Quais as três ideias sobre identidade cultural definidas por Stuart Hall?

Módulo 2 - Seminário de Aprofund. na Área da Surdez | Unidade A |

Unidade A – IDENTIDADE, DIFERENÇA E CULTURA NO CAMPO DA SURDEZ

Nessa unidade, buscaremos problematizar algumas questões que envolvem o campo da surdez, sobretudo aquelas que se referem a identidade, diferença e cultura. Iniciaremos destacando como ocorre o processo de produção social da identidade surda e da diferença, numa perspectiva cultural contemporânea. Ressaltaremos que a identidade está em constante processo de deslocamento, ocasionado este por mudanças nos discursos da pós-modernidade. Assim, apresentaremos a identidade como não-unificada ou permanente. Além disso, descreveremos como identidade e diferenças são produzidas, destacando a relação de dependência existente entre esses dois termos.
Para uma discussão sobre a cultura nos tempos pós-modernos, destacaremos características e conceitos que marcam esse período, os quais interferem na concepção de cultura que é própria à pós-modernidade. Desenvolveremos o conceito de cultura percebendo-a a partir de uma descrição antropológica e como um território de luta em torno da construção social e da significação. Posteriormente, utilizaremos alguns acontecimentos históricos para mostrar quando as ações na área da Educação Especial tiveram início, ressaltando os espaços e tempos culturais que marcam a educação dos surdos na atualidade.

A.1 – Produção social da diferença e da identidade surdas

Na sociedade atual, vivemos profundas transformações sociais e políticas. Estamos em constante processo de mudança. Essas situações têm uma influência direta sobre os sujeitos, as suas ações e, principalmente, sobre a sua formação. 
É em meio à pós-modernidade que os diferentes grupos sociais buscam seu espaço e produzem suas identidades, lutando por sua participação no contexto social, cultural e político. É nesta perspectiva cultural contemporânea que o conceito de identidade torna-se central.
Devemos considerar que o conceito de identidade vem sofrendo muitas alterações ao longo da história, vivendo, portanto, um constante processo de recontextualização. As identidades são interpeladas por diferentes discursos, nos mais variados contextos históricos, o que ocasiona mudanças na concepção de sujeito.
Stuart Hall (2000), professor de sociologia da Open University e conhecido teórico dos Estudos Culturais, cita três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito sociológico e a do sujeito pós-moderno.
O sujeito do iluminismo é caracterizado pela centralidade, pela unificação do próprio eu. É uma concepção de identidade fixa, que defende o indivíduo como um ser individual e masculino. Sofreu influência direta de importantes movimentos culturais religiosos e científicos como, por exemplo, a Reforma, o Protestantismo, o Humanismo Renascentista, as revoluções científicas e o Iluminismo.

Quais as três ideias sobre identidade cultural definidas por Stuart Hall?

Figura 1: O Sujeito do Iluminismo

A concepção de sujeito sociológico emerge na medida em que a sociedade moderna vai evoluindo. O conceito do sujeito individual não daria conta desta evolução; assim, origina-se a concepção do sujeito sociológico, envolvido em processos de grupo, numa constante interação com as culturas que estão a sua volta. A identidade então é formada nessa interação entre o eu e a sociedade, ocupando o espaço entre o mundo pessoal e o mundo público.

Quais as três ideias sobre identidade cultural definidas por Stuart Hall?

Figura 2: O sujeito sociológico

Já a concepção do sujeito pós-moderno postula que a identidade não se apresenta única, fixa ou permanente. Em vez disso, a identidade modifica-se constantemente.
Segundo Hall, a identidade para o sujeito pós-moderno

                                    torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continua-
                                    mente em relação às formas pelas quais somos representados ou                                     interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (...) O sujeito
                                    assume identidades em diferentes momentos, identidades que não
                                    são unificadas ao redor de um “eu” coerente (HALL, 2000, p.13).

Quais as três ideias sobre identidade cultural definidas por Stuart Hall?

Figura 3: O Homem pós-moderno

Esse conceito de homem pós-moderno emergiu da descentralização do sujeito, ou seja, do deslocamento das identidades do sujeito cartesianoocasionado por diversas mudanças nos discursos da modernidade. Dentre essas mudanças no pensamento do século XX, merecem destaque: a descoberta do inconsciente por Freud, já que, a partir da visão do pensamento psicanalítico, a identidade não é inata, mas constantemente construída; a argumentação do lingüista Saussure, que descreve que o significado não é uma construção individual; e o trabalho de Foucault, com a idéia do poder disciplinar, composto pela regulação e pela vigilância das ações do indivíduo. Estes novos territórios de discussão auxiliam na compreensão da não-existência de uma unidade de identidade.
Hall (2000) nos coloca esta constante transformação do processo de identificar-se, mostrando que, ao longo do tempo, o sujeito não permanece idêntico, mas, em vez disso, sofre continuamente influências do meio em que vive e das pessoas que compõem este meio. O referido autor coloca que as identidades

                                    não são nunca unificadas; que elas são na modernidade tardia, cada
                                    vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singu-
                                    lares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e                                     posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades
                                    estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente
                                    em processo de mudança e transformação (2000, p.108).

Contemporaneamente, as diferenças culturais constroem identidades marcadas pela lógica da diferença, fundamentadas nas concepções de grupos excluídos. São as minorias raciais, étnicas, lingüísticas, dentre outras tantas, que buscam o direito de identificar-se enquanto sujeitos.
Em meio a estas identidades marcadas pela diferença, encontramos as comunidades surdas, que, cada vez mais, vêm se afirmando enquanto comunidades detentoras de uma cultura própria, a qual se firma no intuito de lutar pelo respeito e pela aceitação não “mascarados”, mas politicamente assistidos. 
O surdo foi considerado por muito tempo como deficiente. Este discurso clínico sobre a surdez se faz presente até hoje, transmitindo a idéia de que, para se desenvolver realmente, o sujeito surdo deve falar, ou seja, de que deve ser “normal” como os demais ouvintes. Esta visão de reabilitação foi a que conduziu a educação dos surdos por décadas e, por isso, ainda se faz fortemente presente. Essa representação terapêutica da surdez foi denominada por Skliar de “ouvintismo, conceito que abrange um “conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte” (SKLIAR, 1998 p.15). É através das práticas reabilitatórias derivadas do diagnóstico clínico que o surdo é forçado a olhar-se e a narrar-se como ser deficiente.
Assim, pretende-se disciplinar o corpo e as atitudes dos surdos para que estes se “encaixem” na sociedade. A este respeito, Perlin escreve:

                                    É evidente que as identidades surdas assumem formas multifacetadas
                                    em vista das fragmentações a que estão sujeitas face à presença do
                                    poder ouvintista que lhe impõe regras, inclusive encontrando no                                     estereótipo surdo uma resposta para a negação da representação da                                     identidade surda ao sujeito surdo (PERLIN, 1998, p.54).

Buscando mudar essa visão acerca da surdez, surgem estudos que passam a perceber o surdo como social e historicamente construído. Desse modo, criam-se os Estudos Surdos em Educação, que, segundo Skliar (1998), apresentam-se como um território de investigação educativa e de proposições políticas que, por meio de um conjunto de concepções lingüisticas, culturais, comunitárias e identitárias, definem uma particular aproximação ao conhecimento e aos discursos sobre a surdez e os surdos. Este campo de estudo está embasado nos Estudos Culturais.   
Nessa perspectiva, as questões envolvidas na educação de surdos passam a considerar o modelo sócio-antropológico da surdez, percebendo a Língua de Sinais como propulsora do desenvolvimento da comunidade surda. O sujeito surdo passa a ser considerado como lingüisticamente diferente, pois percebe o mundo através do canal visual.   
Seguindo a temática dos Estudos Culturais, a identidade está estreitamente ligada à diferença; nessa perspectiva, esses conceitos estão inter-relacionados. Desse modo, cada um desses conceitos influencia o outro, mantendo uma estreita relação de dependência. Identidade e diferença são, portanto, inseparáveis. Hall (2000, p. 110) afirma que:

                                    (...) as identidades são construídas por meio da diferença e não fora
                                    dela. Isso implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que
                                    é apenas por meio da relação com o Outro, da relação com aquilo                                     que não é, com precisamente aquilo que falta, com aquilo que tem
                                    sido chamado de seu exterior constitutivo, que o significado “positivo”
                                    de qualquer termo – e assim, sua “identidade” - pode ser construído.

Nesse sentido, quando alguém, por exemplo, afirma “sou assim”, está dizendo que não é de outra forma, está negando outras identidades diferentes da sua. Afirmar então a nossa identidade só tem sentido se compreendemos as afirmações da diferença.
Muitas vezes considera-se a diferença como algo que surge a partir da identidade, pois é ela que servirá de norma para se determinar o que é diferente. Silva (2000), porém, percebe e aponta identidade e diferença como mutuamente determinadas. O mesmo autor destaca que “além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham uma importante característica: elas são o resultado de atos de criação lingüística” (SILVA, 2000, p. 76). Ou seja, ambos os termos só adquirem sentido se compreendidos dentro de sistemas de significação. Assim sendo, identidade e diferença são produzidas por meio da linguagem.
Nesse sentido, Hall destaca:

                                    É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não
                                    fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas
                                    em locais históricos e institucionais específicos, no interior de forma-
                                    ções e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas                                     específicas. Além disso, elas emergem no interior do jogo de modali-
                                    dades específicas de poder e são, assim, mais o produto da marcação
                                    da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica,                                     naturalmente constituída, de uma “identidade”, em seu significado                                     tradicional - isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma iden-
                                    tidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação interna (HALL, 2000,
                                    p.109).

Considerando-se identidade e diferença como oriundas de práticas de significação, e estas, por sua vez, como diretamente influenciadas por relações sociais, faz-se necessário compreender como a cultura interfere nesta discussão, a partir de uma perspectiva pós-moderna.

A.2 – Cultura em tempos pós-modernos
O período pós-modernosurge com o intuito de questionar e problematizar conceitos instituídos na modernidade e aceitos como verdades, principalmente aqueles conceitos que envolvem princípios do pensamento iluminista. Surgem, na pós-modernidade, transformações na vida coletiva que revolucionam as formas de pensar. Veiga-Neto (2000, p. 39) salienta que “a condição pós-moderna implica a dissolução das metanarrativas .
De acordo com Sá, no pós-modernismo, “um dos principais objetivos passa a ser o de interpretar os discursos enquanto constituidores das subjetividades” (SÁ, 2002, p. 24). Na seqüência de seu pensamento, a referida autora ainda destaca que:

                                    o que o pós-modernismo propunha/propõe é uma desconstrução tex-
                                    tual que possibilite denunciar o poder que se “esconde” na valida-
                                    ção dos discursos (...) nesta perspectiva, desconfia-se de todas as                                     metanarrativas pelo entendimento de que todos os discursos são par-
                                    ciais (2002, p.27). 

Como a cultura é uma questão central nas discussões atuais, principalmente quando nos embasamos nos Estudos Culturais, sua concepção merece ser discutida frente a todas as mudanças pelas quais passou através dos anos. De acordo com Costa (2000, p. 23), ”toda a movimentação que tem caracterizado os Estudos Culturais (...) pode ser atribuída aos deslocamentos naquilo que se tem entendido e tomado como cultura”. A cultura, nesse enfoque, não é vista simplesmente como aquela herdada dos ancestrais, mas percebida numa descrição social, antropológica, ou seja, no modo de vida como se vive.
Silva, ao procurar definir cultura, destaca que existem diferentes sentidos para diferentes vertentes da teoria educacional. Este autor afirma que, na perspectiva pós-estruturalista, “a cultura é teorizada como campo de luta entre os diferentes grupos sociais em torno da significação” (SILVA, 2000, p. 32).
Nesse sentido, a cultura é compreendida como um território de luta em torno da construção social de um determinado grupo. Costa (2000) se baseia nos escritos de Hall para caracterizar a cultura como o eixo principal onde se problematizam as divisões desiguais das sociedades capitalistas; é neste eixo que se trava uma verdadeira luta pela significação.
A respeito disso, Veiga-Neto destaca que esta prática de cultura dos grupos não só está estreitamente ligada às relações de poder, como também está inserida no próprio interior dessas relações. Para o autor:

                                    (...) porque a cultura está imbricada indissoluvelmente com relações
                                    de poder, derivam dessas relações de poder a significação do que é
                                    relevante culturalmente para cada grupo. Isso significa, então, uma                                     desnaturalização da cultura, isto é, significa que, para os Estudos
                                    Culturais, não há sentido dizer que a espécie humana é uma espécie                                     cultural sem dizer que a cultura e o próprio processo de significá-la é
                                    um artefato social submetido a permanentes tensões e conflitos de
                                    poder (VEIGA-NETO, 2000, p. 40).

Nessa perspectiva, Sá parte da obra de Moreira & Silva para mostrar que a cultura passa a ser entendida como “terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos” (SÁ, 2002, p. 33).
É em meio às manifestações culturais que se desenvolvem os processos de subjetivação; conseqüentemente, é ali que se firmam as identidades grupais. O sujeito é, portanto, produzido e interpelado de acordo com as relações e acontecimentos que ocorrem a sua volta.

A.3 – Espaços e tempos culturais na educação de sujeitos surdos
Até o século XVIII, a “deficiência” estava ligada ao misticismo e ao ocultismo. A religião, ao colocar o homem como imagem e semelhança de Deus, inculcava a idéia da condição humana como necessariamente atrelada à perfeição física e mental. Não sendo “parecidos” com Deus, os “portadores de deficiência”, ou “imperfeitos”, eram colocados à margem da condição humana (MAZZOTA, 1996, p. 16). Em conseqüência disso, não havia preocupação em organizar serviços para atendimento ao “incapacitado”, ao “deficiente”.
Na virada do século XVIII para o XIX, surge o famoso caso do menino de Aveyron. Encontrado nas matas do sul da França, o menino apresentava hábitos selvagens e era destituído do uso da palavra. O caso gerou curiosidade na comunidade em geral, despertando grande interesse de filósofos e cientistas. O menino, ao chegar ao Instituto dos Surdos-Mudos em Paris, foi submetido aos olhares da sociedade, que designou um grupo de pessoas para examiná-lo e para observar o estado em que se encontrava.
As conclusões do médico Philippe Pinel, que compara o caso do menino aos de outros indivíduos por ele atendidos, são de que o selvagem de Aveyronera idiota, motivo pelo qual teria sido abandonado na floresta. Para o médico, era impossível sua recuperação e educação. Mas um aluno de Pinel, o médico Jean Marc-Gaspard Itard (1774-1838), examina o selvagem de Aveyron e interessa-se pela idéia de educá-lo e integrá-lo à sociedade. Com os mesmos princípios epistemológicos de seu professor, Itard diagnostica o estado do menino como privação da convivência social.
Jean Itard foi o médico responsável pela possibilidade de educação do selvagem e foi também quem inaugurou o campo denominado de médico-pedagógico, mais conhecido como Educação Especial. Trata-se de um campo em que se articula, com base no poder dos saberes médicos da época, a “idéia de aplicar os conhecimentos já constituídos à educação do menino ‘selvagem’” (Banks-Leite e Souza, 2000, p. 58).
A partir disso, Pérez de Lara (1998, p. 54) destaca que é nos primórdios da Educação Especial que há o surgimento do “sujeito humano psicológico, da disciplina psicopedagógica e da psicologização da Educação”. A autora salienta ainda que, ao mesmo tempo, origina-se “uma separação entre o saber produzido pela experiência e o saber produzido pelo conhecimento científico” (PÉREZ DE LARA, 1998, p. 54).
Foi somente na segunda metade do século XIX, com a intenção de normalizar as diferenças, que foram iniciadas as ações na área de Educação Especial. No Brasil, por exemplo, tais ações surgiram com o Imperial Instituto de Meninos Cegos (denominado atualmente de Instituto Benjamin Constant – IBC/RJ) e com o Imperial Instituto de Surdos-Mudos (denominado atualmente de Instituto Nacional da Educação de Surdos – INES/RJ).
A institucionalização da escola pública, obrigatória e gratuita, acontece no último terço do século XIX, em países industrializados. Desse modo, a partir de uma escola acessível a todos, uma vez que obrigatória e gratuita, é possível uma forma econômica e eficaz de controlar normais e anormais, evitando-se assim prováveis gastos em manicômios e prisões.
Nesse sentido, Álvarez-Uría (1996, p. 103) afirma que “é preferível prevenir que corrigir, já que resulta cada vez mais econômico e mais eficaz”. Segundo o mesmo autor, em termos gerais, seria possível dizer que:

                                    (...) a denominada Educação Especial seria impensável sem a                                     institucionalização da escola obrigatória para todas as crianças                                     compreendidas em determinados períodos de idades e sem o                                     funcionamento prévio de outras instituições de normalização, (...) de                                     instituições produtoras de um tipo de normalidade que é apresentada
                                    de forma normativa como a única normalidade possível (1996, p. 90).

Nesse sentido, Álvarez-Uría (1996, p. 103) afirma que “é preferível prevenir que corrigir, já que resulta cada vez mais econômico e mais eficaz”. Segundo o mesmo autor, em termos gerais, seria possível dizer que:
A escola pública obrigatória surge como espaço de civilização da criança operária em grande parte dos países industriais, no final do século XIX. Institui-se a escola pública e gratuita “no preciso momento em que se produzem uma série de equações entre loucos, criminosos, degenerados e crianças enquanto sujeitos situados, na escala filogenética, em uma posição muito próxima da animalidade” (ÁLVAREZ-URÍA, 1996, p.103).
Assim, agravam-se as dificuldades das crianças em acompanhar os conteúdos escolares, surge a necessidade de se criarem locais e saberes com os quais se possa controlar, disciplinar e ortopedizar o diferente, ou seja, esse outro que deve ser normalizado.
A educação dos deficientes está legalizada por outras instituições que, anteriores à instituição especial, também se preocupam em controlar, em vigiar e em normalizar aquelas populações de indivíduos que se encontram nas margens dos padrões de normalidade estabelecidos para determinada época. Antes da instituição especial, são instituições como a prisão, o hospital e os manicômios que aparecem como espaços para normalizar, reabilitar e recuperar delinqüentes, doentes e loucos (FOUCAULT, 2001).
Nesse sentido, a educação voltada para os deficientes se inscreve em um espaço de normalização, onde a norma passa a ocupar a centralidade nas práticas pedagógicas e na institucionalização de políticas públicas. Assim, o normal pode ser entendido como aquele que “está na média”, dentro de uma medida que individualiza e é comparável. A idéia de norma e de normalidade adquire vigor a partir da noção de média. É um conceito que tem efeitos intensos de estatística.
Para Skliar (2003), diante dessas colocações, a palavra “normal” é, incontestavelmente, uma invenção da modernidade. O autor, fazendo uso das palavras de Canguilhem, complementa que “uma classe normativa conquistou o poder de identificar a função das normas sociais com o uso que ela própria fazia das normas cujo conteúdo determinava” (ibid., p. 218).
Nesse contexto, como afirma Thoma (2002, p. 74), “normalizar nada mais é do que trazer o outro para a minha eficiência”. A autora acrescenta ainda que “para nós, ouvintes, a surdez é, em geral, vista como uma anomalia, uma falta biológica. Esse pensamento deu origem às práticas de normalização e de recuperação tão presentes na história da educação dos surdos ao longo dos séculos.”
Consistente com a educação oralista, que se propõe a ser normalizadora por meio do treinamento auditivo, da mecânica da fala, da articulação e, principalmente, da leitura labial, a legislação brasileira, durante muito tempo, defendeu o princípio da normalização do surdo no sistema regular de ensino através da oralização.
Com o surgimento dos Estudos Surdos em Educação, as questões que envolvem os surdos e a surdez passam a ser pensadas a partir de outros olhares. Começam a ocorrer mudanças nas representações do que é ser surdo, deixando de relacionar-se a surdez com a deficiência.
A partir daí, emergem deste campo de discussões as considerações que os próprios surdos destacam sobre a sua educação. Assim os surdos passam a lutar contra as representações criadas a partir de discursos construídos historicamente e tidos como “verdades absolutas”.

Quais as três ideias sobre identidade cultural definidas por Stuart Hall?

Figura 4: Movimento surdo

Enquanto minoria lingüística, a comunidade surda está cada vez mais unida em prol de uma articulação política e social que considere seus direitos lingüísticos e de cidadania, impondo-se em busca do respeito à diferença. Essa comunidade vem lutando por seus ideais, pela compreensão de sua cultura e de sua própria língua, começando assim a consolidar seu grupo, já que passou a estar presente, através de movimentos surdos, na tomada de decisões que interferem em sua educação e, conseqüentemente, em sua vida.

Atividade da Unidade A:
Para encerramento desta unidade, solicitamos que você entre no site do MEC (http//www.mec.gov.br/seesp), clique no link Legislação específica e acesse a Resolução CNE/CEB Nº. 2/01, que trata das Diretrizes Nacionais para Educação Especial. Leia o documento e selecione alguns textos publicados referentes à surdez e aos surdos. Observe quais discursos estão constituindo o sujeito surdo no material lido.
Para registrar sua atividade, utilize a biblioteca.

Referências da Unidade A:
ÁLVAREZ-URÍA, Fernando. La configuración del campo de la infancia anormal: de la genealogia foucaultiana y de su aplicación a las instituiciones de educación especial. In: FRANKLIN, Barry M. (Org.). Interpretación de la discapacidad. Barcelona: Pomares-Corredores, 1996. p. 90-120.

BANKS-LEITE, Luci; GALVÃO, Izabel (orgs.). A Educação de um Selvagem: as experiências pedagógicas de Jean Itard. São Paulo: Cortez, 2000.

COSTA, Marisa Vorraber (org.). Estudos Culturais em Educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema. Porto Alegre: Editora Universidade, UFRGS, 2000.

EWALD, François. Foucault, a Norma e o Direito. Lisboa: Veja, 1993.

FOUCAULT, Michel. Os Anormais: curso do Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2001.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

LAROUSSE, Cultural. Dicionário da Língua Portuguesa.São Paulo: Nova Cultural, 1992.

MAZZOTTA, Marcos J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.

PÉREZ DE LARA, Núria. La Capacidad de Ser Sujeto. Más allá de las técnicas en educación especial. Barcelona: Laertes, 1998.

PERLIN, Gladis. Identidades Surdas. In: SKLIAR, Carlos. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p. 51-73.

­RAMPELOTTO, Elisane Maria. Processo e Produto na Educação de Surdos. Santa Maria: UFSM/CE, 1993. Santa Maria: Programa de Pós-graduação/Centro de Educação/Universidade Federal de Santa Maria, 1993 (Dissertação de Mestrado).

SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, Poder e Educação de Surdos. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2002.

SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

______. Representação, Estereótipo, Imagem. In: Currículo como Fetiche: A Poética e a Política do Texto Curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

SKLIAR, Carlos (org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.

______.Prefácio: A pergunta pelo outro da língua; a pergunta pelo mesmo da língua. In: LODI, Ana C.; HARRISON, Kathryn M.P.; CAMPOS, Sandra R.L. de (orgs.). Letramento e Minorias. Porto Alegre: Mediação, 2002. p. 5-12.

______. Pedagogia (Improvável) da Diferença:e se o outro não estivesse aí?Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

THOMA, Adriana da Silva. O Cinema e a Flutuação das Representações Surdas: “que drama se desenrola neste filme?Depende da perspectiva...”. Porto Alegre: UFRGS/PPGEDU, Programa de Pós-graduação e Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002. Tese (Doutorado em Educação).

VEIGA-NETO, Alfredo.  Michael Foucault e os Estudos Culturais. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Estudos Culturais em Educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000. p. 37 - 69.

Sites relacionados:
www.mec.gov.br/seesp

www.ibcnet.org.gov.br

www.ines.gov.br       

Quais são as três ideias que Stuart Hall destaca sobre identidade?

Stuart Hall (2000), professor de sociologia da Open University e conhecido teórico dos Estudos Culturais, cita três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito sociológico e a do sujeito pós-moderno.

O que seria identidade cultural na visão Stuart Hall?

Para Stuart Hall, as identidades nacionais das quais fazemos parte não estão impressas em nosso gene, mas se constituem a partir das culturas nacionais. Assim, as identidades nacionais são formadas e transformadas no interior pelas representações de uma dada cultura nacional.

Quem foi Stuart Hall e quais suas ideias?

Stuart Hall (1932-2014) foi um importante e renomado sociólogo britânico-jamaicano – nasceu na Jamaica, mas radicou-se na Inglaterra a partir de 1951. É um dos fundadores da escola de pensamento conhecida como Estudos Culturais britânicos ou Escola de Birmingham dos Estudos Culturais.

Quais são os principais elementos de identidade cultural?

Podemos destacar o idioma, as crenças religiosas, os valores, as normas, as tradições, a forma de vestir e a culinária como exemplos. Tais elementos culturais influenciam na construção das identidades dos sujeitos.