O que pode ser arguido em embargos à execução?

Mais de uma década depois da decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu o direito dos contribuintes de alegar compensação como matéria de defesa em sede de embargos à execução fiscal, ainda é possível encontrar precedentes, até mesmo dentro do próprio STJ, não autorizando a alegação, com base numa interpretação equivocada do voto proferido pelo ministro Luiz Fux.

Embora os ministros tenham se posicionado de forma unânime, em 2009, para dar provimento ao Recurso Especial nº 1.008.343/SP, após analisar o alcance do § 3º do art. 16 da Lei nº 6.830/1980, as duas turmas de Direito Público do STJ estão conferindo interpretações distintas ao acórdão. Isso fica evidente por exemplo, quando se confronta a decisão do AgInt no REsp 1.694.942/RJ, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, da Segunda Turma, com a decisão proferida no AgRg no REsp 1.482.273/SC, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, da Primeira Turma.

Essa divergência de interpretação certamente acabará levando a uma nova discussão do assunto no âmbito da Primeira Seção, para que seja dada a melhor interpretação ao dispositivo em questão.

Embora as duas correntes defendam a possibilidade de se discutir compensações realizadas antes da execução fiscal em sede de embargos, uma parte dos aplicadores do direito entende que somente é possível discutir em juízo compensações já homologadas pelas autoridades fiscais, ou seja, em que o crédito do contribuinte já tenha sido reconhecido pelo próprio fisco. A outra parte dos aplicadores do direito apenas restringe a arguição de compensação quando esta é realizada nos próprios embargos, o que permite discutir a validade do ato administrativo que não homologa a compensação.

Os que defendem que os contribuintes somente poderiam suscitar a compensação homologada na oposição de embargos alegam, ainda, que a análise de compensação não homologada seria uma forma de compensação judicial, o que não nos parece a melhor interpretação sobre o tema. Isto porque a limitação da discussão de compensação homologada é incompatível com a própria existência do crédito tributário exequendo, além de se distanciar da realidade atual sobre o instituto da compensação tributária em âmbito federal.

Ao verificar que realizou o recolhimento indevido de determinado tributo, o contribuinte deve preencher formulário eletrônico usando o programa PER/DCOMP, criado pela Receita Federal do Brasil (RFB), e informar que tem um indébito/crédito e que o usará para compensar (extinguir por compensação) determinado débito vencido ou vincendo.

A partir do momento em que é realizada a transmissão eletrônica do PER/DCOMP, a RFB tem cinco anos para homologar ou não a compensação realizada pelo contribuinte. Em paralelo, o contribuinte constitui o débito no sistema da RFB e informa que ele foi “quitado por compensação”, discriminando o número do PER/DCOMP correspondente na sua declaração.

Se a compensação dos tributos for homologada, extingue-se, de forma automática, o débito no sistema do fisco, o que torna praticamente impossível a existência de execução fiscal para cobrar esse débito. Ou seja: se não há débito, não haverá execução fiscal. Consequentemente, se não há execução fiscal, não haverá embargos e muito menos qualquer discussão quanto à correta interpretação do § 3º do art. 16 da Lei nº 6.830/1980.

Logo, os defensores da corrente de que somente é possível arguir compensação homologada como matéria de defesa dos embargos estão distantes da realidade atual envolvendo a compensação tributária. Não se nega que podem existir casos em que o fisco, de forma equivocada, exija dívida já extinta por compensação, mas essa não é a regra. Trata-se, aliás, de uma exceção cada vez mais rara, visto que os procedimentos da RFB estão todos automatizados.

Desse modo, limitar a matéria de defesa do contribuinte na fase de embargos à execução com base em interpretação extremamente restritiva agride a lógica do sistema jurídico.

Vale lembrar que o início do voto proferido pelo ministro Luiz Fux demonstra que não procede a alegação de que somente se poderia discutir a compensação homologada. Ele expôs claramente que “a compensação tributária adquire a natureza de direito subjetivo do contribuinte (oponível em sede de embargos à execução fiscal), em havendo a concomitância de três elementos essenciais: (i) a existência de crédito tributário, como produto do ato administrativo do lançamento ou do ato-norma do contribuinte que constitui o crédito tributário; (ii) a existência de débito do fisco, como resultado: (a) de ato administrativo de invalidação do lançamento tributário, (b) de decisão administrativa, (c) de decisão judicial, ou (d) de ato do próprio administrado, quando autorizado em lei, cabendo à Administração Tributária a fiscalização e ulterior homologação do débito do fisco apurado pelo contribuinte; e (iii) a existência de lei específica, editada pelo ente competente, que autorize a compensação, ex vi do artigo 170, do CTN, segundo o qual ‘a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública’.”

É possível notar, desse trecho do voto, que o “débito do fisco” (ou crédito do contribuinte) pode surgir em quatro situações distintas, sendo que, em uma delas (ii.d), o crédito decorre de ato do próprio contribuinte.

O fato de que cabe à administração tributária a fiscalização e ulterior homologação do indébito não fulmina o ato praticado pelo contribuinte, pois a liquidez e certeza do crédito não têm relação com o seu reconhecimento pela autoridade fiscal, como lecionam os professores Fredie Didier Jr. e Júlia Lipiani:

“Nessa perspectiva (de inaplicabilidade das normas civis às compensações tributárias), as únicas condições gerais para o exercício do direito à compensação no âmbito tributário são que essa se dê entre créditos líquidos e coisas fungíveis (CC (LGL\2002\400), art. 369) e que existam, entre o ente tributante e o sujeito passivo da obrigação tributária, créditos e dívidas recíprocas.

O indébito tributário é líquido e certo quando se verifica a sua existência atual, ou seja, quando não se trate de crédito que dependa de evento futuro. A liquidez e a certeza do crédito tributário não se relacionam com o reconhecimento pela autoridade fiscal ou judiciária ou com a existência de provas nesse sentido.” (DIDIER JR., Fredie; LIPIANI, Julia. Alegação de compensação tributária como defesa em execução fiscal. Revista de Processo, 2019. v. 295. p. 237-277)

Assim, se o contribuinte identificar que realizou o pagamento a maior de tributos com base em uma premissa equivocada – que, diga-se de passagem, pode estar relacionada à (in)correta interpretação dos dispositivos legais vigentes – basta que faça a liquidação do seu crédito e o indique no PER/DCOMP.

Em grande parte dos despachos decisórios que não homologam as compensações realizadas pelo contribuinte, a RFB se limita a interpretar as normas jurídicas vigentes para concluir que o contribuinte não teria direito de utilizar o crédito, ou seja, o órgão não faz qualquer valoração para dizer se o montante apurado estaria ou não correto de acordo com a interpretação divergente.

Um exemplo é o caso em que se discute a tese da não inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Por anos, diversas compensações não foram homologadas com base na interpretação de que esse imposto estadual deveria compor a base de cálculo daquelas contribuições. A não homologação da compensação fez ressurgir os débitos de PIS e de Cofins e acarretou o ajuizamento de incontáveis execuções fiscais.

Nesse cenário, considerando que o STF reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, é compatível com o Estado Democrático de Direito impedir o contribuinte de defender a validade da compensação não homologada na fase de embargos à execução ou a ilegalidade do ato administrativo que não homologou a sua compensação? Parece-nos óbvio que não.

Há casos também em que a RFB não homologa a compensação sob a alegação de que o contribuinte não teria crédito, apenas com base no cruzamento de informações do seu sistema informatizado. Sendo assim, o direito de crédito de determinado contribuinte pode ser afetado, por exemplo, pelo fato de outro contribuinte ter se esquecido de informar a retenção de imposto de renda em determinada apuração.

Proposta a execução fiscal pela Fazenda Pública, o contribuinte estaria impedido de comprovar, na fase de embargos à execução, que a retenção do imposto de fato ocorreu e que a não homologação daquela compensação foi feita de forma equivocada pelo fisco? A resposta novamente é negativa.

O ato administrativo da RFB que não homologa a compensação pode e deve ser debatido na fase de embargos à execução, independentemente da fundamentação suscitada pelo fisco. Se restar comprovado que a premissa adotada pela RFB estava equivocada, o crédito tributário decorrente da não homologação deve ser prontamente extinto, já que tem origem em ato administrativo viciado.

Seguem a mesma linha as lições dos professores Fredie Didier Jr. e Júlia Lipiani no estudo já citado:

“A compensação administrativa realizada pelo contribuinte pode ser recusada pela autoridade fiscal, que, para tanto, terá que editar um ato administrativo concreto (auto de infração no caso do art. 66 da Lei 8.383/1991 (LGL\1991\39) e ato decisório de não homologação no caso do art. 74 da Lei 9.430/1996 (LGL\1996\98)), devidamente fundamentado, no qual deverá apresentar os motivos que levaram à inadmissão da compensação.

Esse ato administrativo, evidentemente, pode ser submetido à apreciação judicial, pois não se trata de matéria submetida à discricionariedade da administração – a compensação não pode ser negada por razões de oportunidade ou conveniência. Ao contrário, trata-se de ato vinculado, cujos motivos que o ensejaram são determinantes e podem ser revistos pela autoridade judicial, caso fique demonstrado o equívoco na aplicação do Direito ao caso concreto.

O débito que se origina em razão de uma negativa do Fisco de homologar a compensação realizada pelo contribuinte só pode ter sua validade questionada por meio da avaliação do procedimento adotado. Entender que a decisão administrativa que não homologa a compensação não pode ser objeto da análise em embargos à execução é ignorar que o ato de homologação é um ato administrativo, plenamente vinculado, que deve estar sujeito ao controle judicial, sob pena de violação ao art. 5º, XXV da Constituição Federal. Não há que se falar em coisa julgada administrativa em desfavor do contribuinte.

Nessa hipótese, o contribuinte não estará buscando proceder à compensação por meio dos embargos à execução. Ao contrário, a compensação já teria sido realizada previamente, restringindo-se a discussão, nos embargos, à validade ou não dessa compensação administrativa anteriormente efetuada.

Assim, não há qualquer impedimento para que o contribuinte, quando cobrado por um débito decorrente da não homologação de compensação, venha a deduzir em juízo a inexistência da dívida, argumentando que o ato administrativo que recusou a compensação por qualquer razão está equivocado. Essa impugnação pode ser feita tanto em ação judicial de sua iniciativa quanto em resposta à execução fiscal, por meio de embargos.” (DIDIER JR., Fredie; LIPIANI, Julia. Alegação de compensação tributária como defesa em execução fiscal. Revista de Processo, 2019. v. 295. p. 237-277)

Mesmo assim, os professores criticam, de forma certeira, a interpretação feita do julgado do STJ no sentido de que somente se poderia discutir compensação homologada na fase de embargos:

“Aqui vale destacar que, da interpretação do citado acórdão, não é possível concluir que o STJ tenha permitido apenas a alegação de compensação precedida de ação judicial autorizando a repetição do indébito tributário, ou de crédito já reconhecido pela Fazenda Pública. Quando menciona que a compensação pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal “máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário” o órgão julgador está reforçando a sua tese em relação ao caso concreto, em que, além de ter sido efetuada a compensação pelo contribuinte previamente à demanda, configuraram-se todos essas outras situações.

(...)

Proibir que a decisão administrativa que não homologa a compensação, em qualquer caso, seja objeto de decisão judicial em embargos à execução seria ignorar que o ato de homologação é um ato administrativo vinculado, que deve estar sujeito ao controle judicial. A lei não poderia ser interpretada dessa maneira, sob pena de violação aos princípios da ampla defesa e da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, incisos LV e XXXV).

No caso em que alega, em embargos à execução, a compensação tributária administrativa prévia não homologada, o contribuinte busca uma decisão, nesses embargos, relativa à validade dessa compensação administrativa anteriormente efetuada que, uma vez reconhecida, extinguirá o crédito tributário.” (DIDIER JR., Fredie; LIPIANI, Julia. Alegação de compensação tributária como defesa em execução fiscal. Revista de Processo, 2019. v. 295. p. 237-277)

Portanto, outra não pode ser a interpretação do acórdão do REsp nº 1.008.343/SP e do art. 16, §3º, da Lei nº 6.830/1980, já que o debate sobre a validade do ato administrativo que não homologa a compensação não significa dizer que o indébito não existe ou que o contribuinte estaria tentando compensar esse indébito diretamente nos embargos.

Diante desse cenário de incerteza, é mais do que salutar que a Primeira Seção volte a discutir o tema, ratificando novamente, de forma expressa, que o contribuinte pode arguir a compensação realizada previamente ao executivo fiscal na fase de embargos, independentemente se ela foi ou não homologada pelo fisco, para prestigiar o exercício do contraditório e da ampla defesa.

O que eu posso alegar nos embargos à Execução?

Embargos à Execução: o que são, prazos e alegações.
Inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação..
Penhora incorreta ou avaliação errônea..
Excesso de execução ou cumulação indevida de execuções..
Retenção por benfeitorias necessárias ou úteis..
Incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução..

Quando pode opor embargos à execução?

O prazo para a oposição dos embargos está estipulado no art. 915, CPC, que prevê que após o ajuizamento da execução pelo credor, o executado poderá opor os embargos à execução para se defender, no prazo de 15 dias, independentemente de pagamento de caução, oferecimento de depósito ou penhora.