Por que os paulistas construíram monumentos em homenagem aos bandeirantes?

Uma estátua a mais ou a menos não muda nada na vida de uma cidade. No entanto, a discussão acerca de quais estátuas derrubar nos diz muito sobre como nos vemos e como queremos ser.

As homenagens aos bandeirantes —como a estátua do Borba Gato, incendiada no sábado— estão por toda a parte em São Paulo e em outros estados. Nesses casos, é comum defender figuras do passado alegando que, em sua época, a moral era outra. Qual imperador romano não seria, com razão, visto como um monstro pelos padrões de hoje? No caso dos bandeirantes, contudo, a coisa é ainda mais complicada.

Os bandeirantes, também chamados de “mamelucos” (pela mistura racial) ou simplesmente de “paulistas”, eram malvistos por muitos em seu próprio tempo. Verdadeiros demônios para os jesuítas e para os indígenas que viviam em missões, considerados “gente bárbara, indômita e que vive do que rouba”, segundo um governador de Pernambuco falando do bando de Domingos Jorge Velho, excomungados pela Igreja e de relacionamento difícil com a Coroa.

Eram o horror do mundo civilizado e da moral cristã. Em busca de escravos e metais preciosos, capturaram e mataram muita gente.

Foram também eles que desbravaram matas e sertões, fundaram cidades, ergueram igrejas e ajudaram a desbravar e conquistar o atual território brasileiro. É graças a eles que não somos uma fina nação costeira e que nos estendemos muito além da linha de Tordesilhas. Bons ou maus, devemos muito a esses homens que se lançavam na mata por meses, sem saber se iriam voltar.

Saiamos da dicotomia enganosa do “branco malvado vs indígena e negro virtuosos”, promovendo a ficção de que portugueses eram moralmente inferiores aos indígenas ou africanos que escravizaram, quando na verdade eram apenas mais poderosos belicamente.

Os bandeirantes eram escravagistas dentro de um mundo escravagista, no qual a defesa da abolição universal era a exceção da exceção, mesmo entre negros ou indígenas.

A própria categoria “indígena” mais esconde do que revela, assim como o nome “europeu”. Havia europeus que se odiavam e guerreavam até a morte —como portugueses e holandeses aqui no Brasil, aliando-se a diferentes grupos indígenas. Os bandeirantes, quando não mamelucos eles próprios, iam acompanhados de milhares de indígenas aliados. Falavam mais língua geral do que português. No caso de Borba Gato, chegou mesmo a viver entre os índios por quase duas décadas.

Os grandes feitos da política, da guerra, da ciência ou da inteligência nem sempre —ou talvez quase nunca?— vêm acompanhados de perfeita correção moral. A negação moralista da história apaga tudo que não é clara e inequivocamente bom. A mesma lógica se faz valer em vozes da direita que querem apagar qualquer homenagem a Lênin, Che Guevara, Marx, os revolucionários franceses etc., ou a insistência de alguns liberais de apagar homenagens a Getúlio Vargas.

E se, ao invés de destruir, pensássemos em criar? Em Montgomery, Alabama, uma solução criativa está sendo implementada. Próximo à estátua de J. Marion Sims, pioneiro da cirurgia ginecológica, mas que realizou procedimentos experimentais em escravas sem o uso de anestesia, serão erguidos monumentos a três de suas vítimas cujos nomes foram registrados: Anarcha, Betsey e Lucie. Quantas figuras admiráveis, como o ex-escravo e abolicionista Luiz Gama, não permanecem esquecidos pela memória popular? Erguer novas estátuas me parece mais importante do que derrubar velhas.

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Manuel Borba Gato foi um bandeirante que participou das expedições que adentraram o sertão brasileiro em busca de metais preciosos e mão de obra escravizada. Ele foi responsável pela morte do administrador-geral de minas Rodrigo de Castelo Branco.

Fugindo para não ser preso, Borba Gato alcançou a região do vale do rio Doce e descobriu minas de ouro. Ele negociou sua liberdade em troca da entrega dessas minas. Além do perdão, Borba Gato conseguiu a nomeação para cargos públicos na administração das minas. Mais de dois séculos depois de sua morte, suas ações geram discussões.

Leia também: Pau-brasil – primeira matéria-prima explorada na colônia

Tópicos deste artigo

  • 1 - Resumo sobre Borba Gato
  • 2 - Primeiros anos e juventude de Borba Gato
  • 3 - Participação de Borba Gato nas bandeiras do sogro
    • Videoaula sobre Brasil Colônia: bandeiras
  • 4 - Borba Gato e o assassinato de Castelo Branco
  • 5 - Fuga de Borba Gato para o sertão
  • 6 - Liberdade de Borba Gato
  • 7 - Borba Gato como superintendente das minas de ouro
  • 8 - Morte de Borba Gato
  • 9 - Polêmicas e a estátua de Borba Gato

Resumo sobre Borba Gato

  • Borba Gato nasceu em 1649 e participou das expedições do seu sogro, Fernão Dias Paes, em direção ao interior do Brasil.

  • A sua participação na morte do fidalgo d. Rodrigo de Castelo Branco o fez fugitivo, morando muitos anos na região do vale do rio Doce, onde descobriu novas minas de ouro.

  • Ele negociou com a Coroa portuguesa o perdão do seu crime e foi nomeado para a administração da vila de Sabará.

  • Borba Gato morreu em Sabará, no ano de 1718.

  • Suas ações como bandeirante são alvos de homenagens e críticas até hoje.

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Primeiros anos e juventude de Borba Gato

Manuel de Borba Gato nasceu em 1649, não se sabendo ao certo a data nem o lugar do seu nascimento. Ele era filho de João de Borba Gato e Sebastiana Rodrigues. Em 1670, casou-se com Maria Leite, filha do bandeirante Fernão Dias Paes, com quem teve três filhos: Francisco Tavares, Francisco de Arruda e Francisco Duarte de Meireles.

Participação de Borba Gato nas bandeiras do sogro

As bandeiras foram expedições particulares que saíram de São Paulo em direção ao interior do Brasil em busca de metais preciosos e mão de obra escravizada. Com a crise da produção do açúcar no Nordeste, no final do século XVII, os colonos investiram nas expedições sertanistas para conhecer o interior da colônia e explorar suas riquezas. Além das bandeiras, outras expedições foram organizadas, como as entradas, que eram financiadas pela Coroa portuguesa e saíam do litoral rumo ao interior.

Os bandeirantes foram os responsáveis pela abertura das primeiras estradas que saíam da vila de São Paulo de Piratininga em direção ao interior do Brasil. Eles contaram com o apoio de alguns índios que conheciam a região, o que facilitou o acesso. Vários paulistas investiram nas bandeiras e organizaram expedições que se embrenhavam nas matas até então desconhecidas em busca do tão sonhado ouro e de índios para serem escravizados. Bartolomeu Bueno da Silva, Raposo Tavares, Fernão Dias são alguns nomes dos bandeirantes mais conhecidos.

Borba Gato participou das expedições do seu sogro entre 1674 e 1681. Uma delas foi a busca da serra do Sabarabuçu, que se acreditava ter muitas esmeraldas e prata.

  • Videoaula sobre Brasil Colônia: bandeiras

Borba Gato e o assassinato de Castelo Branco

Com a descoberta do ouro na região das minas, os paulistas queriam a exclusividade na exploração dos metais preciosos porque foram eles os primeiros a chegarem ao local. Contudo, como a notícia da descoberta de ouro no Brasil se espalhou rapidamente, inúmeras pessoas se dirigiram às minas em busca de riqueza. Não tardou para que os primeiros conflitos entre os bandeirantes paulistas e os estrangeiros, vindos de outras partes da colônia ou de Portugal, acontecessem. A Guerra dos Emboabas teve como causa essa disputa pela exploração das minas de ouro.

Ao saber da notícia da descoberta de ouro no Brasil, a Coroa portuguesa decidiu administrar a exploração dos metais preciosos. Para isso, nomeou administradores que cumpririam as ordens do rei português no interior do Brasil. Em muitos casos, o cumprimento dessas ordens entrava em choque com os interesses dos exploradores das minas, o que provocava desentendimentos e até mortes.

Um fato marcante na vida de Borba Gato foi o assassinato do administrador-geral das minas, o fidalgo d. Rodrigo de Castelo Branco. Os dois se desentenderam, e Borba Gato preparou uma emboscada contra ele na estrada que seguia para o arraial de Sumidouro, em 28 de agosto de 1682. O fidalgo foi assassinado, e Borba Gato teve que fugir para não ser castigado.

Fuga de Borba Gato para o sertão

Ele ficou escondido por muitos anos na região do vale do rio Doce e do rio Piracicaba, lugares até então desconhecidos. Ao viver escondido, Borba Gato manteve a busca por ouro e descobriu o metal precioso no rio das Velhas. Mesmo foragido, ele manteve contato com seus familiares em São Paulo e negociou um perdão do rei para o crime cometido. No entanto, esse perdão estava condicionado ao anúncio das minas que ele descobriu enquanto esteve foragido.

Liberdade de Borba Gato

Em 15 de outubro de 1698, foi publicada a carta patente que perdoava Borba Gato do seu crime e a sua nomeação para o posto de lugar-tenente. O bandeirante se encontrou com o governador Arthur de Sá Menezes e indicou onde havia minas de ouro em abundância, na região do rio das Velhas. A grande quantidade de ouro encontrada na região apontada por Borba Gato fez com que ele recebesse o perdão pela morte de d. Rodrigo de Castelo Branco. Após esse perdão, ele começou a atuar na administração das minas.

Veja também: Inconfidência Mineira – revolta de caráter separatista que ocorreu em Minas Gerais

Borba Gato como superintendente das minas de ouro

Borba Gato foi nomeado tenente-general do mato e organizou as arrecadações na vila de Sabará. Além dessa região, o bandeirante explorou as minas das regiões dos rios Grande, das Mortes e Sapucaí. Ele se mostrou eficiente na administração das minas por meio da conservação das estradas e sendo um juiz severo, evitando os contrabandos de metais preciosos. Além disso, Borba Gato procurava ajudar os familiares que perderam algum ente querido.

Por que os paulistas construíram monumentos em homenagem aos bandeirantes?
Casa onde morou Borba Gato quando era administrador das minas na vila de Sabará. [2]

Morte de Borba Gato

Borba Gato morreu em 1718, quando ocupava o cargo de juiz ordinário da vila de Sabará, em Minas Gerais. Na cidade mineira, existe um monumento que recorda a sua memória e sua passagem por aquela região.

Polêmicas e a estátua de Borba Gato

Os paulistas valorizam as ações dos bandeirantes, e, ao longo do tempo, construíram estátuas e monumentos, e batizaram rodovias e avenidas com nomes dos líderes das bandeiras que adentraram o sertão brasileiro em busca de ouro e metais preciosos. É uma forma de exaltar os feitos históricos daqueles que saíram de São Paulo para desbravar o interior brasileiro e encontraram metais preciosos.

Em Santo Amaro, na região metropolitana de São Paulo, foi construída uma estátua do bandeirante Borba Gato, em 1963, feita pelo escultor Júlio Guerra, para as comemorações do IV centenário de fundação da cidade. Nos últimos anos, a estátua foi alvo de protestos por conta das práticas realizadas pelo bandeirante enquanto estava na região das minas.

No dia 25 de julho de 2021, um grupo de manifestantes incendiou a estátua em um ato que contestava a homenagem a Borba Gato. As reações foram imediatas entre apoio e repúdio, principalmente nas redes sociais. Os que apoiavam argumentavam a violência empreendida pelo bandeirante em suas expedições. Os que criticavam defendiam a tese de que não se pode julgar uma figura histórica baseada em elementos do presente.

Créditos das imagens

[1] Alf Ribeiro / Shutterstock

[2] Deni Williams / Shutterstock

Por Carlos César Higa
Professor de História 

Qual o motivo da criação do Monumento às Bandeiras?

O Monumento às Bandeiras é uma obra em homenagem aos Bandeirantes, que exploraram os sertões durante os séculos XVII e XVIII. Foi inaugurada no ano de 1953, fazendo parte das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo.

Por que os bandeirantes são homenageados no Brasil sobretudo em São Paulo *?

“As homenagens simbolizam uma tentativa de a capital se desvincular de suas origens indígenas, negras, caboclas e caipira para se aproximar de uma metrópole europeia”, diz ele.

Por que os bandeirantes foram retratados dessa forma em tais monumentos?

Essa imagem heróica acabou dando lugar a outra, oposta: os bandeirantes teriam sido bandidos crueis e sanguinários, que saqueavam aldeias indígenas, matando crianças, violentando mulheres e escravizando os índios. Em nossos livros didáticos o bandeirante foi retratado dessas duas formas: ora herói, ora vilão.

Como os bandeirantes foram homenageados no Estado de São Paulo?

Monumentos e estátuas são inúmeros. Do Monumento às Bandeiras, obra de Victor Brecheret (1894-1955) concluída em 1953, à estátua do Borba Gato, polêmico trabalho de Júlio Guerra (1912-2001), inaugurada em 1957, não faltam homenagens aos bandeirantes pelas ruas e espaços públicos da cidade.