Quais os obstáculos encontrados pelas equipes de saúde que impedem o acesso do público masculino?

INTRODUÇÃO

No Brasil, as principais causas de óbito entre os homens são as doenças isquêmicas do coração, doenças cerebrovasculares, neoplasias malignas (cânceres de estômago, pulmão e próstata) e as causas externas (suicídio, homicídio e acidentes de trânsito)1. Vale ressaltar que cerca de 80% das internações no Sistema Único de Saúde (SUS) são em consequência de causas externas, destacando a faixa etária dos 20 aos 29 anos, sendo as vítimas de acidentes automobilísticos as que somam o maior número de atendimentos2.

Constata-se que um dos fatores que corroboram para estes indicadores de mortalidade é o fato dos homens estarem mais expostos que as mulheres a fatores de risco como alcoolismo, tabagismo, sedentarismo e obesidade3.

Sabe-se que a forma em que o sistema de saúde brasileiro vem se organizando é baseada em linhas de cuidado voltadas para prevenção e promoção da saúde, direcionada principalmente para a mulher, a criança e o idoso, sendo incipiente, ainda, a inclusão dos homens nessas ações4.

Dados epidemiológicos comprovam que os homens são mais vulneráveis às doenças, principalmente às enfermidades graves e crônicas, e que morrem mais precocemente que as mulheres. Somado à maior vulnerabilidade e às altas taxas de morbimortalidade, está o fato de os homens, efetivamente, procurarem menos que as mulheres os serviços de atenção básica, o que interfere diretamente em suas possibilidades de sobrevida, quando acometidos por agravos clínicos5-7.

O adiamento na busca por atendimento em saúde tem como reflexo o agravamento das doenças, fazendo com que um maior número de homens adentre nos serviços de saúde pelas emergências e pela atenção especializada. Como consequência disso, além de prognósticos menos favoráveis para aqueles que buscam tardiamente tratamento, é um maior custo para o Sistema Único de Saúde, com internações e maior número de procedimentos de alta complexidade2.

Uma mudança neste cenário requer maior qualificação e fortalecimento da atenção primária, garantindo assim uma abordagem mais efetiva aos homens no sentido da promoção da saúde e da prevenção de agravos evitáveis2.

A maior acessibilidade dos homens aos serviços primários de atenção à saúde e qualificação à saúde foi pensada pelo Ministério da Saúde, que criou, em agosto de 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), com vistas a oferecer uma assistência integral.

Tendo em vista este cenário, este estudo tem como objetivo verificar a produção científica acerca da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem.

MÉTODO

Para a elaboração do presente estudo foi realizada uma revisão integrativa, metodologia que proporciona a síntese do conhecimento produzido acerca do tema investigado8.

A pesquisa desenvolveu-se em 6 diferentes etapas, incluindo: elaboração da pergunta norteadora (definição do objetivo); busca ou amostragem na literatura; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos; discussão dos resultados; e apresentação da revisão integrativa8,9.

A pesquisa foi realizada nas bases de dados Scientific Eletronic Library (Scielo) e Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) que, juntas, integram várias bases de dados. Foram incluídos na pesquisa artigos publicados na íntegra, em português, nos anos de 2013, 2014, e até julho de 2015, com a utilização dos seguintes descritores: saúde do homem e políticas de saúde (n=19); saúde do homem e atenção básica (n=5); saúde do homem e atenção primária a saúde (n=4). Deste levantamento, extraiu-se 28 artigos.

Em seguida, os artigos foram lidos, e excluíram-se aqueles de revisão e os que, embora contemplassem os principais descritores, não tinha foco preciso na questão da Política de Atenção Integral à Saúde do Homem. Restaram, assim, 11 artigos.

Os artigos selecionados foram lidos, e foi utilizada análise de conteúdo de Bardin, seguindo-se as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Em síntese, iniciou-se por leituras flutuantes e sucessivas releituras, com vistas a identificar palavras e ideias chaves para sua interpretação e organização das categorias10.

O material da leitura foi organizado em uma tabela que incluiu título do trabalho, ano, periódico, autor e respectiva área profissional do primeiro autor. Após a segunda leitura e análise dos artigos, o conteúdo mais significativo foi organizado em duas categorias de análise, pela similaridade e relevância dos temas.

RESULTADOS

No ano de 2013 não se obteve artigos. Em 2014 e 2015, para os descritores saúde do homem e políticas de saúde, foram encontrados 19; para os descritores saúde do homem e atenção básica, 5; e para os descritores saúde do homem e atenção primária a saúde, 4. Deste levantamento extraíram-se 28 artigos.

Através da leitura detalhada de todos os artigos, considerando apenas pesquisas que atendiam aos objetivos, alcançou-se 11 artigos, descritos no Quadro 1.

No que se refere à categorização dos artigos obteve-se as seguintes categorias: “Potencialidades e fragilidades da implementação da política” e “Desafios para a atenção integral à saúde do homem”.

Quais os obstáculos encontrados pelas equipes de saúde que impedem o acesso do público masculino?

Quadro 1.
Artigos acerca da Política Nacional da Saúde do Homem. Janeiro de 2013 a julho de 2015.

DISCUSSÃO

Desde a efetivação da Lei Orgânica da Saúde que afirma o Sistema Único de Saúde (SUS), as instituições de ensino que formam para o campo vêm adaptando seus currículos e modernizando seus projetos pedagógicos no sentido de diversificar os cenários de prática acadêmica e assegurar propostas que priorizem o sistema de saúde em desenvolvimento no país, capacitando profissionais que possam atuar em consonância com seus princípios e diretrizes, na promoção da saúde e na prevenção de doenças11.

Quando ocorre o lançamento de uma nova política, não só os serviços que compõem a rede de atenção à saúde devem envidar esforços para sua operacionalização, mas também as instituições formadoras.

No levantamento bibliográfico feito por ocasião deste estudo, identificou-se que a produção científica acerca da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem é hegemonicamente de autoria de pesquisadores enfermeiros. De todas as ocorrências de trabalhos com esta temática, 80% eram de elaboração destes profissionais.

Sabe-se que os currículos dos cursos de graduação em enfermagem asseguram maior ênfase em práticas dirigidas à atenção primária em saúde, que antes eram voltadas a um enfoque mais curativista10.

Este recorte curricular contribui em parte para explicar porque o maior número de produções científicas dirigidas à PNAISH é de enfermeiros. Também são estes profissionais que, nos serviços de saúde, se ocupam do acolhimento dos usuários, e estão na linha de frente das ações de educação em saúde. A seguir se apresenta as categorias por similitudes dos artigos levantados.

Potencialidades e fragilidades da implementação da política

Nesta primeira categoria verifica-se que a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde do Homem (PNAISH), inclui a percepção dos profissionais acerca dela e suas contribuições para o aprimoramento do cuidado em saúde dirigido aos homens.

Ressalta-se que esta política surge da necessidade de mudança de paradigmas socioculturais que permeiam a assistência à saúde do homem, tendo como objetivo organizar os serviços e ações voltados para a população masculina baseando-se nos princípios de integralidade, equidade e humanização da atenção, com vistas a oferecer melhoria nas condições de saúde desse público, aumentando a qualidade e a expectativa de vida e reduzindo a morbimortalidade por meio da promoção da saúde e da prevenção de agravos, com foco no enfrentamento de fatores de risco2.

Os artigos selecionados para o estudo abordaram, de modo geral, a percepção dos profissionais de saúde a respeito da PNAISH. Foram alvo desses estudos, profissionais da carreira assistencial de nível superior e técnico, alguns deles ocupando cargos de gestão. Destacam-se, entre os profissionais, os enfermeiros, médicos e agentes comunitários de saúde.

Com relação ao conhecimento dos profissionais acerca da PNAISH e seu envolvimento com as ações relativas à implementação da Política, identificam-se grandes fragilidades. As pesquisas recentes constataram que a maioria dos profissionais tem conhecimento mínimo e superficial acerca da política, ainda assim tendo-o alcançado por iniciativa própria12-16.

Identifica-se que não há iniciativas institucionais no sentido da difusão da política, dos fundamentos, princípios ou diretrizes que a compõem. Nos estudos, os profissionais alegam desconhecer e sentirem necessidade de terem acesso a materiais informativos, como manuais do Ministério da Saúde, que possam apoiá-los no aprofundamento do tema. Por outro lado, não há também ações de gestão na proposição de uma agenda que contemple estratégias voltadas à atenção integral à saúde do homem14,16,17.

Um ponto a ser destacado, no entanto, é que mesmo não conhecendo profundamente a política, os profissionais detinham conhecimento real e amplo dos aspectos peculiares envolvidos no processo de saúde e adoecimento masculino, reconhecendo as particularidades do público masculino, sobretudo quanto ao peso das questões de gênero para a conformação do comportamento do homem frente a sua saúde13.

Neste ponto, faz-se necessário ressaltar as questões da masculinidade como o fator cultural determinante no contexto de saúde do homem. O processo de socialização do homem, em que pese a construção do “ser homem” na sociedade, resulta de uma multiplicidade de convenções culturais e sociais que passam por estereótipos de gênero. Esta representação social do ser homem inclui a posição do homem como líder, reprodutor, provedor e pessoa invulnerável, características que configuram a ideologia hegemônica de masculinidade presente13.

Essas questões referentes a masculinidade vão ao encontro dos estudos que referem as causas de baixa adesão do público masculino relacionada a barreiras socioculturais e barreiras institucionais que contribuem para que eles cuidem menos de sua saúde e se exponham mais a situações de risco. Entre essas barreiras destacam-se os estereótipos de gênero, à luz dos quais a doença é considerada como um sinal de fragilidade, que os homens não reconhecem por se julgarem invulneráveis, rejeitando a possibilidade de adoecer18,19.

Destaca-se também a situação do homem como provedor do lar. Seu horário de trabalho coincide com o horário de funcionamento dos serviços básicos de saúde, consequentemente dificultando seu acesso eles20,21.

Ao compreender as representações sociais das questões de gênero na sociedade, e da masculinidade em particular, o profissional da saúde vê facilitada sua tarefa de melhor acolher e oferecer cuidado aos homens, pois terá subsídios para lidar com as dimensões mais complexas da população masculina, reconhecendo suas barreiras sociais, culturais e pessoais, referentes a como e quanto valorizam a sua saúde e preocupam-se com seu cuidado em saúde12.

O conhecimento a respeito das questões de gênero, no entanto, não é suficiente para assegurar a abordagem adequada dos homens nos contextos de assistência em saúde. As pesquisas aqui elencadas também revelaram que os profissionais, apesar de identificarem as questões de gênero e conhecerem de forma superficial as necessidades do público masculino, não possuem capacitação específica para prestar de forma singularizada assistência a este público22.

Constatou-se que o déficit em capacitação profissional em saúde do homem tem restringido a realização de práticas assistenciais e práticas voltadas para educação em saúde no âmbito da saúde masculina15. Vale ressaltar que a capacitação permanente dos profissionais atuantes na atenção básica, onde a assistência é voltada para a promoção da saúde e prevenção de agravos à saúde, é de responsabilidade da gestão dos serviços de saúde, com o intuito de promover atualização de conceitos, técnicas e abordagem de questões socioculturais23.

Neste sentido, a educação permanente em saúde é ponto fundamental para o aprimoramento dos cenários de prática assistencial. Ela está baseada na aprendizagem no trabalho, levando em consideração as experiências, conhecimentos prévios dos profissionais e necessidades de saúde da população para auxiliar na transformação e aprimoramento das práticas profissionais, proporcionando melhoria na qualidade e resolutividade da assistência24.

A inexistência ou incipiência de iniciativas de qualificação profissional impedem a adequação do trabalho assistencial às demandas específicas do público masculino, inviabilizando que as equipes multiprofissionais ampliem ou aprimorem suas ações para melhor atendimento aos homens14.

Iniciativas institucionais, no sentido da qualificação dos profissionais para a abordagem singularizada ao público masculino, poderiam colaborar amplamente para o aumento da demanda masculina nos serviços de saúde, de modo que o procurassem os homens, e ainda para ações de promoção da saúde e prevenção de agravos. Isto poderia colaborar para a alteração das estatísticas de atendimento aos homens na rede de saúde, que evidenciam que esta procura só se dá quando o homem já está com sua saúde bastante comprometida pelo agravamento de quadros que não tiveram manejo adequado quando de seu surgimento12.

Apesar da pouca informação e da inexistência de ações de qualificação profissional que contribuam para o aprimoramento da atenção à saúde do homem, verifica-se que os profissionais da saúde, e em especial os enfermeiros, entendem a importância da PNAISH, e a necessidade de se trabalhar para sua implementação. Têm eles, por suas próprias iniciativas, buscado formular estratégias que favoreçam a atenção integral à saúde do homem, sobretudo dirigida à promoção da saúde e à prevenção de doenças17,22.

Desafios para a atenção integral à saúde do Homem

Nesta categoria verifica-se as dificuldades e desafios para a implementação da PNAISH. Esta é uma política relativamente nova cuja a implementação apresenta, aos trabalhadores da saúde e à comunidade usuária do SUS, uma série de dificuldades e desafios.

Quando se debate as razões para que o homem busque atendimento no serviço de saúde, verifica-se que tem sido a principal razão a instalação de uma doença e seu agravamento refletindo a falta de visão preventiva do homem em relação a sua saúde12.

A população masculina acessa prioritariamente os serviços de saúde especializados em detrimento daqueles da atenção primária. A PNAISH propõe qualificar a atenção à saúde do homem valorizando a integralidade da atenção a partir de estratégias que fortaleçam a promoção e a prevenção, de modo a tornar a atenção primária em saúde a porta de entrada principal desta clientela no sistema2,25. É importante ressaltar alguns dados epidemiológicos que retratam a vulnerabilidade e exposição aos riscos que os homens possuem e que contribuem para o atual estado de saúde desta população.

Existem cerca de 2 bilhões de alcoólatras e fumantes no mundo e, no Brasil, há cerca de 6 milhões de pessoas nesta situação. Tal cenário reflete no aumento de internações hospitalares relacionadas a transtornos mentais e comportamentais devido ao uso abusivo de álcool. Estes dois quadros são responsáveis por 20% de todas as internações de homens, enquanto entre as mulheres este número corresponde a 2%26,27. Em relação ao tabaco, há que se observar que os homens usam cigarros com maior frequência que as mulheres, o que proporciona maior vulnerabilidade às doenças pulmonares obstrutivas crônicas, doenças cardiovasculares, câncer e doenças bucais2.

Neste sentindo, evidencia-se que os homens reconhecem o sedentarismo, alcoolismo e tabagismo como a tríade de agressores à saúde masculina, revelando a não adoção de comportamento preventivo. Ações relacionadas à prevenção de agravos e promoção da saúde devem considerar o conhecimento pessoal da população masculina acerca do agravo e a existência de comportamentos que oportunizem a exposição a estes fatores de risco, o acesso ao serviço de saúde, sua organização e acolhimento com estabelecimento de vínculo terapêutico28.

A inexistência de uma ótica preventiva por parte dos homens, além de explicitada pelas estatísticas dos atendimentos em saúde, é apontada pelos profissionais nos diferentes estudos aqui elencados. Sua percepção é que as questões culturais representam a principal causa da não adesão dos homens aos serviços de saúde15.

Dentre os fatores intrínsecos aos homens, que contribuem para a não vinculação dos mesmos nos serviços de saúde, está o déficit de conhecimento da maioria deles a respeito dos aspectos de sua saúde, doença e prevenção, que muitas vezes estão fundamentados no dimensionamento biológico e curativo28.

Os artigos que explicitam as representações sociais dos homens acerca de suas questões de saúde, revelam que a maioria deles identificam ao menos a necessidade de realização do exame preventivo de câncer de próstata, entendendo esta como uma das principais necessidades de saúde masculina, mas evidenciando que desconhecem outros aspectos igualmente relevantes de sua saúde29.

Esse déficit de conhecimento, do homem a respeito da própria saúde, assim como sua limitada adoção de medidas preventivas, evidencia a não percepção de vulnerabilidades e riscos que sejam relevantes. Pesam aqui questões culturais e de gênero, que incutem nos homens a errônea percepção de autossuficiência e de que o adoecer não é próprio do gênero masculino30.

Nota-se que esta visão reducionista relativa às necessidades de saúde do homem, muito focada nas questões biológicas, não é, no entanto, exclusividade dos usuários, mas muitas vezes é encontrada entre os próprios profissionais, o que configura uma visão ainda baseada no modelo biomédico29,31.

Apesar de a PNAISH ter como uma das prioridades as necessidades de saúde sexual e reprodutiva do homem, é importante que os profissionais tenham uma percepção ampliada quanto à promoção de sua saúde e prevenção de agravos, já que temas como uso abusivo de álcool e outras drogas, tabagismo, violência e acidentes de trânsito, e prevenção e controle de DSTs/AIDS também são prioridades estabelecidas na política que merecem estar presente nas agendas de atenção à saúde do homem2.

Entre outros dificultadores do acesso dos homens aos serviços de saúde e mesmo à sua adesão ao tratamento, os artigos evidenciaram que, relacionam-se à demora durante a espera por atendimento, gerando impaciência, a vergonha de se expor, a falta de tempo para dedicar à sua saúde, justificada pelo regime de trabalho, e a falta de resolutividade das necessidades.

Iniciativas sérias que visem ampliar a atenção à saúde do homem, com qualidade e de forma resolutiva devem visar estratégias de incentivo à participação dos homens nas unidades básicas de saúde adstritas à sua residência, em horários que lhes sejam favoráveis, bem como ações de saúde em seu território16.

Uma vez que os homens não procurem os serviços, é preciso identificar e operacionalizar estratégias de captação deles desde a sua residência, para tanto, a Estratégia Saúde da Família se faz uma preciosa ferramenta, uma vez que se pode utilizar recursos como a busca ativa por meio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), visitas domiciliares ou até mesmo parcerias para divulgação com outros setores para o fortalecimento da intersetorialidade como propõe a Política Nacional de Atenção Básica32

Apontam-se como possíveis soluções para estes problemas estratégias que favoreçam maior acessibilidade como a ampliação dos horários de funcionamento dos serviços, com investimento no atendimento noturno (contra turno dos horários de trabalho), ofertando-se uma abordagem especial às necessidades específicas dos homens, incluindo melhores estratégias de acolhimento, com boa comunicação e aprimoramento das informações dirigidas às singularidades da atenção à saúde do homem. Além disso, constata-se que a ambientação dos espaços físicos dos serviços também influenciam nestes aspectos de acolhimento, de modo que serviços ambientados de forma menos estilizada para mulheres ou crianças contribuiriam para a percepção de maior acolhimento do público masculino33.

Outras medidas vêm sendo adotadas no sentido de modificar este quadro. E, com o intuito de aumentar o vínculo entre o homem e o serviço de saúde, investe-se no fortalecimento da Estratégia Saúde da Família e no incremento das ações em saúde, como visitas domiciliares e criação de serviços de referência para o atendimento do público masculino. Ressalta-se também a educação popular em saúde como ferramenta facilitadora deste cuidado, investindo-se em rodas de conversa, coordenadas por equipes multiprofissionais, visando oferecer uma abordagem integradora em saúde.

A educação popular tornou-se alvo de uma política pública específica, lançada em 2013 pelo Ministério da Saúde34. Suas premissas se aplicam a todas as iniciativas desenvolvidas no âmbito do SUS e têm fundamentação na perspectiva freireana de educação. Sua aplicação é transversal a todos os níveis de atenção, mas tem acontecido com maior ênfase nos dispositivos de atenção primária. Ela representa uma ferramenta essencial para a aproximação entre profissionais e usuários.

A educação popular representa o repensar da educação em saúde numa perspectiva mais dialógica e emancipadora dos sujeitos, na medida em que favorece o protagonismo dos usuários em seu próprio processo de produção de saúde. O mesmo frente aos próprios profissionais, pela possibilidade de reinventarem modos de cuidado mais humanizados, compartilhados e integrais, que contribuam para a transformação de suas sociedades e para uma atuação mais cidadã destes atores da saúde31.

Percebe-se que, a despeito da existência de uma política específica de atenção à saúde do homem, a PNAISH, muitas de suas premissas não foram efetivamente implementadas. Identifica-se a necessidade de mudanças paradigmáticas relacionadas à percepção da população masculina quanto ao autocuidado em saúde. Para tanto é preciso garantir uma capacitação precoce para as ações de atenção primária, por meio sobretudo das estratégias de educação popular, o que implica na capacitação profissional, no investimento na humanização do cuidado, na ampliação das informações em saúde, na instrumentalização dos serviços para o adequado acolhimento e atendimento da população masculina.

Este conjunto de ações poderá contribuir para uma maior acessibilidade do público masculino aos serviços de saúde2, o que permitirá o avanço da atenção integral à saúde do homem, redundando na qualificação deste público para seu protagonismo no processo de produção da saúde.

CONCLUSÃO

É notório que a PNAISH vem construindo um cenário para a discussão da saúde masculina e para a implementação de recursos de saúde que visam fortalecer a prevenção e promoção da saúde dos homens. Constitui-se este campo como um cenário rico em estudos sobre as particularidades masculinas, a percepção dos profissionais e os desafios a serem enfrentados neste contexto de atenção integral à saúde do homem.

Entretanto, conclui-se que as ações de implementação da política ainda não foram suficientes para inserir efetivamente o público masculino nos serviços de saúde pela via de atenção primária a saúde, chegando estes ainda hegemonicamente pelas portas dos serviços emergenciais e das especialidades, e com quadros de adoecimento já tornados crônicos ou em situações agudas.

Há que se atentar não só para as ações de promoção da saúde e prevenção de agravos, mas também para o panorama epidemiológico crescente no que diz respeito às causas externas, como acidentes, violências, e o alcoolismo, que mais envolvem a população masculina que a feminina.

Sugere-se investir na difusão da política a partir da capacitação profissional e da maior divulgação pelos meios de comunicação, além do investimento em estratégias que visem a aproximação dos homens aos serviços de saúde, com uma captação precoce e a educação popular, como prevê a política.

Todos os âmbitos da gestão em saúde e também os cenários de formação profissional em saúde devem fomentar discussões a respeito da política e buscar maior sensibilização de estudantes, profissionais e da própria comunidade para o tema da atenção integral à saúde do homem.

Neste sentido, devem-se criar oportunidades e condições para que os homens também possam ser ouvidos e qualificados para protagonizarem seu próprio processo de produção de saúde. Há que se levarem em conta as particularidades do público masculino, desde as questões de gênero e cultura, com o intuito de garantir, na saúde, um atendimento qualificado e integral.

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Quais as dificuldades encontradas para se atrair o público masculino para os serviços de saúde?

A análise dos dados foi subsidiada pela técnica de análise de conteúdo, proposta por Bardin (2011), cujos resultados revelam, por um lado que as dificuldades vivenciadas na atenção básica em relação à saúde masculina envolvem: Ausência desta clientela; seu déficit de comportamento de autocuidado; sentimentos de temor ...

Quais as barreiras que impedem o homem de procurar os serviços de saúde?

Dentre as diversas barreiras que inviabilizam o acesso dos homens aos serviços da APS, é possível destacar as barreiras socioculturais, que liga-se a construção da identidade de gênero e masculinidade, no qual os homens são educados a serem fortes e resistentes e a procura por um serviço de saúde demonstraria sinais de ...

Quais os fatores que mais contribuem para invisibilidade dos homens nos serviços de atenção básica?

Sendo assim, para Knauth, Couto e Figueiredo (2012, p. 2617) “a pressa, a objetividade, o medo, a resistência, e a dificuldade dos serviços em acolher esta população, são os principais fatores que afastam os homens dos serviços de saúde”.

Por que os homens procuram menos os serviços de saúde?

A representação do cuidar como tarefa feminina, as questões relacionadas ao trabalho, a dificuldade de acesso aos serviços e a falta de unidades especificamente voltadas para a saúde do homem são os principais motivos expressos pelos sujeitos para a pouca procura pelos serviços de saúde.