Como ocorreu a distribuição de terras na Amazônia como forma de controlar esse território

1A construção das rodovias nos territórios constitui uma ação que atende a uma diversidade de interesses e, quando materializada, as vias são capazes de condicionar processos espaciais com diversas formas, funções, conteúdos e estruturas que passam a ser inseridas conforme a própria atuação de atores, como o Estado e as corporações, os quais são capazes de materializar grandes infraestruturas e mobilizar deslocamentos de informação, cargas, pessoas e capital.

2Um dos objetivos atribuídos às rodovias é a possibilidade de propiciar a circulação entre os lugares, sendo que essa circulação é compreendida como uma integração física do próprio território, integração esta que, para o Estado, em um contexto de uma geopolítica clássica, consiste no domínio territorial.

  • 1 É uma delimitação estabelecida na década de 60 incorporando os seguintes estados: Acre, Amapá, Amaz (...)

3A inserção dessas rodovias numa porção territorial do Brasil, na região Amazônica –Amazônia Legal1 - estava alicerçada a uma fundamentação que tinha elementos dessa geopolítica clássica de matriz ratzeliana, que por sua vez, inspirou os militares brasileiros a forjarem e a colocarem em prática o projeto de integração física do território, o qual já estava sendo gestado desde o período do Império.

4Para abordar as rodovias na Amazônia e a geopolítica, optou-se em estruturar esse texto em doze partes, sendo: primeiramente, apontando o papel do Estado na integração territorial; pontua-se de forma breve algumas considerações sobre as principais rodovias na Amazônia; e por fim, indaga-se sobre o possível cenário com a mudança de governo.

O Estado e a integração: um debate geopolítico

5Embora as vias de circulação permitam o deslocamento de produtos, os homens não trocam produtos somente por elas, também não as usam somente para isso; pelas vias, também se trocam pensamentos. A própria circulação não é somente para fins econômicos, e, mais ainda, é uma intervenção direta do Estado. A “circulação terrestre tem um caráter político”, principalmente quando o Estado busca transmitir o pensamento e as vontades coletivas para todo o território (VALLAUX, 1914, p. 272) com objetivo de neutralizar tendências centrífugas. Vallaux destaca que as vias de circulação foram pensadas não apenas para atender princípios econômicos, como escoamento de riquezas; o traçado das vias também obedece a aspectos geopolíticos clássicos, de interesse do Estado, como o cercamento das fronteiras políticas e o acesso a elas.

6A orientação de uma política de comunicação e de transportes é fundamental para promover o desenvolvimento econômico de uma região, e a relevância das “vias de comunicação são indispensáveis para a formação dos Estados” (ATENCIO, 1965, p. 274). Nesse sentido, a integração territorial do Brasil por meio do estabelecimento de grandes infraestruturas como as rodovias e ferrovias, foram planejadas ainda no período Imperial, e desde aquele momento o objetivo era constituir uma integração que favorecesse a circulação interna da produção, de pessoas e acesso as novas áreas. Essa integração passou a ser efetivada por meio de rodovia com mais de mil quilômetros somente no século XX, tendo o projeto de nova capital e com a proposta de interligá-la com as capitais estaduais do país. Nesse momento, no final da década de 50, a abertura de duas grandes rodovias em direção à região Amazônica, a Belém-Brasília e a Brasília-Acre, formaram inicialmente um “sistema nervoso do Estado” (MIYAMOTO, 1995, p. 146).

7O pensamento geopolítico brasileiro, exercido por militares desde a primeira metade do século XX, teve expoentes como Mario Travassos que chamou atenção para a necessidade de integração territorial do país e inserir eixos de circulação até o triângulo geopolítico situado na Bolívia, com o propósito de reduzir a influência Argentina no continente sul-americano (1937; 1942). Seguindo a linha de Travassos, os generais Golbery do Couto e Silva e Carlos de Meira Mattos, vão apontar a centralidade de um discurso no binômio segurança nacional e desenvolvimento econômico, em que “a importância estratégica dos meios de comunicação [servem], tanto para preservar, como para defender o território” (MIYAMOTO, 1995, p. 147).

8Nas décadas de 60 e 70, mais precisamente entre 1968 até 1977, o governo brasileiro destinou somas enormes de recursos para a construção de rodovias e para os projetos de ocupação como a colonização, projetos industriais e agropecuários que foram paulatinamente implantados ao longo dos eixos rodoviários como a Transamazônica, Porto Velho-Cuiabá e Cuiabá-Santarém, e tiveram uma fração territorial composta de 100 km de todas as margens das grandes rodovias em terras para uso federal, com o propósito de implantação de projetos de colonização, agropecuários e mineração.

9Os principais eixos construídos entre as décadas de 60 e 70, que atravessaram uma parte da Amazônia, tinham como objetivo a integração nacional e a segurança das fronteiras, no entanto, os eixos acabam tendo outros objetivos alcançados e que não se destoam da geopolítica, mas incorporam-se dentro de uma geoeconomia.

Figura 1. Rodovias na Amazônia brasileira.

Como ocorreu a distribuição de terras na Amazônia como forma de controlar esse território

10Cada grande eixo de circulação que atravessa parte da região amazônica possui algumas particularidades, e para evitar possíveis generalizações distorcidas, pontua-se de forma breve alguns aspectos de cada grande rodovia, iniciando pelas duas primeiras rodovias que conectaram a Amazônia ao sistema viário nacional, e posteriormente, pontua-se: BR-317, BR-174, BR-319, BR-230, BR-163, BR-156, BR-210 e BR-401.

As rodovias principais

Rodovia Belém-Brasília: um eixo consolidado

11Um dos eixos que ocasionaram uma das maiores transformações espaciais, sociais e econômicas foi a construção da rodovia Belém-Brasília com mais de 2 mil quilômetros, a qual possui um conjunto de rodovias com várias nomenclaturas: BR-060, BR080, BR-153, BR-242, BR-226, BR- 230, BR-316 etc. Essa via de circulação provocou alterações profundas no uso e cobertura do solo, pois institui-se um processo de colonização e de ocupação das margens da rodovia com atividades agrícolas. Houve ainda a criação de cidades e o estabelecimento de novas interações espaciais com fluxos de veículos. Esse eixo teve uma gradual inserção de novos sistemas de engenharia, como a ferrovia Norte Sul. Por fim, essa ligação cumpriu a função para qual foi projetado, a integração do território e promover a expansão econômica.

Rodovia BR-364: de frente pioneira ao corredor do Noroeste

  • 2 Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil.

12Essa rodovia construída inicialmente em 1961, teve a conclusão da pavimentação entre Cuiabá e Porto Velho em 1984 dentro do Polonoroeste2 que viabilizou, naquele momento, um processo de indução a migração com a formação de vários assentamentos, inserção de projetos agropecuários e de mineração, acirramento e conflitos entre seringueiros e indígenas com os novos migrantes. Essa rodovia foi o primeiro corredor de exportação de grãos que direcionou a produção para os portos Amazônicos, por meio da rodovia BR-364 numa intermodalidade que incluiu a construção de portos graneleiros na capital de Porto Velho e a transformação do rio Madeira numa hidrovia.

Rodovia BR-317: interoceânica e a frente pioneira

  • 3 Ver conceito em Corrêa (2001).

13Complementando a integração territorial no estado do Acre, a rodovia BR-317, entre as cidades de Boca do Acre até Assis Brasil, assumiu o papel importante de ser parte do projeto da rodovia Interoceânica que consistiu no conjunto de rodovias entre o Brasil e o Peru. Esse grande eixo binacional foi apontado pelos governamentais no final da década de 90 e início de 2000 como corredor de escoamento dos grãos oriundos de Rondônia e Mato Grosso, porém não obteve êxito na circulação de commodities, mas interações espaciais3 constituídas pelo transporte de cargas –bens industrializados, produtos agrícolas, etc.,- e transporte de passageiros em ônibus (fig. 2), denota um uso que o eixo passou a possuir.

Figura 2. Ônibus da linha internacional entre Lima e São Paulo

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Ônibus chegando na rodoviária do Tietê em 17/10/17 após percorrer 6.000 km.

Imagem de Thiago O. Neto.

14Na porção setentrional dessa rodovia, no estado do Amazonas, o avanço da frente pioneira no município de Boca do Acre, com a atividade da pecuária estruturada em um circuito industrial de processamento e de transportes, abastece o mercado de consumo situado na cidade de Manaus, logo esse circuito depende das melhorias dessa rodovia e de outras para os veículos acessarem a capital amazonense.

Rodovia BR-174: o eixo nacional e internacional de integração

15Construída entre 1968 e inaugurada em 04 de abril de 1977, a rodovia entre as cidades de Manaus, Boa Vista até Pacaraima, atravessou a terra indígena Waimiri Atroaris resultando em graves conflitos na década de 70. A pavimentação concluída em 1998 dentro do Programa Avança Brasil do governo federal tinha como propósito formar um eixo nacional de integração e de desenvolvimento.

16Essa rodovia, assim como a BR-319, BR-364 e BR-080, faziam parte de um projeto de integração denominado de rodovia BV-8 que consistia em interligar a capital federal de Brasília com a da Venezuela.

  • 4 Fonte: Sidra-Ibge.
  • 5 Fonte: <https://www.guichevirtual.com.br/>

17Atualmente essa rodovia é a mais importante conexão entre os estados de Roraima e Amazonas com o deslocamento de cargas e passageiros, tendo o deslocamento da produção de soja com 55 mil toneladas e de milho com 41 mil toneladas em 20174, parte deslocada por rodovias até a cidade amazonense de Itacoatiara e embarcada em navios no porto da empresa Hermasa do grupo Amaggi. No deslocamento de passageiros, destaca-se o número de saídas entre as cidades de Boa Vista-Manaus-Boa Vista que varia em torno de 12 até 13 horários por dia5.

Figura 3. A rodovia BR-174 no estado de Roraima

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A) trecho da rodovia no estado de Roraima; b) marco fronteiriço BV-8 entre o Brasil e Venezuela; c) obras de alargamento e de pavimentação; d) rodovia em Roraima e as torres da linha de transmissão Gury; e) BR-174 no estado do Amazonas.

Imagens de Thiago O. Neto.

Rodovia BR-319: um debate institucional e político

18A única rodovia Amazônica que teve um projeto concluído que consistiu na sua pavimentação foi a ligação entre as cidades de Manaus e Porto Velho, inaugurada em 1976, e que possibilitou o deslocamento de interações espaciais antes centradas unicamente no rio Madeira para a rodovia, permitindo fluxos variados e incluindo o deslocamento de pessoas que vinham até a área comercial da cidade de Manaus para realizar compras na área de livre comércio. Essa ligação com serviços de linhas rodoviárias, postos de combustíveis, hotéis e até ocupações com vilas e fazendas teve uma desestruturação a partir de 1986 quando a rodovia começou a apresentar problemas e a interrupção parcial dos fluxos a partir de 1988, resultando na suspensão das linhas rodoviárias, abandono de residências e fazendas.

  • 6 Estudo de Impacto Ambiental-EIA e o Relatório de Impacto Ambiental-RIMA.

19A retomada da reconstrução da rodovia manteve-se presente nos planos governamentais na esfera estadual e nacional desde a década de 90, tendo ao longo de duas décadas a pavimentação de 400 km da rodovia, enquanto que 405 km restantes da rodovia tiveram embargos e a impossibilidade de pavimentação em decorrência de entraves ambientais e solicitações de complemento dos estudos de impacto ambientais6 por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA. O debate da rodovia assumiu outras características pela inserção de novos atores como: ambientalistas, Ministério Público Federal, grupos em prol da pavimentação. A importância econômica e social é defendida por aqueles grupos que defendem veementemente a conclusão da rodovia, enquanto outros grupos apontam que a pavimentação total pode representar um risco à manutenção da floresta.

Figura 4. A rodovia BR-319 no estado do Amazonas:

Como ocorreu a distribuição de terras na Amazônia como forma de controlar esse território

A) trecho sem pavimentação da BR-319 no km 310; b) ônibus da linha Manaus-Porto Velho atolado no km 310; c) uma das 50 pontes de madeira; d) entroncamento coma rodovia BR-174B que interliga a BR-319 até a cidade de Manicoré; e) ônibus; f) trecho da rodovia com unidades de conservação.

Imagens de Thiago O. Neto.

  • 7 Sentido Manaus para Humaitá.

20Um dos processos recentes é o deslocamento pontual da frente pioneira de Rondônia para o assentamento situado no km 570 da rodovia7, na localidade denominada de Realidade, onde disponibilidade de terras e a proposta de pavimentação parecem ser uns dos elementos que alimentam os fluxos migratórios.

Rodovia BR-230: uma ligação precária

21Um dos maiores projetos de integração nacional, a rodovia Transamazônica foi construída com o propósito de permitir acesso aos recursos naturais e as terras que seriam ocupadas pelo deslocamento da frente pioneira, principalmente do Nordeste, visando reduzir as tensões no campo naquela região e não realizando a reforma agrária. Uma parte desse projeto não foi concluído, não tendo assistência aos colonos por parte do Estado e nem sequer a pavimentação total da rodovia, o que ocasiona problemas graves para aqueles que precisam se deslocar (fig. 5), transportar a produção agrícola ou até mesmo ir na cidade.

Figura 5. A rodovia BR-230 no estado do Pará

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A) caminhões com dificuldades para subir ladeira escorregadia; b) ônibus da linha Santarém-Castelo dos Sonhos atolado; c) carreta; d) rodoviária do distrito de Campo Verde.

Imagens de 22/02/2018, Thiago O. Neto.

  • 8 Termo usado para caracterizar a ocupação das margens da rodovia que constituiu na construção de ram (...)

22A “espinha de peixe”8, formada ao longo dessa rodovia, principalmente no estado do Pará, possui uma forma visível apenas em imagens espaciais obtidas por satélites, esta é composta por uma estrutura espacial formada pela rodovia federal no sentido Leste-Oeste. As rodovias e estradas vicinais no sentido Norte-Sul formam um mosaico de áreas desmatadas e conservadas, sendo que essa forma espacial teve origem no próprio planejamento estatal durante o processo de construção da rodovia em 1970 com forte atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA com os projetos de colonização.

Rodovia BR-163: o novo e principal corredor de exportação de commodities

23Um dos projetos mais antigos de circulação no Brasil, é a ligação entre o Centro-Oeste até a bacia Amazônica na cidade de Santarém, que data de 1844. Naquele momento, tal proposta era voltada para propiciar o escoamento da produção agrícola. Esse projeto teve sua materialização entre 1970 até outubro de 1976, com denominação de rodovia Cuiabá-Santarém num percurso de 1777 km. Houve a inserção de diversos projetos agrícolas e agropecuários, tendo a participação do Incra na porção setentrional da rodovia com os projetos de colonização e na porção meridional, no estado do Mato Grosso, a colonização foi comandada pelas empresas privadas.

  • 9 DNIT.

24Depois de três décadas com mais de 900 km sem pavimentação, o governo federal desde a década 90 buscou viabilizar a conclusão dessa rodovia com objetivo de reduzir custos logísticos para os produtores de grãos do Norte do Mato Grosso. A pavimentação da rodovia passa a ter efetividade a partir de 2009, e só em 2014 passou a propiciar o direcionamento da produção de grãos para os portos de Santarém e de Itaituba – no rio Tapajós - e no ano de 2018 a produção de grãos é destinada totalmente para Itaituba que possui 6 portos graneleiros capazes de movimentar mais de 16 milhões de toneladas de grãos e farelos (fig. 6), instituindo mudanças ao longo do eixo rodoviário e nos distritos e cidades com as novas dinâmicas de fluxos de mais de 1000 carretas/caminhões que trafegam e chegam nos portos diariamente9.

Figura 6. A rodovia BR-163 no estado do Pará:

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A) Rodovia sentido Mato Grosso entroncamento com a BR-230; b) carreta Bitrem com grãos; c) portos graneleiros de Miritituba em Itaituba; trecho com pavimento e sem pavimento; b) ponte de madeira; c) ponte binacional; d) trecho sem pavimento; e) trecho asfaltado; f) plantação de eucalipto ao longo da BR-156

Imagens de fevereiro de 2018, Thiago O. Neto.

Rodovia BR-156: da integração fronteiriça à expansão da produção de commodities

25No estado do Amapá, uma das principais rodovias é a BR-156 que possibilita a ligação entre a capital Macapá até a fronteira com o território ultramarino da Guiana francesa. Essa rodovia entrecorta uma importante faixa de fronteira, que em décadas passadas foi alvo de acordos fronteiriços, e na década de 70 o seu objetivo geopolítico era de integração territorial e efetivar a ocupação do território.

26As mudanças de conjuntura das fronteiras, de espaços de contenção e de vigilância, passam a assumir a característica de uma fronteira da circulação com um espaço de articulação detentor de infraestruturas funcionais que constituem uma fronteira-reticular com redes de circulação. A principal rede é a própria rodovia que forma um “corredor transfronteiriço” onde se manifestam as interações espaciais que perpassam por todo o eixo, alcança a fronteira e as cidades do Oiapoque –Brasil- e de Saint George na Guiana França.

  • 10 DNIT. Fonte: < http://servicos.dnit.gov.br/condicoes/ap.htm >

27Atualmente, essa rodovia com apenas um trecho de 100 km sem pavimento entre Macapá e Oiapoque de um percurso de 590 km e mais 248 km até a cidade de Laranjal do Jari, não possui pavimentação10. Por essa rodovia as dinâmicas econômicas centradas, mineração, garimpo, construção de usinas hidrelétricas, produção de Eucalipto e Pinos constituem em atividades econômicas já existentes e estabelecidas, e a inserção recente da produção de soja constitui no estabelecimento de novas dinâmicas e transformações ao longo do território amapaense com área de cultivo, novos portos, rede serviços, novos proprietários de terras e o acirramento de conflitos fundiários com quilombolas, indígenas e demais produtores e posseiros.

Figura 7. A rodovia BR-156 no estado do Amapá

Como ocorreu a distribuição de terras na Amazônia como forma de controlar esse território

A) trecho com pavimento e sem pavimento; b) ponte de madeira; c) ponte binacional; d) trecho sem pavimento; e) trecho asfaltado; f) plantação de eucalipto ao longo da BR-156.

Imagens de 01/03 – 03/03/2018, Thiago O. Neto.

Rodovia: BR-210/307 a Grande Perimetral Norte

28A preocupação com as fronteiras esteve no cerne das apreensões militares e na geopolítica clássica, e a necessidade de cercar as fronteiras com infraestruturas de circulação objetivando o povoamento e o deslocamento de tropas pelo território de forma ágil, foi um dos propósitos da Perimetral Norte (fig. 8). Nesse contexto de uma geopolítica clássica, o projeto de construção de rodovias interligando as cidades de: Macapá, Boa Vista, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga, Cruzeiro do Sul e Coronel Thaumaturgo, representava o cercamento e a vivificação das fronteiras setentrionais do Brasil com projetos de ligação com as redes rodoviárias dos países lindeiros.

29Esse projeto também teve como proposito fazer frente a possível centralidade de rotas de circulação nas fronteiras, onde os países como: Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia que possuíam a Carretera Marginal de la Selva e a rodovia Pan-americana, foram vistos, pelos militares geopolíticos como possibilidade de capturar parte da Amazônia para a orbita desses países, principalmente os fluxos interiores.

Figura 8. A rodovia BR-210 no estado de Roraima

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A) entroncamento entre a BR-210 e a BR-174; b) placa informando a direção da rodovia BR-210; c) trecho da BR-210 sentido à terra indígena dos Yanomamis; d) trecho sem pavimento.

Imagens de Thiago O. Neto.

30Apesar de ser vista como estratégica para os militares, o projeto que teve início de construção em agosto de 1973 foi paralisado em 1976 e com abertura de 990 km dos mais de 2 mil projetados, que naquele momento, ocasionando problemas para os índios Yanomamis que tiveram parte de seu território entrecortado e a entrada de trabalhadores e garimpeiros, resultaram na disseminação de doenças e mortes.

Rodovia BR-401: da integração física a integração comercial

31Essa rodovia foi construída em obras de terraplanagem em 04 de fevereiro de 1972 e a ponte sobre o rio Branco, denominada de Ponte dos Macuxis, em 1975. Essas infraestruturas foram construídas para permitir acesso e o deslocamento de veículos para a fronteira entre o Brasil e a República da Guiana. Apesar dessa fronteira não ter conflitos recentes, o Brasil perdeu uma parte do território para a Guiana na disputa conhecida como Questão do Pirara. Além desse fator histórico, nas décadas de 60 e 70 a Guiana estava passando por um processo de independência e com partido político com forte vinculação para com a esquerda.

Figura 9. A questão do Pirara e a perda de uma parte do território

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32Com apenas 202 km de extensão e tendo pavimentados somente 125 entre as cidades de Boa Vista e Bonfim (fig. 10), restando 77 km em direção da cidade de Normandia que não possui pavimentação. O trecho que concentra os fluxos é o que possui pavimento e que possibilita deslocamentos e acesso a cidade guianense de Lethem (fig. 10f) que possui um comercio fronteiriço constituído pelo estabelecido fluxo de idas e vindas, principalmente de brasileiros, que cruzam a linha de fronteira e que vão até as lojas, maioria de administração árabe e chinesa, onde uma diversidade de produtos são comercializados com preços inferiores ao do Brasil.

Figura 10. A rodovia BR-401 no estado de Roraima

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Imagens de 25 de agosto de 2013, Thiago O. Neto.

A) A rodovia próximo ao posto da Receita Federal; b) acesso a ponte; c) do outro lado da ponte e o complexo viário de inversão de mão; placa da ponte; e) placa informando da Operação Bonfim-Lethem; f) rua comercial de Lethem na Guiana.

33A sucessão de inserção de infraestruturas nessa fronteira e nessa ligação terrestre ocorreu de forma gradual, com a pavimentação da rodovia, construção e inauguração da ponte Internacional Pref. Olavo Brasil Filho em 14 de setembro de 2009, instalação de postos de fiscalização, rodoviária e a inserção de redes de energia elétrica, telecomunicação e internet.

Cenários futuros?

34A redução estatal pode afetar não o direcionamento dos investimentos na conclusão dos eixos que apresentam rentabilidade econômica, mas uma redução do papel do Estado em serviços e na fiscalização ao longo dos grandes eixos de circulação na Amazônia. Infraestruturas que atravessam blocos florestais, com: áreas degradadas, ocupações recentes e antigas, cidades e vilas, áreas com problemas graves do ponto de vista social e econômico. Atualmente, a ineficiência do Estado e a redução do pouco que se tem e que se atua nessa região política poderá ser um forte potencial para o aumento das disparidades ao longo das rodovias.

35Os eixos construídos tiveram dinâmicas e processos contraditórios de ocupação das terras, mas vale apontar que ao longo das rodovias que atravessam a Amazônia existe um mosaico composto de diversas formas de uso e ocupação das terras, que em alguns casos, envolve frações territoriais ao longo de 100 km de cada margem das rodovias, tendo como exemplo da Transamazônica que teve uma serie de problemas ambientais e sociais, mas ao longo do eixo a população aumentou de 70 mil pessoas em 1970 para aproximadamente 1 milhão de pessoas em quase 5 décadas depois, e a redução do papel do Estado com os serviços pode afetar diretamente essa população, pois esta, necessita da pavimentação da rodovia para realizar seus deslocamentos. Mais os serviços que envolvem o pilar da educação, saúde, segurança e transporte precisam ser reforçados com investimentos para que essa população residente ao longo desse e de outros eixos rodoviários tenham direito e acesso aos serviços básicos.

36A Amazônia desde a década de 90 passou a ter a inserção de novos corredores de exportação, com fins de redução de custos logísticos no Brasil, principalmente com o advento do deslocamento da produção de soja e milho em direção ao Norte, tendo primeiramente o corredor rodovia BR-364 e a hidrovia do rio Madeira e atualmente a consolidação do corredor rodovia BR-163 juntamente com os novos portos em Itaituba, Barcarena e Santana. Essa transformação sinaliza o deslocamento e consolidação da frente pioneira, maior atuação privada com a construção de portos e o controle das rotas fluviais de transporte de grãos, mas por outro lado, desloca-se ou potencializa-se problemas sociais como: prostituição, conflitos sociais e territoriais e especulação fundiária e imobiliária.

37A Atuação estatal nos eixos deverá se manter, e no caso dos eixos mais rentáveis, como historicamente já se observa, o processo de concessão da malha rodoviária para as empresas privadas, e estas passam a deter a exploração por décadas com média de 30 anos da infraestrutura, tendo: prestação de serviços de recuperação, conservação, manutenção e sinalização. Essa concessão constitui ainda no pagamento de uma taxa –pedagiamento - pelos veículos que cruzam os trechos de concessão. Outros eixos que possuem baixa densidade, como as rodovias: BR-319 – em processo de avaliação dos estudos ambientais para pavimentação -; BR-174 toda asfalta entre Manaus e Pacaraima, BR-401 Boa Vista-Bonfim, BR-364 no trecho Porto Velho até Cruzeiro do Sul, Transamazônica entre os estados do Amazonas e Pará, dificilmente serão repassados a concessão privada, enquanto que nos trechos entre Porto Velho-Cuiabá e Sinop-Miritituba, o anúncio de realizar a concessão já foi divulgado, pois correspondem aos eixos com densidade de veículos transportadores de grãos. Nesse contexto, o capital em seu processo de seletividade, escolhe apenas os eixos mais rentáveis, e nesse jogo, uma parcela substancial das rodovias Amazônicas continuarão sob a responsabilidade do governo federal, tendo ainda as rodovias estaduais e municipais que ficam a cargo de cada ente federativo e municipal.

38Essa continuação dos projetos sinaliza que a integração continua em marcha, porém com novos elementos e com a inserção do vetor ambiental, antes inexistentes na década de 70, no entanto, sinaliza-se também que a geopolítica “jamais foi abandonada, tanto na elaboração das políticas públicas domésticas” (MIYAMOTO, 2014, p. 12) como na atuação em relações diplomáticas.

Considerações finais

39As rodovias construídas dentro de uma perspectiva geopolítica clássica passou a assumir outras relevâncias, centrando-se numa perspectiva militar e atualmente econômica tendo a possibilidade de atender a um conjunto de interesses multiesclares, que viram nas rodovias Amazônicas, a possibilidade de investimento e retorno, incluindo ainda, o domínio de rotas de transportes que não se projetam unicamente nos caminhos terrestres, mas articula diversos modais, infraestruturas distintas e diferentes territórios de uma mesma região.

40Se no passado a construção das rodovias possuía uma forte articulação com vários projetos governamentais, atualmente a reconstrução e a conclusão das rodovias necessitam de uma articulação e um fortalecimento de vários projetos governamentais, não com o fim de viabilizar o deslocamento da frente pioneira, mas viabilizar a expansão de pequenas infraestruturas do Estado capazes de oferecer serviços às populações que já moram nos eixos rodoviários. Enfim, os anúncios de planos e programas do governo para fins de menor atuação do Estado e ordenar o território foram praticamente paralisados, enquanto numa outra marcha, a pavimentação das rodovias continuou de forma lenta, e a nova preocupação governamental em reduzir o papel do Estado tendo frente as disparidades e desigualdades regionais e sociais como uma questão não resolvida e com frágil possibilidade de ser reduzida.

41Portanto, o anúncio da proposta do governo atual em realizar uma redução do Estado pode ter implicações diretas e indiretas nos eixos; diretamente, a própria atuação estatal via serviços públicos e aporte de recursos para a manutenção destes, o que demonstra a presença do Estado ao longo dos eixos; indiretamente, essa redução anunciada, a composição de governo, a reorganização dos ministérios e a possível flexibilização ambiental, pode induzir e potencializar processos que já ocorrem nos eixos rodoviários, como: grilagem, avanço da fronteira agrícola e aumento de conflitos por posse de terras. Contudo, a redução estatal não deve afetar a conclusão das obras em curso na Amazônia. A rigor, desde a década de 90, o governo federal viabiliza concluir os eixos de circulação e inclui-se projetos, planos e programas que eram para reduzir as desigualdades regionais e sociais, no entanto, não foram completamente ou nem se quer implantados.

Como ocorreu a distribuição de terras na Amazônia?

Estima-se que, entre 1870 e 1900, 300 mil nordestinos tenham migrado para região. Os imigrantes eram recrutados para trabalhar nos seringais, mas não tinham direito às terras. Os seringais eram administrados por famílias tradicionais locais, que lidavam diretamente com as exportadoras inglesas instaladas na região.

Como ocorreu o processo de urbanização da Amazônia?

O processo de ocupação na região da Amazônia, foram influenciados e motivados por diversos fatores, que se destaca a busca de riquezas minerais, fonte de renda e economia que atrai empresas de grandes portes, para adentrarem no território e iniciar o processo de exploração e colonização da área e dos recursos ...

Qual a distribuição da Amazônia?

A floresta amazônica distribui-se da seguinte forma: 60% de área no Brasil, distribuídas nos estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Pará e Roraima; 40% de área distribuída pela Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

Quais foram as formas de ocupação da Amazônia?

A ocupação da Amazônia ocorreu primeiramente com os índios, que se interagiam de forma harmônica com a natureza. No entanto, a ocupação da área com intuitos gananciosos foi se intensificando, que desencadeou e desencadeia uma série de problemas ambientais, prejudicando a biodiversidade da Amazônia.