Segundo veiga ao construir o projeto político-pedagógico devem ser discutidos

Segundo Veiga (1996, p.13),

o projeto busca um rumo, uma direção [...] todo projeto pedagógico da escola é,também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária [...] Político e pedagógico têm assim uma significação indissociável. Neste sentido é que se deve considerar o projeto político-pedagógico como um processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade [...] propicia a vivência democrática necessária para a participação de todos os membros da comunidade escolar e o exercício da cidadania”.

E continua neste raciocínio: “a principal possibilidade de construção do projeto político-pedagógico passa pela relativa autonomia da escola, de sua capacidade de delinear sua própria identidade. Isto significa resgatar a escola como espaço público, lugar de debate, do diálogo, fundado na reflexão coletiva”(p.14).

Para tal, tornam-se necessárias mudanças na lógica das relações da escola com as instâncias superiores, numa luta da escola para a descentralização, autonomia e qualidade.

Nessa perspectiva, a escola “é vista como uma instituição social, inserida na sociedade capitalista, que reflete no seu interior as determinações e contradições dessa sociedade” (VEIGA, 1996, p.16).

Norteando a escola democrática, pública e gratuita, o projeto político-pedagógico funda-se nos princípios de igualdade de condições para acesso e permanência na escola; qualidade (técnica/formal e política) para todos; gestão democrática, rompendo a separação entre concepção e execução, com “ampla participação dos representantes dos diferentes segmentos da escola nas decisões/ações administrativo-pedagógicas” (VEIGA,1996, p.18); autonomia e liberdade, numa autonomia que se experimenta em situação e articulando limites e possibilidades, numa liberdade definida coletivamente; valorização do magistério, contemplando formação (inicial e continuada), condições de trabalho, remuneração.

Alguns elementos devem ser analisados na construção do projeto político-pedagógico, dentre eles, segundo Veiga (1996, p.22):”as finalidades da escola, a estrutura organizacional, o currículo, o tempo escolar, o processo de decisão, as relações de trabalho, a avaliação”.

Discorreremos apenas brevemente sobre cada um deles.

Sobre as finalidades da escola, cumpre indagar quais os efeitos pretendidos e almejados, em termos legais, culturais, políticos e sociais, de formação profissional, humanística, ou seja, a escola deve refletir coletivamente sobre sua intencionalidade educativa, o que reforça a ideia de autonomia.

A respeito da estrutura organizacional, deve-se refletir sobre o administrativo e o pedagógico. “A análise e a compreensão da estrutura organizacional da escola significam indagar sobre suas características, seus polos de poder, seus conflitos” (VEIGA, 1996, p.25). E ainda, “para realizar um ensino de qualidade e cumprir suas finalidades, as escolas têm que romper com a atual forma de organização burocrática que regula o trabalho pedagógico [...] que conduz à fragmentação e ao consequente controle hierárquico que enfatiza três aspectos inter-relacionados: o tempo, a ordem e a disciplina”(p.26).

Quanto ao currículo, enquanto construção social do conhecimento, há a necessidade de interação entre sujeitos com objetivos comuns e opção por referencial teórico que os sustentem. O currículo não pode ser separado do contexto social, pois expressa uma cultura, historicamente situada.

Segundo Veiga (1996, p.29),

orientar a organização curricular para fins emancipatórios implica, inicialmente, desvelar as visões simplificadas de sociedade, concebidas como um todo homogêneo, e de ser humano, como alguém que tende a aceitar papéis necessários à sua adaptação ao contexto em que vive. Controle social, na visão crítica, é uma contribuição e uma ajuda para a contestação e a resistência à ideologia veiculada por intermédio dos currículos escolares.

O tempo escolar é um dos elementos constitutivos da organização do trabalho pedagógico, como no calendário escolar, o horário das aulas, numa organização segmentada. Essa compartimentação leva a relações sociais hierarquizadas e ritualizadas, dificultando a integração curricular. “É preciso tempo para acompanhar e avaliar o projeto político-pedagógico”(VEIGA, 1996, p.30).

Quanto ao processo de decisão na escola, tende a ser orientado por procedimentos formalizados, relações hierárquicas de poder autoritário e centralizador. Esta estrutura precisa ser alterada, com mecanismos que estimulem a participação de todos no processo de decisão, visando à participação política de todos os envolvidos com o processo educativo da escola, o que poderia se dar através dos colegiados, processos coletivos e continuados de avaliação, dentre outros.

Na busca de uma nova organização do trabalho pedagógico, as relações de trabalho no interior da escola deverão pautar-se pela solidariedade, reciprocidade, participação coletiva, favorecendo o diálogo, a comunicação, a descentralização do poder, construindo novas relações de poder e alterando a dinâmica da sala de aula e da escola.

O projeto político-pedagógico precisa ser coletiva e constantemente avaliado, enquanto vinculado a aspectos políticos e sociais. Neste enfoque, a avaliação é um ato dinâmico que oferece subsídios ao projeto político-pedagógico e imprime direção às ações dos educadores e educandos. Segundo Veiga (1996, p.32), “a avaliação tem um compromisso mais amplo do que a mera eficiência e eficácia das propostas conservadoras”.

Então, deve-se entender o projeto político-pedagógico da escola como uma reflexão de seu cotidiano, que em sua construção “requer continuidade das ações, descentralização, democratização do processo de tomada de decisões e instalação de um processo coletivo de avaliação de cunho emancipatório”(VEIGA, 1996, p.33).

O projeto político-pedagógico (e sua construção) vincula-se à gestão da escola. Nesta construção, “sinaliza o processo educativo como construção coletiva dos professores envolvidos. E ainda, ao se constituir como processo, indica e reforça a função precípua da direção da escola e da equipe diretiva ou coordenadora de cuidar da ‘política educativa’, do alcance e da globalidade do processo educativo na escola e de liderá-lo, administrando a consecução dos objetivos”(BUSSMANN in VEIGA, 1996, p.38).

Partindo do pressuposto que a escola é uma organização, três elementos devem ser sempre pensados em sua administração, a saber: sua missão/objetivo; seu público-alvo; o ambiente em que opera. Neste sentido, a ação administrativa da escola “se situa no espaço-tempo entre as decisões políticas que o processo educativo exige e a implementação dessas decisões”(BUSSMANN in VEIGA, 1996, p.41).

Para que a prática democrática se efetive, deve ser precedida de discussão coletiva, em permanente atividade decisória e de acompanhamento, para que a própria decisão possa ser reformulada, visto não ser definitiva.

Neste contexto, numa escola que ser quer democrática, a participação é elemento inerente e dentro deste coletivo a equipe diretiva, enquanto parte desse coletivo, necessita

liderança e vontade firme para coordenar, dirigir e comandar o processo decisório [...] encaminhar e viabilizar decisões com segurança, como elementos de competência pedagógica, ética e profissional para assegurar que decisões tomadas de forma participativa e respaldadas técnica, pedagógica e teoricamente sejam efetivamente cumpridas por todos (BUSSMANN in VEIGA, 1996, p.44).

Assim, na organização escolar, as questões éticas e administrativas relacionam-se à questão pedagógica, sendo indissociáveis do caráter formativo, que é a razão da ação escolar e deve ser expressa em seu projeto político-pedagógico.

Nas relações existentes dentro da organização escolar, o conflito poderá ser fator de mudança adaptativa, gerando a sobrevivência da organização. Neste raciocínio, o conflito (nunca passividade e nunca demais turbulento) é considerado ingrediente gerador de socialização e conhecimento, logicamente inserido num contexto metodológico.

Numa lógica de que “a educação é compromisso ético dos brasileiros para com os outros brasileiros”(BUSSMANN in VEIGA, 1996, p.48) , cujo objetivo é a dignidade e a qualidade de vida, ressalta-se a importância da escola pública, “em que as prioridades socioeducacionais dos cidadãos podem se concretizar”(p.49).

Continuando neste raciocínio, Bussmann (in VEIGA, 1996, p.49), discorre ainda que

técnica e pedagogicamente isto viabiliza-se na vigência de políticas públicas adequadas, com ação planejada, vontade política, práticas educativas fundamentadas, sistematizadas, continuadas e aperfeiçoadas continuadas e aperfeiçoadas continuamente. É processo de planejamento-discussão-ação-reflexão-avaliação-replanejamento-nova ação [...] A implementação de projeto político-pedagógico próprio é condição para que se afirme [...] a identidade da escola, como espaço pedagógico necessário à construção do conhecimento e da cidadania.

Considerando o exposto, torna-se claro que a função da escola não é ser administrada, supervisionada, mas sim ser o locus da prática pedagógica, seu espaço-tempo para relações dos sujeitos da aprendizagem, numa construção e reconstrução do saber.

É aí que encontra sentido a gestão escolar, que deve viabilizar a construção do projeto político-pedagógico, através de formas democráticas de organização escolar, das relações que ocorrem nela.

Nesta ótica, a participação dos colegiados e outras instituições escolares, desempenham importante papel na construção deste projeto.

No entanto, Resende (in VEIGA, 1996), alerta para o descompasso entre o real e o discurso, entre o implícito e o explícito, na prática das escolas. E ainda, “no que diz respeito à escola, é preciso que as decisões institucionais, para se efetivarem, partam da prática cotidiana, sendo, portanto, necessário conhecê-la, identificando suas características e formas de expressão”(p.56).Acrescenta que “a cotidianidade será campo de desenvolvimento do poder criador e transformador e, também, da alienação”(p. 57).

Agimos com base em nossa matriz histórica, nossa história de vida, nossos saberes e fazeres.

Assim, a interdependência entre nossos paradigmas, as relações de poder na escola e o projeto político-pedagógico retrata aspectos divergentes, desde princípios filosóficos até atividades em sala de aula. Alguns desses paradigmas precisam ser quebrados, superados, transformados, para que se compreenda a realidade e nela se interfira. Hoje a família é outra, os alunos são outros e, no entanto, há professores que são sempre os mesmos. Nos dizeres de Resende (in VEIGA, 1996, p.62), “a escola necessita ‘oxigenar-se’ para não ser sufocada pelo fechamento que ela própria está gerando”. E continua, “a possibilidade de (re)formulação implica que se abra mão de dogmatismos, em detrimento de uma racionalidade mais plural, articulada, não-fragmentada [...] deve ser consequente a articulação com o poder de forma mais transparente e coerente”.

O cansaço pedagógico leva os educadores a procurar receitas para o como, porém se este não for gestado no cotidiano, não será vivido.

Para Resende,

uma escola autônoma e de qualidade, onde o saber veiculado oportunize a ‘todos’ a capacidade de exercer com dignidade a cidadania, deve, sem dúvida, fazer parte de uma sociedade amadurecida em sua consciência social através da luta pelos direitos da cidadania coletiva. Este desejo está vinculado a um determinado paradigma, ainda embrionário para muitos (in VEIGA, 1996, p.64).

Devemos ter clareza que não é o prescrito, mas o real, o que ocorre no cotidiano, que mostrará a democracia ocorrendo na escola, ou não. È preciso que exista coerência entre o pensar e o fazer.

Retomemos o pano de fundo, da situação mundial e a brasileira, a partir de da década de 1980, com a ideologia neoliberal redefinindo as bases da exploração da classe trabalhadora, através de novas formas de organização do trabalho, repensando a organização do Estado, do trabalhador e da escola.

Nesta ótica, a qualidade da escola interessa para que se atendam ao sistema ocupacional, pois se entende que o trabalhador precisa de capacidade de abstração, raciocínio, dentre outras habilidades. Continua o embate educar/explorar.

Assim, na análise do projeto político-pedagógico e do cotidiano em que este se constrói, implica em analisar as relações de poder que ocorrem na escola, o que também implica pensar as formas de legitimação da sociedade capitalista.

Nos dizeres de Foucault,

[...] a partir dos mecanismos infinitesimais que têm uma história, um caminho, técnicas e táticas e depois de examinar como estes mecanismos de poder foram e ainda são investidos, colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, etc. por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global(1979, p. 184).

Já Gramsci busca no conflito, nas posições antagônicas, os fundamentos para explicar a ideologia[1]. Mostra o homem como síntese das relações sociais A forma como provê sua sobrevivência definirá a forma como ele existe, que, nas sociedades capitalista, vai caracterizar a sociedade dividida em classes.

Num salto analítico, o trabalho escolar deve estimular o aluno a ser dirigente, o que exige a auto-disciplina. “Gramsci entende que as normas devem ser estabelecidas pela própria coletividade, o que na escola seria envolver a todos na definição de seu caminhar. Esta ideia é o germe da construção coletiva que deve permear as ações na escola” (RESENDE in VEIGA, 1996, p.72).

Na contradição, nas formas de resistência geradas na escola, limitam-se algumas perspectivas, porém, por outro lado, permitem o acesso a saberes que podem levar a ultrapassar outras concepções.

A solução dos problemas deve ser buscada dentro da própria realidade, compreendendo-a em sua pluralidade. Deve-se buscar um processo em que a comunidade busque o autoconhecimento e conheça também as realidades que influem em seu contexto. A escola necessita permitir e provocar a (re)construção do saber, pela relação entre as subjetividades.

Desta forma, poderá provocar a construção coletiva de seu projeto político-pedagógico, capaz de atender às necessidades dos alunos e à mediação do saber, numa sociedade que se pretende mais justa e democrática.

Um pressuposto para tal seria a formação dos educadores para autogestão de sua formação continuada, numa reflexão constante sobre seus saberes, seus fazeres, sua realidade. Outras necessidades seriam: análise dos documentos escolares, enfocando as relações de poder que contemplam; admissão de que a realidade é uma construção histórica e dinâmica; confrontar o dito e o feito.

A questão da autonomia

A aceitação da autonomia da escola implica compreender e atuar na realidade num “novo padrão de política, planejamento e gestão educacionais, tanto do ponto de vista da escola como dos sistemas de ensino”(NEVES in VEIGA, 1996, p.97).

Ainda segundo esta autora, “a autonomia, como a liberdade, é um valor inerente ao ser humano: o homem não nasceu para ser escravo ou tutelado, mas para ser livre, autônomo”. Porém, como ser social, sua liberdade e sua autonomia relacionam-se às de outros. Portanto, liberdade e autonomia não são valores absolutos, mas valores que se definem numa relação de interação social.

A autonomia da escola é um exercício de democratização de um espaço público, que coloca na escola a responsabilidade de prestar contas de seu fazer (ou não fazer) e que, ao aproximar-se das famílias, pode permitir a participação da comunidade.

Desta forma, a autonomia não deixa de ser autonomia por considerar a existência e a importância das diretrizes de um sistema educacional. A autonomia da escola justifica-se no respeito à diversidade cultural[2] e à pluralidade brasileiras, nas desigualdades locais e regionais, na abertura à participação.

Outra dimensão de autonomia contempla a organização, a operacionalidade, que poderia garantir maior racionalidade e melhoria da qualidade de serviços prestados.

Numa perspectiva weberiana, teríamos o princípio da eficácia, que significa o alcance de resultados previamente definidos, não bastando no entanto alcançá-los, mas fazê-lo de maneira eficiente, com economia de tempo, recursos humanos[3], materiais e financeiros.

Para Neves (in VEIGA, 1996, p. 101), “uma escola pública existe para prestar um serviço à sociedade e, quando os resultados que a escola atinge coincidem com os que a família e a comunidade esperavam dela, sua identidade é reforçada e legitima-se seu papel social”. A seu ver, a autonomia consolida-se em três eixos básicos, relacionados com as racionalidades interna e externa e articulados entre si: administrativo, pedagógico e financeiro.

Todavia, o projeto político-pedagógico da escola engloba a totalidade do trabalho escolar e, portanto, abrange os três eixos.

No eixo administrativo podemos destacar a forma de gestão, controles normativo-burocráticos, racionalidade interna (que engloba uma avaliação interna sistemática, não limitada ao aluno, mas a todo o trabalho escolar), administração de pessoal, administração de material, controle de natureza social. Neste, enquanto racionalidade externa, inclui-se a participação de pais e comunidade no planejamento, na administração e na avaliação da escola. O nível de participação pode acontecer como informação, presença, ativação ou participação. Quanto maior o grau de autonomia os dois últimos níveis estão mais presentes.

O eixo pedagógico liga-se a identidade da escola, sua missão social, sua clientela, resultados e, portanto, à essência do projeto político-pedagógico. Abrange os seguintes aspectos: poder decisório referente à melhoria do ensino-aprendizagem, adoção de critérios próprios da vida escolar, pessoal docente, acordos e parcerias de cooperação técnica.

O eixo financeiro trata da gestão de recursos e engloba três vertentes: dependência financeira, controle e prestação de contas e captação de recursos. Logicamente, não podemos dissociar autonomia financeira e qualidade da existência de recursos suficientes.

Outra dimensão do conceito de autonomia refere-se ao papel dos agentes pedagógicos, pois quanto maior a autonomia as escolas tornam-se sujeitos ativos de sua própria história.

Segundo Neves (in VEIGA, 1996, p. 107), “A autonomia, democratizando internamente a escola pública, valoriza o trabalho dos profissionais, realça sua competência técnica e cria condições mais favoráveis ao exercício de seu compromisso social, que é educar”.

No entanto, precisamos lembrar da realidade atual, que engloba a divisão do trabalho, aumento das áreas-meio e do número crescente de exigentes burocratizantes, desvinculadas da realidade e que dificultam o andamento da instituição. Também é grave o desinteresse da classe política brasileira pela educação, pois sendo a educação emancipadora, dificulta a reprodução do modelo patrimonialista. A falta de investimentos na educação pública resulta na baixa qualidade do ensino e na desqualificação do profissional educador.

No momento atual a população brasileira parece compreender a necessidade de participação no processo de definição das prioridades do Estado.

Porém a autonomia, enquanto valoriza os agentes pedagógicos que atuam na escola, cobra-lhes o compromisso ético-profissional de servir ao público, porém, devemos ter claro que não somente uma nova ordem será capaz de modificar o panorama da escola pública. Para tal, seria necessário investimento e a valorização dos profissionais, com plano de carreira, salário digno, educação continuada, boas condições de trabalho, acesso às modernas tecnologias e possibilitar as escolas construir um projeto político-pedagógico que atenda seu aluno.

Para Neves (in VEIGA, 1996, p. 110), a autonomia vincula-se ao projeto político-pedagógico. O projeto político-pedagógico

“é um instrumento de trabalho que mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira, por quem, para chegar a que resultados [...] É a valorização da identidade da escola e um chamamento a responsabilidade dos agentes com as racionalidades interna e externa [...] daí a importância de que seja elaborado participativa e democraticamente”.

Para a construção do projeto político-pedagógico, vislumbram-se as seguintes etapas: análise da situação (levantamento de indicadores), definição dos objetivos, escolha das estratégias, estabelecimento de cronograma e definição dos espaços necessários, coordenação entre os diferentes profissionais e setores envolvidos, implementação, acompanhamento e avaliação.

A avaliação deve assumir a característica de recurso pedagógico-administrativo que impulsiona ações para corrigir e aperfeiçoar o projeto.

O projeto pedagógico é a concretização da identidade da escola, de suas racionalidades interna e externa e, consequentemente de sua autonomia.

A autonomia deve constituir-se em utopia possível.

A autonomia é conquista, não somente outorga legal. É preciso buscar brechas de atuação e apoio, através da qualidade do trabalho. Exige também alto grau de compromisso e de competência ético-profissional, o que novamente nos remete à formação dos educadores, condições de trabalho, dentre outros fatores já citados.

É evidente a responsabilidade dos sistemas, pois conceder autonomia não significa abandonar as escolas à própria sorte, mas adotar um novo padrão de gestão e de relacionamento.

Na elaboração e implementação do projeto político-pedagógico, há necessidade de um trabalho abrangente, participativo, democrático, responsável, competente e solidário, que seja relevante para a comunidade. Contudo, respeitar a comunidade significa fazer da escola uma instância mediadora, e não reprodutora, não condenar os alunos a permanecer no patamar em que já estão.

O projeto pedagógico deve também ser relevante à sociedade, permitindo ao aluno construir seu caminho.

A escola pública, enquanto prestadora de serviços aos cidadãos, deve estar aberta à participação da comunidade, ser transparente e abrir-se à avaliação externa. A avaliação sistemática é fundamental para correção e aprimoramento de rumos e deve ser vista como um recurso político-pedagógico-administrativo que,

além de sugerir parâmetros para o projeto pedagógico da escola, deverá ser usado como fonte de novas políticas e linhas de ação, permitindo a atuação dos órgãos maiores do sistema educacional na superação dos limites da escola, na redução das desigualdades, na garantia de equidade nos pontos de chegada e na progressiva ampliação dos patamares educacionais para todos os brasileiros (NEVES in VEIGA, 1996, p. 119).

Autonomia engloba as noções de liberdade, democracia e pluralismo.

A autonomia não significa a ausência do Estado. Segundo Neves, “a descentralização e a autonomia apenas invertem a pirâmide do sistema, realçando a escola e modificando as atribuições das esferas administrativas” (in VEIGA, 1996, p. 120).

Uma agenda de políticas e linhas de ação para orientar a implantação da autonomia engloba algumas mudanças interligadas: mudanças na estrutura político-administrativa – descentralização, desburocratização, desregulamentação e transparência; mudanças nos padrões de financiamento e investimento – levando em consideração o projeto político-pedagógico da escola e a qualidade para o sistema nacional; mudanças no compromisso ético-profissional dos agentes envolvidos – avaliações para subsidiar políticas e linhas de ação; mudanças na qualidade dos resultados educacionais; mudanças na relação Estado-cidadão – responsabilidade partilhada e subscidiaridade.

Segundo Neves,

“a autonomia da escola pública brasileira é categoria por meio da qual a escola insere-se na totalidade do sistema educacional ao mesmo tempo em que o transcende para, por intermédio de seu projeto político-pedagógico, servir cada vez melhor a seus alunos, realçando o papel mediador e transformador da educação” (in VEIGA, 1996, p. 127).

A autonomia da escola pública é um desafio para que administradores e agentes da educação sejam os construtores de um projeto político pedagógico dinâmico, construindo uma obra democrática.

Alguns autores, entre eles Nóvoa e Habermas (segundo FALKEMBACH in VEIGA, 1996, p. 131),

propõe uma nova relação no fazer educativo, na medida em que este passa a ser visto como uma prática reflexiva que se propõe, por sua vez, a forjar sujeitos prático-reflexivos [...] é referindo-me a esse pano de fundo que proponho discutir o planejamento participativo com base na escola, tratando-o como instrumental teórico-prático capaz de facilitar a convergência entre o refletir e o agir, no espaço escolar. Como ferramenta capaz de vitalizar experiências educativas e instituições e de respaldar a construção, com democracia, do projeto político-pedagógico da escola. Nessa perspectiva, o planejamento participativo poderá constituir-se um instrumento pedagógico e político de mudança.

Falkembach propõe que se faça um diagnóstico, no empírico, guiado pela reflexão e que organize informações, análises e sínteses que embasem o plano. Propõe ainda que este diagnóstico participativo se paute pelos problemas e recursos da vida cotidiana da comunidade escolar, tendo este como objeto de reflexão e ação. Sugere que os problemas evidenciados sejam trabalhados e organizados em núcleos problemáticos. Estas seriam as bases de um projeto político-pedagógico capaz de recuperar ou construir a identidade da escola e dos sujeitos ali envolvidos.

Já Marques (in VEIGA, 1996, p.146) nos alerta que

o imaginário da escola atua tanto no que se refere aos sentidos que a informam e impulsionam, como no que diz respeito às condições de seu funcionamento prático-operativo. Cabe ao projeto político-pedagógico da escola realizar essa tão necessária articulação do instituinte com o instituído, da vida concretamente vivida dia a dia com as condições sociais e materiais necessárias à continuidade das ações numa forma conjunturalmente possível. Projeto pedagógico porque se deve gestar no entendimento compartilhado por todos os envolvidos com a atuação da escola, sobre como organizar e conduzir as práticas que levem à efetividade das aprendizagens pretendidas.

As expectativas não se referem a sujeitos isolados, mas a uma comunidade de sujeitos orientados “por significados idênticos reflexivamente referidos à validez intersubjetiva dos compromissos do agir solidário”(HABERMAS, 1998, p. 346-347 apud MARQUES, in VEIGA, 1996, p.147).

Assim, imbricam-se na proposta pedagógica “a dimensão ético-política da natureza intersubjetiva da formação da vontade coletiva e a da coordenação e da condução da atuação solidária” (MARQUES in VEIGA, 1996, p. 147), de forma que todos assumam a co-responsabilidade pelas práticas, o que implica em que se defina qual cidadão a escola pretende formar para qual sociedade.

E continua,

mas, para que essa intencionalidade ético-política não se esgote no plano do voluntarismo estéril e inconsequente, faz-se mister torná-la efetiva e eficaz na estrutura organizacional da escola como tal, na dinâmica curricular, na processualidade das práticas educativas referidas à sistematização das aprendizagens, na especificação dos conteúdos das aprendizagens pretendidas, no travamento das relações intersubjetivas, na gestão democrática da escola, na disposição material de lugares, coisas e tempos, no pleno aproveitamento das virtualidades dos recursos e das metodologias disponíveis e, sobretudo, na mediação da docência em sala de aula, por onde se cumpre a forma escolar da sistematização das aprendizagens necessárias à concidadania de todos, solidária, responsável, construtiva de novas formas de convívio e interação(p. 148).

Porém, a dinâmica da sala de aula não ganha sentido em si mesma, mas como elemento da dinâmica curricular da escola, dentro de seu projeto pedagógico. Alguns suportes são necessários a esta docência comprometida com a qualidade das aprendizagens intencionadas no projeto da escola, a saber: um projeto político-pedagógico permanentemente redefinido pela comunidade escolar; uma dinâmica curricular em que se correlacionem os saberes a serem aprendidos em cada ano, série, dentro da proposta da escola; um programa em que os conceitos correlacionem-se, levando à exploração autônoma. É preciso que haja congruência e continuidade (MARQUES in VEIGA, 1996, p. 152-153).

Segundo Santiago (in VEIGA, 1996, p.157), “a preocupação com as práticas escolares desloca-se, hoje, da especificidade didático-metodológica para questões mais amplas, relativas ao modelo paradigmático que sustenta a estrutura organizativa da escola”.

Continuando este raciocínio, nos mostra que

a reorganização da produção e as mudanças na base técnica do trabalho, provocadas pelo uso da tecnologia, colocaram em crise o projeto político-pedagógico que vem sustentando a organização escolar e as formas de conduzir o ensino desde o século XVIII, quando a utopia liberal instituiu a escola pública como lugar social destinado à formação do cidadão e da força do trabalho adequados ao modelo de sociedade que então se consolidava (p. 158).

A respeito da crise dos paradigmas das práticas educativas, levando à necessidade de novo aporte teórico que supere a fragmentação do conhecimento, Demo (1994, p. 13-14 apud SANTIAGO in VEIGA, 1996, p. 158), assim se manifesta:

Decisivo torna-se o reconhecimento de que manejo e produção de conhecimento são os instrumentos primordiais da cidadania e da economia, levando a rever, radicalmente, a proposta educacional vigente, por ser esta absurdamente arcaica, inclusive na universidade. Como regra, pratica-se a didática marcada pelo mero ensino e pela mera aprendizagem. De um lado, aparece um pretenso sujeito, chamado professor, que apenas ensina, no sentido surrado de copiador de cópias, já que definido como ministrador de aulas, sem qualquer compromisso construtivo[...]De outro, aparece um típico objeto de aprendizagem, o aluno, cuja função é ser cópia da cópia.

Os educadores, como cidadãos dessa época, precisam clarificar a intencionalidade e a dimensão das transformações que deverão ocorrer na escola, preocupando-se, além das inovações tecnológicas, com o comprometimento da prática pedagógica com um projeto político.

Para a autonomia de sua ação, precisam do domínio de um corpo teórico, da reflexão coletiva, da capacidade de gestão de suas práticas, comprometendo-se e responsabilizando-se pela ação educativa da escola.

Nessa perspectiva, os educadores precisam organizar-se coletivamente na construção de propostas pedagógicas que insiram as práticas pedagógicas em projeto histórico assumido pelo grupo, embasado na compreensão da análise social e na comunicação dos sujeitos das relações escolares.

É preciso superar a dicotomia entre as dimensões política e pedagógica.

Segundo Santiago, o projeto político-pedagógico assumido pela comunidade escolar deve estruturar-se em dois eixos básicos: a intencionalidade política, articulando a ação educativa a um projeto histórico e a definição da concepção de conhecimento e a teoria de aprendizagem que orientarão as práticas pedagógicas, articulando teoria e prática (in VEIGA, 1996, p. 164).

Ao pretender a transformação social, a escola estará, por meio da ação educativa, buscando a construção de uma nova hegemonia, distinta da atualmente dominante, e que permita às classes dominadas reivindicar espaços de poder.

Assim entendido, um projeto pedagógico ultrapassa a concepção de reorientação curricular ou metodológica, incorporando na práxis educativa, elementos éticos-normativos, subjetivos e culturais da realidade, onde os sujeitos organizam-se e interagem, construindo teorias e valores de uma cultura. Dessa forma, a escola contribuiria na construção da autonomia intelectual e moral de sujeitos aptos a participar e a criar.

Detalhando o como

É importante a identificação da escola com a comunidade local, buscando alternativas que imprimam dimensão política à ação pedagógica, que a escola se abra a esta comunidade busque, também, se necessário, ajuda externa que lhe permita identificar os referenciais teóricos que embasam suas práticas.

O contexto em que atua precisa ser bem diagnosticado, as ações devem ser objeto de reflexão contínua, os registros sistematizados, a avaliação das práticas acontecerem continuamente.

A articulação da teoria com a prática deverá ser construída num referencial teórico fundado num diagnóstico concreto da realidade vivenciada. A proposta delineia-se à medida que se explicitam a educação desejada pela comunidade, o tipo de relações pedagógicas que deveria ser consolidado e a organização escolar que seria coerente com os objetivos do grupo.

Mesmo com as limitações de tempo, formação, conflitos de um trabalho participativo, a escola irá paulatinamente avançar no processo de construção de seu projeto político-pedagógico.

Os aspectos administrativos e burocráticos devem dar sustentação à proposta pedagógica, desta forma torna-se necessária a organização do tempo pedagógico, elaborando um calendário escolar que preveja espaços de reuniões e estudos. Sugere-se aqui que haja um cronograma de horas de trabalho pedagógico coletivo, que seja discutido nestas, bem como se utilize os espaços de planejamento e replanejamento previstos no próprio calendário sugerido legalmente, além das reuniões de pais, colegiados e outras instituições escolares.Nestas reuniões se definirão os princípios básicos para a ação educativa. Além disto, a organização curricular deverá ser definida para cada etapa da escolaridade, além da avaliação continuada que permita o acompanhamento da processualidade da construção do conhecimento. Julgamos importante a clareza do que é um ciclo de aprendizagem e da responsabilização de todos os professores pelos alunos desse ciclo, bem como a necessidade do acompanhamento integrado da escola e da família a seus alunos.

Outra ação que poderia ser importante seria a utilização por todos de todos os espaços físicos da escola, num sentimento coletivo de pertencimento. Como exemplo, a utilização conjunta de professores, alunos, funcionários do mesmo espaço destinado à merenda. Dentro dos limites do que é oferecido, cardápios variados poderiam ser discutidos com os alunos.

É preciso que em todos os espaços-tempos escolares se construam relações dialógicas, as quais implicam na (re)construção das próprias subjetividades.

No planejamento do ensino, visando superar as práticas fragmentadas, pode-se optar pela organização em temas geradores, em projetos de trabalho interdisciplinares, cuja tematização seja feita com base em problemas ou necessidade que se evidenciam na comunidade, “articulando toda a ação pedagógica da escola num espaço-tempo suficiente par que haja construção de conhecimentos, conscientização e envolvimento da comunidade na busca de soluções para seus problemas” (SANTIAGO E ZASSO in VEIGA, 1996, p.188-189).

Seria também importante a utilização de novas metodologias de ensino, construídas de forma dinâmica, como pesquisas de campo, e que na apresentação das conclusões esteja envolvida toda a escola e a comunidade.

Poderia haver oficinas pedagógicas, durante as quais o grupo de professores planejassem e desenvolvessem atividades integrando todas as séries.

É necessário que se redimensione a função da avaliação, a ser construída à medida que os pais são envolvidos no processo de reflexão e participem junto com os professores. Poderiam ser utilizadas as fichas individuais dos alunos, porém com espaço para a manifestação dos pais sobre a escola, o ensino e o processo de desenvolvimento de seus filhos.

Outra ação poderia ser uma caixa de sugestões, de livre e permanente acesso a alunos e pais.

Não pretendemos esgotar aqui o tema, porém pretendemos evidenciar a importância da abertura da escola à participação e a intencionalidade política necessária à construção de um projeto político-pedagógico, que se sustente em práticas comprometidas e consequentes.

VEIGA, Ilma Passos A. (Org.) Projeto Político-Pedagógico da Escola : Uma Construção Possível. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1996. 192 p.

Notas:

[1] Gramsci define ideologia como “uma concepção de mundo que se manifesta [...] em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”(apud RESENDE in VEIGA, 1996, p.70).

[2] Alfredo Bosi(1992) entende que há culturas brasileiras(NEVES in VEIGA, 1996, p.99).

[3] Segundo Bussmann (in VEIGA, 1996, p.45), a expressão recursos humanos e também, por decorrência, a expressão administração de recursos humanos podem ser consideradas inadequadas por sugerir ideia de que os integrantes da organização são seus objetos, são pertences dela.

Qual a definição que Veiga faz sobre o projeto político pedagógico?

O projeto político-pedagógico é entendido, neste estudo, como a própria organização do trabalho pedagógico da escola. A construção do projeto político-pedagógico parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade, gestão democrática e valorização do magistério.

Quais são os princípios do PPP Segundo Ilma Passos Veiga?

De acordo com Veiga (1991, p. 82), os princípios do PPP são: igualdade, qualidade, gestão democrática, liberdade/autonomia e valorização do magistério. Esses possuem um caráter permanente e fundamentado nas ações pedagógicas.

Quais são as principais características do projeto político pedagógico?

Construindo o Projeto Político Pedagógico Garantia do acesso e permanência, com sucesso, do aluno na escola; Gestão democrática; Valorização dos profissionais da educação; Qualidade do ensino; Organização e integração curricular; Integração escola/família/comunidade; Autonomia.

Quais são os três movimentos necessários para a construção do projeto político pedagógico?

Todavia, é possível apontar três movimentos básicos deste processo de construção do PPP, denominados pela autora de: Ato Situacional, Conceitual e Operacional.