A representação do negro na literatura brasileira reforça diversos estereótipos nas obras, o que traz um desserviço a essa parcela da sociedade, que já, por muito tempo, é tratada com descaso e desprezo. A presença de personagens negros na literatura, quando há, dá-se, na maioria das vezes, em papéis secundários de coadjuvantes ou de vilões. Representantes negros no protagonismo não são muito encontrados e, quando são, estão quase sempre presos a ambientes predeterminados. Show
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A representação do negro na literatura brasileiraDe acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2015, pretos e pardos totalizam 54% da população brasileira. Em meio a esse cenário de diversidade, predomina, no senso comum, a muito difundida teoria da democracia racial, que enquadra o Brasil como um país dito não racista. Entretanto, os números da Pnad Contínua de 2017 apontam outra realidade: enquanto a média salarial dos negros é de R$1570, a dos pardos é de R$1606 e a da população branca chega a R$2814. As disparidades não param por aí: no grupo do 1% mais rico da população brasileira, a porcentagem de negros e pardos era de apenas 17,8%. A representação do negro na literatura brasileira ainda ocorre de forma discreta e discriminatória, na maioria das vezes.Esse contexto evidencia um abismo social na sociedade brasileira. A abolição do trabalho escravo, há pouco mais de um século, não garantiu, como demonstram esses números, a inserção da população preta e parda como cidadã no território brasileiro, pelo menos não em paridade com a população branca. Entre os diversos fatores que contribuem para essa desigualdade racial, embasada na lógica da colonização, que sequestrou milhões de africanos para condená-los à escravidão em terras brasileiras, a literatura aparece como grande veiculadora de preconceitos, seja naturalizando estereótipos negativos vinculados ao negro, seja pela ausência de personagens negros como um todo. É o caso, por exemplo, do projeto nacionalista do romantismo indianista, que entende a genealogia brasileira como fruto do encontro racial entre europeus e indígenas, subtraindo a presença negra da população nacional. Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;) O cenário da literatura contemporânea não é diferente. De acordo com pesquisa do Grupo de Estudos de Literatura Contemporânea da Universidade de Brasília, entre os anos de 1965 e 2014, 70% das obras publicadas por grandes editoras brasileiras foram escritas por homens, dos quais 90% são brancos e pelo menos a metade deles é de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Os próprios personagens retratados aproximam-se da realidade desses autores: 60% das obras são protagonizadas por homens, sendo 80% deles brancos e 90% heterossexuais. Ainda de acordo com a mesma pesquisa, entre 2004 e 2014, apenas 2,5% dos autores publicados não eram brancos, e apenas 6,9% dos personagens retratados eram negros. Em apenas 4,5% das histórias eles aparecem como protagonistas. Entre 1990 e 2014, as cinco principais ocupações dos personagens negros nas obras analisadas eram: bandido, empregado doméstico, escravo, profissional do sexo e dona de casa.
Veja também: 20 de novembro - Dia Nacional da Consciência Negra Personagens negros na literatura brasileira canônica: os estereótiposO negro aparece na literatura brasileira muito mais como tema do que como voz autoral. Assim, a maioria das produções literárias brasileiras retrata personagens negras a partir de pontos de vista que evidenciam estereótipos da estética branca dominante, eurocêntrica. Trata-se de uma produção literária escrita majoritariamente por autores brancos, em que o negro é objeto de uma literatura reafirmadora de estigmas raciais. A pesquisadora Mirian Mendes nos lembra que os estereótipos são “a base ideológica da dominação do negro pelo branco”. O professor e pesquisador Domício Proença Filho aponta como principais estereótipos:
Aqui o negro seria aquele que é fiel, submisso, que supera todas as humilhações e vence a crueldade dos senhores pelo branqueamento. É o caso da personagem protagonista de Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, publicado em 1872 e adaptado como novela de televisão pela Rede Globo em 1976 e pela Rede Record em 2004. Isaura é filha de mãe negra e pai português, e tem a pele clara. Veja um trecho do romance, em que Isaura conversa com sinhá Malvina:
O diálogo transparece e reafirma os paradigmas vigentes: a branquitude como sinônimo de beleza, a herança africana como maldita, a benevolência dos senhores para com a escrava, a perpetuação desse estado de coisas que se encerra com a fala de Isaura “sei conhecer o meu lugar”.
Criado para exaltar o projeto abolicionista, aqui o negro é retratado também com a submissão servil, vítima de um sistema desumano. É o caso de diversos poemas de Castro Alves, tais como “A cruz da estrada”, em que a morte aparece como a única chance de libertação do negro escravizado, ou mesmo o célebre “O navio negreiro”, em que o poeta relembra os perversos anos do tráfico negreiro e menciona grandes nomes europeus, como Colombo e Andrada, mas não há sequer uma menção à resistência negra, aos quilombos, a Zumbi ou Luiza Mahin. “Caminheiro! do escravo desgraçado O sono agora mesmo começou! Não lhe toques no leito de noivado, Há pouco a liberdade o desposou.” (versos finais de “A cruz da estrada”, Castro Alves) A esse estereótipo associa-se também o do escravo fiel e passivo, presente em diversas obras, como em Mãe Maria, conto infantil de Olavo Bilac, publicado no livro Contos Pátrios (1904):
Vê-se a naturalização da escravidão e do apagamento completo do passado da personagem, em que “africana” oculta suas origens e todos os termos prestam-se a uma indefinição de Maria. A ausência da família contribui para enquadrá-la sob o paternalismo branco, “quase feliz”.
Caracterizado como subalterno e serviçal, é o estereótipo que o coloca como incapaz. Presente em obras como O demônio familiar (1857), de José de Alencar, e O cego (1849), de Joaquim Manuel de Macedo. Domício Proença Filho associa ainda esse estereótipo à animalização de Bertoleza, personagem de O Cortiço (1900), de Aluísio Azevedo:
(O Cortiço, Aluísio Azevedo) É o caso também de Tia Nastácia, personagem de Monteiro Lobato, confinada à cozinha onde trabalha a serviço de uma família branca, apresentada como “negra de estimação que carregou Lúcia em pequena” (Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho), cujas histórias são frequentemente desqualificadas pelas outras personagens: Ilustração de Dona Benta, Narizinho e Tia Nastácia. Além de tida como ignorante, as características de seu fenótipo negro, como a cor da pele e o tamanho da boca, são arranjadas para tornarem-se também ofensivos, sinônimos de feiura e inferioridade.
Presente em O bom crioulo (1885), de Adolfo Caminha, é o personagem negro que encarna a homossexualidade, tida à época como perversão. É o caso também do romance A carne (1888), obra de Júlio Ribeiro, que associa as liberações dos instintos sexuais da protagonista (branca) Lenita a promiscuidades com os escravos. Aparece também na figura de Rita Baiana, de O Cortiço (1900), e em diversas obras de Bernardo Guimarães, como Rosaura: a enjeitada (1883):
A erotização e objetificação da mulher negra é um dos estereótipos mais comuns não só da literatura brasileira, como da representação das mulheres pretas de forma geral – desde Gregório de Matos, poeta seiscentista, até a recém-extinta personagem da Globeleza, vinheta que ficou 26 anos no ar pela Rede Globo mostrando sempre uma mulher negra nua como ícone do Carnaval. Comparemos, a seguir, dois trechos de poemas de Gregório de Matos: o primeiro, um dentre os muitos dedicados à D. Ângela de Sousa Paredes, donzela branca; o segundo, a Jelu, a “rainha das mulatas”: “Anjo no nome, Angélica na cara, [...] Se como Anjo sois dos meus altares, [...]” Comparada a um ser angelical, às flores, a um amuleto contra o mal, D. Ângela é o retrato da beleza e das virtudes. Com relação a Jelu, diz o mesmo poeta: “Jelu, vós sois rainha das mulatas. [...] Mas sendo vós Mulata tão airosa Pois perante a mais ínclita persona Longe da idealização espiritualizada do amor platônico inspirado pela branca D. Ângela, Jelu é facilmente transfigurada em “gata”, em figura animalesca, em mulher prostituída, ao contrário do retrato angelical da primeira. Além de erotizada, objetificada, tomada como impura, resta a Jelu ainda a comparação de sua beleza a um cenário sórdido, fétido. São inúmeras as produções que perpetuam esse estereótipo erotizado da mulher negra. É o caso das mulatas de Jorge Amado, com especial destaque para Gabriela, protagonista de Gabriela, cravo e canela (1958), descrita com sensualidade e beleza que enlouquecem os homens e como uma mulher que se entrega à paixão, mas não à continuidade de um envolvimento afetivo ou amoroso:
Luís Fernando França, em sua dissertação de mestrado, elenca, a partir das análises de Roger Bastide, mais de 20 estereótipos associados aos negros na produção literária brasileira. Entre eles, destacam-se também os do malandro, do bêbado ou afeito aos vícios, do feiticeiro ou “macumbeiro”, do maldoso etc.
(Eduardo de Assis Duarte, “Literatura afro-brasileira: um conceito em construção”) Leia também: Conceição Evaristo: outro grande expoente da literatura negro-brasileira Literatura negraFoi principalmente a partir da década de 1960, com o fortalecimento dos movimentos sociais organizados por negros e negras, que esse cenário começou a mudar. Em busca de romper com essa centenária coletânea de preconceitos e estereótipos veiculados pela literatura canônica brasileira, que frequentemente diminui ou apaga personagens negros, autores e autoras negros e negras passaram a publicar suas próprias obras como instrumento de subjetivação e determinação cultural. Figuras como Luiz Gama, advogado e poeta romântico abolicionista do século XIX, ou Maria Firmina dos Reis, primeira autora mulher a escrever um romance abolicionista no Brasil, são frequentemente relegados ao esquecimento pelo cânone literário brasileiro, mas retomados como precursores do movimento pela literatura negra. Conceição Evaristo, por exemplo, tem a maioria de suas obras protagonizadas por mulheres negras, e é a partir do substrato de suas vivências e de sua interioridade que se constroem os versos e tramas de sua obra. Solano Trindade reivindica a negritude e o fenótipo negro com orgulho e presença. Ana Maria Gonçalves retoma o tema da negra escravizada como sujeito consciente e revolucionário, relembrando levantes e resistências reais da história brasileira. Jarid Arraes, principalmente fazendo uso do cordel, também dá destaque às guerreiras quilombolas. Retrato de Conceição Evaristo. [1]São inúmeros autores e autoras engajados em retomar o ponto de vista do negro, desconsiderado continuamente pela literatura brasileira. Isso envolve um resgate da ancestralidade e da identidade negras, bem como a denúncia das opressões: Mahin Amanhã Ouve-se nos cantos a conspiração A cidade toda se prepara Arma-se a grande derrubada branca (Miriam Alves, em Cadernos Negros: melhores poemas) Futuro que áfrica está estampada nas pupilas da vó negra que dança a congada? quantos zumbis vão surgir na poesia da periferia maltratada? é nzinga que dança e ocupa o abraço da menina de tranças? que orixá olha por esse menino que ama jogar bola? um sopro ancestral de tambores e vozes nos protege do mal o moderno, o novo deságuam no rio tradicional não há povo sem história sem memória coletiva e é na pele que essa memória continua viva (Marcio Barbosa, em Cadernos Negros, vol. 31) Contudo, essa produção literária ainda encontra desafios em ser incorporada ao cânone e é continuamente relegada à marginalidade. Assim, há uma dificuldade cabal em desfazer esses estereótipos e em veicular uma literatura comprometida com a representação da população brasileira como um todo. A relação entre literatura e realidade é evidente quando pesquisas como as da UnB revelam que o perfil do escritor brasileiro permanece o mesmo desde 1965, mantendo o privilégio de publicações das grandes casas editoriais a homens brancos. Para saber mais sobre o conceito de literatura negra e conferir mais exemplos de obras, leia: Literatura negra. Notas |1| Maria de Lourdes Lopedote, “A literatura e a imagem afro-brasileira”, 2014. Crédito de imagem [1]: PaulaA75/Commons Por Luiza Brandino Quais críticas são feitas a sociedade?A pobreza, as desigualdades sociais e econômicas, aspectos culturais, dentre outros, são normalmente alvos de crítica social. Dilemas éticos, como pena de morte e aborto, também são objeto da critica social.
Que critica é feita no poema satírico de Gregório de Matos que você leu na página 99?Resposta verificada por especialistas
Ele critica o modo no qual a sociedade vive. O texto é de autoria de Gregório de Matos, que é considerado um dos maiores nomes do período barroco português e brasileiro.
Que tipo de critica o eu lírico faz?O eu lírico critica a falta de verdade, honra e vergonha da sociedade baiana. Também critica o povo por ser ignorante e irresponsável.
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