Por que a crise econômica dos anos 1980 afetou a transição do brasil para a democracia?

Tendo por referência o processo de transição para a democracia no Brasil o artigo coloca em questão as análises políticas que, concentrando-se em aspectos políticos-institucionais, não reservam papel analíticamente relevante à noção de Estado. O argumento central é o de que a crise do regime militar, a conseqüente democratização política, as mudanças sucessivas da política econômica a partir de 1985 e as dificuldades atuais para o país retomar o caminho do desenvolvimento, nada disso pode ser adequadamente entendido sem que se leve em conta a crise (ainda não resolvida) do Estado desenvolvimentista.

Taking as a reference the process of transition towards democracy in Brazil the author puts to task the political analyses that, by centering on politico-institutional features, fail to concede to the State its properly relevant analytical role. His main point is that one cannot adequately understand the crisis of the military regime, the following political democratization, the changes in economic policies after 1985 and the present difficulties for the country to resume the path of development without taking into account the (yet unsolved) crisis of the developmental ("desenvolvimentista") State.

DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Transição política e crise de estado* * Este artigo é uma versão corrigida de trabalho apresentado no seminário "Brazil in the so-called lost decade (1980-1990): what have we learned?" realizado sob o patrocínio do UNRISD na Universidade de São Paulo, em abril de 1993. No aperfeiçoamento do texto, recebi a ajuda do colega e amigo Gildo Marçal Brandão, a quem agradeço pela critica aguda e por várias sugestões.

Political transition and crisis of the state

Brasílio Sallum Junior

Professor de Sociologia na Universidade de São Paulo

RESUMO

Tendo por referência o processo de transição para a democracia no Brasil o artigo coloca em questão as análises políticas que, concentrando-se em aspectos políticos-institucionais, não reservam papel analíticamente relevante à noção de Estado. O argumento central é o de que a crise do regime militar, a conseqüente democratização política, as mudanças sucessivas da política econômica a partir de 1985 e as dificuldades atuais para o país retomar o caminho do desenvolvimento, nada disso pode ser adequadamente entendido sem que se leve em conta a crise (ainda não resolvida) do Estado desenvolvimentista.

ABSTRACT

Taking as a reference the process of transition towards democracy in Brazil the author puts to task the political analyses that, by centering on politico-institutional features, fail to concede to the State its properly relevant analytical role. His main point is that one cannot adequately understand the crisis of the military regime, the following political democratization, the changes in economic policies after 1985 and the present difficulties for the country to resume the path of development without taking into account the (yet unsolved) crisis of the developmental ("desenvolvimentista") State.

As transformações políticas ocorridas no Brasil durante a década dos 80 incluem-se, em grandes linhas, entre os chamados processos de transição que ocorrem na mesma época em vários países da América Latina, onde domavam regimes autoritários.

No caso brasileiro, a transição política não se inicia nem conclui-se nos anos 80. Começa em 1973, quando a cúpula do regime militar que dominava o país desde o golpe de 1964 escolhe o Gal. Ernesto Geisel para ocupar a Presidência da República. E não se encerra nos anos 80, pois mesmo depois da eleição direta do presidente da República, em 1989, ele não governa sob uma ordem institucional expressiva de um pacto político estável. Não convém, portanto, restringir a análise aos anos 80. Ela vai abranger também transformações ocorridas na década dos 70. Esta, porém não é uma dificuldade de monta.

A grande dificuldade de analisar a transição política brasileira está em que ela não se limita apenas à esfera político-institucional. Compreende também mudanças nas relações entre poder político, estrutura social e economia. Mais ainda: a transição ocorre em meio a transformações econômicas internacionais que marcam profundamente seu ritmo e características.

Isto significa que as análises usuais da transição, que focalizam apenas a dimensão recoberta nela noção de regime político, são claramente insuficientes para dar conta das mudanças políticas no Brasil, especialmente as ocorridas ao longo da década dos 80 e no início dos 90.

São insuficientes porque nestes anos entrou em crise a própria relação poder político/sociedade, que sustentou todos os regimes que organizaram a política brasileira desde 1930. Por esta razão, especialmente a partir dos anos 80, a transição não pode ser mais entendida apenas como uma mudança do regime político autoritário, mas também como uma alteração no tipo de Estado a ele associado.

Infelizmente, na análise da transição, tem sido raro o uso articulado das noções de Estado e regime político. Em geral, os cientistas políticos tem dado pouca importância ao conceito de Estado, identificado freqüentemente, na linha de Robert Dahl, ao conceito de sistema político.

O influente trabalho de Guillermo O'Donnel e Phillipe Schimitter sobre as transições do regime autoritário é o exemplo paradigmático deste uso marginal do conceito de Estado.1 1 Consultar Guillermo O'Donnel e Phillipe Schmitter, Transitions from authoritarian rule - Tentative conclusions, (Baltimore, John Hopkins Press, 1986). O procedimento, convém reconhecer, é até compreensível. A redução empobrecedora da noção de Estado a de sistema político torna, de fato, o conceito de regime muito mais pertinente para a análise da mudança política. é que ele diz respeito não apenas a um conjunto organizado de elementos — um sistema — mas também a um arranjo particular destes elementos, arranjo que resulta numa forma específica de distribuição do poder no sistema político. Ora, na análise da transição, o objetivo não é captar o caráter ordenado, sistêmico, da vida política mas a mudança de um modo de distribuir/exercer o poder para outro. Por isso, no interior desta orientação intelectual, o conceito de sistema/Estado faz parte do discurso mas não tem qualquer relevância analítica.2 2 Em artigo recente, O'Donnel reconhece a importância da problemática do Estado e faz observações muito pertinentes sobre o caráter mais ou menos institucionalizado das relações estatais. No entanto, o adensamento que promove no conceito de Estado, distinguindo os democráticos dos autoritários, só ocorre à custa do esvaziamento do conceito de regime político. Nessa medida, continua ausente do seu esquema teórico qualquer sintoma da presença estrutural da esfera socio-econômica no plano político. Consultar Guillermo O'Donnel, "Sobre o Estado, a democratização e alguns problemas conceituais". Estudo, nº 36, julho de 1993).

A rigor, da perspectiva de O'Donnel e Schmitter, mesmo o conceito de regime é pouco relevante. O que mais lhes importa são os processos de transformação de regimes autoritários em regimes democráticos, a liberalização e a democratização.

Isto não altera, no entanto, os termos do problema: na sua análise, a dimensão político-institucional — onde os fenômenos políticos se articulam em sistema autônomo em relação à sociedade e suas bases materiais — esgota a esfera da política. De fato, os dois processos mencionados dizem respeito a mudanças nas regras de distribuição do poder no sistema político. O processo de liberalização dos regimes autoritários torna efetivos certos direitos que protegem tanto os indivíduos como os grupos sociais de atos arbitrários ou ilegais cometidos pelo Estado ou por uma terceira parte; o processo de democratização institucionaliza certos procedimentos mínimos definidores da democracia política: "voto secreto, sufrágio universal, eleições regulares, competição inter-partidária, reconhecimento das associações voluntárias e responsabilidade executiva dos governantes".3 3 Guillermo O'Donnel e Phillipe Schmitter, op. cit., pg. 33

O'Donnel e Schimitter valorizam tanto as diferenças entre as formas de organização político-institucionais e sua autonomia, que as bases sócio-econômicas da política parecem ser-lhes indiferentes. As passagens de uma para outra forma são explicadas pela intervenção de atores, individuais e coletivos, cuja inserção sócio-econômica não parece relevante para a caracterização do seu peso político ou para a determinação da direção de sua intervenção no processo.

É preciso reconhecer que, ao contrário da maioria dos cientistas políticos, os economistas têm feito do Estado um dos principais tópicos de suas análises da crise dos anos 80. Entretanto, nelas o Estado comparece apenas como setor ou agente econômico inadequado. Seja porque apresenta desequilíbrio interno (desajuste fiscal, descontrole financeiro ou administrativo) que perturba o funcionamento do setor privado, seja porque intervém de forma indevida no sistema econômico. Desse ângulo, dominante no debate político, o Estado não é entendido como relação de domínio de certos grupos sobre outros mas identificado como "setor público". Neutralizado sociologicamente, o Estado/setor público passa a ser tratado como entidade sujeita a má administração, atribuída em geral à interferências políticas — dos partidos, dos interesses eleitorais e outros menos confessáveis. Dessa perspectiva, a política, onde impera a vontade, seria mera fonte de perturbações da racionalidade inerente à economia.4 4 Para uma crítica deste esvaziamento da política enquanto, sistema de regularidades, consultar Lourdes Sola, " Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem trans-disciplinar", in Lourdes Sola (org), O Estado da Transição, São Paulo, Ed. Vértice, 1988.

Certamente, não é este o tipo de conceito de Estado que a análise política carece. Interessa-lhe mais um conceito de Estado que vincule as desigualdades de poder com a estrutura social e suas bases materiais.

É exatamente isso que se obtém quando se adota uma noção de Estado que se refira ao pacto básico de domínio imperante em uma sociedade nacional determinada, pelo qual classes ou frações de classe, cujas posições são predominantes no mercado de bens e serviços, organizam sua dominação, dentro de certo território, sobre as classes negativamente situadas no mercado.

Como lembra Fernando Henrique Cardoso, o termo organizar aqui é chave, pois pressupõe que a unidade de interesses e objetivos entre classes distintas, mesmo que bem posicionadas no mercado, é problemática. Isto significa que "as classes dominantes devem fazer um esforço contínuo para articular seus objetivos diversos e ocasionalmente contraditórios através de agências e burocracias do Estado"5 5 Cardoso, Fernando Henrique. " Os Regimes Autoritários na America Latina", in Colier, David, (org.), O Novo Autoritarismo na América Latina, Rio, Paz e Terra, 1982, p. 46. . Conseqüência: em geral há uma dissociação, maior ou menor, entre as políticas de Estado e os interesses imediatos de cada uma das classes dominantes ou mesmo de uma aliança existente entre elas.

A dificuldade de se trabalhar com essa concepção de Estado, sumariamente apresentada, é que ele não aparece desta forma, como pacto de dominação entre classes, para os próprios partícipes da relação estatal. é que se o poder de Estado é resultante de uma relação de classes, ele só se efetiva por meio do complexo de instituições que compõem a face mais visível do Estado. Esse complexo institucional estabelece os parâmetros de domínio entre as classes, certos limites dentro dos quais as classes podem impor seus interesses. Assim a determinada forma institucional de Estado possibilita o exercício de certo pacto de dominação, que articula os setores os as classes dominantes sob a hegemonia de um deles e garante a manutenção dos explorados como dominados. Dentro dos mencionados limites institucionais, os interesses de classe, articulados sob a hegemonia de uma classe ou setor de classe dominante, efetivam-se no exercício do poder de Estado e, nessa medida, travestem-se de interesses públicos.

Como o exercício da hegemonia por uma classe ou setor de classe não implica necessariamente excluir a realização dos interesses de outras classes, mas apenas de subordiná-los, o poder de Estado pode ser exercitado de vários modos, sem que se rompa o padrão de domínio vigente. O complexo de instituições estatais que organiza esse "padrão" de domínio permite — exatamente porque as normas jurídicas tem um caráter genérico — grande flexibilidade no exercício da dominação.

Apesar da complexidade das relações entre conteúdo e forma de domínio, é possível periodizar a vida política das sociedades capitalistas segundo diversas articulações entre configurações específicas do poder de Estado, isto é, "padrões" de dominação entre classes, e os complexos institucionais por meio dos quais se organizam. Estas articulações entre conteúdos e respectivas formas de domínio podem ser denominadas regimes políticos"6 6 Sallum Jr, Brasilio. "História Administrativa: política públicas e regimes políticos", Cadernos Fundap, Ano 5, nº 9, maio de 1985. . O que é muito diferente da concepção já mencionada de Dahl.

Por último, este conceito de Estado, enraizando-se nas relações de mercado e remetendo a um sistema internacional de Estados, abre caminho para que as restrições existentes à autonomia econômica e política nacionais sejam incorporadas à análise política. Ou seja, o conceito de Estado é a via privilegiada para a análise das situações de dependência nas quais se inserem sociedades heterônomas como as latino-americanas7 7 Consultar Fernando Henrique Cardoso e E. Faletto. Desenvolvimento e dependência na América Latina. Rio, Zahar, 1970. .

É claro que é muito mais fácil enfatizar o que parecem ser limitações analíticas de uma certa corrente intelectual ou, mesmo, apontar caminhos que permitem superá-las do que efetuar uma análise alternativa mais consistente que a criticada. Apesar disso, espero poder pelo menos esboçar uma reconstrução mais compreensiva da transição política brasileira ampliando o foco da análise para além da esfera político-institucional.

A análise não tomará a década em seu conjunto, mas privilegiará os pontos de inflexão decisivos nos três períodos em que segmentam-se as transformações políticas da década dos 80.0 primeiro inicia nos anos setenta e encerra-se nos fins de 1982, quando são escolhidos por eleições diretas os governadores de Estado e o governo brasileiro recorre ao Fundo Monetário Internacional por incapacidade de pagar o serviço da dívida externa. O segundo vai até o fim do governo do general João Figueiredo, quando Tancredo Neves é eleito indiretamente como primeiro presidente civil do país depois de vinte anos de regime militar e o seu vice José Sarney toma posse no cargo em 15 de março de 1985. Por último, o terceiro termina no fim do governo Sarney quando toma posse o novo presidente da República, eleito diretamente, Fernando Collor de Melo.

O ESGOTAMENTO DE UM PROJETO

A política brasileira do começo dos anos 80 foi marcada pelo esgotamento de dois projetos políticos. Por um lado, foi bloqueado o projeto de construção, sob a égide do Estado, de um capitalismo industrial autárquico e com grande autonomia em relação aos processos de transnacionalização do capital que passaram a marcar progressivamente a cena internacional a partir da II Guerra Mundial. Em linhas gerais, isso será abordado na próxima seção.

Por outro lado, esgotou-se o projeto de liberalização do regime autoritário cuja execução foi iniciada em 1973, a partir da escolha de Ernesto Geisel como sucessor do Gal. Garrastazu Mediei na Presidência da República. Como mostrarei, este projeto de mudança política controlada acabou por ser superado pela própria dinâmica do processo de liberalização que desencadeou.8 8 Consultar especialmente Luiz Wemeck Vianna, "O Candidato de Conciliação Nacional", Presença nº 4, São Paulo, Ed. Caetés, Ago/Out, 1984. Vianna insiste na distinção entre projeto e processo desde 1980, para contrapor-se aos que viam na "distensão/abertura política" a expressão da vontade do príncipe. Ver suas "Notas sobre a conjuntura brasileira", Temas, nº 8, São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1980. Uma reflexão sistemática sobre a questão encontra-se em Gildo Marcai Brandão, "Abertura: processo e projeto", mimeog, 1981. No entanto, a perspectiva que assumo nesta seção é limitada. E isso tanto porque não me preocupo em identificar com precisão outros projetos de mudança ou conservação política presentes no processo como porque mantenho a análise no plano político-institucional.

O impulso para a liberalização do regime autoritário teve seu núcleo numa aliança entre duas facções militares que empolgaram a sucessão do presidente Garrastazu Mediei impondo ao conjunto das Forças Armadas a candidatura do general Ernesto Geisel. Esta aliança vinculava militares "liberais" simpáticos à orientação do primeiro presidente do período militar, gal. Castello Branco, à corrente "profissionalizante" das Forças Armadas, interessada em disciplinar a atuação dos órgãos de segurança e informação. A aliança, sob hegemonia "liberal", abraçava uma concepção autoritária do exercício do poder mas concebia a ingerência ativa dos militares na política apenas como missão temporária, ocasionalmente necessária para evitar ameaças à ordem. Em contraposição, a facção derrotada, então vinculada aos órgãos de segurança e informação do regime, via a participação dos militares nos negócios de Estado como função mais permanente, concepção que vitoriosa tenderia a manter o status quo.9 9 Esta forma de mapear as facções militares inspira-se em Roberto Campos, "A opção política brasileira", in Mario Henrique Simonsen e Roberto Campos, A nova economia brasileira, Rio, José Olympio Editora, 1974.

O objetivo da mudança política pretendida era atingir a "normalização institucional": liberalizar o regime não para superar a ordem autoritária mas para institucionalizá-la.10 10 Consultar entre outros Sebastião Velasco e Cruz e Carlos Estevam Martins, "Da distensão à abertura política", in Maria Herminia Tavares e Bernardo Sorj (org.), Sociedade e Política no Brasil pós-64, São Paulo, Brasiliense, 1983. Nesse sentido, o projeto de liberalização controlada foi, antes de tudo, um projeto de consolidação do domínio político. Ele envolvia:

a) Construir aos poucos, nas palavras de Roberto Campos, "um sistema consensual de democracia participativa (sic) com executivo forte — mas capaz de criar e acomodar demandas maiores de participação popular com mecanismos permanentes de legitimidade e lealdade sistêmicas". O processo de descompressão política seguiria, parafraseando o mesmo autor, uma agenda seqüencial de reformas políticas — restauração das garantias do judiciário, a liberação da circulação da informação e manifestação de opinião, a restauração do habeas corpus, a liberação do sistema eleitoral ao nível municipal e estadual (mas não federal) — culminando na substituição do 'estado de arbítrio', representado pelo AI-5, pelo chamado 'estado de emergência', isto é, um alargamento temporário do arbítrio do Executivo. Paralelamente, se desenvolveriam políticas sociais "compensatórias" que ampliassem os apoios da população em relação ao regime reduzindo a intensidade das demandas potênciais dirigidas a ele.11 11 Campos, Roberto, op. cit.tpp. 249 e 250.

b) Fortalecer o governo frente à corporação militar, isolando politicamente os setores "duros" e promovendo a "volta dos militares aos quartéis", isto é, às suas atividades típicas, sem lhes tirar, porém, a capacidade de intervir "cirurgicamente" em caso de perigo iminente para o regime.

c) Consolidar uma elite política civil orientada pelos "ideais da revolução de 1964" que pudesse manter-se no controle do novo regime, de tipo autoritário mas institucionalizado. Começariam por obter novamente o apoio e a colaboração política de setores civis liberais que sustentavam o regime no seu início mas dele se haviam afastado na medida em que as estruturas do Estado se militarizaram, aumentando — especialmente depois do Ato Instituciuonal nº 5 de 1969 — o coeficiente de arbítrio do governo. A idéia seria recompor, ao menos parcialmente, a aliança civil-militar que sustentara o regime inicialmente.

A efetivação desse projeto de liberalização não só foi gradual mas — tem razão Bolivar Lamounier — envolveu boa dose de experimentação. A ampliação das liberdades públicas e, em especial, dos direitos eleitorais ocorreu de forma muito dosada, descontínua, ziguezagueante — enfim, limitada — para que as mudanças não escapassem ao controle dos dirigentes do regime militar, que enfrentaram dificuldades crescentes de "enquadrar" as diversas forças políticas e o conjunto dos cidadãos na estratégia previamente traçada.12 12 Conforme Bolivar Lamounier, " Apontamentos sobre a questão democrática brasileira", in Alain Rouquier et alli (org), Como renascem as democracias, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1985

Exemplifico algumas dessas dificuldades. Em primeiro lugar, os condutores no processo de liberalização tiveram um sucesso apenas parcial na despolitização da cúpula militar e na restrição das atividades da "comunidade de segurança e informações". De fato, não conseguiram o engajamento ou mesmo a neutralidade destes setores em relação ao processo de institucionalização do regime autoritário. Assim, mesmo quando o presidente Geisel conseguiu se impor ao Alto Comando das Forças Armadas na escolha de seu sucessor na Presidencia da República, sua vitória veio com gosto de derrota. O seu sucessor escolhido, general Figueiredo, precisou se compor com os derrotados. Daí a presença forte no seu governo de tecnocratas da "era Medici" e de militares "duros" — quando muito resignados com a liberalização.

Em segundo lugar, o esquema de sustentação político-partidária do regime militar-autoritário não se mostrou forte o bastante para enfrentar com sucesso disputas eleitorais, especialmente nas grandes concentrações urbanas. A votação nos partidos governistas, na Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e no Partido Democrático Social (PDS) que a sucedeu, foi caindo de eleição para eleição. A proporção de votos obtidos pelo governo para a Câmara dos Deputados, por exemplo, passaram de 50, 5% em 1966 para 48, 4% em 1970, 40, 9% em 1974, 40, 0% em 1978 até chegar a 36, 7% em 1982. As perdas de respaldo eleitoral só não foram maiores porque os responsáveis pelo regime militar mudaram seguidamente as regras do jogo em favor do partido governista.13 13 Encontrar-se-á uma análise de conjunto dessas eleições em Bolivar Lamounier, "O 'Brasil autoritário' revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura", in Alfred Stepan, Democratizando o Brasil, Rio, Paz e Terra, 1988.

Em terceiro lugar, apesar da liberalização ter trazido de volta à participação política ativa lideranças políticas civis "revolucionárias" marginalizadas pela militarização do regime, a oposição política nunca aderiu ao projeto de institucionalização. Ou melhor: aderiu ao processo de "distensão" mas não aos seus limites autoritários; a oposição partidária participava do jogo mas sempre forçando a mudança das regras para ampliar seu "espaço" político.

Na verdade, a própria dinâmica da liberalização empurrava a oposição política, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e depois os partidos em que se desdobrou, contra os limites do projeto de institucionalização do regime autoritário. A razão principal disso é que a organização partidária instituida pelo regime militar — o bipartidarismo rígido criado pelo Ato Institucional nº 2 de 1966 — canalizava toda a insatisfação popular contra o governo e seu partido e favorecia a oposição. O interesse eleitoral estimulava, portanto, as tendências "moderadas" da oposição, isto é, aquelas que se inclinavam a aderir aos termos do projeto Geisel/Golbery de "distensão" e "abertura" do regime, a conservar distância do governo, à sombra da esquerda liberal que conseguia capitalizar eleitoralmente as frustrações de uma parcela crescente da população. Assim, o bipartidarismo contribuiu para que os interesses eleitorais reforçassem a resistência doutrinária dos liberais da oposição à implantação de uma versão civil e autoritária do regime militar.

Além dessas dificuldades, a própria dinâmica da liberalização foi reduzindo a capacidade de comando dos dirigentes sobre o processo. Quando assumiu o poder, em março de 1979, o general Figueiredo já não dispunha do Ato Institucional nº 5 para legalizar o arbítrio político. Eleja fora eliminado pela reforma constitucional de 1978, que restringira a possibilidade de suspensão de garantias individuais e políticas a situações emergenciais bem definidas. Ademais, diversamente dos inícios do governo Geisel, a liberdade de imprensa era usada de forma cautelosa, mas existia. O que reduzia a capacidade de manobra dos dirigentes do regime e ampliava a presença na cena pública dos que se opunham ao projeto de normalização institucional, pertencessem ou não aos quadros da "revolução de 1964". Além disso, a oposição política partidária e não-partidária, estava incomparavelmente mais organizada e enraizada entre a classe média e as camadas populares.

Apesar dessas limitações, em 1979, quando o gal. Figueiredo sucedeu o gal. Geisel na Presidência da República, ainda parecia que o processo de liberalização poderia ser moldado conforme o projeto de normalização institucional. No entanto, para o presidente Figueiredo e o estrategista da "abertura política" controlada, ministro do Gabinete Civil, Gal. Golbery do Couto e Silva, ela não podia continuar sob os velhos moldes, tinha que se orientar por um novo padrão.

Para eles, havia que aprofundar as reformas reduzindo a rigidez do sistema político — o caráter plebiscitario das eleições e a polarização rígida governo/anti-governo que marcava o sistema partidário — pois imaginavam que essa rigidez, criada pelo próprio regime, trabalhava agora contra eles, tirando-lhes aos poucos o comando sobre o processo de liberalização.

A anistia pelos crimes políticos c conexos (tortura) e a reforma partidária, ambas de 1979, foram parte da nova estratégia. Estimulando a volta de antigos líderes políticos do exterior com a anistia e facilitando a organização de novas organizações partidárias os estrategistas do regime não visavam apenas dividir a oposição, como por vezes se imagina.14 14 Esta interpretação encontra-se, por exemplo, em Maria D' Alva Kinzo, Oposição e Autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979), São Paulo, Ed Vértice, 1988.

O sentido básico da reforma era, já o mostrou Florestan Fernandes, dar mais flexibilidade e elasticidade ao quadro partidário para facilitar a sustentação político-eleitoral do regime autoritário. Neste sentido, o essencial da reforma partidária era possibilitar o surgimento de um partido alternativo de situação, que não fosse identificado com o governismo.15 15 Consultar Florestan Fernandes, A ditadura em questão, São Paulo, Zahar, 1981.

A reforma partidária, além disso, poderia criar condições propícias para a emergência, a médio prazo, de uma elite política ajustada aos novos tempos, pois as sucessivas reformas da legislação eleitoral — destinadas a reduzir o impacto das manifestações eleitorais oposicionistas — tornaram a sustentação política do regime cada vez mais dependente das elites políticas tradicionais, dissociadas do Brasil industrializado e urbanizado.

A nova estratégia imaginada pelo gal. Golberi pareceu, por um tempo, bem sucedida. Além do partido de oposição se fracionar em vários, militantes do antigo MDB e da ex-ARENA formaram o Partido Popular (PP), com o qual quebrar-se-ia a polarização governo/oposição e o regime autoritário ganharia uma alternativa partidária para sua sustentação política.

Entretanto, os artífices da liberalização controlada terminaram por não conseguir romper a lógica excludente do autoritarismo que definia o mundo político em dois campos, o da "revolução" e o da "não-revolução". Não puderam manter a disciplina e submeter à lei os militares que se opuseram ao projeto de reciclagem do regime por meio de atos terroristas. E, derrotados no interior da corporação militar, não conseguiram levar a cabo a estratégia destinada a ampliar as bases civis do regime autoritário, pela quebra da rigidez do sistema partidário.

De fato, o fracasso da tentativa de dar mais flexibilidade à face civil do regime autoritário resultou de uma mudança na correlação de forças no interior do seu núcleo militar. A comunidade de segurança e informações, depois de ter suas atividades severamente limitadas durante o governo Geisel, reagiu fortemente ao processo de abertura política. Do interior dessa "comunidade" surgiram, no começo do governo Figueiredo, grupos organizados para interromper a liberalização através de atos terroristas, culminando no fracassado atentado do Rio Centro em 1981.

A mudança na correlação de forças militares, que já era visível na impunidade dos responsáveis pelos atentados terroristas e na composição do Alto Comando do Exército16 16 Conforme Bernardo Kusinsky, Abertura, a História de uma Crise, São Paulo, Ed. Brasil Debates, 1982. , tornou-se evidente na apuração do atentado frustrado ocorrido no Rio Centro. Naquele episódio, dois oficiais da área de informações e segurança do I Exército feriram-se gravemente ao tentar fazer explodir uma bomba durante um espetáculo musical de artistas oposicionistas. O Exército, contra a opinião dos "castelistas", dentre os quais Golbery do Couto e Silva, bloqueou as investigações e inocentou os militares feridos de qualquer culpa.

Com esta decisão a facção militar dos "profissionais" se sobrepôs aos "castelistas" e — ao invés de submeter a oposição militar de direita pela aplicação da lei, como o faria em relação aos civis — neutralizou-a através de um acordo tácito, pelo qual a não-punição teve como contrapartida o fim do terrorismo militar e o enquadramento da oficialidade vinculada às áreas de segurança e informação à hierarquia.

Com a derrota dos "castelistas" no episódio Rio Centro e a saída de Golberi do governo Figueiredo, a rigidez "revolucionária" acabou se projetando no plano político-partidário.

A regulamentação das eleições de 1982, pelo chamado "Pacote de Novembro" de 1981, repolarizou em termos de regime/anti-regime o novo sistema partidário que já surgia a partir da reforma de 1979. Proibindo as coligações partidárias e obrigando a vinculação a um só partido dos votos dados a candidatos a prefeito, governador, deputado e senador, o governo inviabilizou a construção de uma alternativa partidária "confiável" para o regime e reafirmou o Partido Democrático Social — ex-ARENA — como o partido único da revolução. Resultado: o Partido Popular se dissolveu, ingressando a maioria dos seus integrantes no PMDB (principal herdeiro do MDB); e o governo voltou à política "primitiva" de reduzir o impacto dos avanços eleitorais das oposições através de mudanças nas regras político-eleitorais, privilegiando o PDS, para manter sob seu controle e, portanto, da "revolução", o Congresso Nacional e a sucessão presidencial.

Em suma, ao restringir, através do Pacote de Novembro, os efeitos da reforma partidária de 1979, os responsáveis pelo regime reafirmaram a dinâmica básica da liberalização. Enfraqueceram a oposição temporariamente, fragmentando-a, mas restauraram a polarização governo/anti-governo no plano partidário, o que empurrava o eleitorado para as oposições e estas para além dos limites da transição controlada, contra a mera reciclagem do regime militar, objetivo central do projeto de mudança política desencadeado em 1973.

A ironia deste episódio é que a solução corporativista dos "profissionais" resultou numa volta dos militares aos quartéis, objetivo também dos "castelistas", só que realizada extemporáneamente, antes da institucionalização de um regime autoritário sob controle civil Com isso, as facções militares foram neutralizadas politicamente, disciplinadas, mas ao preço da perda paulatina da capacidade de comando dos militares sobre os civis. Mais ainda, com a derrota dos "castelistas" e a conseqüente demissão gal. Golbery do Couto e Silva, o governo perdeu o principal estrategista da mudança controlada do regime. A meio caminho, o processo ficou sem uma força militar hegemônica que o conduzisse a termo.

Assim, o projeto de institucionalização do regime autoritário, que se iniciara em fins de 1973, chegava ao fim com a "solução corporativa" para o atentado do Rio Centro e a demissão de Golbery. O "pacote de novembro", que inviabilizou eleitoralmente o Partido Popular, já é uma afirmação da pureza "revolucionária" e dos interesses particularistas do PDS, o partido do governo. A reforma eleitoral de maio de 1982, que exige 2/3 dos votos para alterações na constituição e amplia as vantagens do partido oficial nas eleições indiretas para a Presidência da República, só confirma a derrota da estratégia de Golbery e o enrijecimento do sistema político.

Em suma, já antes das eleições de 1982, o projeto de liberalização controlada manifestava sinais claros de esgotamento, pela incapacidade das facções "revolucionárias" articularem-se para enfrentar os desafios da própria dinâmica do processo de liberalização. Seus conflitos internos neutralizaram sua capacidade de dirigir o processo de mudança política que desencadearam. Haviam liberado forças políticas que, impulsionadas pela mudança da sociedade e a deterioração do Estado, iam tornando anacrônico o regime militar-autoritário e o projeto de auto-reformá-lo.

Nas eleições de 1982, o regime militar colheu parte dos resultados do fracasso do projeto de institucionalização. O governo perdeu a maioria absoluta na Câmara dos Deputados pois o PDS elegeu 235 representantes ao passo que os quatro partidos de oposição (PMDB, PDT, PTB e PT) obtiveram 244 cadeiras. O PMDB elegeu 9 governadores e o PDT mais 1. Os maiores estados, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, passam a ser governados por partidos de oposição.

Apesar disso, os responsáveis de turno pelo regime militar ainda pareciam ter o controle do sistema político e dos processos de transformações que aí ocorriam. O partido oficial, por exemplo, além de ter o controle do Senado, conseguiu conservar em princípio uma maioria de 38 votos no Colégio Eleitoral responsável pela escolha do próximo presidente da República, a se realizar em janeiro de 1985. Além do mais, tanto nas votações do Congresso como no Colégio Eleitoral, o governo poderia contar com parte da oposição, especialmente os representantes do PTB.

Tratarei de explorar duas questões na seqüência: a primeira diz respeito ao pacto básico de domínio que sustentou o processo de mudança política que se acabou de discutir; a segunda, refere-se a relação entre os abalos sofridos nesse pacto de dominação e a desagregação democratizante do regime autoritário ocorrida a partir de 1983.

ESTADO DESENVOLVIMENTISTA E LIBERALIZAÇÃO

O processo de liberalização ocorrido até 1982 não pôs em xeque o padrão básico de dominação que sustentava o regime militar e, antes dele, os regimes políticos que moldaram a política brasileira desde os anos 30. Pelo contrário, a preservação da aliança sócio-política organizada por um Estado de tipo desenvolvimentista e sua renovação frente aos desafios vindos do ambiente externo e da sociedade foram essenciais para a manutenção de certo grau de controle dos dirigentes do regime militar sobre a liberalização.

Isso significa que a estratégia de liberalização controlada dificilmente se manteria, caso os desafios internos e externos — surgidos a partir de 1973 — tivessem quebrado a aliança desenvolvimentista. Numa situação como essa, a intensificação das tensões políticas resultaria, pelo menos no começo da liberalização — ainda nos anos 70, numa provável reversão do processo, com a reafirmação da rigidez autoritária.

De forma similar mas inversa, o processo de democratização ocorrido a partir de fins de 1982 tem como componente explicativo essencial as rupturas ocorridas na esfera do Estado. Quer dizer, a mudança política que culminou na derrota da cúpula governamental do regime na eleição para a Presidência da República, em janeiro de 1985, não pode ser explicada apenas pela dinâmica da "diarquia" surgida a partir das eleições de 1982, quando o poder político passou a ser partilhado com os governadores de oposição.17 17 Consultar Bolivar Lamounier, "Apontamentos sobre a questão democrática brasileira", op. cíl Como veremos, a crise do Estado é nuclear na explicação do processo de democratização do regime autoritário.

Nesta seção pretendo fazer um breve esboço das características da aliança sócio-política desenvolvimentista, e do Estado que a estrutura, mostrando depois as conexões entre a preservação desse pacto de dominação e o caráter da liberalização transcorrida até 1982.

Em linhas gerais, o padrão de dominação política que nasce e vem se renovando desde a chamada "revolução de 1930" apresentava as seguintes traços:

1) A partir dos anos 30, o Estado nacional passa aos poucos a constituir-se em núcleo organizador da sociedade e alavanca da construção do capitalismo industrial no país18 18 A exposição mais completa das características do Estado brasileiro no pós-30 encontra-se em Sônia Draibe, Rumos e Metamorfoses - Estado e Industrialização no Brasil: 1930/1960, Rio, Ed. Paz e Terra, 1985. . Tratava-se de um Estado de tipo desenvolvimentista capaz de impulsionar a industrialização em países de desenvolvimento tardio — em relação aos centros originários do capitalismo mundial — combinando certa autonomia organizacional e inserção na estrutura social subjacente19 19 Uso o termo em um sentido próximo mas não idêntico ao de Peter Evans, porque o seu conceito parece-se resvalar para o formalismo.. A análise que faz do casos particulares é apenas meio para identificar os requisitos sine qua non do Estado desenvolvimentista bem sucedido. Consultar Peter Evans, "O Estado como problema e solução", LuaNova, n s 28/29, 1993. . Como todo Estado desenvolvimentista, o brasileiro "desempenhou um papel estratégico no controle das forças de mercado internas e internacionais e na sua utilização em favor de um interesse econômico nacional", definindo-se, é claro, este interesse nacional de forma muito limitada, como se verá.20 20 White e Wade, "Developmental States and Markets in East Asia: An Introdution", apud Peter Evans, op. cit.

2) Apesar do Estado desenvolvimentista brasileiro ter como base uma sociedade de capitalismo dependente em que os capitais locais se associaram ao capital estrangeiro para atender e expandir o mercado interno, o sentido da ação estatal foi o de construir no país um sistema industrial nacionalmente integrado, tendendo para uma estrutura produtiva autárquica. Apesar da associação estar sempre presente, vale enfatizar que o capital estrangeiro variou em seu modo de participação. A partir do final da década de 50, sua modalidade típica, mas não exclusiva, passou a ser a da empresa multinacional.

3) Além de estimular a empresa privada a substituir importações industriais — por meio de proteção tarifária, subsídios e outros mecanismos — o Estado participou diretamente, através de empresas próprias, da geração de uma infra-estrutura básica para a indústria. O braço empresarial do Estado foi fundamental na produção siderúrgica, na indústria do petróleo, na produção de energia elétrica etc.

4) Apesar de industrializante, o Estado desenvolvimentista nunca foi representante político de uma burguesia conquistadora, com vocação para moldar a totalidade da vida social aos padrões do capitalismo industrial e da sociedade de classes plenamente desenvolvida. Pelo contrário, nascido em 1930 de uma peculiar acomodação entre oligarquias agro-mercantis e setores urbanos emergentes, o Estado foi se ajustando ao crescente domínio da burguesia industrial mas esta nunca rompeu politicamente com as frações "atrasadas" da burguesia, fossem rurais ou urbanas. De fato, o Estado desenvolvimentista acomodou, em posição subalterna, os mais variados ramos das classes proprietárias, quaisquer que fossem as formas de produção "primitivas" que as sustentassem. Por isso, certas veleidades reformistas das elites governantes — mesmo atingindo participantes menores no condomínio de poder — foram sempre sistematicamente esvaziadas. Exemplo disso foi o fracasso, em pleno regime militar de 1964, das tentativas governamentais de reformar a estrutura agrária, com a penalização da propriedade improdutiva da terra. Elas não conseguiram superar o poder de veto da burguesia agrária.

5) A ideologia do desenvolvimento foi uma expressão simbólica especialmente ajustada a este condomínio entre facções proprietárias no poder e ao caráter conciliador da aliança burguesa que o dirigiu. Reversamente, a natureza acomodaticia desse pacto político inclinava o Estado a resistir a pressões tendentes a reduzir o excedente econômico disponível, que obrigassem a cortar quotas-parte de qualquer dos seus participantes. Daí que a associação com o capital estrangeiro não resultasse apenas da imposição de fora para dentro — como interpretam os seus críticos de esquerda — mas também tenha sido desejada de dentro, exatamente porque amplificava as possibilidades de acumulação de capital e, conseqüentemente, de uma construção não conflitiva do capitalismo industrial.

6) As tendências corporativas dominantes no período de gênese do Estado desenvolvimentista — as décadas de trinta e quarenta — reforçaram a herança colonial patrimonialista como traço marcante da estrutura estatal. As esferas pública e privada passaram a se articular através da estrutura corporativa do Estado.21 21 Sobre o corporativismo do Estado brasileiro consultar, entre outros, Eli Diniz, Neo-liberalismo e corporativismo: as duas faces do capitalismo industrial no Brasil", Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 20, ano 7, out. de 1992. Encontra-se também aí idéia que aparece mais adiante sobre o corporativismo bipartite, que exclui os trabalhadores. Por meio desse arcabouço institucional, o Estado desenvolvimentista incorporou no seu interior, de forma segmentada, interesses econômico-regionais ou econômico-funcionáis, fossem eles tradicionais ou modernos. Assim, por exemplo, grupos tradicionais com forte marca regional, como os ligados ao açúcar, ao café, ao cacau etc, passaram a ter presença pública em órgãos da administração indireta como o Instituto do Açúcar e do álcool, o Conselho Nacional do Café, a Comissão Econômica da Lavoura Cacaueira e assim por diante. Além disso, trabalhadores e empresários vincularam-se ao Estado por meio de uma rede de organizações formadas pelos sindicatos oficiais, federações e confederações de categoria profissional ou de setor empresarial, e pela Justiça do Trabalho.22 22 Consultar a respeito José Antonio Giusti Tavares, A estrutura do autoritarismo brasileiro, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1982, cap.III Desta forma, os segmentos de classe não se organizavam autónomamente para travar alianças, lutar entre si e/ou pelo controle do Estado. Pelo contrário, as disputas se deram primordialmente por intermédio do Estado, através do qual cada segmento da sociedade adquiria direito de participação na vida pública.

7) Tal como os anteriores, esse pacto de dominação sustentou o padrão colonial de exploração existente até hoje na sociedade brasileira, no qual — como mostrou Caio Prado Jr na década de 1940 — as classes proprietárias se apropriam dos frutos da modernização econômica que promovem e deles excluem sistematicamente a maioria da população. Este circuito fechado apenas se entreabre para os de baixo — classe média, frações dos assalariados empregados nas grandes empresas privadas ou estatais — na estrita medida em que a continuidade da sociedade excludente o impôs. Essa exclusão encontra sua expressão no corporativismo estatal bipartite que viabilizava a participação das elites industriais nas estruturas de poder mas excluía os trabalhadores.

É claro que o Estado desenvolvimentista não se manteve idêntico desde os seus inícios. Os diferentes regimes políticos que se sucederam no pós-30 expressam a incorporação de novos segmentos sociais ao pacto de dominação e formas distintas de organizá-lo. é o que também ocorre com o regime militar-autoritário desencadeado pelo golpe armado de 1964. Ele reitera as características do pacto desenvolvimentista mas com inovações importantes em relação ao período imediatamente anterior. Entre tais mudanças destacam-se, por exemplo, o estímulo à expansão do setor financeiro do capitalismo local, em associação com sua face internacional, e a completa exclusão política das organizações de trabalhadores.23 23 Sobra a reforma financeira realizada depois do golpe de 1964 consultar José Carlos de Assis, Análise da Crise Brasileira: da internacionalização bancária com Castelo à capitulação externa com Sarney, Rio, Editora Forense, 1988.

De qualquer modo, há hoje um amplo consenso de que a afirmação máxima das características do Estado desenvolvimentista ocorreu durante o regime autoritário, especialmente no governo Ernesto Geisel, quando da implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1975 em diante. O plano constituiu-se num ambicioso programa de substituição de importações, efetuado sob a égide do Estado mas com maciça utilização de empréstimos externos. Destinava-se a enfrentar o estrangulamento externo, ocasionado pela alta dos preços das materiais primas e exacerbado ao máximo pela elevação extraordinária dos preços do petróleo em fins de 1973. Essa mudança das condições internacionais pusera em xeque o padrão de desenvolvimento industrial anterior — liderado pelo setor produtor de bens de consumo durável, o tipo de Estado que o orientava e a expansão extraordinária do capitalismo que marcara o último qüinqüênio, os anos do "milagre econômico" (1968-1973).

Tendo como horizonte a transformação do Brasil numa nação-potência, a onda de investimentos promovida pelo II PND concentrou-se nos setores de bens de capital e intermediários. Supôs que a empresa estatal liderasse essa mudança de padrão industrial reforçando, ao mesmo tempo, o capital privado nacional vis-a-vis o capital estrangeiro no interior do sistema produtivo. Com isso, o plano visava reequilibrar o famoso tripé de capitais que caracterizava o desenvolvimento dependente-associado, reforçando o seu lado nacional. Mesmo com as dificuldades de execução, ampliou-se sem dúvida a autonomia industrial do país frente ao exterior e as taxas de crescimento do PIB, embora menores que as vigentes nos anos do "milagre econômico", mantiveram-se ainda elevadas. Mas ao preço, é claro, de um aumento da dependência financeira em relação ao sistema internacional de capitais.

A solução "heterodoxa" — mas típica do Estado desenvolvimentista, de ajuste pelo crescimento, funcionou como um colchão de proteção que reduziu o impacto político negativo do desequilíbrio externo sobre a continuidade do projeto de institucionalização do regime autoritário. Veja alguns dos efeitos políticos do II PND:

1) Evitou o acirramento das tensões políticas que resultaria da adoção de uma resposta ortodoxa ao estrangulamento externo. Como mostrou Albert Fishlow, mesmo que apresentasse eficácia econômica — o que é discutível —, uma política convencional, orientada para o mercado, conduziria à redução da renda do país para conformá-la à deterioração dos termos de intercâmbio, ocorrida a partir de 1973/74, à desvalorização do câmbio, à realimentação da inflação doméstica e a políticas fiscal e monetária que contivessem a elevação dos preços dentro de limites "toleráveis".24 24 Albert Fishlow, "A história de dois presidente. A economia política da gestão da crise", in Alfred Stepan (org), Democratizando o Brasil, Rio, Paz e Terra, 1985. Enfim, uma resposta ortodoxa à crise conduziria a restrições econômicas imediatas que acirrariam os conflitos distributivos entre todas as classes, reduzindo as possibilidades do governo promover com sucesso a "distensão" política em que se empenhava.

2) Apesar do II PND visar uma mudança do padrão de desenvolvimento industrial, tentou evitar o rompimento com o padrão anterior, cujo apogeu fora atingido durante o "milagre econômico". Esta política de compromisso não apenas consta do plano mas apareceu especialmente na sua execução política. Com isso, o II PND acabou por reiterar o caráter acomodaticio da aliança desenvolvimentista, tornando-se uma peça política que tentava costurar as forças heterogêneas que davam suporte político ao regime e que se faziam presente no interior do aparelho de Estado mediante toda uma teia de relações que as vinculavam às diferentes agências, ramos e organismos do mesmo.25 25 Conforme Sebastião Velasco e Cruz, "Estado e Planejamento no Brasil - 1974/1976 - notas sobre um trabalho de Carlos Lessa", Estudos Cebrap, nº, 27. A referência diz respeito a Carlos Lessa, A Estratégia de Desenvolvimento 1974-1979 - Sonho e Fracasso, Tese de Professor Titular apresentada à Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, Rio de Janeiro, mimeogr., 1978.

3) Por último, a estratégia de "ajustamento" do governo Geisel expandiu em termos regionais o núcleo economicamente privilegiado da aliança desenvolvimentista, antes muito concentrado no Estado de São Paulo. Exemplos disso foram os estímulos dados à ocupação do centro-oeste do país pela agricultura comercial baseada em meios industriais de produção e a implantação do polo petroquímico do Estado da Bahia. Ademais, o governo federal diminuiu a rigidez dos controles sobre o endividamento externo dos governos estaduais e principais municípios, o que permitiu entre outras coisas uma expansão enorme dos investimentos das concessionárias estaduais de energia elétrica.26 26 Conforme Guilherme da Silva Dias, "Reformas econômicas — o eixo federativo e as novas coalisões", texto mimeografado, versão provisória.

Ao renovar e ampliar a aliança desenvolvimentista, o governo Geisel conseguiu, pelo menos temporariamente, assegurar o consentimento do topo da sociedade ao seu projeto de transformação política, inclusive para as medidas legais de autoproteção do grupo no poder, como as que distorciam as manifestações do eleitorado ou restringiam draconianamente a liberdade dos candidatos nas campanhas eleitorais.

Entretanto, o projeto de institucionalização do regime autoritário e a preservação do Estado desenvolvimentista foram submetidos também a outros desafios, surgidos do dinamismo da sociedade que começava a extravasar os moldes estreitos, corporativos, do Estado vigente.

Este dinamismo resultou, na verdade, do extraordinário desenvolvimento capitalista que ocorreu no país desde a segunda metade dos anos 60 e por toda a década de 1970, produzindo drásticas mudanças na estrutura e nas formas de organização social. O Brasil industrializou-se e ampliou seu setor de serviços, urbanizou-se e a população concentrou-se especialmente nas cidades médias e grandes. Isso foi acompanhado de um grande crescimento do proletariado industrial e de uma classe média assalariada gerada pela expansão das ocupações tecno-científicas e burocráticas ligadas à grande empresa e da administração pública.27 27 Conforme Wanderley Guilherme dos Santos, " A "Pós-Revolução" brasileira", in Helio Jaguaribe et alli, Brasil: sociedade democrática, Rio, José Olympio Editora, 1985.

Vários autores chamam a atenção para o fato de que estas alterações na morfologia da sociedade resultaram — com o estímulo da liberalização política — em novas formas de organização dos segmentos sociais. Surgem ou renovam-se centenas de associações, "não imediatamente políticas que articulam e dão identidade coletiva aos agentes sociais, moldam o seu comportamento e veiculam suas demandas. Centenas de associações empresariais, de moradores, de técnicos, de trabalhadores, surgiram paralelamente às formas estatais de intermediação de interesses. Mesmo quando a forma de articulação continuava estatal, os padrões de conduta já não se subordinam ao Estado".28 28 Brasilio Sallum Jr, "Por que não tem dado certo: notas sobre a transição política brasileira", in Lourdes Sola (org), op. cit.

O importante a ressaltar a respeito, é que o novo padrão associativo e suas práticas — além de pôr em xeque diretamente a capacidade do Estado regular como antes a sociedade, tornando mais flexíveis os controles corporativos tradicionais29 29 Ver a respeito Renato Boschi, "Entre a cruz e a caldeira: classes medias e política na terra da transição", in Sônia Larangeira (org), Classes e movimentos sociais na América Latina, São Paulo, Hucitec 1990. — expressam em geral o descompasso entre a complexidade crescente da sociedade e os mecanismos de representação/cooptação política até então vigentes, apontando para o anacronismo do Estado desenvolvimentista vigente e do regime militar.

Apesar desse descompasso ganhar uma expressão mais orgânica e evidente nos embates travados pelo novo sindicalismo operário a partir do final dos anos 70, a manifestação mais típica da incapacidade do velho Estado controlar a nova sociedade que surgia do desenvolvimento capitalista recente foram as sucessivas derrotas eleitorais sofridas pelo governo militar e seu partido político a partir de 1974.

Todavia, enquanto foi possível absorver de forma controlada os efeitos das mudanças que ocorriam no ambiente internacional, renovando a aliança política organizada em torno do Estado desenvolvimentista, as pressões provenientes da sociedade, inclusive as eleitorais, puderam ser parcialmente contidas e, como foi visto na seção anterior, o governo conseguiu moldar de algum modo o processo de liberalização.

Quando, enfim, as pressões externas não puderam mais ser absorvidas de forma controlada e mudou a correlação de forças entre as diversas facções militares que disputavam o poder, o governo acabou perdendo completamente a direção do processo de liberalização que se transformou, impulsionado pela crise da aliança desenvolvimentista, em processo de democratização.

No que diz respeito aos abalos de origem internacional que atingiram o Estado desenvolvimentista, basta dizer que a estratégia Geisel de enfrentamento da crise envolvia uma dependência financeira tão grande em relação ao exterior que uma piora nas condições do balanço de pagamentos poderia obrigar a uma mudança drástica de trajetória.

Explico melhor: enquanto as taxas internacionais de juros mantinham-se relativamente baixas e o preço do petróleo conservava-se no mesmo patamar, o país conseguiu preservar sua capacidade de pagamentos absorvendo novos capitais que permitiam rolar a dívida, isto é, pagar as obrigações referentes à divida velha com novo endividamento. A partir da alta violenta da taxa internacional de juros em 1979 e da nova elevação do patamar dos preços do petróleo, a capacidade de adaptação da economia brasileira ao ambiente econômico internacional foi posta em cheque. Restringiu-se paulatinamente o acesso do Brasil ao mercado internacional de capitais até a completa interrupção dos fluxos voluntários a partir do "setembro negro" mexicano de 1982.30 30 Brasilio Sallum Jr, " Por que não tem dado certo..."., op. cit.

CRISE DO ESTADO E DEMOCRATIZAÇÃO

Meu argumento central aqui é o de que a crise do regime militar e a conseqüente democratização política do país tiveram na crise do Estado uma fonte crucial de impulsão. Ela contribui decisivamente para o fim do regime autoritário mas estende-se para além dele. Na verdade, aprofunda-se depois e até hoje não foi superada. é a crise do Estado que está na raiz da instabilidade econômica dos anos 80 e 90 e explica as dificuldades do Brasil se fixar num regime político estável.

Em termos estruturais, a crise que atingiu o Estado de forma aguda na década de 80 tem duas fontes básicas já atuantes desde os anos 70, como mostrou-se na seção anterior. O impulso mais importante decorreu das pressões que o sistema capitalista internacional, de várias formas, desencadeou sobre a economia nacional. A outra fonte de crise foi a complexidade cada vez maior da sociedade que restringiu a capacidade do Estado controlá-la. De todo o modo, qualquer que fosse a origem das pressões que atuaram sobre o Estado, elas não podem ser confundidas com eventos específicos. Constituíram-se em processos que ao longo do tempo assumiram diferentes formas ou foram mudando de aspecto ao longo dos anos.

No entanto, há um largo consenso de que o estrangulamento das fontes externas de financiamento da economia brasileira foi o fator final de precipitação da crise do início dos anos 80. As conseqüências políticas da "crise da dívida", porém, foram muito amplificadas pela forma como se tentou superar o desequilíbrio do balanço de pagamentos. Primeiro por uma política extemporânea de crescimento, em 1979 e 80, e depois por uma recessão cada vez mais intensa, destinada a "ajustar" a economia para a produção de saldos positivos e crescentes no comércio exterior que permitissem fazer frente aos juros da dívida externa, nos moldes propugnados pelo FMI.

Com a interrupção das fontes externas de financiamento — resultante da moratória mexicana ocorrida em setembro de 1982 — e a exigência feita pelos credores de que fosse honrado integralmente o serviço da dívida anterior, o governo foi colocado frente ao seguinte dilema: ou bem o sistema econômico nacional gerava saldos comerciais em dólar que pudessem remunerar os credores internacionais; ou então teria que romper com eles, sob pena — dizia-se na época — de interrupção dos créditos ao comércio externo ou até de arresto de propriedades brasileiras no exterior.

A opção governamental foi a de preservar as relações com o sistema financeiro internacional e recorrer ao FMI para obter um empréstimo de emergência que mantivesse o fluxo de pagamentos de juros e para obter aval para sua política de "ajuste" econômico, facilitando um acordo de alongamento dos prazos da dívida externa com os credores.

Mesmo que o ajuste recessivo não tenha ocorrido na medida desejada pelo FMI — em maio de 83, o Fundo suspendeu a segunda parcela do empréstimo que concedera alegando que o governo não cumprira as metas acordadas — ele foi perseguido com muita determinação e com o autoritarismo característico do regime militar. Assim, a trajetória recessiva, que vinha sendo desenvolvida desde 1981, se aprofundou. Resultados: redução dos gastos públicos, juros elevadíssimos, redução das tarifas, da lucratividade e dos investimentos das empresas públicas, achatamento do lucro e estancamento dos investimentos privados, redução dos salários reais e queda assustadora do emprego industrial — e inflação ascendente.

As conseqüências políticas da opção feita pelo governo Figueiredo foram graves a ponto de ocasionar as primeiras rachaduras num edifício tão sólido e duradouro como o pacto de dominação estruturado pelo Estado desenvolvimentista.

Tais rachaduras manifestaram-se, de forma mais óbvia, na crescente dissociação entre o empresariado privado e o governo, ou seja, entre seus interesses e aspirações e a estratégia governamental de enfrentamento do estrangulamento externo. Do mesmo modo, mas de maneira mais discreta, aparecem fraturas políticas entre a tecno-burocracia das empresas estatais e o governo.

Os primeiros sintomas sérios da dissociação empresariado/ governo surgiram logo depois das eleições de novembro de 1982, quando as autoridades comunicaram oficialmente — quebrando todas as promessas e o mito da administração cuidadosa da dívida — que recorreriam ao FMI para poder pagar aos credores. Desenvolveu-se uma inusitada movimentação empresarial em que se discutia a crise, criticava-se o modo do governo enfrentá-la e aventa-se alternativas em palestras, seminários e até através do rádio e da televisão.

Não pretendo aqui analisar o esboroamento paulatino das relações empresariado/governo. Basta dizer que a grande e súbita desvalorização do câmbio, em fevereiro de 1983, contrariando novamente compromissos anteriores; as surpreendentes e violentas manifestações de protesto de milhares de desempregados no Rio e em São Paulo, no começo de abril, gerando o fantasma da "convulsão social"; e o fracasso do governo em realizar sua própria estratégia, marcado pela interrupção, em maio, da liberação de recursos pelo FMI; tudo isso, em suma, ampliou o fosso que se abrira no final de 1982 entre os condutores do pacto desenvolvimentista e o empresariado local, uma de suas três colunas de sustentação.

O mais importante, porém, é que a dissociação do empresariado em relação ao governo não se limitou apenas a críticas pontuais. Ainda em 1983, surgiram do meio empresarial propostas de alternativas ao tipo de combate que o governo travava para superar o estrangulamento externo e à recessão interna — sinal claro de que o pacto de dominação, nos termos de Antônio Gramsci, fora afetado por uma crise de hegemonia. Voltaremos a isso mais adiante.

Basicamente as propostas desenharam duas estratégias alternativas, uma de cunho neoliberal e outra nacional-desenvolvimentista.31 31 Consultar Brasilio Sallum Jr e Eduardo Kugelmas, "O Leviatã acorrentado: a crise brasileira dos anos 80", in Lourdes Sola (org), Estado, Mercado e Democracia, Rio, Paz e Terra, 1993. Ambas recusavam o tipo de renegociação da dívida externa adotada pelo governo — em que o Brasil pagava todo o principal mais juros e só renegociava os prazos. Propugnavam uma distribuição das perdas entre o Brasil, os bancos e os governos credores.

Divergiam, no entanto, no que diz respeito ao "ajuste" interno. Para a vertente neoliberal, a estabilização deveria ser buscada pela quebra do intervencionismo estatal — fim dos subsídios e transferências para as empresas estatais — e pela reativação dos mecanismos de mercado. O Estado se dedicaria às políticas sociais compensatórias e o país deveria se abrir para uma participação maior na divisão internacional do trabalho, concentrando-se na agricultura e na produção industrial de tecnologia já assimilada e absorvendo do exterior produtos de tecnologia avançada. Essa orientação ideológica tinha a simpatia não só de lideranças ligadas à agricultura moderna de exportação mas principalmente do empresariado comercial.32 32 O documento de referência a propósito foi publicado pela Câmara de Estudos sobre o Desenvolvimento Econômico e Social da Sociedade Rural Brasileira.(1983)

Para a vertente nacional-desenvolvimentista, a ênfase estava na reforma do sistema financeiro, destinada a subordiná-lo ao crescimento industrial e reduzir os ganhos especulativos. Nela o Estado aparece como centro planificador de um desenvolvimento basicamente autárquico, com ênfase na integração do sistema industrial e na internalização de toda a indústria "de ponta". Além do que esboçava a possibilidade de incorporar os assalariados organizados através da adoção de uma política negociada de rendas. Os simpatizantes dessa orientação concentravam-se principalmente na industria privada nacional e na burocracia empresarial do Estado.33 33 O documento de referência sobre isso foi publicado pelo Foram da Gazeta Mercantil, do jornal Gazeta Mercantil. (19S3)

Uns e outros, neoliberais e nacionai-desenvolvimentistas, expressam projetos de reforma do pacto de dominação que o próprio governo corroía de outra forma. Os neoliberais reduzindo a participação das empresas estatais e da industria em relação ao capital estrangeiro e à agricultura empresarial e distribuindo renda através de políticas sociais. Os neo-desenvolvimentistas reduzindo a autonomia do capital financeiro e privilegiando a industria local, especialmente a privada nacional e a organizada em empresas estatais. O assalariados ganham nesta vertente, pois são incorporados como membros ativos e reconhecidos da luta pela distribuição da renda.

Estas polarizações ideológicas, que expressam interesses divergentes de facções do pacto de dominação existente, vão marcar toda a década de 80 e ainda perduram — atenuadas, é verdade — até os dias de hoje, porque a transição de Estado não se encerrou.

Como afirmei anteriormente, a dissociação política entre as autoridades governamentais e a burocracia empresarial do Estado, outro dos trís pilares do pacto desenvolvimentista, foi muito menos evidente do que em relação aos empresários privados.

É sabido que foi através da administração descentralizada que o poder público se expandiu economicamente no pós-64. A empresa pública ou de economia mista foi a forma institucional básica por meio da qual o regime militar aprofundou de modo extraordinário a participação estatal nas atividades produtivas. As relações entre as várias instâncias da administração pública, consubstanciadas no Decreto-Lei 200 de 1969, resultaram em crescente autonomia gerencial das empresas estatais em relação ao poder central. Elas passaram a se conduzir, não como entidades públicas subordinadas a um interesse supostamente geral, definido em centros de poder mais elevados no interior do Estado, mas como corporações privadas cujos interesses são, no mínimo, a autoconservação e, se possível, a expansão máxima.34 34 Conforme Brasilio Sallum Jr, "Por que não tem dado certo.. ", op.cit.

Enquanto o governo federal manteve uma política compatível com os impulsos de crescimento e diversificação das atividades das empresas estatais, estas não ofereceram resistência às suas diretrizes — mesmo aquelas que pudessem prejudicá-las a longo prazo, como a de ampliarem o seu endividamento externo em nome da preservação das reservas nacionais em moeda estrangeira. Logo que o padrão de financiamento da economia entrou em colapso e o governo central passou a jogar boa parte dos custos dos "ajuste" sobre empresas estatais — reduzindo tarifas, bloqueando seu acesso a financiamentos internos, limitando tranferências de recursos do Tesouro e impondo redução nos seus gastos de custeio — elas passaram a oferecer tenaz resistência às determinações das autoridades.35 35 Encontra-se uma ótima exposição das tentativas impor às empresas estatais o ônus do "ajustamento" em José Carlos de Assis, op. cií., cap. EI.

Entretanto, apesar da burocracia empresarial do Estado ter sido a grande vítima da estratégia governamental, ao menos entre os participantes principais da aliança desenvolvimentista, sua condição de subordinação a uma ordem política autoritária limitou as formas de expressão de sua resistência.

Os sintomas mais claros de oposição ocorreram quando o governo, sob pressão do bloqueio do empréstimo do FMI, decidiu aprofundar o ajuste recessivo fazendo cortes drásticos na remuneração dos funcionários das estatais. Desencadeou-se então, em junho, a primeira greve da indústria petroquímica estatal (na refinaria de Paulínea, em São Paulo) e uma grande passeata de protesto dos funcionários das grandes empresas estatais (Petrobrás, BNDES, Eletrobrás etc.) no centro do Rio de Janeiro. Frente a isso, o govemo recuou nas suas intenções originais e promulgou um decreto-lei sobre salários menos draconiano.

A greve e a passeata, na verdade, eram a ponta do iceberg de uma resistência surda aos comandos governamentais: são conhecidas as enormes dificuldades da Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST) — criada em 1979, na gestão do todo poderoso ministro do Planejamento Antônio Delfim Netto — até para obter informações sobre suas "controladas".

Além dessas rupturas na aliança sócio-política que comandava o Estado desenvolvimentista, a própria forma em que se exercia o domínio sobre a sociedade — e, em especial, sobre os assalariados e a classe média — passa a sofrer desafios crescentes.

Não há dúvida que, no processo de autonomização dos segmentos sociais em relação à tutela do Estado, o papel principal foi desempenhado pelo novo sindicalismo operário, surgido no polo mais importante da indústria metalúrgica brasileira, o da região do ABC do Estado de São Paulo.

Por um lado, o movimento sindical nucleado no ABC paulista rompeu a com a passividade operária que vinha desde as grandes greves de Contagem e Osasco em 1968 marcando presença na cena política com as greves massivas e muito bem organizadas de 1978, 79 e 80. Por outro, suas bandeiras não eram só salariais mas envolviam também exigências como direito de greve, livre negociação de contratos coletivos de trabalho, liberdade sindical plena e fim da tutela do Ministério do Trabalho sobre os sindicatos. Enfim, trabalhava contra a tutela dos sindicatos e do movimento operário pelo Estado desenvolvimentista.

A partir deste polo avançado da organização operária autônoma, o movimento sindical se alastrou incorporando uma base sindical cada vez maior e quebrando até a passividade de lideranças tradicionalmente acomodadas. Por fim, desembocou — com o apoio das Comunidades Eclesiais de Base organizadas pela Igreja — num partido de esquerda não-comunista de base operária, o Partido dos Trabalhadores, novidade absoluta na política brasileira desde 1930.

Mesmo sem ter o significado "revolucionário" da autonomização operária, a classe média assalariada cumpriu papel importantíssimo na crise do velho Estado. Não só porque "sua constituição em ator político se deu totalmente à margem da tutela estatal" ou porque sua atuação foi muito intensa, especialmente a partir do começo dos anos 80, mas também porque sua atuação autônoma funcionou, numa sociedade tão desigual e hierárquica como a brasileira, como estímulo para conduta similar dos segmentos situados na base da pirâmide social.36 36 Consultar Renato Boschi, op. cit.

Em síntese: a partir de 1983 instaura-se no Brasil aquilo que Gramsci denominava de crise de hegemonia. O núcleo governamental não consegue mais dirigir a aliança desenvolvimentista e a sociedade como um todo. Os representantes dissociam-se dos representados, que se fracionam e polarizam em torno de interesses e idéias distintos. A desagregação no interior do bloco dominante — que não suportou a reversão do ciclo econômico, acentuada pelo aumento das pressões vindas das finanças internacionais, dos centros de poder do sistema capitalista mundial e da política governamental — apenas acelera dramaticamente um processo de desajuste diverso mas complementar entre poder político e sociedade. O Estado desenvolvimentista vinha aos poucos sendo superado, desde os anos 70, pela complexidade cada vez maior da sociedade de classes; complexidade produzida precisamente pelo crescimento capitalista extraordinário que o próprio Estado impulsionara. Mas o papel dos fatores externos não será apenas o de precipitar e de acelerar uma crise. Será também o de moldar a sua superação. Voltarei a isso na próxima seção.

Retomando meu argumento principal: a crise do Estado desenvolvimentista teve impacto decisivo na crise do regime militar-autoritário — na quebra das relações vigentes entre os vários centros de poder do Estado — Executivo federal, Estados, Municípios e Congresso Nacional; na mudança das relações entre os centros de poder político com a massa da população; e na sucessão presidencial. Não pretendo explorar aqui todas estas conexões. Farei apenas um esboço da crise do regime autoritário.

Em 1983 e 1984, os governadores de Estado e o Congresso Nacional começaram um processo que se mantém até hoje: o de afirmar-se como poderes autônomos frente ao Executivo federal e a Presidência da República. Os governadores empossados em 15 de novembro de 1983 abriram duas frentes principais de luta. Os vinculados ao governo, principalmente os nordestinos, passaram a questionar a desproporção entre as arrecadações próprias de cada nível da Federação, desproporção que os transformava em dependentes das transferências voluntárias de recursos por parte do governo federal. Nesta frente de luta entraram como força auxiliar dos prefeitos, que mobilizados por sua associação nacional, pressionaram fortemente o Congresso Nacional e terminaram por obrigar o governo federal, em novembro de 1983, a assimilar — parcialmente, é verdade — a emenda constitucional Passos Porto que redistribuía para municípios e estados parte da arrecadação da União.

Os governadores vinculados à oposição mantiveram certa distância e discrição em relação à luta em torno da distribuição dos fundos públicos (temiam provocar reações do governo que lhes tirassem as conquistas políticas obtidas) — mas lançaram-se, a partir do último trimestre de 1983, com os recursos políticos das máquinas estaduais de governo, na luta pela mudança das regras do jogo eleitoral, através da mobilização popular.

Para surpresa dos seus próprios organizadores — tendo à frente o governador Franco Montoro do Estado de São Paulo, o movimento por eleições diretas transformou-se, a partir de janeiro de 1984, no maior movimento político de massas que o país já vira. A campanha por "Diretas Já" colheu os frutos da autonomização dos trabalhadores e da classe média assalariada que desde os anos 70 elaboravam novas formas de organização coletiva, desenvolviam movimentos sociais variados e sufragavam majoritariamente candidatos de oposição.

A emenda Dante de Oliveira, que transformava em diretas as eleições para presidente da República, não obteve a necessária maioria de 2/3 no Congresso, em abril de 1984, mas o movimento de massas acentuou de tal modo o oposicionismo na população que provocou mudanças importantes nas expectativas eleitorais. Tomaram-se claras as dificuldades de reeleição para os parlamentares governistas, o que os tornou mais permeáveis à opção oposicionista no Colégio Eleitoral que elegeria o sucessor do presidente Figueiredo.

O Congresso Nacional, em 1983, transformou-se centro de resistência às tentativas do governo "flexibilizar" a legislação que protegia os trabalhadores de um arrocho salarial maior que o existente. Durante todo o ano, o governo travou uma luta constante para moldar a legislação às "necessidades do ajuste". E, em junho, pela primeira vez durante o regime militar, a Câmara dos Deputados rejeitou um decreto-lei do presidente da República. Tratava-se do DL 2045, que reduzia de 110% para 80% da inflação passada a indexação dos reajustes semestrais dos trabalhadores que ganhavam até 3 salários mínimos. O governo só conseguiu aprovar uma mudança bem mais moderada na lei salarial (reduzindo a indexação de 110 para 100% da inflação passada) em novembro de 83, e mesmo assim, graças a decretação para o Distrito Federal de Estado de Emergência — um Estado de Sítio localizado — "para evitar a pressão do movimento sindical sobre o Congresso Nacional". Além disso, como é sabido, o governo também não conseguiu evitar que o Congresso, sob pressão de prefeitos e governadores, forçasse a mudança da lei tributária no fim da sessão legislativa de 1983.

É perceptível que começa em 1983 a dissolução da maioria política que sustentava o governo. Nessa dissolução — cujo ponto de partida foi, sem dúvida, o legado da liberalização anterior — dois processos foram essenciais. De um lado, o surgimento de rupturas visíveis na aliança desenvolvimentista, estimulando a indisciplina de governadores, prefeitos e parlamentares situacionistas, a ousadia da oposição política ao regime militar, o encolhimento dos militares nos quartéis e a enfraquecimento do medo de se manifestar como oposição de grande parte da população. De outro, o crescimento dos movimentos populares e de classe média, marcados pela autonomia organizatória e pela orientação oposicionista, que pressionavam os políticos profissionais a ajustar-se ao eleitorado e prepararam o caminho — como indicamos acima—para a campanha pelas eleições diretas.

Além de estimular mudanças na hierarquia dos centros de poder político, as rupturas no pacto de dominação e o surgimento entre os seus participantes de polarizações de idéias e interesses marcaram também o processo de sucessão do presidente Figueiredo. Elas abalaram a unidade do partido governista e, depois, ajudaram a inviabilizar a escolha de uma candidatura consensual à sucessão presidencial articulada pelo chefe de governo, ele mesmo pessoalmente pouco afeito a conduzir negociações com políticos profissionais.

Além disso, as próprias divisões do partido governista (o PDS) em relação à questão sucessória conservaram afinidades com as alternativas estratégicas que polarizavam os participantes do pacto desenvolvimentista em desagregação. Mario Andreazza, identificado com o desenvolvimentismo da Era Mediei, com o ministro Delfim Netto, com o presidente Figueiredo e as elites regionais "revolucionárias" que detinham o poder nos Estados, prometia retomar o crescimento sem recusar a estratégia adotada pelo governo no enfrentamento da crise. Paulo Maluf, opunha-se ao oficialismo, a partir de uma retórica neoliberal. Tinha apoio de boa parte dos parlamentares do PDS e das elites regionais "pedessistas" fora do poder nos Estados. Aureliano Chaves, vice-presidente da República, opunha-se à política de Delfim Netto e simpatizava com o nacional-desenvolvimentismo. Seu universo ideológico e político tinha afinidades com a tecno-burocracia empresarial do Estado e vinculava-se, entre os militares, ao grupo que orbitava em torno do ex-presidente Ernesto Geisel.

No polo oposicionista, a afinidade com a orientação desenvolvimentista era muito grande. Só que no universo partidário do PMDB ela adquiriu a marca do liberalismo político e um viés popular ajustado às disputas eleitorais. O discurso de Ulysses Guimarães, intitulado "Travessia", em que o partido se posiciona sobre a crise em setembro de 1983, tem precisamente esta modulação.

A derrota do candidato governista Mario Andreazza, na convenção do PDS, para o dissidente Paulo Maluf — esteriotipado como conservador, corrupto e antidemocrático —, e a escolha de um político experiente, liberal mas moderado, Tancredo Neves, como candidato do PMDB, facilitaram enormemente o realinhamento das forças políticas. A recomposição seguiu, no entanto, ao menos em linhas gerais, afinidades de interesses e idéias que polarizavam as elites, deste 1983. Sem mencionar, é claro, que debate similar aparece de modo intermitente desde a década de 1940.

As forças políticas de Tancredo Neves organizadas na Aliança Democrática passam a incluir: a oposição partidária composta por PMDB, PDT e PTB; uma parte da base política do governo militar, a Frente Liberal, composta pela dissidência do PDS que incluía membros do Grupo Só Diretas, ex-partidários da candidatura Aureliado Chaves e outros pedessistas afinados com o grupo Geisel; e a maioria dos governadores do Nordeste ligados à candidatura derrotada de Mario Andreazza, mais os políticos a eles vinculados. Socialmente, sua candidatura deitava raízes no grande empresariado, especialmente aquele que dependia das conexões com o aparelho de Estado para sobreviver; na tecno-burocracia estatal; nas oligarquias regionais que sobreviviam às custas de recursos do Tesouro; nos assalariados e na classe média profissional que apoiara massivamente a campanha pelas eleições diretas e votava na oposição.

As forças de Paulo Maluf terminaram por se resumir a uma pequena parcela do PDS — em parte constituída por seus adeptos originais, em parte por remanescentes da facção liderada por Mario Andreazza que manteve sua fidelidade ao regime. Socialmente, sua candidatura deitara raízes no empresariado rural e entre médios e pequenos comerciantes.

No interior de uma coalizão política tão ampla como a Aliança Democrática, a candidatura Tancredo Neves deixara de ser oposicionista; tornara-se "mudancista" e, sem confronto com o regime militar, apontava para uma Nova República, liberal e democrática; seu horizonte estratégico era a recuperação do padrão desenvolvimentista autárquico, abalado pela política recessiva de Delfim Neto, através da austeridade na gestão da coisa pública e de uma maior resistência às pressões dos credores externos. E certamente incluía um projeto um tanto vago de incorporação dos socialmente excluídos do pacto desenvimentista.

Por isso, a Nova República, figura de retórica usada por Tancredo para definir seu programa político, era um projeto democratizante no plano político-institucional mas conservador no plano do Estado. Conservador porque almejava recuperar o velho padrão de dominação; dominação que não teria mais como se manter com as bases materiais do Estado em frangalhos e sob a pressão dos credores, da internacionalização do capital e da autonomização da sociedade.

Ironia da história brasileira: Tancredo Neves foi eleito por grande maioria em 1985 para superar o regime militar-autoritário; mas as minorias políticas que lhe recusaram apoio — o PDS malufista, à direita, e o Partido dos Trabalhadores, à esquerda — expressavam os dois constrangimentos básicos que aos poucos foram balisando o novo pacto de dominação que está emergindo no Brasil dos anos 90: de um lado, as pressões para quebrar o padrão autárquico e regulamentado da economia nacional e, de outro, as destinadas a incorporar os assalariados organizados, reconhecendo-lhes direitos de participação autônoma na vida pública e na luta pelos frutos do desenvolvimento.

NOVA SITUAÇÃO, VELHAS RESPOSTAS

Em grandes linhas, a experiência política brasileira da segunda metade dos anos 80, a da "Nova República"(1985-90), pode ser entendida como uma série de tentativas fracassadas de superar o conjunto de crises que fraturaram o o núcleo político da sociedade, construindo ao mesmo tempo um novo padrão hegemônico de dominação e uma forma de regime que lhe seja compatível.

Refiro-me às crises do padrão anterior de articulação entre capitais locais—privado nacional e estatal—e o capital internacional; da forma corporativa anterior de agregação e intermediação de interesses econômico-sociais gerados por uma sociedade cada vez mais complexa; e da relação entre o setor público e privado no processo de desenvolvimento capitalista.

Já mostrei, em outros trabalhos, que a sucessão de políticas de estabilização — ortodoxas e heterodoxas — que marcaram a gestão econômica do país na década passada indicam de que nenhuma das estratégias tentadas conseguiu obter a adesão ou, pelo menos, o assentimento dos componentes da antiga aliança desenvolvimentista, que se conservava no poder, mas desestruturada e sem direção definida.37 37 Consultar Brasilio Sallum Jr e Eduardo Kugelmas, op. áL

Em cada uma das tentativas buscava-se recuperar a autoridade do Estado, estabilizando a moeda, jogando o ônus do "ajuste" do setor público sobre os ombros ora de um ora de outro componente da velha aliança desenvolvimentista. Certa vez cortavam-se os rendimentos dos credores externos e internos do Estado, em outro momento restringiam-se os gastos com salários dos funcionários públicos e as transferências do Tesouro para as empresas estatais, mais adiante decidia-se onerar o empresariado privado com elevação da carga tributária. Mas em todas as situações, os segmentos marcados como eventuais perdedores acabavam por encontrar meios para impor seu veto ao ajuste pretendido, obrigando o governo a mudar de rota. Daí a extraordinária sucessão ministros da Fazenda que marcou o governo do presidente José Sarney, que assumiu o posto em razão da doença e morte de Tancredo Neves.

As tentativas fracassadas que se sucederam oscilaram entre dois parâmetros que, na verdade, eram apenas modalidades distintas de ajuste desenvolvimentista frente a crise. Aquela que Delfim Netto tentara implantar de 1982 a 1984 e a que fora sugerida pelos críticos de sua estratégia que enfatizavam a necessidade de subordinar o setor financeiro ao produtivo e de compartilhar com os credores externos o ônus da dívida externa. Por fim, no seu último ano, o governo do presidente Sarney reconheceu sua impotência e, através do aumento contínuo de gastos financiados pelo crescimento da dívida pública, empurrou para o seu sucessor a responsabilidade de resolver a questão de fundo, a crise do Estado — mais do que evidente na taxa vigente de inflação, de quase 80% ao mês, quando o presidente eleito Fernando Collor de Melo tomou posse, em 15 de março de 1990.

Se a crise de hegemonia explica as mudanças sucessivas, de política econômica e a capacidade de veto de cada um dos componentes da antiga aliança desenvolvimentista, a ciclotimia entre heterodoxia e ortodoxia na gestão econômica associa-se também às vicissitudes da luta entre os centros de poder político no interior do Estado.

Nesse ponto a contribuição de Juan Carlos Torre é fundamental. Ele mostrou que, na América Latina, cada tentativa heterodoxa de enfrentar a crise constituiu-se em um meio drástico mas quase inevitável de produzir capacidade de governo onde não havia condições de produzi-la por meio de estratégias de cooperação. Tais políticas seriam tentativas de forçar a cooperação entre atores para evitar que a crise econômica acabe ameaçando a sobrevivência do próprio Estado.38 38 Conforme Juan Carlos Torre, "América Latina: o governo da democracia em tempos difíceis", in Lourdes Sola (org), Estado, Mercado e Democracia, op. cit.

Vale ressaltar, no entanto, algumas especificidades da transição política brasileira. Aqui, as medidas de choque econômico foram tomadas muito antes de haver ameaça efetiva de debacle econômica e política. é verdade que elas sempre foram justificadas em nome de iminência da desordem econômica, mas seu sentido básico foi o de recuperar autoridade política. Mas, que autoridade?

No plano político-institucional tratava-se de reverter a tendência de autonomização do Congresso e dos governos estaduais que marcou a dissolução do regime autoritário. Tratava-se de recuperar a autoridade perdida na transição política pela Presidência da República. Apartirde 1988 isso tornou-se muito mais difícil pois a nova constituição garantiu mais poder ao Congresso e ao Judiciário e mais autonomia econômicaa estados e municípios.

No nível sócio-político, da descosturada aliança desenvolvimentista, a Presidência da República buscava, com os planos heterodoxos, calar as divergências e manietar, com éditos autoritários, os antigos pactantes, tentando impor a todos um novo pacto, resolvendo de uma vez e numa determinada direção a crise do Estado, raiz da desordem econômica que se buscava superar.

Consideradas de uma perspectiva ampla, todas as tentativas de resolver a crise durante a Nova República padeceram de uma limitação básica: tentaram resolver problemas derivados da crise do Estado desenvolvimentista dentro de seu antigo quadro de referência. Parafraseando Alvin Boskoff, antigo analista das sociedade em transição: a transição gerou processos de "indecisão social", em que as elites tentam resolver os novas situações problemáticas usando estratégias ajustadas a situações passadas.39 39 Boskoff, Alvin. "Indecisão social: um foco disfuncional da sociedade em transição", in Luiz Cosla Pinto e W. Bazzanella, Teoria do Desenvolvimento, São Paulo, Zahar Editores, 1967.

O quadro de referência do velho Estado desenvolvimentista tinha como parâmetro básico a possibilidade de construção de uma sociedade capitalista industrialmente avançada e integrada dentro das fronteiras nacionais, ao estilo do modelo nascido na França e na Alemanha, na segunda metade do século XIX. A possibilidade era real, especialmente se for levado em conta que o Estado desenvolvimentista deita suas raízes na década de 1930 quando a hegemonia internacional inglesa já desaparecera, a economia mundial estava em depressão e as potências mundiais da época preparavam-se para definir, pela II Guerra, uma nova hierarquia de poder no plano mundial. Foi possível, assim, desenvolver uma experiência muito bem sucedida de desenvolvimento industrial dirigido pelo Estado dentro das fronteiras brasileiras. Reproduziu-se aqui a segunda revolução industrial, modulando-a aos padrões de estrutura social excludente herdados da sociedade colonial. No final dos anos 70 e começo dos anos 80, já com enormes dificuldades, quase completou-se este projeto nacional com a execução do II Plano Nacional de Desenvolvimento.40 40 No que diz respeito às condições internacionais do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, dois livros constituem ótimas fontes: Celso Furtado, Transformação e Crise da Economia Mundial, Rio, Paz e Terra, 1987; e, do mesmo autor, Brasil, a construção interrompida, Rio, Paz e Terra, 1992.

É claro que depois da II Guerra, o ambiente internacional mudara completamente. Os Estados Unidos da América assumiram a hegemonia do mundo capitalista e iniciou-se uma nova era de expansão capitalista. De um lado, o comércio internacional expandiu-se mais rapidamente do que no interior de cada país. De outro, grandes empresas oligopolistas, as multinacionais, multiplicaram suas atividades inserindo-se na estruturas econômicas nacionais, alterando sua dinâmica interna e enfraquecendo o poder dos Estados nacionais.

O Brasil passou a sofrer o impacto desta mutação do pós-guerra a partir da metade dos anos 50, quando o desenvolvimento passa a ser tipicamente "associado", como se diria mais tarde. Por esta via, a expansão e a exploração do mercado interno passam a ser compartilhados por empresas multinacionais, locais e estatais, sob a orientação do Estado. O importante, porém, é que apesar de "associado" o desenvolvimento e a política de desenvolvimento se mantiveram autárquicos.

A partir da década de 70, no entanto, quando as elites locais imaginaram o último salto para a posição de país industrialmente avançado, o padrão de desenvolvimento associado mas autárquico se inviabilizou — não tanto pelas pressões financeiras que abalaram o sistema econômico local e a forma de domínio político que o regulava mas porque os processos de transnacionalização foram adquirindo uma base tecnológica que tornou mesquinho o patamar de produtividade alcançado pela indústria brasileira. Enquanto o Brasil completava seu processo de industrialização dentro do padrão tecnológico pertinente à segunda revolução industrial, as grandes empresas dos países centrais avançavam dentro de um novo padrão, o da chamada terceira revolução industrial, no qual a eletrônica e a informática têm um papel fundamental.

A partir daí, as diferenças de produtividade tornaram-se tão grandes — ainda mais porque a crise dos 80 bloqueou o avanço econômico do país — que a forma autárquica de desenvolvimento se tornou efetivamente anacrônica. Além disso, os principais centros de poder mundial e suas agências multilaterais desencadearam pressões de toda ordem, sublinhando as desvantagens econômicas e políticas da insistência do Brasil em manter o padrão anterior de inserção internacional.

Conseqüentemente, qualquer saída para a crise econômica e política que abala o país deste o começo dos anos 80 passa necessariamente por uma integração maior do capitalismo local na dinâmica pós-nacional do capitalismo. Só resta encontrar o modo e soldar uma nova aliança que sustente politicamente a retomada do desenvolvimento dentro de novos padrões.

Mas não foi apenas no âmbito das políticas econômicas que os atores políticos enfrentaram novas situações problemáticas voltados para o passado. A própria Constituição de 1988, com a qual as elites políticas desejaram acertar as contas com o passado autoritário e construir uma democracia estável, tem essa marca. Através dela os vários segmentos e categorias sociais tentaram eliminar a incerteza da situação de transição transformando posições herdadas do passado autoritário em garantia constitucional ou invertendo discriminações em privilégios. Empresas estatais, que durante a crise foram duramente atingidas pela política governamental, conseguiram ou ampliaram privilégios monopolistas. Empregados de entidades públicas da administração indireta receberam garantias de estabilidade próprias de funcionários públicos. Estados e municípios aproveitaram-se do enfraquecimento do poder central durante a transição para inverter o desequilíbrio existente no período autoritário, apropriando-se de boa parte das receitas da União sem obrigar-se a seus encargos.

Além desses, há inúmeros outros exemplos de que a própria situação de transição — na ausência de uma força política com possibilidade de liderar um novo pacto político — estreitava os horizontes dos atores. Esses visualizavam seus interesses com os olhos do passado, olhos que acreditavam na antiga capacidade do Estado regulamentar e dirigir a sociedade e que atribuíam os sintomas de desordem política, social e econômica apenas "aos desmandos do regime militar".

Dessa maneira, só com muitas restrições é possível aceitar a qualificação de "cidadã" para a Constituição de 88, como queria o presidente do Congresso Constituinte, deputado Ulysses Guimarães. Ao mesmo tempo que garantiu e ampliou os direitos de quem não os tinha ou os possuía de maneira precária, como a massa dos trabalhadores, a Constituição reforçou ou mesmo criou um grande número de privilégios que se tornaram obstáculos no caminho da superação da crise do Estado e da construção de uma democracia estável.

***

No final dos anos 80, as elites brasileiras já tinham consciência clara de que os quadros do antigo pacto teriam que ser mudados. Mudados no que diz respeito à chamada integração com o Primeiro Mundo, no que se refere à quebra dos padrões patrimonialistas de regulação estatal e em relação à participação dos assalariados organizados no novo pacto político que se desenharia, o que admitiam a contragosto e sob pressão.

No entanto, em mais um ardil surgido da transição política brasileira, os dois candidatos que disputaram em 1989 o direito de dirigir o pais no começo dos anos noventa não representavam uma saída que contemplasse, ao mesmo tempo, abertura para o exterior, desregulamentação e democratização da sociedade. Pelo contrário, cada um deles apontava para um dos lados da resposta — Fernando Collor para a integração com o Primeiro Mundo e Luiz Inácio Lula da Silva para a quebra, ao menos parcial, dos padrões de exclusão social do velho Estado e da sociedade que se inseria. Enquanto o país não superar, ao menos parcialmente, esta esquizofrenia, não encontrará sua estabilidade política e, conseqüentemente, o caminho para retomar o desenvolvimento.

  • *

    Este artigo é uma versão corrigida de trabalho apresentado no seminário "Brazil in the so-called lost decade (1980-1990): what have we learned?" realizado sob o patrocínio do UNRISD na Universidade de São Paulo, em abril de 1993. No aperfeiçoamento do texto, recebi a ajuda do colega e amigo Gildo Marçal Brandão, a quem agradeço pela critica aguda e por várias sugestões.

  • 1

    Consultar Guillermo O'Donnel e Phillipe Schmitter,

    Transitions from authoritarian rule -

    Tentative conclusions, (Baltimore, John Hopkins Press, 1986).

  • 2

    Em artigo recente, O'Donnel reconhece a importância da problemática do Estado e faz observações muito pertinentes sobre o caráter mais ou menos institucionalizado das relações estatais. No entanto, o adensamento que promove no conceito de Estado, distinguindo os democráticos dos autoritários, só ocorre à custa do esvaziamento do conceito de regime político. Nessa medida, continua ausente do seu esquema teórico qualquer sintoma da presença estrutural da esfera socio-econômica no plano político. Consultar Guillermo O'Donnel, "Sobre o Estado, a democratização e alguns problemas conceituais".

    Estudo, nº 36, julho de 1993).

  • 3

    Guillermo O'Donnel e Phillipe Schmitter, op. cit., pg. 33

  • 4

    Para uma crítica deste esvaziamento da política enquanto, sistema de regularidades, consultar Lourdes Sola, " Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem trans-disciplinar", in Lourdes Sola (org),

    O Estado da Transição, São Paulo, Ed. Vértice, 1988.

  • 5

    Cardoso, Fernando Henrique. " Os Regimes Autoritários na America Latina", in Colier, David, (org.),

    O Novo Autoritarismo na América Latina, Rio, Paz e Terra, 1982, p. 46.

  • 6

    Sallum Jr, Brasilio. "História Administrativa: política públicas e regimes políticos",

    Cadernos Fundap, Ano 5, nº 9, maio de 1985.

  • 7

    Consultar Fernando Henrique Cardoso e E. Faletto.

    Desenvolvimento e dependência na América Latina. Rio, Zahar, 1970.

  • 8

    Consultar especialmente Luiz Wemeck Vianna, "O Candidato de Conciliação Nacional",

    Presença nº 4, São Paulo, Ed. Caetés, Ago/Out, 1984. Vianna insiste na distinção entre projeto e processo desde 1980, para contrapor-se aos que viam na "distensão/abertura política" a expressão da vontade do príncipe. Ver suas "Notas sobre a conjuntura brasileira",

    Temas, nº 8, São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1980. Uma reflexão sistemática sobre a questão encontra-se em Gildo Marcai Brandão, "Abertura: processo e projeto", mimeog, 1981.

  • 9

    Esta forma de mapear as facções militares inspira-se em Roberto Campos, "A opção política brasileira", in Mario Henrique Simonsen e Roberto Campos,

    A nova economia brasileira, Rio, José Olympio Editora, 1974.

  • 10

    Consultar entre outros Sebastião Velasco e Cruz e Carlos Estevam Martins, "Da distensão à abertura política", in Maria Herminia Tavares e Bernardo Sorj (org.),

    Sociedade e Política no Brasil pós-64, São Paulo, Brasiliense, 1983.

  • 11

    Campos, Roberto,

    op. cit.tpp. 249 e 250.

  • 12

    Conforme Bolivar Lamounier, " Apontamentos sobre a questão democrática brasileira", in Alain Rouquier et alli (org),

    Como renascem as democracias, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1985

  • 13

    Encontrar-se-á uma análise de conjunto dessas eleições em Bolivar Lamounier, "O 'Brasil autoritário' revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura", in Alfred Stepan,

    Democratizando o Brasil, Rio, Paz e Terra, 1988.

  • 14

    Esta interpretação encontra-se, por exemplo, em Maria D' Alva Kinzo,

    Oposição e Autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979), São Paulo, Ed Vértice, 1988.

  • 15

    Consultar Florestan Fernandes,

    A ditadura em questão, São Paulo, Zahar, 1981.

  • 16

    Conforme Bernardo Kusinsky,

    Abertura, a História de uma Crise, São Paulo, Ed. Brasil Debates, 1982.

  • 17

    Consultar Bolivar Lamounier, "Apontamentos sobre a questão democrática brasileira", op. cíl

  • 18

    A exposição mais completa das características do Estado brasileiro no pós-30 encontra-se em Sônia Draibe,

    Rumos e Metamorfoses -

    Estado e Industrialização no Brasil: 1930/1960, Rio, Ed. Paz e Terra, 1985.

  • 19

    Uso o termo em um sentido próximo mas não idêntico ao de Peter Evans, porque o seu conceito parece-se resvalar para o formalismo.. A análise que faz do casos particulares é apenas meio para identificar os requisitos

    sine qua non do Estado desenvolvimentista bem sucedido. Consultar Peter Evans, "O Estado como problema e solução",

    LuaNova, n

    s 28/29, 1993.

  • 20

    White e Wade, "Developmental States and Markets in East Asia: An Introdution", apud Peter Evans, op. cit.

  • 21

    Sobre o corporativismo do Estado brasileiro consultar, entre outros, Eli Diniz, Neo-liberalismo e corporativismo: as duas faces do capitalismo industrial no Brasil",

    Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 20, ano 7, out. de 1992. Encontra-se também aí idéia que aparece mais adiante sobre o corporativismo bipartite, que exclui os trabalhadores.

  • 22

    Consultar a respeito José Antonio Giusti Tavares,

    A estrutura do autoritarismo brasileiro, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1982, cap.III

  • 23

    Sobra a reforma financeira realizada depois do golpe de 1964 consultar José Carlos de Assis,

    Análise da Crise Brasileira: da internacionalização bancária com Castelo à capitulação externa com Sarney, Rio, Editora Forense, 1988.

  • 24

    Albert Fishlow, "A história de dois presidente. A economia política da gestão da crise", in Alfred Stepan (org),

    Democratizando o Brasil, Rio, Paz e Terra, 1985.

  • 25

    Conforme Sebastião Velasco e Cruz, "Estado e Planejamento no Brasil - 1974/1976 - notas sobre um trabalho de Carlos Lessa",

    Estudos Cebrap, nº, 27. A referência diz respeito a Carlos Lessa,

    A Estratégia de Desenvolvimento 1974-1979 - Sonho e Fracasso, Tese de Professor Titular apresentada à Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, Rio de Janeiro, mimeogr., 1978.

  • 26

    Conforme Guilherme da Silva Dias, "Reformas econômicas — o eixo federativo e as novas coalisões", texto mimeografado, versão provisória.

  • 27

    Conforme Wanderley Guilherme dos Santos, " A "Pós-Revolução" brasileira", in Helio Jaguaribe et alli,

    Brasil: sociedade democrática, Rio, José Olympio Editora, 1985.

  • 28

    Brasilio Sallum Jr, "Por que não tem dado certo: notas sobre a transição política brasileira", in Lourdes Sola (org),

    op. cit.

  • 29

    Ver a respeito Renato Boschi, "Entre a cruz e a caldeira: classes medias e política na terra da transição", in Sônia Larangeira (org),

    Classes e movimentos sociais na América Latina, São Paulo, Hucitec 1990.

  • 30

    Brasilio Sallum Jr, " Por que não tem dado certo...".,

    op. cit.

  • 31

    Consultar Brasilio Sallum Jr e Eduardo Kugelmas, "O Leviatã acorrentado: a crise brasileira dos anos 80", in Lourdes Sola (org),

    Estado, Mercado e Democracia, Rio, Paz e Terra, 1993.

  • 32

    O documento de referência a propósito foi publicado pela Câmara de Estudos sobre o Desenvolvimento Econômico e Social da Sociedade Rural Brasileira.(1983)

  • 33

    O documento de referência sobre isso foi publicado pelo Foram da Gazeta Mercantil, do jornal Gazeta Mercantil. (19S3)

  • 34

    Conforme Brasilio Sallum Jr, "Por que não tem dado certo.. ", op.cit.

  • 35

    Encontra-se uma ótima exposição das tentativas impor às empresas estatais o ônus do "ajustamento" em José Carlos de Assis,

    op. cií., cap. EI.

  • 36

    Consultar Renato Boschi,

    op. cit.

  • 37

    Consultar Brasilio Sallum Jr e Eduardo Kugelmas, op. áL

  • 38

    Conforme Juan Carlos Torre, "América Latina: o governo da democracia em tempos difíceis", in Lourdes Sola (org),

    Estado, Mercado e Democracia, op. cit.

  • 39

    Boskoff, Alvin. "Indecisão social: um foco disfuncional da sociedade em transição", in Luiz Cosla Pinto e W. Bazzanella,

    Teoria do Desenvolvimento, São Paulo, Zahar Editores, 1967.

  • 40

    No que diz respeito às condições internacionais do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, dois livros constituem ótimas fontes: Celso Furtado,

    Transformação e Crise da Economia Mundial, Rio, Paz e Terra, 1987; e, do mesmo autor,

    Brasil, a construção interrompida, Rio, Paz e Terra, 1992.

  • * Este artigo é uma versão corrigida de trabalho apresentado no seminário "Brazil in the so-called lost decade (1980-1990): what have we learned?" realizado sob o patrocínio do UNRISD na Universidade de São Paulo, em abril de 1993. No aperfeiçoamento do texto, recebi a ajuda do colega e amigo Gildo Marçal Brandão, a quem agradeço pela critica aguda e por várias sugestões. 1 Consultar Guillermo O'Donnel e Phillipe Schmitter, Transitions from authoritarian rule - Tentative conclusions, (Baltimore, John Hopkins Press, 1986). 2 Em artigo recente, O'Donnel reconhece a importância da problemática do Estado e faz observações muito pertinentes sobre o caráter mais ou menos institucionalizado das relações estatais. No entanto, o adensamento que promove no conceito de Estado, distinguindo os democráticos dos autoritários, só ocorre à custa do esvaziamento do conceito de regime político. Nessa medida, continua ausente do seu esquema teórico qualquer sintoma da presença estrutural da esfera socio-econômica no plano político. Consultar Guillermo O'Donnel, "Sobre o Estado, a democratização e alguns problemas conceituais". Estudo, nº 36, julho de 1993). 3 Guillermo O'Donnel e Phillipe Schmitter, op. cit., pg. 33 4 Para uma crítica deste esvaziamento da política enquanto, sistema de regularidades, consultar Lourdes Sola, " Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem trans-disciplinar", in Lourdes Sola (org), O Estado da Transição, São Paulo, Ed. Vértice, 1988. 5 Cardoso, Fernando Henrique. " Os Regimes Autoritários na America Latina", in Colier, David, (org.), O Novo Autoritarismo na América Latina, Rio, Paz e Terra, 1982, p. 46. 6 Sallum Jr, Brasilio. "História Administrativa: política públicas e regimes políticos", Cadernos Fundap, Ano 5, nº 9, maio de 1985. 7 Consultar Fernando Henrique Cardoso e E. Faletto. Desenvolvimento e dependência na América Latina. Rio, Zahar, 1970. 8 Consultar especialmente Luiz Wemeck Vianna, "O Candidato de Conciliação Nacional", Presença nº 4, São Paulo, Ed. Caetés, Ago/Out, 1984. Vianna insiste na distinção entre projeto e processo desde 1980, para contrapor-se aos que viam na "distensão/abertura política" a expressão da vontade do príncipe. Ver suas "Notas sobre a conjuntura brasileira", Temas, nº 8, São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1980. Uma reflexão sistemática sobre a questão encontra-se em Gildo Marcai Brandão, "Abertura: processo e projeto", mimeog, 1981. 9 Esta forma de mapear as facções militares inspira-se em Roberto Campos, "A opção política brasileira", in Mario Henrique Simonsen e Roberto Campos, A nova economia brasileira, Rio, José Olympio Editora, 1974. 10 Consultar entre outros Sebastião Velasco e Cruz e Carlos Estevam Martins, "Da distensão à abertura política", in Maria Herminia Tavares e Bernardo Sorj (org.), Sociedade e Política no Brasil pós-64, São Paulo, Brasiliense, 1983. 11 Campos, Roberto, op. cit.tpp. 249 e 250. 12 Conforme Bolivar Lamounier, " Apontamentos sobre a questão democrática brasileira", in Alain Rouquier et alli (org), Como renascem as democracias, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1985 13 Encontrar-se-á uma análise de conjunto dessas eleições em Bolivar Lamounier, "O 'Brasil autoritário' revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura", in Alfred Stepan, Democratizando o Brasil, Rio, Paz e Terra, 1988. 14 Esta interpretação encontra-se, por exemplo, em Maria D' Alva Kinzo, Oposição e Autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979), São Paulo, Ed Vértice, 1988. 15 Consultar Florestan Fernandes, A ditadura em questão, São Paulo, Zahar, 1981. 16 Conforme Bernardo Kusinsky, Abertura, a História de uma Crise, São Paulo, Ed. Brasil Debates, 1982. 17 Consultar Bolivar Lamounier, "Apontamentos sobre a questão democrática brasileira", op. cíl 18 A exposição mais completa das características do Estado brasileiro no pós-30 encontra-se em Sônia Draibe, Rumos e Metamorfoses - Estado e Industrialização no Brasil: 1930/1960, Rio, Ed. Paz e Terra, 1985. 19 Uso o termo em um sentido próximo mas não idêntico ao de Peter Evans, porque o seu conceito parece-se resvalar para o formalismo.. A análise que faz do casos particulares é apenas meio para identificar os requisitos sine qua non do Estado desenvolvimentista bem sucedido. Consultar Peter Evans, "O Estado como problema e solução", LuaNova, n s 28/29, 1993. 20 White e Wade, "Developmental States and Markets in East Asia: An Introdution", apud Peter Evans, op. cit. 21 Sobre o corporativismo do Estado brasileiro consultar, entre outros, Eli Diniz, Neo-liberalismo e corporativismo: as duas faces do capitalismo industrial no Brasil", Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 20, ano 7, out. de 1992. Encontra-se também aí idéia que aparece mais adiante sobre o corporativismo bipartite, que exclui os trabalhadores. 22 Consultar a respeito José Antonio Giusti Tavares, A estrutura do autoritarismo brasileiro, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1982, cap.III 23 Sobra a reforma financeira realizada depois do golpe de 1964 consultar José Carlos de Assis, Análise da Crise Brasileira: da internacionalização bancária com Castelo à capitulação externa com Sarney, Rio, Editora Forense, 1988. 24 Albert Fishlow, "A história de dois presidente. A economia política da gestão da crise", in Alfred Stepan (org), Democratizando o Brasil, Rio, Paz e Terra, 1985. 25 Conforme Sebastião Velasco e Cruz, "Estado e Planejamento no Brasil - 1974/1976 - notas sobre um trabalho de Carlos Lessa", Estudos Cebrap, nº, 27. A referência diz respeito a Carlos Lessa, A Estratégia de Desenvolvimento 1974-1979 - Sonho e Fracasso, Tese de Professor Titular apresentada à Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, Rio de Janeiro, mimeogr., 1978. 26 Conforme Guilherme da Silva Dias, "Reformas econômicas — o eixo federativo e as novas coalisões", texto mimeografado, versão provisória. 27 Conforme Wanderley Guilherme dos Santos, " A "Pós-Revolução" brasileira", in Helio Jaguaribe et alli, Brasil: sociedade democrática, Rio, José Olympio Editora, 1985. 28 Brasilio Sallum Jr, "Por que não tem dado certo: notas sobre a transição política brasileira", in Lourdes Sola (org), op. cit. 29 Ver a respeito Renato Boschi, "Entre a cruz e a caldeira: classes medias e política na terra da transição", in Sônia Larangeira (org), Classes e movimentos sociais na América Latina, São Paulo, Hucitec 1990. 30 Brasilio Sallum Jr, " Por que não tem dado certo..."., op. cit. 31 Consultar Brasilio Sallum Jr e Eduardo Kugelmas, "O Leviatã acorrentado: a crise brasileira dos anos 80", in Lourdes Sola (org), Estado, Mercado e Democracia, Rio, Paz e Terra, 1993. 32 O documento de referência a propósito foi publicado pela Câmara de Estudos sobre o Desenvolvimento Econômico e Social da Sociedade Rural Brasileira.(1983) 33 O documento de referência sobre isso foi publicado pelo Foram da Gazeta Mercantil, do jornal Gazeta Mercantil. (19S3) 34 Conforme Brasilio Sallum Jr, "Por que não tem dado certo.. ", op.cit. 35 Encontra-se uma ótima exposição das tentativas impor às empresas estatais o ônus do "ajustamento" em José Carlos de Assis, op. cií., cap. EI. 36 Consultar Renato Boschi, op. cit. 37 Consultar Brasilio Sallum Jr e Eduardo Kugelmas, op. áL 38 Conforme Juan Carlos Torre, "América Latina: o governo da democracia em tempos difíceis", in Lourdes Sola (org), Estado, Mercado e Democracia, op. cit. 39 Boskoff, Alvin. "Indecisão social: um foco disfuncional da sociedade em transição", in Luiz Cosla Pinto e W. Bazzanella, Teoria do Desenvolvimento, São Paulo, Zahar Editores, 1967. 40 No que diz respeito às condições internacionais do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, dois livros constituem ótimas fontes: Celso Furtado, Transformação e Crise da Economia Mundial, Rio, Paz e Terra, 1987; e, do mesmo autor, Brasil, a construção interrompida, Rio, Paz e Terra, 1992.

    Por que a crise econômica dos anos 1980 afetou a transição?

    Afinal, foram verificadas fortes reduções no PIB brasileiro, sendo que a média nos anos 70 caiu de 7% para 2% nos anos 80. Além disso, durante a década de 1980, por conta do aumento nas taxas internacionais de juros, a dívida do Brasil com os EUA cresceu vertiginosamente aumentando substancialmente o déficit público.

    Quais foram as causas e as consequências da crise econômica da década de 1980 que atingiu a maior parte dos países da América Latina?

    Em outras palavras, diversos países na América Latina passaram por uma forte retração da produção industrial durante a década de 80. Dessa forma, vários países apresentaram baixo crescimento do PIB, inflação alta e volatilidade dos mercados. Além disso, a década perdida causou o aumento da desigualdade social.

    O que marcou a crise de 1980?

    Em 1980, o preço mais baixo das matérias-primas e o aumento das taxas de juros nos países industrializados levou a uma fuga de capitais, que provocou uma depreciação maciça das taxas de câmbio, aumentando a taxa real de juros da dívida, situação agravada pela presença de burocracias excessivamente grandes ou colapso ...

    O que houve com a economia brasileira na década de 1980?

    Além disso, especialmente na segunda metade da década de 80, houve expressiva redução das taxas de investimento no país. Em 1980, a taxa de investimento, a preços cons- tantes desse mesmo ano, era de 23,6% do PIB.