Até o século XV o oceano atlântico foi pouco frequentado pelas embarcações europeias por quê

A Expans�o portuguesa no s�culo XV 

Parte 2


 

Até o século XV o oceano atlântico foi pouco frequentado pelas embarcações europeias por quê
Jo�o Silva de Sousa  

O Medo do Mar

O Homem da Idade M�dia � preferentemente terrestre.

Apesar do grande n�mero de recortes de terra e da elevada quantidade de pescadores e navegantes, a grande maioria da popula��o europeia tem medo da �gua e, particularmente, da sua extens�o ou seja do Mar Oceano.

Quando se desenvolveram os centros urbanos, os mercadores depressa descortinaram que o transporte mais seguro, mais r�pido e com menos custos para mercadorias por grosso, era o transporte por via mar�tima ou fluvial.

Contudo, pescadores e marinheiros faziam normalmente vida � parte, formando comunidades distintas dos camponeses, e, s� muito lentamente, os seus conhecimentos come�aram a tornar-se patrim�nio comum da cultura habitual.

Para o homem europeu, o oceano era um lugar perturbador, onde o reino da �gua exclu�a a vida humana. O homem podia percorrer os rios, navegar nos mares interiores, mas quando as �guas se estendiam a perder de vista, at� dist�ncias completamente desconhecidas, como o caso do oceano Atl�ntico, ent�o o mar transformava-se no reino de todos os monstros:

�Agora sobre as nuvens os subiam

As ondas de Neptuno furibundo;      

Agora a ver parece que deciam

As �ntimas entranhas do Profundo.

Noto, Austro, B�reas, �quilo queriam

Arruinar a m�quina do Mundo!

A noite negra e feia se alumia

C�s raios em que o P�lo todo ardia!�

Lu�s de Cam�es, Os Lus�adas, Canto VI, estr. 77

 Segundo Gaius Plinius (23-79), naturalista romano, autor da Naturalis Historia, a vida animal, no mar, n�o estava sujeita � ordem, mas � confus�o e ao caos. A �gua era, entre os quatro elementos da natureza, o que tem a virtude de trazer a fecundidade � terra e, no baptismo, de lavar o homem do pecado. Torna-se, por�m, quando acumulada em quantidade excessiva, numa grande massa amarga, com uma superf�cie lisa, ou encrespada por tempestades que levantam ondas como montanhas, mudando de cor conforme os ventos, como diz o mesmo autor e o secunda Cam�es. Por tudo isto, o oceano � o lugar onde o homem n�o pode subsistir. A tudo isto acrescenta-se a conota��o negativa dada ao lugar onde o Sol se p�e, associado que fica ao reino da morte, por oposi��o ao lugar onde ele nasce, local onde a come�a a vida.

Desta feita, navegar em direc��o contr�ria � terra, era, pois, como tentar viajar para l� da morte. E a esta concep��o que explica o enorme horror � navega��o para Ocidente. Na verdade, navegar ao longo da costa para Sul era uma grande aventura, pois o pensamento do homem focalizava o princ�pio de que a� o calor era t�o grande que o mar fervia como uma marmita posta ao lume.

Navigare___________Navigium___________Navigatorem

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Navegar                     Navio                      Navegador

Por outro lado, tomar a rota do Ocidente, seria arriscar-se a penetrar no reino dos mortos e ir a� encontrar as ilhas onde eles sofriam o castigo eterno, pelos males que haviam cometido no mundo dos vivos, ou serem recompensados pelo bem que tinham praticado em vida. Como exemplo refira-se que Crist�v�o Colombo, j� no final do s�culo XV, foi necess�rio sentir-se pessoalmente inspirado por Deus, para empreender t�o grande viagem.

No s�culo XV, as navega��es portuguesas ao longo da costa africana respeitavam as concep��es medievais acerca do mar e do mundo. Tais ideias deviam estar difundidas entre indiv�duos de cultura m�dia, formados nas escolas onde predominava a cultura clerical. Contudo, n�o se sabe se seriam partilhadas por gente habituada ao mar, que fazia da pesca ou do com�rcio mar�timo, o seu modo de vida. A aventura aqui teria como base a indiferen�a.

Na verdade, verificou-se, atrav�s de v�rias obras, anteriores ao s�culo XIII, que os povos mais em contacto com o mar reflectem conhecimentos mais exactos e menos preconceituosos acerca da terra firme e das ilhas do oceano, de que os mestres respons�veis pelo ensino vulgar da geografia e da cartografia.

Dada a grande extens�o do litoral na �poca medieval, os contactos da gente das �reas costeiras com o Atl�ntico s�o consider�veis. Muitos extraem do mar os alimentos fundamentais da sua subsist�ncia como o sal e o peixe, ou, por outro lado, tiram proveito dos conhecimentos da navega��o para a pr�tica do com�rcio.

Saliente-se, por�m, igualmente, a viol�ncia praticada pelos povos da Normandia que atacaram as costas mar�timas portuguesas nos s�culos X e XI. Vieram nos seus barcos, imortalizados por odes � �rvore, pela compara��o, met�fora e alegoria. Em alguns poemas da Edda Po�tica, do s�culo XIII: no Lokasenna, estrofe 42, parece ser uma floresta que separava o mundo dos deuses do dos gigantes. No in�cio do Volundarki�a, � o bosque sobrevoado pelas mulheres-cisne.

Noutros, trata-se de uma floresta atravessada por dois guerreiros a caminho da batalha, ou � um mensageiro que tem de atravessar o bosque negro. Surge, por�m, igualmente como um dos territ�rios oferecidos a Gunnar. Por outro lado, um Kenningar � uma per�frase caracter�stica da poesia sk�ldica. H� poetas que utilizam refer�ncias como: governador/senhor da floresta (a �rvore); as algas da encosta da colina, ou seja a floresta; o carvalho do anel do engano, isto �, o navio; o carvalho das ondas, de novo, o navio; e, ainda, com este significado, a longa �rvore do mar e a terr�vel �rvore fria da onda, o barco (H�lio Pires).

Ainda pelos piratas sarracenos, nos s�culos XI a XIV, que se transformaram em obst�culos ao desenvolvimento destas actividades, nas que contam no Alcor�o com met�foras id�nticas.

No s�culo XIII, verifica-se o repovoamento intensivo do litoral e a intensifica��o da pesca, resultante da diminui��o da pirataria mu�ulmana, depois da destrui��o dos seus portos de abrigo no Algarve, com a conquista portuguesa, terminada em 1249. Nas �ltimas d�cadas do s�culo XIII, houve, na costa pr�xima de Lisboa, intensos combates mar�timos1.

Segundo historiadores �rabes, os ataques dos barcos alm�adas que destru�am os barcos portugueses e assolavam as costas, foram intensamente combatidos pela frota nacional. Depois da tomada de Faro, os ataques dos piratas sarracenos n�o terminaram. Existem numerosas men��es dos seus roubos e destrui��es nas aldeias pr�ximas da costa e da fronteira com Castela:

�Destarte Afonso, s�bito mostrado

Na gente d�, que passa bem segura,

Fere, mata, derriba, denodado;

Foge o Rei Mouro, e s� da vida cura.

Dum P�nico terror todo assombrado,

S� de segui-lo o ex�rcito procura,

Sendo estes que fizeram tanto abalo

No mais que s� sessenta de cavalo�

Lu�s de Cam�es, Os Lus�adas, Canto III, estr. 67

Se a pesca implicava h�bitos de navega��o costeira, o com�rcio mar�timo com regi�es distantes obrigava a ter barcos maiores, e mais bem apetrechados e conhecimento de melhores t�cnicas de navega��o. O desejo do lucro foi, como � �bvio, o grande impulsionador. No s�culo XIV, usavam-se principalmente a nau e a gal�. Ambas serviam o com�rcio e a guerra, se bem que a primeira conviesse mais a fins mercantes e a segunda a objectivos b�licos. Muitos outros tipos de embarca��es sulcavam os rios e os mares portugueses, nessa mesma cent�ria. Eram quase todas de pequeno porte e apenas tinham capacidade para um pequeno n�mero de tripulantes, dedicando-se, de prefer�ncia, � pesca e ao tr�fico de cabotagem: o baixel, a barca, o batel, o bergantim, a caravela moura, a pina�a.

Com o novo s�culo, a partir de 1401, surge a caravela menos pesada e, com o Infante D. Henrique, o modelo que vai tra�ar os oceanos, o navio, a barca, o barinel, a nau, a urca, as �galeotas, fustas e taforeiras�, como o refere a documenta��o de Quatrocentos,

Quanto a t�cnicas, a agulha de marear, a b�ssula, o portulano, o astrol�bio, quadrante e sextante, o cron�metro, as t�buas solares, a vela latina, o rel�gio mec�nico, o nocturl�bio, a toleta de manteloio (uma tabela num�rica) �

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Se a pesca implicava h�bitos de navega��o costeira, o com�rcio mar�timo com regi�es diversas e distantes obrigava a ter barcos maiores e mais bem apetrechados e conhecimento de melhores t�cnicas de navega��o. O desejo do lucro foi, como � �bvio, o grande impulsionador.

Em 1203, o soberano ingl�s, Jo�o I, o Sem Terra (1199-1216) deu carta de seguran�a a todos os mercadores portugueses que exerciam as suas actividades no seu reino. Dois anos mais tarde, o mesmo rei garantia-lhes seguran�a maior.

Em 1266, o seu sucessor, Henrique III (1216-1272), concedeu mais de cem salvo-condutos a mercadores portugueses e, no ano anterior, tinha sido confiscado um navio portugu�s carregado de produtos de exporta��o com 30 marinheiros.

A atrac��o dos comerciantes pela Inglaterra resultava do lucro obtido com a importa��o de tecidos, de madeiras que vinham da Irlanda, sobretudos as male�veis, a bordalha, que serviam para rematar os bordos dos barcos, e a pesca, onde iam regularmente desempenhar-se desta actividade, hoje t�o inexplicavelmente abandonada. Era, ent�o, fonte de abastecimento e descanso para prosseguir at� ao Mar do Norte e no regresso. Em meados do s�culo XIII, verifica-se a multiplica��o de refer�ncias a comerciantes portugueses, no Atl�ntico Norte, em Bord�us e La Rochelle.

A partir de 1280, os mercadores constituem j� um grupo suficientemente numeroso e organizado para formarem uma bolsa destinada a associar os que desenvolviam as suas actividades naqueles �Pa�ses�.

Na mesma �poca, surgiam graves conflitos com os Ingleses, devido ao facto de os seus mercadores sofrerem a pirataria portuguesa nas nossas costas. As repres�lias atingiam mercadores portugueses em Inglaterra e a quest�o suscitava a correspond�ncia entre soberanos e uma longa negocia��o que permitiu restabelecer os contactos dois anos mais tarde.

O com�rcio com a Flandres, Inglaterra, Fran�a e com os portos castelhanos, aragoneses e �italianos� do Mediterr�neo desenvolveu-se sem cessar at� ao fim do s�culo XIV. Verificou-se que os navegadores portugueses se dirigiam preferentemente aos centros exportadores do Atl�ntico Norte e frequentavam menos os do Mar Mediterr�neo. Aqui os comerciantes catal�es, pisanos, genoveses e venezianos dominavam o com�rcio mar�timo, n�o conseguindo os Portugueses penetrar nesse mar fechado.

N�o se sabe ao certo, desde quando � que o desejo de lucro incitou os marinheiros portugueses a se aventurarem mais para Sul, ao longo da Costa de �frica, por suspeitarem que poderiam a� encontrar vantagens e riquezas.

A primeira not�cia do g�nero foi referida pelo ge�grafo �rabe Muhammed al-Edrisi, de meados do s�culo XII. Conta que oito aventureiros partiram de Lisboa e navegaram depois durante mais de um m�s, no oceano em direc��o ao sul. Tinham visitado uma ilha deserta e outra habitada, antes de regressarem por Safim, na costa africana, Se estes destemidos marinheiros, que certamente fizeram a viagem antes da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques em 1147, conseguiram regressar, o mesmo n�o aconteceu com os irm�os Ugolino e Vadino Vivaldi, genoveses que, com duas galeras, se aventuraram numa grande viagem. Depois de escalas em Maiorca e Ceuta, prosseguiu para Sul, para l� do Estreito de Gibraltar, at� aproximadamente � latitude do Cabo marroquino de Rhir (Guer), um pouco a Norte de Agadir. A assinalar, h� ainda, 50 anos depois, uma viagem promovida por Catal�es: uma gal� comandada por J�come Ferr� zarpou de Maiorca em 10 de Agosto de 1346, com destino ao Rio do Ouro, desconhecendo-se se chegou a ultrapassar o Estreito de Gibraltar.

Seguiram-se as Can�rias com que abrimos este apontamento.

As prov�veis dificuldades e principalmente a desorganiza��o para problemas internos ou as guerras com Castela, durante os reinados de D. Pedro I e de D. Fernando e, por fim, as perturba��es causadas pela revolu��o de 1383, retiraram aos mercadores portugueses, o apoio necess�rio para empreenderem expedi��es suficientemente importantes. Os factos parecem indicar que, at� ao fim do s�culo XIV, a coroa Portuguesa tinha interesse em explorar o Oceano ou mesmo a costa africana, mas n�o devia acontecer o mesmo com os armadores e comerciantes. S� depois do in�cio do s�culo XV, parece que acabaram por convencer-se das vantagens econ�micas que podiam tirar delas.

1. Ver Jo�o Silva de Sousa, A Casa Senhorial do Infante D. Henrique, Lisboa, Livros Horizonte, 1991 e 1394-1494: do Infante a Tordesilhas, Cascais, Patrimonia, 1995.

Até o século XV o oceano atlântico foi pouco frequentado pelas embarcações europeias por quê
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Até o século XV o oceano atlântico foi pouco frequentado pelas embarcações europeias por quê

Artigos

Por que o Oceano Atlântico foi pouco frequentado pelas embarcações europeias?

Além de superar os perigos reais (as tempestades, as danificações nas embarcações, as doenças, a fome e a sede), os navegadores, pela mentalidade medieval, ainda tinham que superar os medos imaginários (os monstros marinhos, a zona tórrida, a dimensão plana do planeta, quanto mais navegavam mais próximos estariam do ...

Como era conhecido o Oceano Atlântico no século XV?

Navegar no Oceano Atlântico não era tarefa fácil. Este oceano era conhecido como o Mar Tenebroso, pois havia a ideia difundida pela Igreja Católica, de que os oceanos eram habitados por monstros marinhos. Além disso, alguns acreditavam na ideia que a Igreja Católica difundia, de que a Terra era plana.

O que os europeus decidiram se aventurar no Oceano Atlântico?

Os europeus decidiram se aventurar no Oceano Atlântico no processo histórico conhecido como expansão marítima, em busca de novas rotas comerciais para a Ásia, mas também motivados pelo desejo de explorar e encontrar novas terras e riquezas.