de ilimitabilidade e o de um v�nculo com o universo - as mesmas id�ias com que meu amigo elucidou o sentimento �oce�nico�. (FREUD, 1996a, p. 44)

72.    H�, se n�o uma rela��o direta, ao menos uma analogia poss�vel entre essa ideia e o ideal de Ismael Nery, que poderia ser indistintamente chamado de absoluto, unidade ou Deus. Ao contr�rio da acep��o comum deste �ltimo conceito, Nery n�o enxerga a divindade como algo externo a si, uma autoridade onipotente e avassaladora; antes, o divino � a sensa��o que tem (ou que expressa, o que � o mesmo, uma vez que consegue conceb�-la com suficiente intensidade) de ser uno com o resto do mundo, de ser, ele mesmo, Deus. Mas para al�m de toda grandiloqu�ncia po�tica, Nery conhece a pr�pria fragilidade - sobre ele, vale repetir o que Maurice Merleau-Ponty (2004, p. 140) disse de C�zanne: �ele acreditou-se impotente porque n�o era onipotente, porque n�o era Deus�. Observemos, em seu poema Confiss�o de 1933, a mescla entre um ardente desejo de absoluto e a desesperadora consci�ncia dos pr�prios limites:

73.                             �����N�o quero ser Deus por orgulho.

74.                             �����Eu tenho esta grande diferen�a de Sat�.

75.                             �����Quero ser Deus por necessidade, por voca��o.

76.                             �����N�o me conformo nem com o espa�o nem com o tempo,

77.                             �����Nem com o limite de coisa alguma.

78.                             �����Tenho fome e sede de tudo,

79.                             �����Implac�vel.

80.                             �����Crescente.

81.                             �����Talvez seja esta a minha diferen�a de Deus

82.                             �����Que tem fome e sede de mim,

83.                             �����Implac�vel,

84.                             �����Crescente,

85.                             �����Eterna

86.                             �����- De mim que me desprezo e me acredito um nada.

87.    Tadeu Chiarelli (2004, p. 172) comenta tamb�m essa meta-dualidade entre uno e duplo (ou m�ltiplo):

88.                             �����Nota-se em grande parte de seus desenhos e pinturas que Nery, usando a met�fora do corpo cindido em partes ou em transmuta��o, trabalha com o sentido de fragmenta��o do eu, com a incomunicabilidade e, ao mesmo tempo, com a necessidade de operar com todas as dualidades que o cercavam. Por outro lado, s�o vis�veis em alguns de seus trabalhos os �ndices do ut�pico desejo de restabelecer a unidade perdida entre o eu e o outro, as pontes poss�veis entre o sujeito e o mundo.

89.    Em toda a sua pintura, em sua poesia e sua filosofia, est� presente essa luta. Se mostra-se m�ltiplo, adotando sempre um novo papel ou um novo estilo, � para melhor abarcar toda a diversidade da experi�ncia. Se busca apagar o tempo e o espa�o, as distin��es entre os sexos, as pr�prias caracter�sticas particulares a seu corpo, � porque o tornam contingente, limitado. A dualidade �ltima �, para ele, entre a unidade ideal e a necess�ria fragmenta��o do ser; ang�stia de quem se percebe, a despeito de toda ambi��o, finito.

Refer�ncias bibliogr�ficas

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[1] Essa � a periodiza��o referida por Aracy Amaral (1984, p. 12-13).

[2] A reuni�o que faz Antonio Bento (1984, p. 177) das duas primeiras fases em uma s�, cubista-expressionista, alivia um pouco essa problem�tica.

[3] Revista A Ordem, mar�o de 1935, p. 187-195.

[4] A ocorr�ncia de duas figuras claramente masculinas � baix�ssima, o que n�o deixa de ser significativo. O autorretrato acompanhado do amigo Murilo Mendes e a pintura O luar (dois irm�os) s�o os �nicos exemplos de que tenho conhecimento.

[5] Todos os poemas citados est�o no livro Ismael Nery (2004), organizado por Denise Mattar.

[6] Segundo J. B. Schneider, �a atitude do irm�o mais velho em rela��o ao mais novo � an�loga � do auto-er�tico em rela��o a si mesmo� (apud RANK, 2013, p. 127).

[7] N�o se p�de verificar se e em que momento Ismael Nery tomou contato com a pintura metaf�sica ou com Giorgio de Chirico, embora tamb�m Aracy Amaral (1984, p. 13) note esta influ�ncia.