Ao participarem de licitações públicas, os interessados devem comprovar que detêm idoneidade e capacidade para bem executar o objeto licitado e, assim, atender a demanda apresentada. E tal condição é aferida pelo ente licitante na fase de habilitação, através do exame dos documentos exigidos a título de habilitação jurídica; qualificação técnica; qualificação econômico-financeira e regularidade fiscal, nos termos dos arts. 27 e seguintes da Lei 8.666. Especificamente sobre a qualificação técnica operacional, prevista no art. 30, II, da Lei de Licitações, destaca-se que esta consiste na demonstração de aptidão, pela empresa proponente, para o desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, indicação das instalações, do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação. Tal exigência, portanto, tem por finalidade assegurar que o licitante, enquanto organização empresarial, detém estrutura administrativa e organizacional mínima para executar satisfatoriamente o objeto licitado. Para tanto, busca-se saber, através da experiência anterior, se a empresa já executou objeto com características, quantidades e prazos similares ao objeto da licitação bem como, se dispõe de instalações, aparelhos e pessoal técnico disponível para a execução do objeto da licitação. De acordo com o art. 30, §§ 1º e 6º, da Lei nº 8.666/93, a comprovação da qualificação técnico-operacional será realizada por meio da apresentação de atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, registrados na entidade profissional competente, conforme o caso, bem como pela apresentação de declaração com a indicação das instalações, aparelhos e pessoal técnico disponível para executar o objeto da licitação. A finalidade da apresentação de tais documentos é justamente comprovar a satisfatoriedade da execução de objeto similar ao da licitação. Logo, os atestados apresentados devem se revestir de alguns requisitos de confiabilidade, exprimindo com veracidade informações relevantes que possam subsidiar a Administração a tomar uma decisão segura quando do julgamento da habilitação dos licitantes. Existindo incertezas em relação ao conteúdo do atestado, em especial sobre a veracidade dos fatos ali declarados e sua compatibilidade com os requisitos do edital, deve a Administração agir com cautela, promovendo as diligências necessárias (com escopo no art. 43, § 3º, da Lei 8.666) a fim de dirimir as dúvidas existentes. Nesse sentido é que atestados apresentados por empresas que possuem sócios em comum, com grau de parentesco ou que pertençam ao mesmo grupo econômico, de fato, podem despertar dúvidas quanto à sua confiabilidade e lisura, todavia, não podem ser rejeitados de plano pela Administração, devendo isso ser averiguado por outras vias. Isso porque não há, a princípio, impedimento legal para que empresas nessas condições (com sócios em comum, com grau de parentesco ou que pertençam ao mesmo grupo econômico) participarem do mesmo processo licitatório ou de emitirem atestados de capacidade técnica uma a outra, na medida em que as pessoas jurídicas, em nosso ordenamento, possuem autonomia jurídica e não se confundem com as pessoas físicas ou jurídicas que a integram e/ou a comandam, sendo cada qual titular de direitos e obrigações de forma independente em relação às demais. Nessa linha, as seguintes decisões do TCU: “[ACÓRDÃO] “[RELATÓRIO] Contudo, não se pode olvidar que a autonomia das pessoas jurídicas não pode servir como instrumento de fraude ou burla à lei.[4] Dessa feita, ao se deparar com atestados emitidos por empresas que possuam algum tipo de relação, a exemplo de sócios em comum, com relação de parentesco ou pertencentes ao mesmo grupo econômico, deve a Administração agir de forma diligente e cautelosa, com vistas a evidenciar que o conteúdo do atestado é verdadeiro e exprime a verdade dos fatos, bem como que as empresas não estão atuando em conjunto no intuito de fraudar a licitação[5], isto é, que uma delas (a emissora do atestado) não está sendo utilizada somente para dar respaldo àquela que participa do certame, através da emissão de documento que não é condizente com a realidade. Para tanto, tais diligências podem envolver a exigência de cópias dos contratos; notas fiscais ou outros documentos que demonstrem a efetiva e satisfatória execução de objeto compatível com o licitado, demonstrando-se o atendimento dos requisitos de ordem técnico exigidos no edital, tal qual o realizado na situação em apreço. Nessa linha, orientam Jessé Torres Pereira Júnior e Marinês Restelatto Dotti: “De acordo com o Tribunal de Contas da União, é indevida a exigência de serem acompanhados de cópias das notas fiscais referentes à execução dos objetos atestados; tais notas não figuram entre os
documentos relacionados no rol exaustivo do art. 30 da Lei no 8.666/93 (Acórdão ne 4.446/2015 - Primeira Câmara, Rel. Min. Bruno Dantas, Processo n 014.387/2015-8; Acórdão nº 1.564/2015-Segunda Câmara, Rel. Min. Ana Arraes, Processo n° 011.069/20147; Acórdão n 1.224/2015 Plenário, Rel. Min. Ana Arraes, Processo nº 003.763/2015-3; Acorda。n® 944/2013-Plenário, Rel. Min. Benjamin Zvmler, Processo n° 003.795/2013-6). A propósito do tema, oportunas as seguintes decisões do TCU: “Ao constatar incertezas sobre o cumprimento de disposições legais ou editalícias, especialmente dúvidas
que envolvam critérios e atestados que objetivam comprovar a habilitação das empresas em disputa, o responsável pela condução do certame deve promover diligências para aclarar os fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que servirão de base para a tomada de decisão da Administração (art.43, §3º, da Lei 8.666/93).”[7] Assim, se após as devidas diligências restar suficientemente demonstrado que o atestado é apto a comprovar a capacidade técnica do licitante, visto que atende as exigências do edital e que a empresa de fato prestou serviços compatíveis com o objeto licitado, não persiste qualquer irregularidade, ainda que a empresa emissora do documento possua sócio com grau de parentesco ao sócio da empresa que participou do certame. [1] TCU. Acórdão 451/2010. Plenário. [2] TCU. Acórdão 2241/2012. Plenário. [3] TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 155/2013. [4] O ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, recepcionou a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, utilizada nos casos de evidente abuso da pessoa jurídica, conforme previsão do Código Civil de 2002: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. [5] A demonstração de fraude ou conluio exige robustas provas, na linha do que já sinalizou o TCU: “[RELATÓRIO] 46.4. Para se configurar conluio são exigidas provas ou evidências inequívocas de que tenha havido ajuste entre as partes quanto à utilização de um processo com objetivo de fraude. Esse foi o entendimento da Seção II Especializada em Dissídios
Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-2) - ROAR-79/2006-000-10-00.8. [6] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTTI, Marinês Restelatto. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 708-709. [7] TCU. Boletim de Jurisprudência nº 66/2014. Acórdão 3418/2014. Plenário. [8] TCU. Acórdão 2.459/2013. Plenário. |