Por que São Paulo se destacou durante o processo de industrialização do Brasil?

O processo de industrialização brasileira

Paulo Eduardo V. Viceconti

Professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Ao prepararmos o trabalho sobre a industrialização brasileira e as características tecnológicas assumidas pela indústria, parte integrante da pesquisa "Gestão tecnológica na indústria de alimentos", não tivemos como preocupação esboçar uma visão teórica sobre as relações entre o progresso tecnológico e a industrialização dos chamados países periféricos.

Nosso trabalho consistiu, portanto, apenas numa análise das características da industrialização brasileira, bem como de sua evolução, diferenciada em etapas por políticas econômicas distintas, inclusive tecnológicas.

Ao revisarmos o trabalho com fins de publicação, notamos que este poderia servir como suporte empírico para uma teoria que relaciona a industrialização nos países periféricos à reprodução dos padrões de consumo vigentes em países desenvolvidos, fato que tende a excluir a população daqueles países dos benefícios do progresso técnico.

Em termos práticos esta teoria consiste no seguinte: a industrialização dos países periféricos coincide com a expansão das chamadas empresas multinacionais que tentam preservar para si o mercado interno daqueles países. Essa expansão consiste na instalação de subsidiárias nos países periféricos, que fabricarão produtos que já tenham atingido no país de origem a fase de declínio e de seu ciclo de vida.

Essas subsidiárias utilizarão equipamentos importados de seu país de origem, que refletem um estágio tecnológico mais avançado que o do país periférico e que serão, geralmente, poupadores de mão-de-obra.

A industrialização do país periférico será, portanto, incapaz de absorver uma ponderável parcela de sua mão-de-obra que está situada em regiões onde predominam modos de produção pré-capitalistas, e será, portanto, altamente concentradora de renda. Esta concentração tem como conseqüência a expansão da indústria no sentido da produção de bens de consumo duráveis que atenderá à demanda do grupo minoritário que retém a maior parcela da renda e dós bens de capital necessários a produção.

Fica claro, então, que o progresso tecnológico da indústria fica praticamente condicionado às inovações que são trazidas do exterior pelas multinacionais, que por sua vez tendem a excluir a maioria da população dos frutos daquele progresso, dado seu caráter capital intensivo. Ao mesmo tempo, fica evidenciado o carácter de dependência da economia periférica, para cujo crescimento são necessárias importações de bens de capital ou de tecnologia, que tendem sistematicamente a sufocar seu balanço de pagamentos.

Em nosso trabalho, cremos ter evidenciado que o sentido da industrialização brasileira foi o de expansão acelerada das indústrias de bens de consumo duráveis e de bens de capital, particularmente nas fases de expansão 1957-62 e 1967-72.

Ao mesmo tempo, verificamos que todas as políticas tecnológicas praticadas no período de análise foram de "resposta", ou seja, tiveram como conseqüência tecnológica externa por meio do favorecimento da importação de bens de capital e da tecnologia.

A expansão das empresas multinacionais também fica evidenciada principalmente nos ramos mais dinâmicos da indústria que são os produtores de bens de consumo durável e bens de capital.

A hipótese de que essas empresas lideram o progresso tecnológico do país encontra bastante apoio na correlação positiva e significante entre o aumento de produtividade no ramo industrial e a participação das EMN no mesmo.

O modelo se completa com a evidência de que as exportações de manufaturados, no período de 1969-71, foram mais importantes para as indústrias tradicionais, produtoras de bens de consumo não duráveis, já que o mercado interno para tais produtos se encontrava estrangulado face à concentração de renda.

Além dessa observação, gostaríamos de chamar a atenção para um outro fato que não foi bem analisado em nosso trabalho: o da expansão das multinacionais em alguns segmentos modernos das indústrias tradicionais inclusive naquela que é o objeto de nosso estudo - a de produtos alimentares.

De fato, se bem que a expansão das EMN se faça predominantemente nas indústrias, dinâmicas produtoras de bens de consumo duráveis e de bens de capital, onde o progresso tecnológico é mais rápido, elas também estendem esse domínio tecnológico a alguns setores produtores de bens de consumo não-duráveis. No caso específico da indústria de produtos alimentares, pode-se observar pelos dados do quadro 7, que é, entre as indústrias tradicionais, a que acusa a maior participação de empresas multinacionais, exceção feita ao setor fumo.

1. A EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA INDUSTRIAL BRASILEIRA: CARACTERIZAÇÃO DA INDUSTRIALIZAÇÃO NO PÓS-GUERRA

É sabido que a industrialização brasileira tomou um alento decisivo somente após 1930, quando a crise mundial de 1929 impossibilitou o país de continuar operando no tradicional modelo primário exportador. Nessa fase, iniciou-se a substituição, por produção interna, de alguns produtos anteriormente importados, notadamente os bens de consumo não-duráveis.

Entretanto, a industrialização tornou-se especialmente importante no pós-guerra, quando começou a abranger as faixas de produção de bens de consumo duráveis, intermediários e de capital.

Nesse período de aceleração industrial, a estrutura da indústria brasileira modificou-se bastante. Podemos visualizar essa mudança nos quadros 1 e 2 em que se demonstra a participação de cada ramo e de setores-soma1 1 A classificação das indústrias nos setores "tradicionais", "dinâmicas A" e "dinâmicas B" foi adotada pelo estudo A industrialização brasileira - diagnóstico e perspectivas do Ipea (Série Documentos n. 4). Tal classificação deve ser entendida como um recurso metodológico que, a esse nível de agregação, permite agrupar os ramos de acordo com as suas taxas de crescimento. no valor adicionado e emprego industrial, para anos selecionados.

Constata-se que as indústrias denominadas "dinâmicas B" praticamente quadruplicaram sua participação tanto no valor adicionado como no emprego industrial. Esse desempenho contrasta bastante com o das indústrias "tradicionais", cujos principais ramos, têxtil e produtos alimentares que em 1949 representavam 40% da indústria, tanto em termos do valor adicionado quanto do emprego, tiveram sua participação reduzida pela metade em 1972.

Se analisarmos a evolução da estrutura industrial por categorias de uso (veja quadro 3), chegaremos a resultados consistentes com os já obtidos. De fato, observaremos o aumento contínuo e substancial da participação dos bens de consumo duráveis e de bens de capital, produzidos predominantemente pelas indústrias "dinâmicas B", ao lado do declínio dos bens de consumo não-duráveis, produzidos predominantemente pelas indústrias tradicionais.

Além da mudança estrutural referida, a industrialização brasileira apresentou uma série de carcterísticas que analisaremos isoladamente: a baixa absorção de mão-de-obra, a concentração da produção em empresas de maior porte e em determinadas regiões, a maior participação do Estado e do capital estrangeiro no processo de desenvolvimento industrial.

A) A baixa absorção de mão-de-obra - A rápida industrialização brasileira, embora alterando bastante a estrutura de produção da economia, foi insuficiente para modificar a estrutura ocupacional, como se depreende do quadro 4. De fato, desde o pós-guerra, o emprego industrial tem crescido apenas às mesmas taxas do que a força de trabalho, originando o aparente paradoxo de uma estrutura econômica típica de uma economia madura, se analisada do ponto de vista da produção, e típica de uma economia atrasada, do ponto de vista do emprego.

Duas ordens de razões podem ser envocadas para explicar o fato: do lado da demanda, a crescente "modernização" dos padrões de consumo, favorecendo a absorção de produtos de elevado conteúdo tecnológico, em cuja produção a contribuição da mão-de-obra é pequena; do lado da oferta, os incentivos à utilização intensiva do capital, por meio de medidas de política econômica que serão explicitadas no item seguinte. Na realidade, essas razões estão associadas à crescente participação das empresas multinacionais na indústria brasileira no pós-guerra.

B) A concentração setorial e regional da produção - O desenvolvimento industrial no pós-guerra apresentou um padrão concentrador, tanto em termos setoriais como regionais.

Por concentração setorial vamos entender um processo no qual a produção se concentra num número menor de empresas, cujo tamanho médio, por decorrência, é maior. Para dar uma medida quantitativa à concentração setorial, foi construído um índice do tipo Gini aplicado a classes de empresas diferenciadas pelo tamanho. Como variável indicadora do tamanho da empresa foi utilizado o número de empregados.

Os resultados estão expressos no quadro 5, onde se verifica que o grau de concentração setorial aumentou de 0,79 em 1949 para 0,87 em 1970.

A nível setorial, a concentração decorreu, principalmente, da implantação das indústrias dinâmicas, cuja tecnologia requer uma escala mínima maior para ser eficiente e que tende, portanto, a aumentar o tamanho da empresa. Por outro lado, a modernização de certos segmentos das indústrias tradicionais levou ao desaparecimento de unidades artesanais e outras de pequeno porte, bastante freqüentes nessas indústrias, contribuindo para agravar a concentração.

Em termos regionais, a indústria de transformação está basicamente situada no eixo São Paulo-Rio. A industrialização se iniciou nessa área em virtude da proximidade dos maiores mercados consumidores, que aí se localizavam, da infra-estrutura de comércio, transporte e serviços urbanos legada pelo café e também do fato de que uma parcela dos capitais aplicados na industriais provinha dos antigos cafeicultores. A partir daí, as economias de aglomeração tomaram o processo auto-sustentado, tendo havido interferência governamental apenas na década de 60, quando foram instituídos incentivos para aplicação de recursos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Os dados do quadro 6 demonstram que o processo de concentração industrial na região Sudeste, que compreende os estados de São Paulo e Rio, somente se amenizou a partir de 1970, em favor do aumento da participação da região Sul. É curioso notar que as regiões sob o amparo de programas governamentais não alteraram a sua participação ao longo do processo, o que torna discutível a eficácia desses programas no sentido de reorientarem a concentração industrial.

C) A maior participação do Estado no processo - Concomitantemente ao processo de industrialização, o Estado tem aumentado a sua intervenção na economia, tanto em termos qualitativos como quantitativos. Em termos qualitativos, a política econômica aumentou inegavelmente seu raio de ação no decorrer do processo. A criação de órgãos federais e regionais de planejamento a nível de governo, do Banco Central do Brasil, dos incentivos fiscais à capitalização e exportação de manufaturados comprovam tal assertiva. Em termos quantitativos, se medirmos o grau de participação do Estado na economia pelo coeficiente despesas do governo/PIB, observaremos que este se elevou de 17,1% em 1947 para 32,2%em 1969.2 2 Baer, Kerstenetsky & Villela. As modificações do papel do Estado na economia brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, Ipea, dez. 1973.

Esse crescimento da intervenção do Estado não foi o produto de uma ideologia "estatizante" - decorreu, sim da necessidade de preencher os "vazios" nas áreas de produção não-ocupadas pelos capitais privados, ou do fato de se tratarem de obras de infra-estrutura (cuja magnitude de investimentos e baixa rentabilidade os tornavam pouco atrativos), ou de se tratarem de produtos, como no caso do petróleo, em que se visou resguardar a economia do capital estrangeiro.

Na área industrial, a intervenção mais direta do Estado se dá através da ação das empresas governamentais. Estas são predominantes nos ramos da mineração, petroquímica e siderurgia, setores fornecedores de insumos básicos. Tem havido uma tendência recente nesses setores de joint ventures entre o Estado, o capital estrangeiro e o capital nacional, no sentido de um aproveitamento de uma tecnologia estrangeira mais avançada com um resguardo da soberania nacional. Além disso, a atuação do Estado na indústria da construção civil tem importantes reflexos em alguns ramos da indústria de transformação, notadamente o de minerais não-metálicos.

Por outro lado, como veremos adiante no subitem 3.3.2, a política econômica teve importantes efeitos de indução ao crescimento industrial.

D) A crescente participação do capital estrangeiro no processo - As empresas estrangeiras passaram a participar mais ativamente da indústria brasileira a partir de meados da década de 50, quando receberam incentivos favoráveis à sua implantação no país. Podemos formular a hipótese de que essa fase coincidiu com o fim do ciclo de vida de certos produtos fabricados por essas empresas em seus países de origem, e que estas tinham interesse em fabricá-los no Brasil, visando um objetivo duplo: a diluição dos custos de pesquisa, o desenvolvimento e a promoção dos produtos, e a preservação do mercado externo, uma vez que tinham dificuldade de exportação face à redução da capacidade de importar dos países subdesenvolvidos.3 3 Veja Doellinger & Cavalcanti. As empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, Ipea. (Coleção Relatórios de Pesquisa n. 29).

A partir dessa fase, as empresas estrangeiras ou "multinacionais" têm aumentado a sua participação na indústria brasileira. Primeiramente porque essas empresas se localizaram nos ramos mais dinâmicos da indústria, como se depreende do quadro 7. Vale lembrar que a participação das multinacionais nas indústrias "dinâmicas A" está algo subestimada pela não-inclusão, por falta de dados, da indústria farmacêutica, ramos reconhecidamente sob seu controle.

Em segundo lugar, há indicações de que a expansão das multinacionais se fez à custa da compra de empresas nacionais. Os dados do quadro 8, embora se refiram apenas às subsidiárias de empresas americanas, são bastante claros a esse respeito, indicando a progressiva desnacionalização da indústria.

2. ANÁLISE DA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA POR ETAPAS DIFERENCIADAS POR MUDANÇAS DE POLÍTICA ECONÔMICA E AS CARACTERÍSTICAS TECNOLÓGICAS ASSUMIDAS PELA INDÚSTRIA

O objetivo do presente item é o de analisar a evolução da industrialização brasileira no pós-guerra, como as características tecnológicas assumidas pela indústria. Merecerão especial atenção as medidas de política econômica postas em prática no período, uma vez que contêm fortes estímulos para a adoção de determinadas alternativas tecnológicas.

Considera-se como características tecnológicas assumidas pela indústria a utilização predominante, exclusiva ou concomitantemente de: tecnologia incorporada ou não-incorporada; tecnologia que requer uso intensivo do fator capital ou do fator mão-de-obra; tecnologia própria ou importada.

A política econômica será categorizada em "política de resposta" ou "política de autonomia relativa", segundo suas medidas incentivem um maior ou menor grau de dependência tecnológica do exterior.4 4 Veja o artigo "Ciência e tecnologia nos planos de desenvolvimento: 1956-73" de Eduardo A. Guimarães e Ecila Ford, na revista Pesquisa e Planejamento Econômico, de dez. 1975.

Para fins de análise, a industrialização brasileira foi dividida em cinco fases, de acordo com mudanças da política econômica praticada no período: 1947-52; 1952-57; 1957-62; 1962-67; 1967-72.

O primeiro período (1947-52) se caracterizou por uma política cambial de sobre-valorização do cruzeiro, em relação ao dólar e por uma política de controle seletivo das importações, que discriminava os bens de consumo considerados não-essenciais em favor de determinadas matérias-primas e dos bens de capital.

Segundo Celso Furtado5 5 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. 11. ed. Ed. Nacional, p. 218. o objetivo do governo ao manter fixa a taxa de câmbio num período de grande inflação interna, era o temor de que a desvalorização do cruzeiro aumentasse ainda mais a alta de preços, gerando tensões sociais.

O resultado dessa política foi um forte estímulo à importação de bens de capital, cujo quantum no período 1948-52 cresceu cerca de 50% mais que o quantum total6 6 Tavares, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. 3. ed. Rio de Janeiro, Zahar. p. 81. e um rápido crescimento da indústria.

De fato, observando-se os dados do quadro 9, verificamos, no período 1949-52, uma taxa anual de crescimento da indústria de 10,3%. O crescimento mais intenso se deu nos setores de material elétrico e material de transporte, provavelmente nos segmentos produtores de bens de consumo duráveis do primeiro. O setor de produtos alimentares apresentou o desempenho mais fraco.

Celso Furtado7 7 Furtado, Celso. op. cit p. 221. tem uma análise interessante sobre esse período, em que ressalta o fato de os industriais terem se aproveitado da maior produtividade econômica do sistema, em virtude da melhoria da relação de trocas nessa fase, por meio de importações de bens de capital em condições mais favoráveis.

Nessa fase, a demanda de tecnologia da indústria era satisfeita pelas instruções de funcionamento que acompanhavam as máquinas importadas. Nesse sentido, a política econômica colocada em prática na época podia ser classificada como "de resposta", uma vez que facilitou o acesso à tecnologia externa, pelo barateamento relativo das importações de bens de capital.

Já no segundo período (1952-57), a deterioração das relações de trocas que se observa a partir de 1954 e a instabilidade política reduziram a taxa de investimento e o ritmo do setor industrial.

A partir de 1953, se observa uma redução do quantum importado e uma redução mais que proporcional do quantum de bens de capital. Por outro lado, o setor mecânica, embora crescendo a taxas inferiores às do período precedente, reduziu pouco seu ritmo de crescimento em relação aos demais, o que pode indicar um início da substituição de importações de bens de capital.

Os setores material elétrico e material de transporte continuaram a liderar o setor industrial nessa fase. O único setor que aumentou sua taxa de crescimento, em relação ao período anterior, foi química, reflexo provável da criação da Petrobrás (1953). Outro fato interessante foi a brusca redução da produção das indústrias de bens intermediários (minerais não-metálicos, papel, borracha e também metalurgia), que foi acompanhada por um acréscimo substancial de suas importações.

No período de 1957-62, a política econômica foi conduzida com o fim precípuo de incentivar a industrialização. A política cambial continuou a favorecer a importação de bens de capital e intermediários.

Ao mesmo tempo, a Lei n.º 3.244/57 instituiu um sistema aduaneiro que visava reservar mercado para as indústrias nascentes enquanto que, através da Instrução n.º 113 da Sumoc, favorecia-se a entrada de capitais estrangeiros. A nível governamental, foram instituídos grupos executivos, cujo objetivo era promover e favorecer o desenvolvimento de determinados ramos industriais, tais como a indústria automobilística.

A entrada maciça de capitais estrangeiros após 1957 aliviou a pressão sobre a capacidade de importar, já que a relação de trocas continuava a se deteriorar. Esse alívio possibilitou o aumento dos investimentos e da importação de máquinas e equipamentos, fazendo com que o setor industrial apresentasse um crescimento substancial no período. Os setores que mais cresceram foram aqueles cujos coeficientes de importação em 1958 eram os mais elevados, indicando a continuidade do processo de substituição de importações8 8 Suzigan, Wilson et alii Crescimento industrial, incentivos e desempenho recentes. Rio de Janeiro, Ipea. p. 133. (Coleção Relatórios de Pesquisa). que passou a abranger faixas mais extensas de bens de consumo durável, intermediários e de capital.

Na maioria das indústrias, a tecnologia utilizada era intensiva em capital, uma vez que este fator recebia um tratamento preferencial por parte da política econômica. Nessa fase, a demanda por tecnologia começou a se separar da demanda por bens de capital, no sentido de que não bastavam as instruções de funcionamento das máquinas e se explicitando na forma de demanda por marcas, patentes, assistência técnica, serviços específicos dos projetos e de engenharia.

A política econômica desse período pode ser conceituada como uma "política de resposta", uma vez que procurou facilitar o atendimento da demanda tecnológica por fontes externas.

No período 1962-67, a redução da taxa de investimento em função de medidas de política econômica (a extinção do subsídio cambial às importações, a política de combate à inflação via redução da demanda agregada) arrefeceu o crescimento do setor industrial.

Em função de medidas que procuravam dar uma nova estrutura de financiamento à economia e a minimizar o impacto da inflação (criação do Banco Central, regulamentação do mercado financeiro, instituição da correção monetária tornando rentáveis os papéis de renda fixa), o setor que menos sofreu com a crise foi o de bens de consumo duráveis. O ramo material elétrico, típico produtor desse tipo de bem, foi o que mais cresceu no período; embora o ramo material de transporte não tivesse crescido, o sub-ramo produtor de automóveis teve um crescimento apreciável no período.9 9 Suzigan, Wilson, et alii. op. cit p. 113.

As indústrias produtoras de bens de consumo não-duráveis (têxtil, alimentos, fumo, bebidas) e de bens de capital (mecânica) são as que sofrem com mais rigor o impacto deflacionário. Não deixa de ser paradoxal que, num período marcado por uma política de redução da demanda agregada, o setor menos atingido tenha sido o de bens de consumo duráveis.

Não houve modificações apreciáveis na demanda de tecnologia nem na "política de resposta" do período anterior, a não ser no breve espaço de tempo do governo Goulart.

O período 1967-72 poderá ser melhor compreendido se o dividirmos em duas fases: uma fase de recuperação (1967-69), e uma fase de sustentação do crescimento (1969-72).10 10 Suzigan, Wilson, et alii. op. cit p. 111 e seguintes.

Na fase de recuperação, o governo, através de uma política monetária-fiscal expansionista, conseguiu elevar a demanda agregada, principalmente a de bens de consumo duráveis. O crescimento industrial foi a resposta a esse estímulo, com a absorção quase que completa das margens de capacidade ociosa originárias do período de recessão anterior. Há indícios de que ocorreu no período uma redistribuição de renda das classes mais baixas para a classe média alta, via diferenciais de salários,11 11 Veja entre outros Bacha, Edmar. Hierarquia e remuneração gerencial. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, Ipea, dez. 73; e Mallan & Wells. Análise do modelo brasileiro, ibid. fato que teria contribuído para a expansão do setor de bens de consumo durável, líder do crescimento industrial nessa fase (veja quadro 10). A diversificação do consumo se deu, portanto, a um nível de produtos sofisticados, de alto conteúdo tecnológico, cuja introdução se deve basicamente as empresas multinacionais, predominantes no setor de duráveis.

Na fase de sustentação, além da continuidade da expansão dos bens duráveis, houve um crescimento paralelo das indústrias de bens de capital. Há indicações de que, nessa fase, a demanda começava a pressionar a capacidade produtiva, forçando o aumento do investimento.

Este se deu não apenas através do aumento da produção interna de bens de capital, bastante significativa nessa fase, mas também do aumento das importações. Este aumento só foi possível devido ao maior dinamismo das exportações de manufaturados que, a partir de 1969, passaram a receber incentivos apreciáveis e crescentes do governo. Foram criados, inclusive, no fim do período (1971-72), alguns tipos de incentivo que favoreciam as importações de bens de capital e intermediários, mesmo com similar nacional, por parte de empresas que apresentassem exportações crescentes.

Essa política de "liberalização de importações e promoção/diversificação das exportações" teve como conseqüência imediata o aumento do coeficiente de importações da economia, aumentando a dependência do exterior.12 12 Suzigan, Wilson et alii op. cit p. 111 e seguintes. Por outro lado, embora as exportações não tenham sido a mola propulsora do crescimento no período, foram importantes para as indústrias tradicionais, produtoras de bens de consumo não-duráveis, como se observa no quadro 11.

A política tecnológica do período pode ser classificada como de "resposta", uma vez que embora já constassem de planos de governo objetivos de maior autonomia tecnológica, o modelo de desenvolvimento seguido no período que se baseava na concentração de renda e na produção de bens sofisticados, na exportação de manufaturados e na política de liberação de importações, tornava implícita uma maior dependência tecnológica do exterior.

3. A MENSURAÇÃO DAS PRODUTIVIDADES SETORIAIS: UMA TENTATIVA DE AVALIAR A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NOS RAMOS INDUSTRIAIS

Neste item, procuraremos fazer um estudo despretencioso dos diferentes graus de evolução do progresso técnico nos ramos industriais. Partiremos do pressuposto de que toda inovação tecnológica, seja ela em termos de produto, de processos ou até mesmo de capacitação administrativa, implica necessariamente o aumento da produtividade física da mão-de-obra. Se mensurarmos, portanto, os acréscimos da produtividade da mão-de-obra por ramos industriais, aqueles cujo acréscimos forem maiores corresponderão aos que terão apresentado maior avanço técnico no período.

Os cálculos feitos para os diversos ramos são apresentados no quadro 12. A produtividade, em cada ano, foi calculada pelo quociente do valor adicionado, a preços de 1970, pela média mensal do pessoal ocupado.

Por que São Paulo se destacou durante o processo de industrialização do Brasil?

Os resultados surpreendem à primeira vista. As industrias "dinâmicas B", que lideraram o crescimento industrial no período, conforme já analisado, foram as que apresentaram o menor incremento da produtividade e, portanto, seriam as industrias onde o progresso técnico teria evoluído menos, resultado aparentemente paradoxal. Os resultados se tornam mais compreensíveis quando os desdobramos em dois subperíodos: 1949-59 e 1959-73. Verificamos então que, no primeiro subperíodo que corresponde historicamente à implantação dessas indústrias do Brasil, sua taxa de crescimento da produtividade é superior à das tradicionais e "dinâmicas A" (61% contra 54 e 53%, respectivamente), invertendo-se a posição no subperíodo seguinte (75% e 78% contra 56%). Poderemos então fazer a seguinte hipótese: as indústrias "dinâmicas 5", ao se implantarem no país, contaram com uma base tecnológica madura, uma vez que nelas predominavam as empresas multinacionais que traziam a tecnologia do país de origem, enquanto as demais possuíam segmentos artesanais e semi-artesanais. No subperíodo seguinte (1959-73), a evolução tecnológica do setor "dinâmico 5" foi inferior à dos demais, porque estes se modernizaram. Ou seja, as indústrias tradicionais e "dinâmicas A" partiram de um patamar de evolução tecnológica inferior ao das "dinâmicas B", o que lhes facilitou uma expansão do progresso técnico mais expressiva no subperíodo 1959-73.

A nível de ramos industriais, os que mais se destacaram foram fumo, química, têxtil e matéria-plástica, cujos acréscimos de produtividade foram superiores à média industrial. Em todos esses ramos, com exceção do têxtil, poderemos constatar a grande participação das empresas multinacionais (veja quadro 12). Nas indústrias "dinâmicas-B", onde também a participação dessas empresas é elevada, o desempenho foi mais fraco, pelas razões já apontadas.

Fazendo-se uma correlação por postos entre o aumento da produtividade no ramo e a grande participação das empresas multinacionais, obtém-se o coeficiente de 0,50, o qual se mostra significante ao nível de 5%.13 13 Os testes de significância foram feitos com o auxílio da tabela de E. G. Olds. Veja Yamane, Taro. Statistics - an introductory analysis. 2. ed. Harper, p. 470. Se efetuarmos a correlação, excluindo as "dinâmicas B", o coeficiente se eleva para 0,66. A correlação positiva e significante sugere que os setores onde a participação das EMN é majoritária apresentam maior evolução do progresso técnico, refletindo a importância do aporte tecnológico daquelas empresas na economia.

Por que São Paulo se destacou durante o processo de industrialização do Brasil?

  • 1

    A classificação das indústrias nos setores "tradicionais", "dinâmicas

    A" e "dinâmicas

    B" foi adotada pelo estudo

    A industrialização brasileira - diagnóstico e perspectivas do Ipea (Série Documentos n. 4). Tal classificação deve ser entendida como um recurso metodológico que, a

    esse nível de agregação, permite agrupar os ramos de acordo com as suas taxas de crescimento.

  • 2

    Baer, Kerstenetsky & Villela. As modificações do papel do Estado na economia brasileira.

    Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, Ipea, dez. 1973.

  • 3

    Veja Doellinger & Cavalcanti.

    As empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, Ipea. (Coleção Relatórios de Pesquisa n. 29).

  • 4

    Veja o artigo "Ciência e tecnologia nos planos de desenvolvimento: 1956-73" de Eduardo A. Guimarães e Ecila Ford, na revista

    Pesquisa e Planejamento Econômico, de dez. 1975.

  • 5

    Furtado, Celso.

    Formação econômica do Brasil. 11. ed. Ed. Nacional, p. 218.

  • 6

    Tavares, Maria da Conceição.

    Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. 3. ed. Rio de Janeiro, Zahar. p. 81.

  • 7

    Furtado, Celso. op. cit p. 221.

  • 8

    Suzigan, Wilson et alii

    Crescimento industrial, incentivos e desempenho recentes. Rio de Janeiro, Ipea. p. 133. (Coleção Relatórios de Pesquisa).

  • 9

    Suzigan, Wilson, et alii. op. cit p. 113.

  • 10

    Suzigan, Wilson, et alii. op. cit p. 111 e seguintes.

  • 11

    Veja entre outros Bacha, Edmar. Hierarquia e remuneração gerencial.

    Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, Ipea, dez. 73; e Mallan & Wells. Análise do modelo brasileiro, ibid.

  • 12

    Suzigan, Wilson et alii op. cit p. 111 e seguintes.

  • 13

    Os testes de significância foram feitos com o auxílio da tabela de E. G. Olds. Veja Yamane, Taro.

    Statistics - an introductory analysis. 2. ed. Harper, p. 470. Se efetuarmos a correlação, excluindo as "dinâmicas

    B", o coeficiente se eleva para 0,66.

  • 1 A classificação das indústrias nos setores "tradicionais", "dinâmicas A" e "dinâmicas B" foi adotada pelo estudo A industrialização brasileira - diagnóstico e perspectivas do Ipea (Série Documentos n. 4). Tal classificação deve ser entendida como um recurso metodológico que, a esse nível de agregação, permite agrupar os ramos de acordo com as suas taxas de crescimento. 2 Baer, Kerstenetsky & Villela. As modificações do papel do Estado na economia brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, Ipea, dez. 1973. 3 Veja Doellinger & Cavalcanti. As empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, Ipea. (Coleção Relatórios de Pesquisa n. 29). 4 Veja o artigo "Ciência e tecnologia nos planos de desenvolvimento: 1956-73" de Eduardo A. Guimarães e Ecila Ford, na revista Pesquisa e Planejamento Econômico, de dez. 1975. 5 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. 11. ed. Ed. Nacional, p. 218. 6 Tavares, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. 3. ed. Rio de Janeiro, Zahar. p. 81. 7 Furtado, Celso. op. cit p. 221. 8 Suzigan, Wilson et alii Crescimento industrial, incentivos e desempenho recentes. Rio de Janeiro, Ipea. p. 133. (Coleção Relatórios de Pesquisa). 9 Suzigan, Wilson, et alii. op. cit p. 113. 10 Suzigan, Wilson, et alii. op. cit p. 111 e seguintes. 11 Veja entre outros Bacha, Edmar. Hierarquia e remuneração gerencial. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, Ipea, dez. 73; e Mallan & Wells. Análise do modelo brasileiro, ibid. 12 Suzigan, Wilson et alii op. cit p. 111 e seguintes. 13 Os testes de significância foram feitos com o auxílio da tabela de E. G. Olds. Veja Yamane, Taro. Statistics - an introductory analysis. 2. ed. Harper, p. 470. Se efetuarmos a correlação, excluindo as "dinâmicas B", o coeficiente se eleva para 0,66.

    Qual a importância de São Paulo para a industrialização brasileira?

    A gênese do desenvolvimento industrial no Estado de São Paulo iniciou-se em meados das décadas de 1880-1890, por meio dos capitais advindos da superprodução produção cafeeira e das iniciativas dos imigrantes europeus, que impulsionaram aqui o processo de industrialização (MAMIGONIAN, 1976).

    O que favoreceu a industrialização no Estado de São Paulo?

    Favoreceram o processo de industrialização na cidade de São Paulo no fim do Século XIX e início do Século XX o posicionamento geográfico, estrutura política da época e as decisões do Estado brasileiro.

    Como a industrialização afetou o crescimento da cidade de São Paulo?

    Portanto, em resumo, podemos dizer que os efeitos da industrialização na urbanização são: intensificação do crescimento das cidades; concentração populacional; crescimento do setor terciário e a inversão da relação de subordinação entre campo e cidade.

    Porque a maioria das indústrias surgiram em São Paulo?

    A concentração industrial: A maioria das indústrias estava localizada na cidade de São Paulo e arredores, em virtude, principalmente, da maior quantidade de infraestruturas e mão de obra que a região possuía em relação ao restante do país.