Faça uma análise teórico conceitual do fascismo é compare com o socialismo e o liberalismo

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Faça uma análise teórico conceitual do fascismo é compare com o socialismo e o liberalismo

A Liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix (Foto: Wikimedia Commons)

Na transição do feudalismo, sistema dominante na Europa Ocidental até a Idade Média, para o início do surgimento dos estados modernos, o pensamento político começou a ser estruturado em diferentes ideologias. O objetivo era criar um conjunto de princípios e ideias sobre como a sociedade deveria se estruturar nos âmbitos sociais, culturais e econômicos, funcionando como um guia para como o poder deveria ser distribuído e usado.

Ao longo dos anos, foram surgindo dezenas de ideologias, que indicam qual forma de governo, modelo econômico e valores morais considera os ideais para a sociedade. Entenda algumas das que mais receberam atenção nas últimas décadas:

Democracia
A democracia é uma forma de governo na qual todos os cidadãos participam de forma direta ou indireta, através de pessoas que elegem para representá-los, na proposta, desenvolvimento e criação de leis que irão governá-los.

Autocracia
A combinação dos radicais gregos autos e kratos significa “poder/governo por um só ou si próprio”. Neste tipo de governo, todo o poder está concentrado em um único governante, que pode ser uma só pessoa, um comitê ou um partido. Há também tendência de personalização do poder — as políticas adotadas são confundidas com interesses pessoais, não existem outros membros do governo ou, se existem, são ignorados, ideias contrárias e oposição são tratadas com truculência e o autocrata e seus aliados têm impunidade.

Anarquismo
O anarquismo é uma ideologia política que prega a ausência de um governo e se opõe a todo tipo de dominação e hierarquias A proposta é superar a ordem social com um projeto baseado na autogestão, com uma sociedade baseada na cooperação mútua entre as pessoas, que podem se associar livremente.

Capitalismo
O sistema econômico e social predominante no mundo é baseado na sociedade privada e, como o nome sugere, na acumulação de capital — dinheiro ou bens e objetos que podem gerar mais dinheiro. O sistema é dividido em duas classes principais: os capitalistas (donos dos meios de produção ou dos bens que podem gerar dinheiro) e os trabalhadores (que vendem sua mão de obra em troca de uma remuneração). O objetivo do capitalismo é a maximização dos lucros dos capitalistas, reduzindo custos ou elevando os preços dos produtos ou dos serviços. Tudo é feito em um mercado livre, com pouca ou nenhuma interferência dos governantes, conforme leis da oferta e da demanda.

Socialismo
Contrapondo-se ao capitalismo, o socialismo defende que os meios de produção e os bens devem ser públicos, ou coletivos, com o objetivo de proporcionar uma sociedade com igualdade de oportunidades para todos. No socialismo, o Estado é o responsável por distribuir e produção, organizando um sistema de igualdade e cooperação. Os teóricos mais famosos do pensamento socialista são Karl Marx e Friedrich Engels, que, com a teoria da mais-valia, demonstraram que os trabalhadores não recebiam um pagamento equivalente ao valor das riquezas que produziam, o que geraria desigualdades e problemas sociais.

Comunismo
Embora muitas vezes tratado como sinônimo de socialismo, o comunismo seria um passo à frente do socialismo: alcançada a igualdade absoluta entre os cidadãos, o Estado torna-se desnecessário, e a sociedade passa a ser capaz de se autorregulamentar. Os trabalhadores são, enfim, proprietários do trabalho e dos bens de produção, e não existem mais diferentes classes sociais.

Fascismo
O fascismo é uma ideologia nacionalista e autoritária que surgiu na Itália no fim da Primeira Guerra Mundial como oposição ao socialismo, ideias que assustavam capitalistas e cidadãos mais conservadores. Sua retórica explora assuntos como combate à corrupção, crise na economia ou declínio de valores morais da sociedade, e apoia a repressão violenta para resolver tais problemas. Embora se digam capitalistas e defendam algumas ideias do capitalismo, como a propriedade privada e pequenas e médias empresas, líderes fascistas buscam intervir na economia. Também apoiam que a nação é um bem supremo, em nome da qual qualquer sacrifício pode ser exigido aos cidadãos, e que a salvação vem da organização militar e da guerra.

1 INTRODUÇÃO

Em se tratando do fascismo, não é difícil encontrar leituras que, sem abordar as múltiplas contradições que o geraram, limitam-se a retirar essa ideologia e seu movimento correspondente do terreno real da história, reduzindo-a quase a problema psicológico, à objetivação político-coletiva da “banalidade do mal” (ARENDT, 2017). Como tentaremos explicar nesse artigo, o fascismo não foi um parêntese irracional, ou apenas um método, nem o fruto de uma psicose que derrubou as defesas morais da civilidade europeia, surgida fora do seu corpo social e da sua cultura. O fascismo é um movimento social e uma ideologia original historicamente determinada, fruto de específicas condições sociais e culturais, funcionais aos interesses de determinadas exigências históricas. Mas apesar das condições excepcionais que determinaram o seu aparecimento, ligadas à crise de hegemonia das classes dirigentes da Europa na primeira metade do século XX, esse movimento representou a tentativa de instaurar algumas concepções da ideologia tradicional do colonialismo e do imperialismo dentro dos mesmos confins ocidentais. A sua verdadeira raiz totalitária, portanto, se encontra nessa história que gerou a forma mais extrema e orgânica de totalitarismo que a humanidade conheceu: a escravidão.

2 FASCISMO E MODERNIDADE

Um dos erros mais comuns nas avaliações sobre o fenômeno fascista, que não nos ajuda a entender a diferença entre esse movimento e outras manifestações (anteriores ou sucessivas) da tradição autoritária e conservadora, consiste em reduzir a sua essência ao uso monopolista, sistematicamente organizado, da força e dos aparatos repressivos. Todavia, nas sociedades avançadas do mundo ocidental contemporâneo, cada “bloco histórico” nunca pode basear o seu poder apenas sobre o exercício (por quanto eficiente) do domínio, por meio de uma ditadura permanentemente empenhada na tarefa de impedir a afirmação de visões de mundo alternativas.1 Também as mais autoritárias viradas políticas necessitam reconstruir um novo aparato hegemônico e, portanto, ministrar a arte do consenso fundindo domínio e hegemonia2. A Itália do pós-guerra ficou dramaticamente envolvida na queda de hegemonia das suas classes dirigentes, como Gramsci esclarece na nota 80 do parágrafo Passado e presentedo Caderno 7, voltando às relações entre consenso e força, a partir de uma pergunta fundamental: como reconstruir o aparato hegemônico do grupo dominante desagregado pelas consequências da guerra em todos os Estados do mundo? (GRAMSCI, 1975).

Nesse sentido, o fascismo italiano foi uma forma moderna de poder autoritário em comparação com os velhos regimes reacionários, dada a sua constante pesquisa do consenso popular e o uso hábil da demagogia3 (DOBB, 1964, 1974). O corporativismo cabia nesta exigência e, não obstante a sua presença desde o início do movimento, é preciso não esquecer que a teoria do “terceiro sistema” (nem comunismo, nem capitalismo) foi desenvolvida só depois de 1930, com a tarefa de afrontar a crise e o descontentamento popular, dadas as más condições de vida e trabalho imperantes. A afirmação da paridade entre capital e trabalho foi essencialmente retórica e a exigência de conciliar os interesses contrapostos, na verdade, mal escondia a tarefa primária de suprimir o conflito social e apagar a subjetividade política do movimento dos trabalhadores4. Em geral, as dificuldades econômicas sofridas em razão dos sacrifícios impostos pelo regime em 19305 criaram muito descontentamento entre os trabalhadores. Por isso, Mussolini anunciou a segunda fase da revolução social fascista apontando para a ideologia corporativa. Era uma volta ao velho sindicalismo fascista, acompanhado da palavra de ordem “ir ao povo”, com a recuperação da crítica ao egoísmo individualista do capitalismo e a reafirmação dos mitos sobre nação proletária, constrita a seus limites pelas grandes potências plutocratas6 (GRAMSCI, 1975).

Além do real significado dessa propaganda, a nova ofensiva ideológica do fascismo se revelou eficaz para amarrar e ativar politicamente as novas gerações. Jovens intelectuais, sobretudo estudantes, colocados no âmbito sindical ou empenhados socialmente, encontraram nas palavras de ordem contra o egoísmo burguês e na promessa de uma revolução social as razões da própria militância. Neste clima, foram criadas as condições para o renascimento de um fascismo de esquerda alimentado por um universo ideológico (atuação do corporativismo, controle público da economia, redução da liberdade de iniciativa para empresas e empresários privados) bastante confuso, mas capaz de seduzir muitos jovens desejosos de empenhar-se politicamente, num contexto dominado pela maior crise econômica mundial do capitalismo. Como escreveu o maior historiador do Partido comunista italiano, Paolo Spriano (1997, p.345):

O filósofo Ugo Spirito é o líder dessa tendência, que reúne ao seu lado as forças intelectuais juvenis fascistas que queriam transformar em realidade as veleidades sociais do regime [...]. Ugo Spirito afirma que existe um parentesco de inspiração entre bolchevismo e corporativismo, mas que o “amanhã pertence àquele regime que entre os dois conseguirá incorporar e superar o outro”. Emerge nessa tendência uma clara simpatia pela União Soviética acompanhada a uma concepção anticapitalista que teve uma ligação com a situação que a classe operaria vivia na Itália.

Todavia, a característica mais moderna do projeto autoritário do fascismo está na capacidade de abrir novas trincheiras para a tarefa de controlar as massas. Portanto, a habilidade de exercer também domínio e direção, novamente, falando com categorias gramscianas força + consenso, ou crocianamente: política + ética. O homem novo fascista não era um indivíduo tornado consciente por si e patrão do próprio destino, mas o cidadão-soldado, que esvazia a própria individualidade para deixar-se absorver integralmente na comunidade totalitária (GENTILE, 2008). Por isso, o regime centralizou as funções da educação com a reforma escolar realizada pelo filósofo fascista Giovanni Gentile. E organizou estruturas como os “filhos das lobas” e os jovens balilla para crianças e meninos, grupos de universitários fascistas, os “littoriali della cultura”, a obra do pós-trabalho fascista e muitas outras articulações de massa com a tarefa de garantir sempre uma participação passiva na vida política e cultural do regime. Eis uma diferença fundamental: se as ditaduras tradicionais e defensivas visam à despolitização da sociedade civil, o fascismo torna política também a dimensão privada. O fascismo afirmou a necessidade de restaurar a ordem social e os velhos valores da sociedade italiana (religião, família, pátria) ameaçados pela subversão bolchevique, mas nunca se apresentou como um movimento conservador. Pelo contrário, sempre definiu o seu horizonte ideológico no anticonformismo, pondo-se como negação radical da “velha política”, uma ruptura não apenas com o universo democrático e socialista, mas também com as velhas classes dirigentes liberais, responsáveis da “vitória mutilada” e incapazes de enfrentar a radicalização das lutas sociais.

Já em 1919-20, Gramsci interpretava a emersão do fascismo como sintoma de uma crise internacional e consequência da incapacidade do capitalismo de dominar as forças produtivas7 (GRAMSCI, 1987). A pequena burguesia se punha como intérprete principal deste novo roteiro. Depois de ter sido o megafone da ideologia abstrata da guerra, o movimento de Mussolini representava para ela uma oportunidade para sair do ostracismo por meio das armas, da utilização dos métodos militares para o golpe de assalto na luta de classes. Com o fim do conflito bélico, Mussolini tenta explorar politicamente o mal-estar reinante. Ele se apropria dos motivos ideológico-sentimentais do “arditismo” (uma tendência política dos combatentes durante a guerra), mas ao mesmo tempo procura uma saída possível para apresentar-se em um novo papel político. A desmobilização da guerra, a retórica da vitória mutilada, a crise econômica, e o fenômeno da proletarização das camadas médias seriam as causas do desassossego da pequena burguesia durante e depois da guerra, bem como as origens do chamado subversivismo reacionário, que encontrou no nacionalismo de D’Annunzio e no fascismo de Mussolini a razão da sua revolução social. O fascismo é uma forma nova e moderna de regime autoritário, típica de uma fase histórica marcada pela política de massa, porque se impõe a tarefa de envolver o povo em todas as manifestações de existência e autorrepresentação do regime, organizando todos os aspectos da vida individual em função do interesse nacional. O fascismo investiu grandiosos recursos para desenvolver uma indústria autônoma do cinema nacional, capaz de difundir valores culturais independentes do padrão da outra grande indústria cultural mundial, a dos Estados Unidos. Assim foram criados os grandes estúdios “Cinecittà” e a Mostra Internacional do Cinema de Veneza, lançando os fundamentos de uma grande tradição que encontrou a sua fase de maior sucesso e desenvolvimento depois da Segunda Guerra Mundial. O aspecto mais moderno do fascismo é exatamente a utilização dos instrumentos da comunicação de massa, cinema, rádio, jornais, artes figurativas para construir o consenso e o mito da invencibilidade do Duce. Para isso, é constituído o Ministério da Cultura Popular, Imprensa e Propaganda, que será a inspiração fundamental para o regime nacional-socialista de Hitler e, em particular, do seu propagandista oficial Goebbels.

Mussolini utilizou todos os modernos instrumentos de comunicação – favorecido pelo controle exclusivo da imprensa, do cinema e do rádio –, até suscitar um estado de participação popular nas campanhas de governo que demonstrava o quanto ele era um político muito mais moderno do que se pensava. Nolte lembra o exemplo da famosa “campanha do trigo”, lançada para a autossuficiência alimentar do país. Nesta campanha, Mussolini colocou-se junto aos próprios camponeses na colheita do trigo, obviamente em frente a uma câmera cinematográfica e cercado de fotógrafos.

A imagem de Mussolini, com o peito desnudo suado, que ajudava sobre o trator os camponeses nas regiões antes pantanosas [indenizadas pelo regime] a fazer a colheita, foi difundida também nos lugares mais remotos do país. A grande popularidade que Mussolini angariou, sobretudo entre a gente mais humilde, foi sempre um fato inexplicável para os seus adversários, os quais, se, por um lado, foram partidários de mudanças nas estruturas econômicas em favor do povo, objetivando a elevação do seu padrão de vida, por outro não renunciavam à vida confortável e foram incapazes de usar com eficácia um instrumento importante como a comunicação (NOLTE, 1970, p.98).

Segundo Emilio Gentile, embora importante, a “análise dos interesses de classe”, das dinâmicas do poder e da política pessoal de Mussolini é inadequada para fornecer uma resposta completa aos problemas que o fascismo colocou com o seu surgimento, como um fenômeno novo que tem a sua própria lógica. O movimento de Mussolini surge das contradições da moderna sociedade de massa e procura um caminho próprio para os problemas da dialética entre massa e Estado, indivíduo e sociedade. Um caminho experimentado no interior das estruturas da sociedade burguesa, segundo a sua lógica e política totalitárias. E eis porque o fascismo não é uma experiência estranha à civilização burguesa.

Tudo isso é sintetizado em dois pontos: 1. O fascismo foi o primeiro partido-milícia que conquistou o poder numa democracia liberal europeia, com a tarefa declarada de destruí-la, e que se pôs como objetivo explícito e prático a afirmação do primado da política sobre cada aspecto da vida individual e coletiva, por meio da resolução do privado no público. Assim é que busca organizar de modo totalitário a sociedade, até subordiná-la ao controle do partido único e integrando-a ao Estado, concebido e imposto como valor absoluto e dominante; 2. O fascismo foi também o primeiro movimento político do século XX que levou o pensamento mítico ao poder, consagrando-o como forma superior de expressão política das massas e fundamento moral da sua organização, institucionalizando-o nas crenças, nos rituais e nos símbolos de uma religião política (GENTILE, 2008, p.137).

Segundo Nolte, a ideia pela qual o fascismo seria simplesmente um movimento reacionário dos países atrasados (a teoria de Arthur Rosemberg e August Thalheimer) é totalmente errada. Pelo contrário, o movimento nasceu no Norte da Itália, uma das realidades mais desenvolvidas da Europa no plano econômico, social e político, e depois exerceu um consenso amplo na sociedade, embora servindo-se do uso sistemático do terror e de um aparato militar policial de repressão sem precedentes. O fascismo foi profundamente subestimado, porque todas as classes dirigentes italianas e europeias achavam que fosse possível constitucionalizá-lo, ou seja, controlá-lo e utilizá-lo a serviço dos próprios interesses. Apesar da sua modernidade e da capacidade de enfrentar uma fase marcada pela crise das classes dirigentes tradicionais e pela política de massas, segundo Paul Baran e Paul Sweezy (1951), a democracia é capaz de defender melhor e com maior estabilidade os interesses do capitalismo do que o fascismo. Para os autores de O capital monopolista (BARAN; SWEEZY,1968),nos países de longa tradição democrática, as oligarquias são tendencialmente contrárias a confiar em formas de regime como o fascismo, preferindo utilizar métodos mais sofisticados de controle e arregimentação cultural das massas populares. George Duglas e Howard Cole (1968) negaram que o fascismo pudesse ser considerado a convulsão final do capitalismo em declínio. O fascismo encontrou um aliado fundamental nos capitalistas, isso é certo, mas não é uma nova forma de capitalismo imperialista. Este fenômeno político e social nasce num contexto de crise econômica e espiritual, manifesta-se através do nacionalismo agressivo e da aversão ao igualitarismo das classes subalternas:

Não se tratou fundamentalmente de um movimento econômico, mas da manifestação de um nacionalismo agressivo que fazia apelo às violentas paixões dos oprimidos. Tentar caracterizá-lo em termos puramente econômicos significa subestimar o elemento essencial da sua força vital, e perder de vista a sua qualidade mais perigosa, o seu impulso irrefreável para a guerra (DUGLAS; COLE, 1968, p.5-6).

O fascismo seria, então, uma “terceira força”, que se opõe tanto ao capitalismo parlamentar quanto ao socialismo/comunismo, tendo sua base social na pequena e média burguesia golpeada pela crise econômica e pela degradação social resultante da Primeira Guerra Mundial. Uma classe que se percebeu submetida à dúplice pressão do grande capital e do proletariado numa fase de agudo conflito social. Com a chegada ao poder, o fascismo, seja na Itália ou na Alemanha, marginalizou os seus componentes mais radicais, para aliar-se com as forças sociais do latifúndio e do capitalismo agrário. Não obstante, isso manteve sua fisionomia não completamente assimilável nem por uma nem por outra vertente.

3 FASCISMO E COMUNISMO “IRMÃOS GÊMEOS DA MESMA DEGENERAÇÃO”

O fascismo representa um grande buraco negro da história europeia, muitas vezes apresentado como fenômeno esquisito, alheio à tradição das suas classes dirigentes e à mesma ideia de civilização ocidental. Ao invés de estudar as responsabilidades endógenas do colapso liberal diante da barbárie fascista, muitos observadores tendem a considerar essa tragédia uma consequência do fanatismo totalitário bolchevique, sem investigar os elos com a tradição do colonialismo e do seu legado ideológico autoritário e racista de dominação absoluta de uma civilidade (a ocidental) sobre as outras.

Essa ausência se encontra, por exemplo, nas fundamentais reflexões de Isaiah Berlin sobre a liberdade. O importante filósofo liberal escreveu que os grandes movimentos políticos de libertação do século XIX, apesar das muitas diferenças e da acirrada dialética entre eles, tinham um mínimo denominador comum: a convicção de que tanto os problemas individuais quanto aqueles sociais podiam ser resolvidos por meio do triunfo da inteligência, então dos instrumentos morais e intelectuais, sobre a ignorância e a maldade. Cada tradição política afirmava sua receita taumatúrgica: os liberais acreditavam na ilimitada capacidade da instrução e da ética racional para superar a miséria e a desigualdade econômica; os socialistas achavam que, na ausência de mudanças radicais na produção, distribuição e ainda no controle da riqueza, nenhuma renovação individual (da alma o do intelecto) teria produzido resultados estruturais, determinando a integral emancipação humana.

Tanto os socialistas quanto os conservadores acreditavam no poder regulador das instituições políticas contra o caos, a injustiça e a crueldade geradas pelo individualismo incontrolado. Ao contrário, radicais, anarquistas e liberais sempre olharam com suspeita às instituições, consideradas obstáculos à realização de uma sociedade livre baseada no autogoverno e na independência dos indivíduos. As discussões sobre a importância relativa das obrigações dos indivíduos para a sociedade e da sociedade para os indivíduos ocupou o espaço das diferentes reflexões da problemática político-social. No fundo das diferentes opções, Berlin localiza um divisor de águas antropológico, que encontra em Locke e Rousseau de um lado e em Hobbes de outro dois paradigmas clássicos, a respeito da natureza humana: no primeiro, a partir da ideia de que o homem no nascimento seria um “papel branco”, Locke acreditava na sua perfectibilidade. Apenas graças ao desenvolvimento humano e intelectual, por meio da educação, o indivíduo pode chegar ao governo de si mesmo, inspirado pela lei da razão. Um conceito fundamental, porque por um lado sublinha a natureza processual e não inata das inclinações humanas, então a possibilidade de melhorar-se e a liberdade de arbítrio no escolher o próprio destino, atribuindo à educação um papel político e não simplesmente pedagógico. O cidadão livre, responsável e vigilante contra a tirania, é a premissa indispensável da construção de uma sociedade fundada sobre a liberdade e a educação fica um dos pilares essenciais na visão da sociedade liberal de John Locke (2012)8. Por sua vez, Rousseau achava que o homem é livre e bom por natureza, sua imperfeição e infelicidade não seria “natural”, mas efeito da corrupção das instituições e da injustiça, organicamente produzida, pela moderna civilização social (ROUSSEAU, 2005); de outro lado, temos a ideia do homem considerado como uma criatura livre dentro de determinadas condições e limitações externas, incapaz de afirmar-se apenas com as suas forças, que, portanto, precisa buscar a sua salvação nas grandes estruturas coletivas: Estado, Igreja, partido, sindicato (BERLIN, 2005). Apenas esses edifícios sociais podem promover a solidariedade, a segurança e a força necessária para resistir aos prazeres efêmeros, às liberdades perigosas e autodestrutivas do individualismo que apagam o rico e articulado tecido da vida social. Segundo Berlin (2005, p. 62-63), “essas duas grandes vertentes acabaram por assumir as formas abnormais e certamente distorcidas, como o comunismo e o fascismo – o primeiro no aspecto de herdeiro ilegítimo do internacionalismo liberal do século precedente, o segundo como culmine e falência do patriotismo místico que animou os movimentos patrióticos de então”.

Cada movimento tem os seus precursores e as suas origens, todavia, segundo Berlin, seria um erro considerar o comunismo e o fascismo como simples manifestações mais intransigentes e violentas de uma crise anterior, ou como momento culminante de uma luta já perfeitamente localizável no passado. Segundo Berlin (2005), os movimentos do novo século se diferenciam dos do XIX por duas novidades:

Um dos elementos do novo ponto de vista é a ideia que existam influências inconscientes e irracionais que superam por importância as forças da razão; um outro é a ideia que as soluções dos problemas não se encontrem nas respostas racionais, mas na eliminação dos problemas em si através de meios diferentes do pensamento e da argumentação. A interação entre a velha tradição, que localizava na história o campo de batalha entre as forças identificáveis da luz e das trevas, da razão e do obscurantismo, do progresso e da razão; ou entre o espiritualismo e o empirismo, a intuição e o método científico, o institucionalismo e o individualismo – o conflito entre esta velha ordem e, de outro lado, os novos fatores que se opunham violentamente à psicologia humanista da civilidade burguesa é, em boa medida, a história das ideias políticas do nosso tempo (BERLIN, 2005, p. 62-63).

A rígida divisão entre marcos cronológicos geralmente está em contradição com a história das ideias, e, nesse sentido, o curso irresistível do devir do século XIX parecia desembocar e fluir com continuidade orgânica no XX. Todavia, na passagem de um século, tanto as perguntas quanto as respostas aos problemas fundamentais da sociedade mudaram profundamente, impondo uma radicalização das soluções políticas, isso afetou tanto o “liberalismo humanitário” quanto as propostas gradualistas das vertentes socialistas. Nesse campo, aconteceu uma transição mais radical não tanto sobre o plano dos princípios, mas pela interação com uma nova realidade material. Num determinado sentido, «o comunismo leva ao extremo a busca de métodos ofensivos e defensivos eficazes» (BERLIN, 2005, p.71).

Embora o marxismo pareça radicalmente alternativo ao reformismo liberal, segundo Berlin (2005), encontramos uma tese central comum às duas visões do mundo: a ideia da perfectibilidade humana e a possibilidade de criar uma sociedade harmoniosa com meios naturais, a convicção acerca da natureza não contraditória e, pelo contrário, complementar entre as exigências da liberdade e aquelas da igualdade. As mudanças históricas podem acontecer por evolução e saltos revolucionários, todavia, o devir deve desenrolar-se em coerência com um plano inteligível e logicamente orgânico. Socialismo e liberalismo eram visões do mundo alternativas e em luta, todavia, no tocante aos meios e fins, as diferenças tornavam-se mais evidentes. Embora, segundo o marxismo, a ação do pensamento seria afetada pelos condicionamentos sociais, essa doutrina segue apelando ao primado da razão em continuidade com uma longa tradição que foi do iluminismo à filosofia liberal (BERLIN, 2005, p.71). Dentro dessa linha de continuidade orgânica, todavia, Berlin localiza a fratura não apenas temporal, mas geográfica, em razão da qual o comunismo oriental se colocaria fora da moderna ideia de civilização ocidental. Nos trabalhos do congresso de 1903 do Partido socialdemocrata russo, o delegado Mandel’berg (mais conhecido como Posadovskj) afirmou que a atribuição de uma autoridade absoluta ao núcleo dirigente dentro de um processo revolucionário seria não apenas contraditória, mas incompatível com aquelas liberdades fundamentais que o socialismo queria afirmar. A resposta de Plekhanov – o qual afirmou que se a revolução o pedia qualquer coisa (democracia, liberdade, direitos individuais) podia ser (provisoriamente) sacrificada – seria a origem de uma mutação genética nesse campo, a qual encontraria em Lenin sua máxima objetivação intelectual, até tornar-se a doutrina de origem de todos os fanatismos ideológicos destinados a afirmar-se no curso do século XX. Na verdade, bem antes de 1903, também no campo liberal, foi afirmada uma ideia de autoridade absoluta incompatível com as liberdades fundamentais proclamadas por essa doutrina. Os governos europeus, legitimados sobre o plano teórico pelos seus intelectuais de referência, foram protagonistas do mais colossal e extenso sistema de violação sistemática das liberdades fundamentais do homem por meio dos violentos regimes impostos aos povos coloniais (nunca incluídos nos valores ocidentais de dignidade humana universal). Mas Berlin não se limita a tratar nesses termos a origem dessa degeneração despótica, desconsiderando a sua imanência à ideia de civilização ocidental, ele acaba conferindo-lhe uma raiz “oriental”, estranha à cultura europeia:

É notório que Plekhanov, criado em uma tradição humana e liberal, depois abandonou essa posição. A mescla de fé utópica e brutal desprezo por uma moral civilizada se revelou insuportável para um homem que passou a maior parte da sua vida produtiva e civil entre os operários ocidentais e seus líderes9. Como a maioria dos socialdemocratas, como os próprios Marx e Engels, ele era excessivamente europeu para tentar ter uma atuação política que [...] ‘parte da liberdade ilimitada e acaba no despotismo ilimitado’ (BERLIN, 2005, p.73).

Sobre essa fratura ideológico-geográfica, esclarecedora da raiz oriental do totalitarismo socialista, Domenico Losurdo (2017) apontou articuladas reflexões críticas. Na sua longa resenha sobre as diferentes correntes filosóficas do marxismo ocidental, Losurdo reconduz o paradigma mais claro dessa fratura entre Oriente e Ocidente às reflexões do Perry Anderson, que em 1976 apontava a necessidade de emancipar o marxismo ocidental das ligações não naturais com o socialismo histórico. Segundo o filosofo inglês, era preciso proclamar o total afastamento do primeiro em relação ao marxismo oriental, à experiência histórica da Revolução de Outubro, China e Vietnam incluídas, e também à tradição do maior partido comunista do Ocidente, o PCI, responsável por ter manipulado Gramsci de maneira a ser funcional às exigências de uma ideologia oficial sovietista. Mas essa reivindicação não era uma novidade absoluta, pelo contrário, encontra-se nas declarações do principal ponto de referência do socialismo italiano, Filippo Turati. Depois do Outubro 1917, relembra Losurdo, o líder socialista exortava o movimento italiano a liberar-se da enfatuação para a horda barbárica bolchevique, tomando consciência da superioridade do desenvolvimento civil e histórico do socialismo ocidental em comparação como aquele oriental. Turati sempre contrapôs o leninismo (chamado marxismo oriental, rude e bárbaro por definição) ao marxismo ocidental, civil, erudito e autêntico. Por sua vez, Bloch definiu o bolchevismo como uma deformação oriental do socialismo que fedia a barbárie e subdesenvolvimento, do mesmo modo como Marcuse falava de «totalitarismo oriental», para sublinhar a falta de desenvolvimento democrático como consequência histórico-geográfica e quase biológica daquele processo político (LOSURDO, 2017).

Segundo Berlin, Lenin nunca desmentiu a sua postura antidemocrática, pelo contrário, eliminou até a ideia transitória da ditadura do proletariado, legitimando a perspectiva permanente e sistemática do despotismo estatal socialista. Talvez, precisa Berlin, os pressupostos de Lenin fossem ainda os mesmos dos iluministas e racionalistas, que, em algumas de suas vertentes, aceitavam a ideia do governo pelo alto e também achavam necessário atribuir ao governo dos iluminados a tutela forçada das maiorias que ainda viviam nas trevas da superstição e da irracionalidade. Uma concepção que depois encontrou a sua objetivação política na tradição revolucionária jacobina. De acordo com Berlin, Lenin pretendia o poder ilimitado de um pequeno grupo de revolucionários profissionais, porque ele achava os métodos democráticos (a persuasão política em torno da maior racionalidade dos argumentos) inadequados para a mudança radical da sociedade. Por quanto a origem de seu pensamento era reconduzível ao racionalismo, Lenin compartilhava com os reacionários irracionalistas uma visão antropológica negativa do homem. Nesse sentido, esta é a tese de Berlin, ele era mais próximo aos vários Hobbes, De Maistre, Maurras, Nieztsche e Pareto, do que dos pensadores do iluminismo. Em conclusão, o comunismo oriental acabaria por sofrer a influência do pensamento tradicionalista de direita tendo pontos de contato importantes com a filosofia de Henri Bergson. Novamente o divisor de águas seria reconduzível à visão antropológica negativa ou positiva. Todavia, utilizando esse quadro conceitual, como definir a visão do homem imanente aos governos ocidentais (em boa medida liberais) que, até a segunda metade do século XX, nunca reconheceram o direito à autodeterminação dos povos coloniais? A brutal defesa do regime colonial na Índia, na Indochina, no continente africano, na América Latina, não seria fruto de uma ideia que acaba considerando esses povos subjetividades menores, inábeis à titularidade das liberdades ocidentais?

Essa visão antropológica negativa seria, portanto, a raiz da necessidade de uma intervenção totalitária, que nas sociedades socialistas acabou rompendo tanto a liberdade negativa quanto a positiva. Não apenas no mundo liberal, mas também na esquerda, a principal acusação à Revolução de Outubro (“a sua traição”) ficaria na não extinção do Estado. Pelo contrário, o multiplicar-se de suas funções e atividades, necessárias a encaminhar esse inédito processo histórico, seria a causa da natureza autoritária do socialismo histórico. Nesse sentido, Slavoj Žižek (2017), em seu último livro sobre Lenin, dedica muitas páginas à demonstração dos erros e dos horrores tanto do jacobinismo quanto do bolchevismo, duas tradições que, segundo ele, tinham em comum “a mesma histeria ideológica” e o igual “radicalismo igualitário”. Žižek declara a necessidade de problematizar o conceito de “totalitarismo”, afirmando que “o terror político” deve ser localizado na subordinação política da esfera produtiva material, da qual o bolchevismo negaria a autonomia (ZIZEK, 2017).

Na ideia de uma relação inversamente proporcional entre a esfera da liberdade e a extensão das atividades do Estado, encontra-se um eixo teórico essencial do liberalismo magistralmente explicado por Berlin que torna comum as concepções do “governo limitado” de John Locke e as teorias sobre o totalitarismo de Hannah Arendt e Žižek. A condenação preventiva ou póstuma à ambição de regulamentar a vida social, intervir na economia e fornecer um endereço social à vida de uma comunidade nacional está diretamente entrelaçada ao ABC da visão liberal: a capacidade natural de autorregulamentação das leis do mercado, teoricamente não compatível com a artificial irrupção ordenadora da política.

Partindo-se da obra de John Locke, para a doutrina liberal o problema de fundo é o de limitar o poder do Estado, através de uma estrutura constitucional que freie a sua tendência expansionista, limitando a esfera da sua intervenção ao mínimo possível para deixar todo o restante à iniciativa privada: a visão do Estado gendarme, que vigila sobre os equilíbrios espontâneos gerados pelo mercado. A essa visão corresponde uma concepção do homem que, antes de mais nada, defende a sua independência ou individualidade contra o poder ilegítimo.

Todavia, já na concepção democrática, o intervencionismo do Estado no setor privado seria não só um dado irreversível e inevitável, mas uma possibilidade não negativa, pois a preocupação principal é que a atividade do Estado sobre a sociedade aconteça segundo critérios e endereços democráticos, quer dizer, estabelecidos pela coletividade. Então, se, para o pensamento liberal, o nível de liberdade dos cidadãos é inversamente proporcional ao grau de extensão das funções do Estado, segundo a tradição democrática, esta deve ser avaliada verificando-se a efetiva participação dos cidadãos na esfera das decisões, utilizando uma categoria típica do Rousseau, da sua capacidade autogoverno. No primeiro caso, o controle é considerado uma limitação que é preciso impor pelo externo ao Estado para afirmar uma plena liberdade (da) sem limitações; no segundo, é considerado como a capacidade de exercer um papel protagonista no interior do aparelho estatal, como plena liberdade (de). Como bem sintetizado por Mura, surgido historicamente entre as reivindicações e os interesses da burguesia, quando começou a lutar contra os vínculos da sociedade feudal e as limitações da estrutura corporativa das profissões, o liberalismo aprofundou o tema da extensão do poder do Estado, a sua dimensão quantitativa. A segunda, fruto de um articulado processo de democratização das relações sociais que mobilizou as massas populares, põe o problema da extensão do Estado em termos qualitativos, ou seja, o problema não seria limitar a ação do Estado, mas tornar democrática, controlável, a sua atividade eliminando a separação entre governantes e governados. Todas estas visões foram fundamentais, não só no plano filosófico, mas também para o progresso da humanidade na história moderna e contemporânea: a visão liberal favoreceu o afirmar-se do Estado laico e do pluralismo ideológico-social (RAWLS, 1994); a democrática, colocou o problema da responsabilidade do poder, isto é, da sua obrigação a relacionar sobre o seu operado em frente dos cidadãos, o verdadeiro poder soberano. Por sua vez, aquela socialista levantou o problema da desigualdade, atribuindo ao Estado um papel inédito na economia e nas dinâmicas sociais. Teoricamente, as soluções liberais e democráticas parecem divergentes e alternativas: a primeira quer limitar os poderes do Estado enquanto a segunda quer impor o controle popular sobre tais poderes. Na prática, elas percorreram vias convergentes que se encontraram onde afirmou-se a questão da laicidade do Estado e a da responsabilidade do exercício do poder (MURA, 2004).

4 O FASCISMO E A HERANÇA DA TRADIÇÃO COLONIAL

Domenico Losurdo (2005) dedicou muitos estudos ao pensamento liberal. Como ele sublinhou várias vezes, seu trabalho de investigação crítica não pretendia desconhecer os méritos e os pontos de força dessa grande tradição filosófica, mas escolher o terreno real da história superando as multíplices remoções e transfigurações que caracterizaram algumas narrativas apologéticas. Nesse sentido, ele muitas vezes utilizou uma chave de leitura: «o sofisma de Talmon» (LOSURDO, 2005). Talmon era um estudioso do segundo pós-guerra que condenou a democracia totalitária (presente dentro de uma linha de continuidade de Rousseau a Stalin) contrapondo-lhe a tradição liberal que jamais recorreu à coerção e à violência. Caraterística desse “sofisma” seria a tendência a comparar o socialismo histórico não com os fatos reais do mundo que esse movimento queria superar, mas com as grandes declarações de princípios da tradição liberal. Da mesma forma, no terreno da filosofia política, quando os teóricos do liberalismo tratam de Marx, cada discurso inevitavelmente desemboca fatalmente na avaliação dos horrores do comunismo, enquanto, quando falam de John Locke, Constant e Bentham, eles descrevem apenas os grandes valores ideais das suas teorias, nunca falam das guerras, da escravidão, do domínio colonial, da exploração e da miséria de massa da maioria da população mundial que marcam a história da civilização burguesa.

Contrariamente a essa narrativa, escreveu Losurdo (2005) no livro Contra-história do liberalismo, as três nações consideradas o berço da civilidade liberal (Inglaterra, Holanda e EUA) foram protagonistas da mais criminosa obra de opressão da liberdade individual e de extermínio da história da humanidade: o comércio de escravos. O exemplo histórico mais brutal e integral de desumanização e genocídio que o Ocidente impôs ao resto do mundo não aconteceu apesar do liberalismo, mas contando com o apoio sincero dos grandes nomes da intelectualidade liberal: Smith, Calhoun, Lieber, Fletcher e o mesmo Locke (dono de escravos e acionista da Royal African Company). Os mesmos grandes pais da chamada “pátria da liberdade” Washington, Madison e Jefferson (todos donos de escravos) foram também responsáveis pelo primeiro antecedente histórico da solução final imposta às seis nações de nativos americanos pelo Congresso dos EUA. Não casualmente, Hitler utilizou o exemplo da conquista do Oeste para legitimar a sua ideia de espaço vital, e se inspirou exatamente na epopeia do “far West” quando imaginou reservar aos povos do leste europeu a mesma sorte das tribos de nativos exterminadas pelos colonos norte-americanos. O paradoxo maior do liberalismo, sublinhou Losurdo, é que a escravidão não foi um fenômeno que sobreviveu como rastro do passado, apesar das três grandes revoluções liberais, pelo contrário, essa prática desumana encontrou a sua máxima expansão exatamente depois dessas grandes viradas históricas que, por um lado, afirmaram a dignidade humana universal, mas, por outro, limitaram esse atributo de humanidade só aos povos europeus. A ocupação colonial e o direito à expropriação das terras dos povos não civilizados, incapazes de frutificar as suas riquezas no sentido da civilização europeia, encontraram várias formas de legitimação na filosofia da liberdade, inclusive por obra do pai do liberalismo, John Locke.

Como sabemos, no Segundo tratado sobre o governo, o valor supremo da defesa da vida, conectado aos princípios de liberdade, independência e autonomia, implica o direito de dispor plenamente dos bens que o indivíduo transforma com o seu trabalho. Segundo Locke, no estado de natureza, a terra e os seus produtos são de propriedade comum de todos os homens, todavia, o indivíduo assume na sua esfera individual todas as coisas que transforma por meio do próprio trabalho. A terra, quando fica abandonada, produz poucos frutos, mas se cultivada oferece aos homens os produtos essenciais à sua sobrevivência. O mesmo acontece com os outros bens que ele utiliza na vida cotidiana. Cada indivíduo se especializa numa determinada atividade, transformando o mundo em torno de si, portanto, a especialização e a divisão social do trabalho seriam a origem da propriedade privada e da atividade econômica do homem (LOCKE, 2001). Dessa maneira, Locke (2001) teoriza não apenas a origem pacífica da propriedade privada, mas também a legitimidade da expansão colonial inglesa e o direito de ocupar as terras que os povos “selvagens”, ainda menores, não conseguem transformar em riqueza. O mesmo John Stuart Mill, considerado pelo Berlin o maior defensor da liberdade individual na história, afirmava que a doutrina da liberdade era “destinada à aplicação somente em seres humanos já amadurecidos em suas faculdades” (MILL, 2019, p. 22), condição na qual, segundo ele, não cabiam nem os menores de idade, nem os povos coloniais subdesenvolvidos, sobre os quais também a tirania era admitida: “O despotismo é um modo legítimo de governo para lidar com bárbaros, desde que o fim seja o aprimoramento e os meios se justifiquem para se alcançar realmente esse fim” (MILL, 2019, p. 22).

Um dos conceitos-chave do colonialismo, que se desenvolveu na idade áurea do liberalismo, é o do direito à expansão, um princípio que faz organicamente parte da cultura política das potências ocidentais na idade do imperialismo e, mais em geral, da ideologia do colonialismo, que considera lícito dominar e explorar civilidades “inferiores” ou “primitivas”. O racismo e a científica desumanização dos “não civilizados” são imanentes ao colonialismo, que se serviu das teorias sobre a existência de uma hierarquia da humanidade para legitimar o sistema criminoso de dominação dos ocidentais sobre os povos coloniais. Todavia, a longa história do colonialismo, a academia onde o Ocidente experimentou tanto a ideologia quanto a prática da dominação absoluta de uma civilidade sobre as outras, é totalmente omitida nas principais interpretações liberais do fascismo.

Segundo o maior filósofo idealista italiano, Benedetto Croce, o fascismo é uma fratura na linha de continuidade da civilidade europeia. Da mesma forma, o movimento de Mussolini não seria o produto de uma só classe social, a burguesia, nem se afirmou pela sustentação de uma classe específica, mas é o resultado da perda de consciência e da profunda crise moral provocada pela guerra. Croce recusava a tese segundo a qual o grande industrialismo teria promovido o movimento de Mussolini. Para ele, pelo contrário, a burguesia industrial foi a classe que mais sofreu com o totalitarismo econômico e, na realidade, entre as camadas do capitalismo bancário e industrial, o consenso em relação ao fascismo era muito limitado (CROCE, 1963).10 Neste sentido, o fascismo seria apenas uma doença repentina no interior de um organismo íntegro, a sociedade burguesa.

A crise moral não foi simplesmente um fato italiano, mas uma característica da maior parte dos países envolvidos na guerra mundial. O fascismo correspondia a um rebaixamento na consciência de liberdade depois do conflito. No contexto da história italiana, isso parecia a Croce um “parêntese” no processo de expansão do liberalismo oriundo da tradição do Risorgimento. A leitura de Croce tinha duas evidentes tarefas políticas: absolver o liberalismo italiano das graves responsabilidades na falta de oposição ao fascismo no momento do seu nascimento; favorecer a sua volta ao poder depois da queda do Mussolini (CROCE, 1944).11

Esta concepção conheceu também uma variante alemã no livro A catástrofe da Alemanha, de Friedrich Meinecke (1948). Ele interpretou o fascismo e o nacional-socialismo como um afastamento da linha evolutiva dos países europeus, uma crise moral provocada por dois fatores conjuntos: a mobilização das massas populares e a mudança na técnica e nos estilos de vida produzidos pela Segunda Revolução Industrial. Meinecke se liga ao historiador suíço Jacob Buckhardt ao localizar entre as ilusões do Iluminismo e da Revolução Francesa “o germe da grande doença” que teria debilitado moralmente – particularmente depois da industrialização e do advento da sociedade de massa – os povos europeus, gerando uma equivocada aspiração à felicidade (potência, riqueza e avidez de ganho). Para satisfazer esta felicidade econômica, os povos estiveram dispostos a sacrificar a liberdade e submeter-se à disciplina e à obediência militar. A guerra teria facilitado a explosão desta crise (já em curso) numa orgia de irracionalidade, na qual grande parte dos valores morais da Europa foram deixados de lado em favor do desejo da vitória e de potência.

O ressentimento pela derrota e o espírito de resgate da dignidade diante das injustas condições impostas pelo Tratado de Versalhes, a crise econômica e o que ela produziu, tornaram frágeis todos os equilíbrios da sociedade, favorecendo, especialmente nas jovens gerações, os impulsos mais irracionais e niilistas em função da nova ética do egoísmo nacional. Neste delírio, cada exagero encontrava justificação se virtualmente capaz de aumentar a potência da nação e a riqueza da comunidade. Meineicke falava de “renascimento maquiavélico” e de transformação do maquiavelismo de fenômeno aristocrático em fenômeno burguês e de massas, ligado ao aumento da população mundial e da abstenção da cidadania ativa no plano político (MEINECKE, 1948, p.87-88).

Segundo Ernts Nolte (1971), a investigação sobre o fascismo teria que aprofundar as questões filosóficas para buscar entender a sua essência fundamental, deixando de fora os elementos secundários ou folclóricos do fenômeno. Para o máximo representante do revisionismo histórico europeu, o fascismo nasce sim no seio da sociedade liberal, mas não pode existir sem o desafio ao bolchevismo e ao marxismo em geral. A vitória da Revolução de Outubro e o nascimento de um forte movimento comunista organizado em nível internacional seriam então o elemento central sem o qual não é possível falar do fascismo. Portanto, a Revolução de 1917 seria o evento fundamental, o verdadeiro responsável pelo nascimento do fascismo, movimento surgido em defesa do Estado e da ordem social ameaçada pela subversão. Por sua vez, a Primeira Guerra Mundial seria a chave para compreender a afirmação seja do comunismo seja do fascismo. O antimarxismo e a luta política seriam um apêndice do conflito bélico que, entre 1914 e 1918, dividiu a Europa em duas frentes, os nacionalistas e as forças consideradas antinacionais. As manifestações de fanatismo, o espírito patriótico, o entusiasmo pela a guerra, o ódio total perante o inimigo, que antecipam e seguem o início do conflito, são os motivos ideológicos e sentimentais essenciais do nascimento deste movimento.

Em todas essas leituras, que inevitavelmente acabam interpretando o fascismo e o comunismo como irmãos gêmeos do mesmo totalitarismo, o movimento de Mussolini seria o fruto do fanatismo ideológico desencadeado pela guerra e pela Revolução de outubro. Totalmente omitida é a conexão entre a natural propensão colonialista do capitalismo e as heranças ideológicas da mentalidade imperial nos fermentos radicais do nacionalismo que favoreceram o surgimento do fascismo. Limitar o estudo sobre as raízes do fascismo ao período entre 1914 e 1945 corresponde exatamente a essa necessidade ideológica. Pelo contrário, para compreender o fenômeno fascista (além da tradição colonial) é necessário enquadrá-lo historicamente e filosoficamente, pois sem considerar as profundas mudanças que marcam a economia, a organização social e a política internacional entre o final do século XIX e a Primeira Guerra Mundial, torna-se difícil expor racionalmente o que este movimento tem representado12.

5 AS PREMISSAS DO FASCISMO NOS PARADIGMAS DO IMPERIALISMO

As últimas quatro décadas do século XIX geralmente são definidas como a época da Segunda Revolução Industrial. Sem qualquer exagero determinista, tratou-se de um processo internacional que em pouco tempo transformou radicalmente sistemas de produção, relações sociais, dinâmicas políticas e também estilos de vidas. Estas mudanças produziram uma confiança sem limites no progresso industrial e científico, que contribuíram para que se afirmassem os mitos do positivismo filosófico e do determinismo econômico social. O positivismo representou a base cultural de fundo da sociedade europeia nas suas principais manifestações, incluída a filosofia, entre 1840 e a Primeira Guerra Mundial, uma fase histórica marcada por profundas mutações que se estenderam sobre cada momento da vida humana.

A principal revolução que, nesse contexto, levou à internacionalização do mercado e da produção foi a dos meios de transporte, em primeiro lugar com a idade áurea das ferrovias e a realização de ligações antes impensáveis. Hoje se fala muito da chamada globalização, mas, na verdade, a maior internacionalização dos mercados ocorreu neste período histórico que antecede a Primeira Guerra Mundial. Tudo parecia levar à unificação mundial de mercados e territórios, mas na realidade política e econômica, estes são anos de protecionismo e forte competição pelo controle territorial da Ásia, África e América Latina, com um enfrentamento sempre maior entre as grandes potências ocidentais. Como escreveu Paul Bairoch (1998), além da retórica liberal, a história comercial dos países desenvolvidos foi quase inteiramente uma história protecionista. Com a exceção da Inglaterra, que assumiu uma posição favorável ao liberalismo econômico cerca de 150 anos depois de sua Revolução Industrial, a política do laissez faire se desenvolveu apenas por dois decênios, que coincidiram com a fase mais crítica da economia no século XIX. Mediante uma articulada investigação histórico-econômica, Bairoch destruiu o mito sobre a existência real de uma idade áurea da liberdade de troca na Europa, invertendo a afirmação tradicional segundo a qual a liberdade de troca seria a regra e o protecionismo a exceção. De fato, o nível do crescimento no período de 1800-1893 foi bem menor do que os economistas afirmavam, não ultrapassando um índice médio anual de 1,5% do PIB.

Os processos de mundialização da economia não são um fenômeno recente, mas uma tendência que atravessou em profundidade toda a fase de expansão da economia desde a Revolução Industrial e, também, de diferentes formas, as fases precedentes. A mundialização das relações sociais e produtivas burguesas é uma tendência imanente à história dessa classe intimamente revolucionária, desde a sua afirmação sobre a velha sociedade aristocrático-feudal. Com a expansão colonial e ainda mais com o industrialismo, temos a extensão das relações não apenas produtivas, mas também ideológicas, da sociedade burguesa e a criação de um único mercado mundial no qual todos os outros continentes tornam-se função subalterna do crescimento econômico da Europa. Segundo Marx e Engels, na origem desse processo, encontramos a premissa histórica do desenvolvimento da produção das manufaturas, que por sua vez levou ao esvaziamento progressivo da velha sociedade corporativo-feudal que limitava o sistema produtivo e de troca e a liberdade de iniciativa econômica. Um devir (acontecido entre 1400 e 1600) estritamente ligado à era das grandes descobertas geográficas e, por consequência, da revolução nos comércios mundiais gerada pelo afirmar-se do colonialismo. Apesar dos meios protecionistas, que cada nação sempre conservou, também nas fases mais avançadas da liberdade de troca, universalizou-se o padrão da concorrência que submeteu o comércio transformando todo os lucros em capital industrial. Isso determinou a sempre mais rápida circulação e centralização dos capitais, destruindo as velhas formas produtivas e completando a vitória das cidades sobre os campos, ou seja, do capital sobre a renda fundiária. Na Ideologia Alemã, esta etapa fundamental é definida como o pressuposto do terceiro período da propriedade privada, aquele da revolução industrial com a qual, por efeito da interdependência produtiva e comercial entre as nações, começa a história mundial na qual todas as relações são reduzidas às exigências da produção industrial (MARX, 2000).

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels descrevem ainda com mais capacidade de síntese o processo de internacionalização da produção, do consumo e do abastecimento das matérias-primas. Uma condição de interdependência que determina novas exigências, envolvendo também a produção imaterial, num processo que “das literaturas nacionais e locais se desenvolve para uma única literatura mundial”:

Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. [...]. Devido ao rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e ao constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta para a torrente da civilização mesmo as nações mais bárbaras. Os baixos preços de seus produtos são a artilharia pesada que destrói todas as muralhas da China e obriga a capitularem os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros. Sob pena de morte, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a abraçar o que ela chama civilização, isto é, a se tomarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança (MARX, 1999, p.11).

No terceiro volume de O Capital, está indicado com mais precisão como o controle das colônias ‒ não só como destino das mercadorias, mas como lugar para onde exportar capitais e explorar mão de obra a baixo custo ‒ apresenta-se como uma resposta à queda tendencial da taxa de lucro. Marx assinala que a divisão dos países subdesenvolvidos entre as potências capitalistas é uma tendência destinada a aumentar exponencialmente e que ela não corresponde às velhas formas do colonialismo original, mas assume uma função avançadíssima, voltada a garantir uma nova remuneração dos capitais, indispensável para compensar aquela queda tendencial (MARX, 1994).

Esse processo, vislumbrado já por Marx, encontra o seu máximo desenvolvimento na parte final do século XIX, quando, como escreveu Lenin, o capitalismo se transformou em imperialismo. Entre 1860 e 1870, alcança-se o apogeu da livre concorrência. Com a crise de 1873, começa a delinear-se o sistema dos cartéis. Depois, entre 1890 e 1903 (ano do começo de uma nova crise), observa-se um crescimento nos negócios e nas trocas que levam a uma maior concentração e centralização dos capitais. A organização por cartéis se torna a base de toda a vida econômica, e não mais um fenômeno transitório ligado a um momento da conjuntura. Ligada a essa evolução do modo de produção ocorre uma crescente contraposição internacional dos interesses nacionais.

Articulada a essa evolução do modo de produção, temos uma crescente contraposição internacional dos interesses nacionais. A interpretação científica do aumento da conflitualidade entre as grandes potências capitalistas pelo domínio dos países coloniais até o estouro da primeira guerra mundial, produz um violento enfrentamento político e intelectual no começo do século XX. O primeiro trabalho que se refere às transformações nas modalidades de domínio e expansão do capitalismo é Imperialism,escrito em 1902, pelo economista John Atkinson Hobson (1974). Depois, em 1910, o intelectual marxista Rudolf Hilferding (1976) editou O capital financeiro, um trabalho indispensável no percurso de análise sobre as transformações nas relações entre capital bancário e produtivo.

Sinteticamente, Lenin (1993) define as características do imperialismo em cinco pontos essenciais:

  1. 1. A concentração e centralização dos capitais, levando a tendências monopolistas, com que pequenos grupos – como o sistema das holdings e das sociedades anônimas – que controlam setores produtivos inteiros.
  2. 2. A prevalência do capital financeiro sobre a produção, como resultado do estreito entrelaçamento entre capital bancário e industrial.
  3. 3. A prevalência das exportações de capitais em comparação com as exportações de mercadorias – estimulando a pesquisa de áreas onde explorar a mão de obra a baixo custo, bem como de matérias-primas.
  4. 4. A divisão do mundo em áreas de influência e domínio.
  5. 5. A utilização da guerra como instrumento para obter novas repartições territoriais e a possibilidade de superação da estagnação econômica e da crise.

Em comparação com o capitalismo clássico, cuja finalidade estava na exportação de mercadoria, o capitalismo monopolista tem a tarefa de exportar capitais nos Países subdesenvolvidos para buscar novas formas de remuneração. Assim, na fase de maturidade do capitalismo a exportação de capitais torna-se uma exigência fundamental para evitar a queda tendencial das taxas de lucro e para levar a efeito duas tarefas: aumentar os lucros e obter uma redução do custo do trabalho na pátria mãe através da concorrência do trabalho barato disponível nas colônias.

A luta pelo controle do mercado mundial leva, portanto, a divisão internacional do trabalho para a esfera de influência dos grupos monopolistas e dos Estados que encarnam os seus interesses. Mas o domínio colonial tem diferentes gradações: desde a conquista militar direta até a penetração dos capitais e a exploração exclusiva nos territórios dos Estados formalmente independentes, mas na realidade subordinadas às grandes potências. E tudo isso gera uma luta sempre mais violenta entre elas.

Quanto mais o capitalismo desenvolve-se, tanto mais aguda é a concorrência, a caça às fontes de matérias-primas e a luta para a conquista das colônias. Assim o capital financeiro, em geral, faz esforços para ganhar o máximo de territórios possíveis, buscando fontes de matérias-primas temendo ficar para trás na luta pelo controle do último pedaço de terra ainda não dividido (LENIN, 1993, p. 124).

Por isso, a consequência última e a natureza mesma do imperialismo ficam no dispositivo da guerra, porque, com a conclusão da divisão do planeta, uma redivisão é o único modo para sair da estagnação e da crise econômica. O desastre da Primeira Guerra Mundial, na ausência do qual é impossível imaginar o surgimento da ideologia fascista, foi a tradução concreta deste processo, numa fase em que as contradições entre as potências capitalistas não são mais passíveis de resolução. Geralmente a crise de 1929, assim como a Primeira Guerra Mundial, é apresentada como uma consequência desse tipo de desenvolvimento da economia. Mas é novamente Bairoch quem contesta essa interpretação, assim como as afirmações sobre a profundidade dessa crise. Segundo ele, os anos de 1920 não foram seguramente anos de liberdade entre as trocas comerciais, mas também não foram o apogeu do protecionismo alfandegário. Para confirmar essa assertiva, basta lembrar que, naquela década, quase todos os países reduziram os seus próprios impostos alfandegários. Assim é que o período que precedeu a queda de 1929 foi caraterizado por políticas comerciais mais abertas e não mais fechadas, em comparação com as décadas anteriores13.

6 CONCLUSÕES

As profundas transformações do capitalismo mundial nessa fase histórica tem duas consequências fundamentais para o quadro que leva ao nascimento do fascismo: 1) o processo de concentração e centralização dos capitais acaba por destruir a função econômico-produtiva da pequena e média burguesia (a base social do fascismo), que, como escreve depois Gramsci, torna-se essencialmente uma classe política, especializada na intermediação, com características parasitárias14; 2) o conflito permanente, para o controle mundial das áreas coloniais sob a influência das nações imperialistas, torna a potência militar sempre mais o instrumento fundamental do enfrentamento político ao nível internacional e a guerra mesma uma exigência vital funcional à evolução social e ao progresso nacional, com funções de palingênese na ininterrupta luta entre “civilidade” e “incivilidade”. Esse segundo elemento é central no desenvolvimento do nacionalismo antes e depois da primeira guerra mundial, porque fornece a ferramenta ideológica que determina alguns assuntos essenciais do fascismo.

Como escreveu Angelo Tasca (1972), o fascismo tornado regime eliminou a ideia da participação ativa do povo na política, já que depois de 1926 não se limita a substituir um sistema político, mas simplesmente cancela a vida política até transformá-la em “função e monopólio de Estado”. À participação se substitui, com a razão de Estado, a técnica do treinamento, o enquadramento para a mobilização militar, as reuniões, os desfiles (TASCA, 1972). A transfiguração coreográfica do povo representa a supressão mesmo da ideia da nação, que, na concepção ideal do século XIX, não podia ser separada da ideia de povo livre. Esta ideologia absorve e suprime o conteúdo democrático e jacobino do conceito de nação, assim como transfigura algumas categorias da tradição socialista, substituindo a teoria do conflito de classes (proletariado x burguesia) pelo conflito de nações (nações proletárias x nações plutocráticas).

A orientação para a autarquia e a guerra é o triunfo natural desta mudança e o elemento mais novo da sua ideologia é que a guerra não é mais um meio, mas um fim em si, para o qual é necessário mudar profundamente a estrutura econômica, social e política do país. Todos os parâmetros da economia são funcionais à guerra. Mussolini afirmou isso nos seus discursos: conseguir o máximo de autonomia econômica no tempo de paz para preparar “a suprema necessidade da guerra”. Assim, o lucro mesmo tem o seu valor em relação à potência. Não pela produção ou a riqueza em si, mas para a reorganização militar total da sociedade e também como um modo para atribuir um posto (na burocracia estatal, militar e política) e um papel à sua base social, ou seja, à classe média que não tinha mais uma função na produção. A pequena burguesia encontra na direção do partido, dos sindicatos, das instituições do corporativismo, das organizações de massa do fascismo uma via para ser classe dirigente como no período da guerra. É exatamente a autarquia e a preparação da guerra que tornam possível a hipertrofia das funções políticas, satisfazendo a pequena burguesia, o mundo militar, a velha aristocracia rural e todas as estratificações improdutivas e parasitárias essenciais para o seu bloco de poder (TASCA, 1972, p. 568).

Rosa Luxemburgo entendeu perfeitamente a natureza e a profundidade das contradições que marcaram a chamada “idade do imperialismo”, compreendendo antecipadamente as perspectivas autoritárias do seu devir; o Primeiro conflito mundial não era um simples furacão destinado a ser suplantado pelo céu azul e o sol da paz e da harmonia universal, pelo contrário, era apenas a madrugada de uma fase histórica caraterizada pelas formas mais profundas e desumanas de violência, brutalidade e dominação. “A guerra [escreveu] representa uma guinada para o mundo. É uma ilusão imaginar que precisamos apenas sobreviver, como um coelho esperando o fim da tempestade debaixo de um arbusto para, em seguida, recair alegremente na velha rotina” (LUXERMBURGO, 2011, p. 21).

Nesse sentido, podemos concluir, o fascismo é o produto das contradições objetivas e subjetivas das sociedades liberais em crise, mas também um desenvolvimento político e cultural não alheio à brutal civilização europeia que submeteu e escravizou os chamados “povos primitivos”. Não reconhecer esses elos orgânicos, recusando-se a historicizar e enquadrar filosoficamente premissas e causas racionais (enquanto reais) desse fenômeno, leva, inevitavelmente, à utilização das categorias anti-históricas da teratologia, que pretendem representar a realidade como resultado inexplicável da loucura, da monstruosidade e da deformidade.

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Notas

1 O presente artigo, fruto de estudos desenvolvidos a partir da minha relação à IX Jornada Internacional de Políticas Públicas (IX JOINPP) de São Luís, foi publicada também no número de abril de 2020 da Revista plurilíngue italiana “Ammentu. Bollettino storico archivistico del Mediterraneo e delle Americhe”

1 Nesse sentido, particularmente úteis se revelam as reflexões de Fabio Frosini em torno de Benedetto Croce e o fascismo como forma de revolução passiva renovada correspondente ao novo quadro histórico, uma barragem contra o perigo bolchevique e uma garantia dos velhos equilíbrios sociais passivos. Frosini F., La «storia d’Europa» di Benedetto Croce e il fascismo, Unicopli, Milano, 2019, p. 29-33.

2 Tratei difusamente essas questões na minha monografia. Fresu G., Nas trincheiras do Ocidente. Lições sobre fascismo e antifascismo, UEPG Editora, Ponta Grossa (Brasil), 2017.

3 Dobb fala da estreita conexão entre o advento do fascismo, a decadência das camadas médias, a crise econômica e as contradições do pós-guerra. O fascismo teria levado a efeito a função histórica de dispersar as organizações dos trabalhadores no interesse do grande capital, organizando espiritualmente a nação através de intensa propaganda radical e demagógica, da preparação militar e criação de uma base social de massa, bem como de uma direção centralizada. Uma vez chegado ao poder, o fascismo foi uma “revolução palaciana”. Apenas as massas foram arregimentadas com violência, enquanto nenhum tipo de regime particular foi imposto ao capital, nem às modalidades de apropriação dos lucros. Nesta chave de leitura, o fascismo é apresentado como filho da crise do capitalismo monopolista, que se encontrava diante de bloqueios seja para um desenvolvimento capitalista extensivo, seja para um desenvolvimento mais intensivo das relações de exploração.

4 Já em 1920, Gramsci teve consciência disso e escreveu que a contraofensiva das classes dominantes, além de varrer a luta política dos trabalhadores, teria apontado a absorção, no interior do Estado burguês, das instituições de associação econômica e social das classes exploradas.

5 Em particular, o projeto da valorização da moeda (a Lira), associada à diminuição de 10% dos salários, provocou o aumento dos preços e uma significativa redução do poder de compra dos trabalhadores. No verão de 1931, isso produziu uma grande mobilização popular entre as trabalhadoras rurais no Centro Norte da Itália que paralisou a produção de arroz.

6 Esses conceitos são articulados através de uma perspectiva histórica de mais amplo alcance no apontamento do Caderno 10 intitulado “Paradigmas da história ético-política”, segundo o qual, através da transformação do Estado e da criação do corporativismo, o próprio fascismo produzia mudanças na estrutura produtiva em direção da socialização e cooperação na produção, sem afetar as modalidades individuais e privadas de apropriação do lucro. Concretamente, isso significava que, por meio do fascismo, buscava-se um desenvolvimento das forças produtivas industriais, sem tirar a direção das mãos das classes tradicionais, permitindo, assim, ao capitalismo italiano sair da sua crise orgânica e competir com as potências capitalistas detentoras do monopólio de matérias-primas e de maior capacidade de acumulação.

7 No artigo Italia e Spagna de 11 de março de 1921, escreveu: “O que é o fascismo, observado em escala internacional? É a tentativa de resolver os problemas da produção e troca com metralhadoras e revólveres. As forças produtivas foram destruídas pela guerra imperialista. [...] se criou uma unidade e simultaneidade de crises nacionais que tornou duríssima e irremediável a crise geral. Mas existe um estrato da população em todos os países ‒ a pequena e média burguesia ‒ que pensa poder resolver estes problemas com metralhadoras e revólveres, e este estrato alimenta o fascismo, fornecendo a ele seus efetivos. Gramsci A., L’Ordine Nuovo 1919-20, Einaudi, Torino, 1987, p. 105.

8 Na sua obra Alguns pensamentos sobre a educação do 1693 John Locke aborda algumas questões fundamentais acerca da pedagogia oferecendo uma sua metodologia funcional à formação do moderno cidadão, um sujeito responsável dos seus próprios atos, isto é, o protagonista daquela ideia de sociedade burguesa apontada nas obras os Dois Tratados sobre o governo, a Epístola sobre a tolerância e o Ensaio sobre o entendimento humano. O patamar da visão educativa de John Locke é o homem livre da tirania e da inclinação humana geradora do despotismo: o amor por si mesmo. Locke J.; Alguns pensamentos sobre a educação, Almeida, Coimbra, 2012.

9 Na verdade, o próprio Lenin, como Plekhanov, viveu seus anos mais importantes de formação e produção na “civilizada” Europa.

10 “É ingênuo querer buscar as raízes nos superficiais e mecânicos conceitos das classes econômicas e das suas antinomias. Precisamos descer muito mais fundo, nos cérebros dos homens, e aí descobrir o mal, e só nessa dimensão tentar a cura na esperança de sair saudáveis”. Croce B., Scritti e discorsi politici, Laterza: Bari, 1963, p. 50.

11 “É verdade, essa [a tradição liberal do Risorgimento] tem conhecido vinte anos de uma triste, vergonhosa história; temos até visto os soldados da pátria de Mazzini e Garibaldi serem conduzidos em guerras injustas contra a França e a Grécia, ou a imitar, contra o costume e o temperamento italiano, procedimentos dos alemães nas terras da Iugoslávia: ainda temos o asco de tudo isso. Mas a Itália, por séculos e milênios, deixou uma grandiosa contribuição à civilização mundial, e não vão longe os anos nos quais, com as outras nações irmãs, floresceu de vida operosa e progressiva num perfeito regime liberal, e, junto com aquelas nações irmãs, sustentou uma longa e vitoriosa guerra. O que é na nossa história um parêntese de vinte anos? E este parêntese e toda a história italiana é também história europeia e mundial”. Croce B., La libertà italiana, nella libertà del mondo, discorso tenuto al primo congresso dei partiti tenuto a Bari il 28 gennaio 1944. Edizione a cura del Partito liberale italiano: Bari, 1944.

12 “[…] a primeira guerra mundial, além das aparências, representava não apenas o ato inicial da concatenação que levou ao fracasso de 1929, mas a primeira catastrófica manifestação de uma crise histórica mais profunda, que se desenrolou depois da guerra até a década dos anos Trinta”. Rapone, L., Di fronte alla crisi e al consolidamento del fascismo, no Volume Un nuovo Gramsci. Biografia, temi e interpretazioni, (a cura di) Francioni G., Giasi F., Viella, Roma, 2020, p. 75.

13 Segundo Robert Gilpin, frações do processo econômico, com o que se pode afirmar que o mundo atual figura na verdade menos integrado do que aquele do século XIX e até o período da Primeira Guerra Mundial. Sob o regime do Gold Standard e a influência da doutrina do laissez faire, os mercados foram mais determinantes e os governos tinham pouco poder sobre os negócios econômicos, enquanto os governos nacionais, hoje, têm mais instrumentos para gerir suas próprias economias. Conclui-se que a dimensão internacional do comércio, dos investimentos e dos fluxos financeiros era, portanto, mais extensa no final do século XIX, do que hoje. Gilpin R., Attori nell’economia globale. Culture e conflitti nella globalizzazione, (org.) E. Batini / R. Ragionieri S.; Olschki, Firenze, 2002, p. 33.

14 Um dos mais significativos exemplos deste tipo de análise acerca da base social do fascismo em Gramsci podemos encontrar no artigo Il popolo delle scimmie (O povo dos macacos), publicado em L’Ordine Nuovo de 2 de janeiro de 1921. Neste artigo, ele descreve a trajetória da pequena burguesia italiana desde os anos 80 do século XIX até o nascimento do movimento fascista. Com o desenvolvimento do capitalismo financeiro, esta classe perdeu a sua função na produção, tornando-se “pura classe política”, especializada no “cretinismo parlamentar”, seja com o giolittismo, seja com o reformismo socialista. A esta degeneração da pequena burguesia corresponde aquela do Parlamento, tornado uma casa de bate-papos demagógicos e escândalos, um meio para o parasitismo. Um Parlamento corrupto que inspira desconfiança e perde progressivamente prestígio entre as massas populares, levando-as a localizar na ação direta da oposição social o único instrumento de controle e pressão para afirmar a própria soberania contra os arbítrios do poder. É assim que o intelectual da Sardenha interpreta a semana vermelha de junho de 1914. Por meio do intervencionismo, do nacionalismo de D’Annunzio e do fascismo, a pequena burguesia imita a classe operária e desce às ruas. A decadência do Parlamento chegou ao máximo no curso da guerra, quando a pequena burguesia tentou consolidar a sua posição belicista servindo-se de uma mistura ideológica de imperialismo nacionalista e sindicalismo revolucionário. Na sua força antiparlamentar, segundo Gramsci, a pequena burguesia procurou organizar-se ao lado dos proprietários mais ricos, buscando um ponto de apoio entre os agrários e os industriais. Assim também a aventura conduzida por D’Annunzio se punha como “motivo sentimental”, embora o verdadeiro centro estivesse na defesa da propriedade industrial e agrária contra as reivindicações operárias e camponesas. Por sua vez, a classe proprietária tinha cometido o erro de crer que poderia se defender melhor do movimento operário e camponês, “abandonando os institutos do seu Estado aos caprichos histéricos da pequena burguesia”.

Quais as principais diferenças teóricas entre o liberalismo e o socialismo?

O liberalismo e o socialismo contrastam em relação ao papel do Estado na economia. Enquanto o liberalismo prevê que a economia deve ser regulada pelo próprio mercado através da lei da oferta e da procura, o socialismo prega uma maior intervenção do Estado como forma de garantir a justiça social.

Quais as características do liberalismo e do socialismo?

O liberalismo, herdeiro do pensamento iluminista do século XVIII, expressava o ponto de vista da burguesia, defendendo o capitalismo. Já o socialismo, em suas versões utópica e científica, expressava o ponto de vista do proletariado e propunha a abolição do capitalismo.

Qual é a relação que existe entre liberalismo e capitalismo?

O liberalismo econômico é uma das principais correntes teóricas do capitalismo, e defende a liberdade individual e limitação do Estado. O liberalismo econômico foi uma das principais correntes teóricas do capitalismo. É, também, a teoria que mais se aproxima da nossa realidade.

O que é fascismo Brainly?

Fascismo é um regime autoritário criado na Itália. Trata-se de um movimento político totalitário, que atua contra as liberdades individuais em nome do bem da nação. A palavra fascismo deriva do italiano fascio, que significa "feixe" e remete para uma "aliança" ou "federação".