O que é proteina spike

Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Montpellier, no sul da França, trabalha há mais de dois meses no projeto ProteoCovid-19. O estudo visa descrever a proteína Spike. Ela é usada pelo coronavírus para entrar nas células e entender seu funcionamento, e é essencial para a fabricação de testes diagnósticos mais confiáveis e tratamentos eficazes.

A proteína Spike também é alvo dos anticorpos produzidos pelo sistema imunológico depois da contaminação pela covid-19. Por isso, ela interessa muitas equipes de cientistas que correm contra o relógio para fabricar uma vacina contra o vírus, explicou à RFI Brasil Sylvain Lehmann, diretor do laboratório de bioquímica da universidade de Montpellier.

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"Por enquanto nossas pesquisas visam sobretudo melhorar o diagnóstico, mas o que descobriremos também pode ser útil para os projetos de vacinas", diz. Segundo ele, todos os coronavírus têm esse tipo de proteína, com algumas variações. "Essas diferenças podem ser importantes para detectar essa proteína da melhor maneira possível e tentar descobrir qual é a melhor maneira de fabricar anticorpos contra o vírus", declarou.

Ele lembra que o genoma do vírus é conhecido, mas o que é importante agora é descobrir como ocorre a modificação das proteínas nas células infectadas, que é desencadeada pelo gene atuante do Sars-Cov-2. Esse processo é chamado cientificamente de "expressão do genoma" ou "tradução em proteínas". Ele pode ser diferente em função do indivíduo e de suas especificidades genéticas.

No caso do coronavírus, por se tratar de uma doença totalmente nova, a questão é ainda mais complexa. A imprevisibilidade da Covid-19 pode ser constatada em suas múltiplas formas clínicas, que vão da ausência de sintomas a uma violenta inflamação, dependendo da reação de cada organismo, e que provoca a internação e superlotação das UTIs.

Diferenças bioquímicas

Um dos objetivos do estudo francês é saber se, em cultivo celular laboratorial, a Spike tem diferenças bioquímicas em relação à proteína viral produzida durante uma contaminação natural. Para isso, são necessários equipamentos e técnicas específicas, como a chamada espectrometria de massas, explica o cientista francês. A técnica permite a detecção e identificação das moléculas, para caracterizar suas estruturas químicas.

"Pegamos o vírus produzido no laboratório ou no organismo de uma pessoa infectada e em seguida cortamos a proteína viral. Estudamos cada pedaço dela de maneira precisa, para verificarmos as variações de composição da proteína", explica o especialista francês.

De acordo com ele, mesmo que apenas um gene atue no desenvolvimento da infecção gerada pelo coronavírus, as manifestações podem ser diferentes. "Cortando essa proteína em vários pedaços, podemos medir com precisão se os aminoácidos foram modificados e se açúcares foram acrescentados em alguns locais. É importante conhecer esses detalhes porque eles é que vão nos ajudar a reproduzir o vírus em uma futura vacinação", reitera.

Comparações de diferentes fontes

A análise do comportamento do vírus in vitro também é fundamental para o processo. A equipe já tem à disposição diversas amostras de pacientes, vírus sintéticos, e ainda aguarda a entrega das proteínas recombinantes, produzidas em outros laboratórios.

"Vamos comparar as proteínas sintetizadas quimicamente ou em laboratório, o que chamamos de proteína recombinante, com o vírus produzido in vitro, em cultura celular, e com o que achamos nos organismos dos pacientes. É comparando essas três fontes que estamos no caminho certo para produzir os melhores testes de detecção e as melhores pistas de vacinas", diz Sylvain Lehman. Ele lembra que o trabalho também permitirá "afinar" os testes de detecção de anticorpos, que ainda são pouco confiáveis.

Os pesquisadores franceses assinaram um contrato com uma empresa para que eles possam comparar as informações sobre a proteína do vírus e produzir, assim, um diagnóstico mais preciso. De um modo geral, o cientista francês disse estar otimista em relação ao avanço das pesquisas sobre o coronavírus. "Muita coisa foi feita em tempo recorde", avalia.

Várias publicações partilhadas nas redes sociais têm difundido a ideia que a proteína spike, que o nosso corpo produz como parte do processo de construção de imunidade espoletado pelas vacinas de mRNA, seria tóxica para as células do organismo, podendo danificá-las ou mesmo matá-las.

Entretanto removidas pelo Facebook e pelo Instagram, por terem sido consideradas veículos de informação falsa, as publicações direcionavam os leitores para um vídeo que defende a mesma tese e que ainda se encontra no Youtube.

Ao longo de 15 minutos, três indivíduos debatem a vacina contra a Covid-19 e referem-se repetidamente à proteína spike como “muito perigosa” e “citotóxica” (nome dado à toxicidade quando falamos num contexto celular).

“Há uma série de especulações sobre se o facto de a proteína spike ter um recetor que se liga a uma das nossas moléculas terá efeitos citotóxicos sobre as nossas células, mas eu não vi qualquer estudo convincente que apontasse nesse sentido”, diz o imunologista da Fundação Champalimaud Thiago Carvalho.

Nunca houve qualquer evidência de que houvesse alguma resposta imunológica anormal

paulo paixão – presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia

De facto, a evidência parece apontar precisamente no sentido oposto. O presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia Paulo Paixão refere que, inclusive, nos estudos que analisaram a imunidade celular (criada pelas células de memória T e mais duradoura relativamente aos anticorpos) “nunca houve qualquer evidência de que houvesse alguma resposta imunológica anormal nem in vitro (laboratório) nem in vivo (experiência de vacinação)”.

Também o imunologista do Instituto de Medicina Molecular (iMM) Luís Graça refere que “a proteína spike, em si, não tem características citotóxicas”.

Miguel Prudêncio, investigador principal do iMM refere ainda que “o material que é injetado vai ser processado por células próximas da zona onde a administração da vacina é feita, a proteína é produzida nessa mesma zona e fica, na sua vastíssima maioria, agarrada a membranas de células dessa zona”.

A quantidade ínfima [de proteína spike] que pode ficar no sangue não tem qualquer toxicidade associada, além de ser eliminada por enzimas do fígado ao fim de poucos dias

miguel prudêncio – investigador principal do imm

Ou seja, na sua maioria nem anda a circular pelo corpo e “a quantidade ínfima que pode ficar no sangue não tem qualquer toxicidade associada, além de ser eliminada por enzimas do fígado ao fim de poucos dias”.

Há células a morrer? Sim, mas são as que produziram a proteína spike

“É evidente que o fenómeno inicial de resposta às vacinas implica a destruição de algumas células, mas isso é o processo imunológico normal”, diz Paulo Paixão.

O que acontece quando somos vacinados, com qualquer vacina para qualquer doença, sublinha o virologista, é que o corpo desenvolve dois tipos de resposta. Por um lado, explica Luís Graça, produzimos anticorpos e, por outro, imunidade celular que “origina a produção de células que têm capacidade de matar células infetadas”com o antigénio ao qual a vacina reage.

No caso das vacinas de mRNA contra a Covid-19, esse antigénio é a proteína spike do coronavírus, mas Miguel Prudêncio sublinha que ela não é injetada no organismo. É-nos dada sim uma espécie de “receita genética” para que as nossas células aprendam a fabricar a proteína.

Depois, as células nas quais esta receita entra e espoleta a produção da proteína, que fica à sua superfície, serão, logicamente, mortas pelos anticorpos e pelas células de memória T, produzidos como forma de o corpo aprender a defender-se.

“É o processo normal, quer dizer que o corpo reconhece o antigénio e destrói as células onde ele está presente”, explica Paulo Paixão, sublinhando que é também esta a razão de alguns efeitos secundários, como a febre ou cansaço, que certas pessoas sentem nos dias imediatamente após terem sido vacinadas.

A produção de proteína spike é limitada

Este processo de destruição celular, que ocorre como parte da construção da imunidade, “é limitado no tempo” e, a certa altura, termina, “porque o estímulo não é continuado”, explica Paulo Paixão.

Até porque, como indica Luís Graça, “o objetivo é fazer com que se formem células e anticorpos específicos para esta proteína e depois ela desaparece”.

O objetivo é fazer com que se formem células e anticorpos específicos para esta proteína e depois ela desaparece

luís graça – imunologista do imm

Um estudo da Infectious Diseases Society of America refere que 14 dias após a primeira dose de vacina, a proteína spike era já indetetável no plasma sanguíneo dos vacinados, enquanto que, após a segunda dose, nem foi detetada.

Conclusão

O que é proteina spike

FALSO. Não existe qualquer tipo de evidência que indique que a proteína spike produzida nas nossas células após termos sido vacinados com uma vacina de mRNA (Pfizer ou Moderna) é tóxica ou mata células no nosso organismo.

Acontece precisamente o contrário: os anticorpos e as células T da imunidade celular que construímos irão matar as células que apresentarem a proteína à superfície e guardar a informação que aprenderam para o caso de, um dia, serem infetados pelo SARS-CoV-2.

Além disso, as vacinas de mRNA não injetam proteína spike no nosso corpo, mas sim instruções sobre como produzi-la. Esta é produzida, na sua grande maioria, junto do local da injeção e cerca de 14 dias após a primeira dose desaparece.

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