Casamento entre pessoas do mesmo gênero lei

ARTÍCULO

O casamento civil homoafetivo e sua regulamentação no Brasil

Same-sex civil marriage and its regulation in Brazil

Julio Pinheiro Faro1 e Jackelline Fraga Pessanha2

1Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Professor Substituto de Instituições do Direito e Direito Tributario na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Professor de Direito Processual Constitucional e Direito Tributário na Faculdade Estácio de Sá em Vitória (FESV); Diretor Secretário-Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH); Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito da FESV; Consultor da Câmara de Pesquisa da FESV; Pesquisador; Advogado e Consultor Jurídico.
2Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Pesquisadora e Professora Universitária; Advogada.


RESUMO

O estudo faz uma análise sobre o direito à livre manifestação de opção quanto à orientação sexual. Defende-se a homoafetividade com direito fundamental de reconhecimento tardio, embora se verifique a existência e tolerância entre os povos antigos de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Demonstra-se como o entendimento do Supremo Tribunal Federal brasileiro em 2011 ao reconhecer reconhecendo a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo gerou forte precedente para o reconhecimento do casamento entre tais pessoas, o que foi confirmado por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça brasileiro em 2011 e por uma Resolução do Conselho Nacional de Justiça em 2013. Indica-se, assim, a possibilidade de conversão das uniões estáveis homoafetivas, já aceitas no ordenamento jurídico brasileiro, em casamento civil homoafetivo. A conclusão é que constitucionalmente são aceitas, entre pessoas do mesmo sexo, tanto uniões estáveis quanto casamentos.

Palavras-chave: direito constitucional; direito das famílias; direito homoafetivo; união estável homoafetiva; casamento homoafetivo.


ABSTRACT

This essay analyses the fundamental right to free sexual orientation choice. It defends homoaffectivity as a late recognized fundamental right, demonstrating that in practice the Ancient people tolerated the sexual practice between same-sex persons. It demonstrates that the Brazilian Supreme Court recent understanding in 2011 consists in a strong precedent for recognizing same-sex marriage, confirmed in 2011 by a decision of the Brazilian Superior Court of Justice and in 2013 by the Brazilian National Council of Justice with a Resolution. It points out the possibility of converting consensual same-sex marriage in civil same-sex marriage. As conclusion remarks it is shown that Brazilian Constitution allows both consensual and civil (formal) same-sex marriages.

Key words: constitutional law; families law; homoaffective law; consensual same-sex marriage; same-sex civil marriage.


1. Introdução

Os ordenamentos jurídicos modernos se caracterizam pelo reconhecimento de uma ampla variedade de direitos. Essa diversidade de direitos decorre fundamentalmente de se ter erigido a dignidade humana a fundamento das ordens constitucionais e internacional no segundo pós-guerra, ampliando bastante o catálogo de direitos reconhecidos, explícita ou implicitamente. Dentre esses direitos, tem-se incluído, recentemente, o direito à livre opção de orientação sexual, sobre cuja proteção este trabalho discorre no que pertine ao Direito das famílias, pautando-se em recentes decisões da Suprema Corte brasileira e na interpretação constitucionalmente conforme do ordenamento brasileiro. O reconhecimento da liberdade de opção quanto à orientação sexual concretiza-se na possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo (casamento homoafetivo), observadas as mesmas regras do casamento entre pessoas do mesmo sexo (casamento heteroafetivo).

Este estudo faz uma breve análise sobre a possibilidade do casamento homoafetivo no Brasil, que, apesar de reconhecido judicialmente a partir de uma interpretação da Constituição brasileira, não encontra, ainda, forte respaldo legislativo.

2. A homoafetividade é um direito fundamental

A liberdade de opção quanto à orientação sexual reflete uma escolha quanto a um estilo de vida, que há muito tempo não se baseia simplesmente em relações carnais, mas, principalmente, em relações afetivas. O afeto é o aspecto central das entidades familiares contemporâneas (PEREIRA, 2011: 193), na busca pela boa vida. Todavia, em algum momento da história humana, estabeleceu-se que as relações afetivas e carnais, principalmente estas, só poderiam ocorrer entre um homem e uma mulher, sendo considerado anormal qualquer comportamento destoante desse padrão.

Presume-se que esse giro tenha ocorrido na Idade Média. Na cultura, na literatura e na mitologia das sociedades egípcia e mesopotâmica antigas, as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo eram reconhecidas (ESKRIDGE, 1993: 1437). No entanto, as evidências são apenas indiretas, sendo uma delas a tumba do Faraó Ikhnaton, em que há representações dele em posições íntimas com seu companheiro, o que é significativo para a época, pois na maioria das tumbas a representação entre homem e mulher era normalmente muito formal (ESKRIDGE, 1993: 1437-1438).

Evidências mais fortes e diretas são encontradas na cultura greco-romana. Há um registro no Symposium de Platão que sugere uma relação esposo-esposa entre Aquiles e Pátroco, embora não fosse claro o papel desempenhado por cada um (ESKRIDGE, 1993: 1442). Há relatos de que na antiguidade ateniense, os cidadãos (que eram apenas os homens adultos), “poderiam penetrar indivíduos socialmente inferiores, como mulheres, garotos, estrangeiros e escravos” (RUPP, 2001: 288). Os historiadores parecem entrar em consenso de que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo não era proibida, havendo, inclusive, tolerância social (ESKRIDGE, 1993: 1445-1446).

Evidências fortes de tolerância social ao relacionamento entre pessoas do mesmo sexo também são encontradas na Idade Média (ESKRIDGE, 1993: 1437). E é por volta da Alta Idade Média que parecem ter surgido os primeiros sinais de intolerância a esse tipo de relação. O Código de Justiniano de 533 tornou ilícita a relação íntima entre pessoas do mesmo sexo, porque violava o ideal cristão do casamento entre pessoas de sexos distintos (ESKRIDGE, 1993: 1447-1449). A essa época, a Igreja adotava posição contrária à relação entre pessoas do mesmo sexo, em virtude de questões de procriação, mas admitia, em alguns casos, esse tipo de relação entre clérigos (ESKRIDGE, 1993: 1450). A Igreja teve papel relevante na mudança de percepção social sobre relações entre pessoas do mesmo sexo, o que, à época, era chamado de inversão. A mudança de atitudes adveio de um pesado investimento histórico promovido pelas instituições religiosas sobre um tipo de sexualidade “que permite a organização social a partir de um determinado tipo de família, baseada num casal heterossexual e monogâmico e que restringe ou privilegia a prática sexual orientada para a procriação” (ADELMAN, 2000: 164).

Apesar da perseguição promovida pelos inquisidores aos praticantes de inversão, há documentos históricos que atestam a existência, durante a Modernidade, de guetos ou comunidades, situados nos centros urbanos europeus, em que havia a prática da inversão (ESKRIDGE, 1993: 1472). Mas não só na Europa os invertidos eram perseguidos. Entre 1860 e 1920, arquivos coloniais da Índia registram condenações contra sodomitas (ARONDEKAR, 2005: 20).

Também os espanhóis registraram em 1615 um costume comum entre povos pré-colombianos: “os pais [davam] um garoto a seu jovem filho para que ele o possuísse como uma mulher e para usá-lo como uma mulher” (ESKRIDGE, 1993: 1454). Os portugueses registraram, em 1576, que havia mulheres no nordeste brasileiro que deixavam de lado seus afazeres e agiam como homens, tendo uma mulher para lhes servir (ESKRIDGE, 1993: 1454).

Há registros de que entre os Índios norteamericanos, os Astecas, os Maias e os Incas havia uma tradição berdache, em que um homem ou uma mulher que se tenha desviado do papel tradicional de seu gênero recebe as responsabilidades do sexo oposto, casando-se com pessoas do mesmo sexo (ESKRIDGE, 1993: 1454-1455; RUPP, 2001: 291). Nas culturas africanas também há evidências desse relacionamento, conforme relatos de antropólogos na década de 1930, havendo um registro do século XIX de que em uma tribo Igbo, no leste da Nigéria, uma mulher, em virtude de sua prosperidade, era casada com outra mulher (ESKRIDGE, 1993: 1419-1420 e 1460-1461).

Também na Ásia registra-se a prática berdache entre os Hijiras na Índia, onde homens impotentes ou emasculados assumiam o papel de mulher (ESKRIDGE, 1993: 1462-1463), bem como relatos de missionários europeus sobre a prática de inversão em sociedades polinésias, em que os homens se vestiam como mulher e se relacionavam com outros homens (RUPP, 2001: 292). Há documentos sobre uma espécie de “homossexualidade ritualizada” entre aborígenes da Austrália e da Melanésia, onde “um garoto, antes de entrar na idade adulta, deve ter uma relação sexual temporária com um homem mais velho” (ESKRIDGE, 1993: 1468). Há evidências de prática homossexual institucionalizada entre os guerreiros samurais no Japão no século XVII (ESKRIDGE, 1993: 1467; RUPP, 2001: 289), e relatos históricos oficiais de que alguns imperadores chineses tinham relacionamentos homossexuais (ESKRIDGE, 1993: 1464-1465), embora por volta do século XVI a prática homossexual entre homens tenha recebido a rubrica de “sexo ilícito” (CHIANG, 2010: 632).

O termo homossexual e seus correlatos eram desconhecidos até fins do século XIX, quando surgiu para substituir a palavra inversão (SCHULTZ, 2006: 14; SAUER, 2010: 135; MOTT, 2006: 510; FISHER, 2007: 41). Na escrita árabe medieval já existia uma palavra para o que se chama atualmente lesbianismo (AMER, 2009: 215). Mesmo assim, a homossexualidade continuou, durante muito tempo, a ser vista como conduta desviante, perversão sexual, estigma, não como identidade sexual. Se já no Medievo a homossexualidade era vista como uma anomalia, uma doença (CHAVES, 2012: 64; OLIVEIRA, 2011: 93), a sexologia do século XIX a tornou, efetivamente, patológica. A Classificação Internacional de Doenças (CID) considerava a homossexualidade sob um diagnóstico psiquiátrico (CID-9), mas sua revisão (CID-10) deixou de considerá-la doença, e, sim, como sintoma decorrente de circunstâncias psicossociais.

A tendência atual é considerar a homossexualidade ou homoafetividade resultado de um estilo de vida baseado na livre escolha individual sobre a própria orientação sexual (DIAS, 2011: 677; WEINRICH, 1987: 310). O resultado do exercício de uma liberdade fundamental, que, se não encontra reconhecimento expresso em normas positivadas, tem respaldo na dignidade humana e na garantia do bem-estar de todos.

3. O STF e a união estável homossexual no Brasil

A atual Constituição brasileira não reconheceu formalmente a liberdade de escolha pela orientação sexual nem a união estável entre pessoas do mesmo sexo, embora não as proíba. Dados oficiais (IBGE, 2010) registram, no Brasil, cerca de 60 mil casais autodeclarados homossexuais. Mas, apesar desse número, inexiste uma legislação específica para esse grupo. O que há é um conjunto de decisões judiciais, devendo-se destacar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, que, interpretando a legislação infraconstitucional de acordo com a Constituição, fez história nos julgamentos da ADI 4277 e da ADPF 132, em 2011.

Embora haja ausência de previsão legal específica, o reconhecimento pelo STF demonstra que falta de reconhecimento formal não quer dizer inexistência de direitos, nem impossibilidade de conceder tutela jurisdicional (DIAS, 2008: 16). Dizer o contrário constituiria violação à isonomia e à liberdade de escolha, e desrespeito a aos diferentes estilos de vida. O estilo de vida baseado em uma relação homoafetiva encontra-se, porém, cercado de preconceitos, embora, no moderno Direito das famílias, também as famílias homoafetivas tenham o direito de consolidar laços familiares.

O STF fez história ao reconhecer as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo por dois motivos. O primeiro é o fato de que a legislação infraconstitucional possuía um dispositivo idêntico a uma previsão constitucional; o que atesta a existência de algo maior que uma simples interpretação conforme a Constituição, tendo o STF feito o papel de constituinte derivado, embora não tenha tal legitimidade. Nos casos (ADI 4277 e ADPF 132) decididos, a pretensão era pela aplicação do regime jurídico da união estável entre pessoas de diferentes sexos às uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão do STF, que tem eficácia erga omnes e efeito vinculante para a Administração Pública e os demais órgãos do Judiciário, foi confirmada em outro julgado do próprio STF (AgR-RE 477554), onde reafirmou que a união estável homoafetiva é um tipo de entidade familiar.

A decisão fundamentou-se basicamente na dignidade humana como substrato legal para a liberdade de opção individual quanto à orientação sexual e na proibição constitucional a discriminações com base em razão de orientação sexual. Já que a legislação brasileira não fixou o modo como a sexualidade humana deve se expressar, e nem poderia fazê-lo, senão interferiria indevidamente na liberdade de escolha e na vida privada e autonomia das pessoas, o STF reconheceu que as pessoas têm à sua livre disposição como se orientarão sexual e afetivamente. Pode-se dizer, então, que desde 2011, na ordem jurídica brasileira, a união estável não pressupõe a diversidade de sexos para ser uma entidade familiar, devendo apenas haver uma convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família. Logo, embora a decisão do STF não vincule o Poder Legislativo, toda a legislação brasileira sobre união estável deve ser interpretada sem que haja como pressuposto a diversidade de sexos; além do quê os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública devem, porque vinculados pela decisão do STF, agir de maneira a facilitar o reconhecimento dessas uniões e, inclusive, em virtude de comando constitucional, facilitar sua conversão em casamento.

4. O STJ, o CNJ e a possibilidade do casamento homoafetivo no Brasil

Esse reconhecimento tardio não deixa de ser interessante, pois na Alta Antiguidade Clássica Romana, o parentesco que unia os indivíduos em uma família não decorria da consanguinidade, mas da agnação (CHAMOUN, 1968: 151-152) e da varonia (FUSTEL DE COULANGES: año 53). As famílias eram como pequenos Estados, com unidade política, econômica e religiosa própria. A cognação (parentesco decorrente de relações de consanguinidade) só passa a determinar a estrutura familiar na Baixa Antiguidade Clássica Romana (CHAMOUN, 1968: 151), com a compilação de Justiniano, que originou a família moderna (CORREIA e SCIASCIA, 1953: 177).

A primeira instituição estabelecida pela religião doméstica foi o casamento (FUSTEL DE COULANGES: año 31). A solenidade era desnecessária para que duas pessoas pudessem ser consideradas unidas em matrimônio, do que se infere que o casamento como contrato solene de união é construção relativamente recente. Em virtude da necessidade de solenidade, o casamento moderno é visto como uma união de direito, enquanto o casamento antigo é visto como uma união de fato, sendo este o que se chama hoje de união estável, tendo sido por muito tempo denominado concubinato puro, bastando a convivência entre duas pessoas, por algum tempo, “como se casados, com ou sem celebração religiosa, para que se considerassem sob casamento” (AZEVEDO, 1994: 7).

Atualmente, a união estável é vista como entidade familiar entre duas pessoas, com a intenção de conviverem juntas, contínua, duradoura e publicamente e com a intenção de constituir família. Essa é a concepção adotada pelo Direito brasileiro. No entanto, embora o Direito das famílias brasileiro tenha sofrido grande influência dos institutos romanos antigos, também é forte a influência de institutos dos Direitos canônico e germânico (DANTAS, 1991: 18). O casamento como sacramento é herança de institutos canônicos, que o transformaram em rito sagrado celebrado perante Deus, na presença de um intermediário (pároco) e de testemunhas. Com a opção pela influência canônica, ficou vedada a prática de concubinatos puros, que eram severamente punidos (GAMA, 2006: 67), e tornou-se pecado a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo (inversões).

No Brasil, desde 1890, são adotadas formalidades que artificializaram a união entre duas pessoas, de modo que o Estado brasileiro passou a desconsiderar como casamento tanto a união de fato (por mera convivência duradoura dos cônjuges) quanto o casamento religioso, que, sem o posterior registro civil, é considerado como concubinato (AZEVEDO, 1994: 8). Independente disso, o fato é que o casamento é a celebração solene da união estável, conferindo-lhe reconhecimento estatal. A sociedade repete nos dias de hoje, genericamente, o que a Igreja estabeleceu no Medievo: o casamento é um sacramento, “meio externo pelo qual se assegura ao indivíduo certa participação na graça” divina (DANTAS, 1991: 43-44), o que se comprova por dispositivos legais, que determinam que para que se considerem casadas duas pessoas, haja a declaração de um juiz.

O que se tem, atualmente, é que a família é uma construção social, tendo amor e afeto como seus principais caracteres constituintes. É a presença de um vínculo familiar baseado na afetividade, não importando a orientação sexual, protegido juridicamente como entidade familiar (PEREIRA, 2011: 193-194). Aduz-se, então, que a diferença entre união estável e casamento é a existência de solenidades, já que ambos se baseiam na intenção de convivência pública, duradoura e contínua baseada no afeto entre as pessoas.

Daí o entendimento adotado pelo STF desde 2011 não se restringir às uniões estáveis, indo além, tornando possível o casamento homoafetivo, seja mediante a conversão da união estável, seja mediante o casamento direto. Seguindo esse rumo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro decidiu (REsp 1183378), ainda em 2011, ser possível o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, reconhecendo que não há vedação expressa e que a leitura da Constituição indicando a vedação implícita é inaceitável. Também no mesmo caminho e para evitar a negativa que vinha sendo dada pelos cartórios de registrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) brasileiro editou, em 2013, a Resolução 175, proibindo que as autoridades competentes se recusassem a habilitar, celebrar casamentos civis ou converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora o CNJ não seja órgão legislativo, fixou na Resolução 175 que o interessado pode comunicar a recusa ao juiz corregedor competente para que as providências cabíveis sejam tomadas.

Desse modo, não há impedimentos constitucionais ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, já que, contemporaneamente, o casamento não deve ser entendido unicamente com o fim de unir pessoas para procriar (seja pela maneira natural, seja pelas técnicas de reprodução forçadas ou assistidas), o que tornaria a possibilidade reconhecida pelo STF um equívoco. Mas, não é só o casamento não ter mais a finalidade de solenizar uma união para procriação, fundamentando-se nas ligações afetivas entre as pessoas, também o fato de a legislação e a Constituição brasileira não terem uma definição do casamento como necessariamente dependente da existência de uma diversidade de sexos (CHAVES, 2012: 248).

Deveria haver no sistema constitucional e na prática brasileiros uma equiparação entre o companheiro e o cônjuge, haja vista só haver distinção de formalidades entre união estável e casamento, devendo-se adotar, para ambos, igual regime jurídico. E isso porque as pessoas não podem ser punidas por, no uso de suas liberdades, decidir casar ou não e com quem se unir. No que diz respeito à possibilidade do casamento homoafetivo, deve-se dizer, portanto, que, atualmente, ele é plenamente possível, de um ponto de vista jurídico, no Brasil, já que a Constituição determina que a legislação deva facilitar a conversão da união estável – e como esta é reconhecida para relacionamentos homoafetivos, fica tranquilo arguir a possibilidade do casamento homoafetivo; falta, apenas, mudar a prática. Daí que a conversão da união homoafetiva em casamento, respeitados os ditames e as proibições legais, deve ser facilitada, para garantir todos os direitos inerentes às famílias, seja ou não homoafetivas, para preservar os direitos e garantias fundamentais intrínsecos a qualquer pessoa.

5. Conclusões

Diante disso, três conclusões são formuladas: 1) Uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo ou entre pessoas de sexos opostos existem desde pelo menos a Antiguidade, havendo vários relatos, ainda que indiretos, de que entre os povos antigos os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo eram comuns e até socialmente tolerados. Há relatos dessa prática nas Idades Média, Moderna e Contemporânea, com ou sem a tolerância social ou estatal. Assim, o direito de optar por determinada orientação sexual é uma liberdade natural humana, independente de formalização legal ou constitucional; 2) A Constituição brasileira atual determina, com a nova interpretação dada pelo STF e seguida pelo STJ e pelo CNJ, que o legislador facilite a conversão de qualquer união estável em casamento. Isso permite dizer que já foi reconhecido no Brasil o casamento entre pessoas do mesmo sexo, além do que há uma tendência, ainda que tímida, de que se igualem os regimes jurídicos da união estável e do casamento; 3) A diferença entre união estável e casamento é questão de formalidade. Ambos dependem da vontade de duas pessoas estarem juntas e de manifestarem esta intenção publicamente, de maneira que o registro (diferencial do casamento) não é condição necessária para a formação de uma entidade familiar.

Em suma, graças aos princípios, objetivos e direitos fundamentais reconhecidos pela atual Constituição brasileira, notadamente a proteção dada pelo Estado à família, independente de sua constituição, deve-se reconhecer iguais direitos a cônjuges e companheiros, sem quaisquer discriminações, pois, somente assim será efetivada a igualdade substancial e respeitada a dignidade humana.

6. Referências

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Fecha de recepción: 8 marzo 2013
Fecha de aceptación: 15 julio 2013

É permitido o casamento homoafetivo no Brasil?

Não existe legislação sobre o casamento gay no Brasil – na verdade, desde 1988, nenhuma lei voltada ao público LGBT foi aprovada no Congresso.

É permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Foi dado então aos homossexuais os mesmos direitos previstos na Lei de União Estável, que julga como entidade familiar “a convivência duradoura, pública e contínua”.

Pode casar mulher com mulher?

A resolução estabelece que, da mesma forma que casais heterossexuais, casais do mesmo sexo podem ter direito ao casamento civil e à conversão de união estável em civil, e que tabeliães e juízes são terminantemente proibidos de se recusar a registrar qualquer união desse tipo.

Quando legalizou casamento homoafetivo no Brasil?

O que diz a legislação brasileira sobre casamento gay Em 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a reconhecer, por unanimidade, união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar.