REFORMA AGRÁRIA Show A expressão "reforma agrária" foi cunhada no presente século, vulgarizando-se mais rapidamente a partir da década de 1940. As "leis agrárias" - como eram denominados os diplomas legais que interferiam no curso evolutivo da estrutura agrária, regulando-a, ou alterando-a - datam de tempos remotos, aparecendo na história desde a Antigüidade Clássica. As mais conhecidas são as sete leis agrárias surgidas em Roma do século V ao I a.C.: as leis Cássia (486 a.C.), Licínia (376 a.C.), Flamínia (232 a.C.), Semprênia (133 a.C.), Servília (63 a.C.), Flávia (60 a.C.) e Júlia (59 a.C.). Essas leis visavam a uma melhor distribuição das terras públicas, concedendo facilidade aos agricultores pobres para sua aquisição e tentando impedir seu domínio por um pequeno número de açambarcadores. As concentrações excessivas das terras eram, já a esse tempo, consideradas prejudiciais ao equilibro da sociedade. As leis propostas por Tibério Semprênio Graco no ano de 133 a.C. foram, no entanto, as primeiras a exercer certa influência na contenção da excessiva concentração das terras, pois proibiam a posse de mais de quinhentas jugera (ou 125 hectares) das terras públicas e ordenavam a devolução ao Estado das áreas excedentes. Tibério Semprênio Graco foi, porém vítima de conspiração, sendo assassinada Pelos mesmos motivos, seu irmão Caio foi levado ao suicídio. E Caio Júlio César, que promulgou uma nova lei agrária destinada a melhorar as condições dos pequenos e médios possuidores de terras, foi assassinado no ano de 44 a.C. Todas essas tentativas infrutíferas para a solução do movimento expansionista, que continuava produzindo imensos domínios, levaram Plínio o Velho a proferir a célebre frase Latifundia perdidere Italiam ("Os latifúndios perderam a Itália"), a qual, por reproduzir uma verdade histórica, tornou-se universalmente conhecida chegando até os nossos dias. A concentração excessiva da propriedade agrária e a formação de grandes fortunas nas mãos de pequeno número de senhores provocaram a decadência do Império Romano. A partir de então, as villas foram convertidas em feudos, e os antigos escravos em arrendatários e em colonos. As cidades entraram em colapso e as unidades agrárias se tornaram auto-suficientes, produtoras dos bens necessários à alimentação, ao vestuário e às demais necessidades elementares. A pequena produção artesanal e as manufaturas domésticas passaram a constituir um complemento da diminuta renda retirada do cultivo da terra e reduzida a quase nada pelos tributos exigidos pelos senhores. O regime rural sofreu um retrocesso, e as leis agrárias, que não haviam conseguido evitar o declínio da economia romana, eram agora aplicadas a fim de que os colonos-parceiros (colonus)e os rendeiros, mais tarde transformados em servos, se tornassem submissos aos senhores feudais. Constantino, o primeiro imperador cristão, obrigou, por uma lei do ano de 332 de nossa era, a adscrição dos cultivadores aos feudos. No ano de 371, o imperador Valeriano estabeleceu: "Não consideramos que os coloni disponham da liberdade de abandonar a terra à qual estejam vinculados por sua posição e nascimento. Se o fizerem, que sejam trazidos de volta, presos e castigados." Durante toda a época feudal, as leis agrárias foram em geral extremamente opressivas para os camponeses, ao contrário das leis romanas, e tiveram por objetivo reforçar a dependência dos cultivadores aos senhores da terra. Durante o último período da Idade Média, passaram a ter por finalidade central favorecer a concentração agrária e facilitar a expansão latifundiária à custa da destruição dos campos abertos e dos pastos comuns, como foi o caso do movimento dos enclosures, iniciado na Inglaterra e estendido à Europa continental. As "leis bárbaras" da Baixa Idade Média e as "leis sangüinárias" da Alta Idade Média são exemplos de ferocidade dos grandes proprietários na prevenção ou na repressão das freqüentes insurreições camponesas que balizaram a história agrária européia. As jacqueries, como ficaram conhecidas essas insurreições, causadas pela situação de miséria a que estavam reduzidos os camponeses dos antigos Estados alemães e da França, foram todas cruelmente esmagadas. As leis que se seguram a esses movimentos, numa época em que cresciam indiscriminadamente as populações desocupadas, entregues ao banditismo e à mendicidade, não produziram resultados positivos. Somente a emigração, acentuada principalmente durante o século XIX, encaminhada para os Estados Unidos e para a Austrália, pôs termo a essa situação. Nos países do Novo Mundo, duas teorias fundamentais forneceram o substrato da legislação agrária, das correntes de pensamento e dos movimentos políticos que orientaram o povoamento e a ocupação da terra. De um lado, colocavam-se os partidários da pequena propriedade, a que se filiavam Thomas Jefferson e outros líderes da Revolução Americana; e de outro lado, os partidários das grandes propriedades, que fundaram no Sul dos Estados Unidos os latifúndios escravistas. A Lei do Homestead, sancionada nos Estados Unidos em 1862, consagrou os ideais jeffersonianos de uma sociedade democrática baseada nas pequenas propriedades agrárias. Ao mesmo tempo, a vitória dos estados do Norte contra os estados do Sul, em 1865, marcou o fim da escravidão nos Estados Unidos, constituindo um golpe na economia latifundiária, baseada no sistema de plantations. Essa vitória, como a história comprovou, teve importância decisiva nos rumos democráticos da nação norte-americana, possibilitando, pelo estímulo à distribuição multifamiliar da propriedade e da utilização da terra, pelo enorme afluxo dos emigrantes europeus e pela formação acelerada do mercado interno, o rápido crescimento da indústria e, como conseqüência, logo depois, um lugar relevante na economia mundial. As leis agrárias brasileiras No Brasil, a opção das forças sociais dominantes, concretizada desde as Ordenações do Reino até as escassas leis agrárias editadas no curso de nossa formação nacional, foi pela implantação de grandes domínios territoriais, maiores ainda no Norte do que no Sul "As concessões no Norte abrangiam em geral uma maior extensão territorial do que no Sul", afirma Felisbelo Freire em sua História territorial do Brasil. E explica: "Para a Bahia e Pernambuco afluía de preferência quem queria tirar da terra a renda por meio de escravos e do agregado. O proprietário territorial que vivia na capital, no gozo da Corte, tinha quem desbravasse as florestas e amanhasse suas terras. No Rio, em São Paulo e no Espírito Santo, principalmente no século XVI, é o próprio lavrador quem, ao lado de seu escravo, vai fazer o trabalho agrícola." Já a Carta Patente dada a Martim Afonso de Sousa em 1530 permitia as doações de terras nos arredores de São Vicente sem quaisquer exigências quanto à qualidade dos beneficiados, que poderiam ser apenas as "pessoas que consigo levar", ou as "que na dita terra quiserem viver", contanto que dentro de dois anos a aproveitassem. E essa cláusula indiscriminada na distribuição das terras ainda fica mais clara na Carta de Doação ao mesmo Martim Afonso, quando determina que "o dito capitão governador e os que após ele vierem ... darão e poderão dar e repartir todas as ditas terras de sesmaria a quaisquer pessoas de qualquer qualidade e condição". Entretanto, nas concessões feitas ao Norte havia sempre a exigência de que as terras fossem entregues a "homens de qualidade e de posses". As que deveriam ser aproveitadas para "engenhos daçuquares" deveriam caber “a pessoas que tenhão possibilidade para os poderem fazer no tempo que lhes limitardes". Essa diferenciação geográfica, que iniciaria e reforçaria a diferenciação social crescentemente acentuada no futuro entre a grande e a pequena propriedade, implantara-se não por acaso, mas por corresponder aos interesses e à visão dominantes na época dos colonizadores portugueses. Portanto, a primazia dada ao instituto sesmeiro, como forma supostamente adequada à extensão territorial do Brasil, não pode ser explicada como a solução "inevitável", mas tão-somente como a que mais convinha aos planos da metrópole. Comparando os sistemas de colonização dos ingleses com os dos espanhóis e portugueses, Leroy-Beaulieu, em sua obra clássica (1891), mostra que os primeiros, desde o começo do século XVI, possuíam conhecimentos econômicos bem mais desenvolvidos do que os dois últimos. O que os ingleses buscavam "antes de tudo eram terras para cultivo, a fim de dar ocupação aos braços que a transformação agrícola deixava sem trabalho na mãe-pátria". Todavia, não foram os "bons propósitos" dos colonizadores ingleses que determinaram o sistema liberal de distribuição das terras nas colônias inglesas da América do Norte, mas sim as convicções democráticas dos líderes da Revolução Americana. Entre os colonizadores, o medo de encarar o problema da apropriação das terras encontrou dois tipos de defensores que se opunham entre si encarniçadamente: de um lado, os que preconizavam a formação de pequenas propriedades através da aquisição gratuita ou a baixos preços das terras públicas ou privadas em disponibilidade, e do lado oposto, os que defendiam a necessidade de dificultar a sua aquisição por todos os meios, inclusive o da venda a preços altos, a fim de garantir a abundância de braços para o trabalho nas grandes explorações agrícolas. Essa última corrente, que teve numerosos defensores em todos os países de colonização espanhola ou portuguesa, evoluiu de forma ainda pouco definida até adquirir contornos mais precisos nas teorias de Edward Gibbon Wakefield, aplicadas à colonização da Austrália. Wakefield teve vários predecessores no Brasil, e sob a inspiração de suas teorias é que foi elaborada a primeira lei agrária promulgada no país - a de nº. 601, de 18 de setembro conhecida como Lei de Terras. Os princípios da "colonização sistemática" estabelecidos por Wakefield eram os seguintes, na versão de Leroy-Beaulieu: "1º. - A prosperidade das novas colônias depende principalmente da abundância de mão-de-obra que os capitalistas tenham à sua disposto, em proporção ao território ocupado. 2º.- Pode-se importar na colônia trabalhadores da metrópole e tomar medidas para os constranger a viver de salários pelo menos durante dois ou três anos. 3º. - Para impedir os assalariados de tornarem-se proprietários muito cedo, é preciso vender as terras a um preço suficientemente elevado (at a sufficiently high price). 4º.- A totalidade do produto das vendas das terras deve reverter para o fundo de imigração, destinado a transportar trabalhadores da metrópole para a colônia. Somente empregando para tal fima totalidade, sem restrição, do produto da venda das terras, é que se pode manter o exato equilíbrio entre a extensão da terra cultivada, a quantidade de mão-de-obra disponível e a soma dos capitais. 5º. - O preço da terra deve ser uniforme e fixo, sem distinção de qualidade, variando somente com a extensão; a venda em hasta pública fica proibida. 6º. - O sistema assim praticado produzirá a concentração da população e evitará sua dispersão, o que é comum nas novas colônias." A nossa Lei de Terras incluía pelo menos dois desses princípios. Estabelecia a venda das terras fora da hasta pública e a preços superiores a um mínimo, os quais eram na época considerados elevados e dificultavam a aquisição; em seguida, destinava o produto das vendas à ação de colonos livres. Que os preços eram elevados o mostram os parcos resultados das vendas efetuadas durante os dez ou 20 anos seguintes. Durante toda a nossa história, a partir da Independência, as camadas mais cultas da nação brasileira estiveram divididas em relação aos sistemas de posse e uso da terra. Havia, obviamente, as forças conservadoras, as oligarquias escravocratas e Pós-escravocratas, que sustentavam a permanência da grande propriedade latifundiária como fundamento insubstituível da ordem econômica e social do país. Mas, em oposição ao ideário conservador, crescia na opinião pública a idéia de que os caminhos para um progresso econômico e social estável e contínuo somente seriam abertos mediante a ampla distribuição da propriedade agrária às maiorias da população do campo, nos moldes seguidos no século passado pela sociedade norte-americana. Essas duas posições antagônicas sempre estiveram em confronto em todas as graves situações da vida brasileira. Esse confronto teve lugar mais uma vez na elaboração da Lei de Terras, apresentada ao Parlamento em 1843, discutida durante sete anose aprovada somente em 1850. A regulamentação da lei, contudo, só ocorreu em 1854: houve, portanto, um decurso de 11 anos entre sua apresentação no Parlamento e sua vigência regulamentar, prazo suficiente para revelar as resistências de ambos os lados, os postulantes de dispositivos liberalizantes e os frenadores do processo evolutivo da estrutura agrária. Em meados do século XIX, quando o tráfico de escravos afinal pôde ser proibido, apesar de sua primeira tentativa legal datar de 30 anos antes, os problemas candentes do lado dos grandes proprietários de terras eram a avalanche das posses (que a Lei de Terras tratou de impedir) e a imposição de uma lei de locação de serviços que coagisse os ex-escravos e as multidões de ociosos (os que fugiam das modalidades servis de trabalho no campo) a aceitar o trabalho "livre". As oligarquias rurais fizeram valer sua força política obtendo duas vitórias na frente legislativa: uma nova lei de locação de serviços “aprimorada", em 1837, e uma primeira lei agrária, proibindo as concessões gratuitas de terras públicas, em 1850. Mas, ao mesmo tempo em que o poder conservador impunha sua presença, o desenvolvimento objetivo da economia nacional fazia também crescer a participação no conjunto da estrutura agrária de uma força que surgia: a pequena propriedade. Até então só existente "por tolerância" - no dizer de Joaquim Nabuco - a pequena propriedade conquistava agora um lugar próprio na economia e na sociedade rural. Como observa Caio Prado Júnior, "a pequena propriedade não representou no passado, como não podia representar, um elemento ponderável no conjunto da economia brasileira. É somente no século XIX, e mercê de circunstâncias novas e específicas dessa fase moderna de nossa evolução, que ela começa a tomar vulto. O crescimento e conseqüente adensamento da população, a desagregação do regime servil, as crises atravessadas pelo sistema da grande exploração e sua ruína em diversas regiões do país figuram entre as circunstâncias principais que favorecem a eclosão de uma nova economia, de caráter camponês e fundada na pequena propriedade." A crise de superprodução cafeeira, no começo do século, e a Grande Depressão dos anos 1930 contribuíram para aprofundar a grave contradição que se desenvolvia no campo entre as forças conservadoras e as forças progressistas. Essa contradição, latente em toda a nossa história, começou a externar-se mais nitidamente a partir daqueles anos, com as dificuldades econômicas surgidas no campo, as quais provocaram em nosso país uma fragmentação maior dos latifúndios, o crescimento da pequena propriedade e a intensificação do êxodo rural. A penetração do capitalismo O movimento insurreciorial de 1930, inspirado em idéias liberais, propiciou a ruptura da máquina administrativa que se tinha tornado obsoleta e se havia constituído num empecilho às relações sociais de tipo capitalista, que se expandiam com maior ímpeto. A crise de superprodução cafeeira (a produção atingira 29 milhões de sacas, e a expectativa de exportação não chegava sequer à metade) enfraquecera o poder econômico e o poder político das oligarquias cafeeiras e de outras oligarquias menores. No Nordeste, muitos dos "coronéis" quemobilizaram seus jagunços contra o avanço das tropas tenentistas foram depois desarmados e reduzidos quase à impotência. Criavam.-se, pois, novas bases para as tentativas de solução das tensões sociais do campo às custas da restrição do poder até então intocável do sistema latifundiário. Tudo isso iria motivar a introdução, no corpo da Constituição de 1934, de um novo conceito da propriedade particular, que iria até à permissão de seu uso no interesse social. No projeto enviado à Assembléia Constituinte pelo Governo Provisório admitia-se, pela primeira vez em nossa história legislativa, que "a propriedade tem, antes de tudo, uma função social, e não poderá ser exercida contra o interesse coletivo". No texto redigido por iniciativa do governo, declarava-se que "a propriedade poderá ser expropriada por utilidade pública ou interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro", acrescentando-se "ou por outra forma estabelecida em lei especial, aprovada por maioria absoluta dos membros da Assembléia". Com essa possibilidade, "a indenização prévia em dinheiro" podia ser substituída por outra forma de pagamento, se a maioria da Assembléia assim decidisse. Mas já na redação final da Constituição, verificar-se-ia que aderrubada do sistema político apoiado nas oligarquias rurais não havia alcançado os objetivos pretendidos. Eis o texto aprovado: "É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante justa e prévia indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior. " Na constituição de 1937, estabelecida pelo golpe do Estado Novo, o texto foi modificado nosentido ainda de assegurar “o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regulamentarem o exercício". Desde 1934, passando por 1937 até chegar à Carta Constitucional de 1946, criou-se, e manteve-se o instituto do usucapião, reconhecendo-se o direito à terra ao posseiro de pequena área que a mantivesse cultivada por certo número de anos. Na Constituição de 1946, apesar de elaborada e aprovada por uma Assembléia Constituinte eleita num período de ascensão do movimento democrático mundial do segundo pós-guerra, quando começavam a ser adorados em muitos países modelos diversos de reformas agrárias, manteve-se, em relação ao direito de propriedade, o mesmo espírito das constituições anteriores. Num dos parágrafos do artigo 141, tornam-se ainda maisrígidos os termos da desapropriação, exigindo-se que fosse efetivada "mediante prévia e justa indenização em dinheiro”. Contudo, passara-se a encarar a propriedade sob um novo ângulo, considerando-se, no artigo 147, que "o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no artigo 141 parágrafo 16, promovera justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos". Tal dispositivo prestar-se-ia a ser interpretado como uma abertura para o reconhecimento legal de uma modificação da estrutura agrária, muito embora tal possibilidade continuasse muito remota, dados os obstáculos que se ergueriam com a indispensabilidade da indenização prévia em dinheiro. Reformas agrárias no mundo contemporâneo A Revolução Mexicana de 1910 desempenhou um papel pioneiro na seqüência de movimentos radicais pela modificação da estrutura agrária ocorridos no mundo contemporâneo. A lei expedida por Venustiano Carranza em 6 de janeiro de 1915, promovendo a expropriação das terras, constituiu a base das reformas que resultaram na divisão dos latifúndios e na formação das pequenas propriedades entregues gratuitamente aos camponeses insurretos. As terras pertencentes aos inimigos da Revolução Mexicana foram desapropriadas sem indenização, e as demais, mediante pagamento em bônus. Cerca de quatrocentos mil hectares passaram às mãos dos peões, organizados em ejidos, unidades de trabalho em que a propriedade era comum e o usufruto individual. Quando já estava chegando ao fim a Primeira Guerra Mundial, irrompeu na Rússia, em outubro de 1917, a Revolução Socialista. Um de seus objetivos programáticos, cumprido logo após sua vitória, foi a nacionalização da terra. Pelo decreto de 8 de novembro daquele ano (25 de outubro do calendário antigo), foram expropriadas todas as propriedades agrárias existentes no país. Os principais pontos do decreto eram os seguintes: a) "a propriedade privada da terra fica abolida, imediatamente, sem compensação"; b) todas as grandes propriedades, "com todo o seu gado, implementos, construções e todas as benfeitorias" passam, temporariamente, ao controle dos comitês locais de camponeses; c,) "todos os danos causados à propriedade confiscada, que desde agora passa a ser propriedade de todo o povo, é considerado crime punível pelos tribunais revolucionários"; d) as terras "com formas de cultivo altamente desenvolvidas devem ser mantidas intactas e cultivadas pelo Estado ou pelas comunidades". Cada aldeia teria completa liberdade para decidir a forma de exploração da terra: "familiar, granja, comunidade ou cooperativa". Nessa ocasião, cerca de 150 milhões de hectares foram entregues aos camponeses. A lei de socialização da terra de 19 de fevereiro de 1918 confirmou a abolição total da propriedade privada da terra, pondo esta e suas benfeitorias à disposição das autoridades federais. A Constituição soviética de 1936 ratificou a propriedade pública da terra. Em alguns países europeus, a vitória da revolução socialista soviética estimulou movimentos insurrecionais de camponeses que terminaram por ser esmagados. Mas um novo conceito de propriedade foi introduzido na Constituição de Weimar, promulgada em 11 de agosto de 1919 na Alemanha, após a implantação do regime republicano e a derrota sofrida pela revolta espartaquista. Nessa ocasião, a tradicional concepção privatista da propriedade territorial vinda do direito romano, incorporada ao código napoleônico de 1802 e daí transplantada para a legislação da maioria dos países, passou por uma importante reviravolta, sendo substituída pela nova noção de que o "direito de propriedade é subordinado ao interesse social". Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o problema da terra readquiriu extraordinária amplitude, gerando profundas tensões em muitos países. Entre 1944 e 1948, foram implantadas reformas agrárias em sete países do leste da Europa: Alemanha Oriental, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Iugoslávia. Embora houvesse semelhança no modo de sua implantação, na expropriação das grandes propriedades e na distribuição e reagrupamento das explorações, cada país obedeceu às suas diferentes particularidades históricas, com o predomínio em uns da proporção das explorações privadas, e em outros, das explorações estatais ou cooperativas. A reforma agrária na Itália teve lugar em 1950, com a expropriação de algumas áreas prioritárias, mediante indenização por bônus resgatáveis no prazo de 25 anos. Além da distribuição de terras, a reforma teve por objetivo a realização de obras de infra-estrutura, desde a construção de casas até a de estradas, bem como a recuperação de terrenos inaproveitados. Na Turquia, a lei de reforma agrária, datada de 1945, atingiu as propriedades de tamanho superior a quinhentos hectares, cuja desapropriação seria paga em bônus com o prazo de 20 anos. A reforma agrária no Japão foi instituída em 1945 por determinação das forças de ocupação norte-americanas. A lei estabelecia que as terras fossem distribuídas por comissões locais escolhidas pela população, as quais teriam poderes para decidir sobre as terras a serem adquiridas e sobre sua distribuição aos camponeses. Até 1950 haviam sido transferidos no Japão 1.8000.000 hectares a arrendatários e outros cultivadores diretos. Cerca de três milhões de famílias rurais foram beneficiadas com a posse de terras. A lei da reforma agrária da China, aprovada em 28 de junho de 1950, esclarecia sua finalidade no artigo 1º. "Abolir o sistema de propriedade da terra baseado na exploração feudal da classe dos latifundiários e realizar o sistema da propriedade camponesa, com o fim de liberar as forças produtivas das regiões rurais e de desenvolver a produção agrícola, para abrir caminho à industrialização da nova China". O capítulo II da lei, que tratava dos confiscos e requisições, dispunha que seriam expropriados os bens dos latifundiários, tais como terras, animais de trabalho, produtos agrícolas excedentes e edifícios existentes no campo, ressalvando que os bens restantes não deveriam ser confiscados. Também deveriam ser preservados e protegidos os estabelecimentos industriais e comerciais, bem como as terras dos camponeses ricos. Nos primeiros três anos, a reforma agrária foi realizada em 70% do território chinês, sendo distribuídos perto de 50 milhões de hectares de terras a quase trezentos milhões de camponeses. Outras reformas agrárias importantes realizadas na Ásia foram as da Índia, do Egito, da República da Coréia (Coréia do Sul), da República Democrática da Coréia (Coréia do Norte) e da Birmânia. Reformas agrárias naAmérica Latina Depois da Revolução Mexicana de 1910, que precedeu a lei agrária de 1915, ponto de partida das reformas da estrutura agrária que se seguiram, ocupou lugar importante na história latino-americana a Revolução Boliviana de 1952, que iria ensejar a extinção das relações feudais de trabalho no país. Mas somente em 1959, com a lei de reforma agrária decretada em Cuba no mês de maio, logo após a queda do regime de Batista, se implantaria na América Latina uma mudança na estrutura territorial que acabaria por orientar-se no sentido socialista. A lei de 1959, em seu artigo 1º. proscrevia o latifúndio, limitando a propriedade da terra, fosse por pessoa natural ou pessoa jurídica, ao máximo de 30 caballerías ou 402,9 hectares. As terras que excedessem aquele limite seriam expropriadas, com exceção dos seguintes casos: a) as áreas utilizadas no plantio da cana-de-açúcar cujos rendimentos se mantivessem acima da média nacional; b) as áreas aproveitadas na criação de gado que não fossem inferiores a certos padrões econômicos considerados rentáveis, e c) as áreas de cultivos de arroz e de outros produtos que não estivessem abaixo das médias nacionais. A leiproibia os contratos de trabalho ou de arrendamento pagos em produtos, assim como vedava a propriedade por parte de empresas estrangeiras, com exceção das explorações menores de 30 caballerías julgadas convenientes ao desenvolvimento da economia nacional. As terras expropriadas foram indenizadas em bônus, com o prazo de 20 anos e juros de 4%. As terras disponíveis seriam repartidas, segundo a lei, na seguinte ordem: a) aos camponeses desalojados das terras que antes cultivavam; b) aos camponeses residentes na região que explorassem terras inferiores ao "mínimo vital", e c) aos assalariados agrícolas que trabalhassem nas terras postas em disponibilidade. As novas propriedades seriam indivisíveis, só poderiam ser vendidas ao Estado, e, sendo transmissíveis por herança, não podiam caber a mais de um herdeiro. Uma nova lei de reforma agrária foi promulgada em 1963, expropriando as terras de dimensões superiores a 67,10 hectares sob o argumento de que havia, em numerosos casos, negligência no aproveitamento das terras por parte dos seus usuários. Escapavam da aplicação dessa lei, a juízo do Instituto Nacional de Reforma Agrária, as propriedades que se tivessem revelado capazes de manter cultivos com alta produtividade e cujos usuários houvessem demonstrado disposição de cooperar nos planos de produção governamentais. A Aliança para o Progresso A década de 1960 foi cenário de grande número de conflitos na área rural de muitos países da América Latina. As tensões sociais pareciam agravar-se continuamente, não faltando quem as relacionasse com os desdobramentos da Revolução Cubana e da reforma agrária que a ela se seguiu. Para vários governos latino-americanos, bem como para o governo dos Estados Unidos, através de diversas agências e programas então em vigor, entre os quais a Aliança para o Progresso, tornou-se evidente a necessidade de apressar a implantação de reformas agrárias, as quais se apresentavam como a solução ideal para todos aqueles .conflitos e tenções. Para o debate dos problemas relacionados com a posse e o uso da terra em toda a América Latina, foi convocada uma reunião que se realizou em Punta del Este, Uruguai, em agosto de 1961, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), da Food and Agriculture Organization (FAO), Organização para a Agricultura e a Alimentação das Nações Unidas, e com a participação de todos os governos americanos. Dessa reunião surgiu um importante documento, a Carta de Punta del Este, por meio do qual se estabeleceu um solene compromisso firmado por todos os delegados dos governos que se fizeram representar. Um dos pontos desse compromisso consistia em "impulsionar, respeitando as particularidades de cada país, programasde reforma agrária integral, encaminhada à efetiva transformação onde for necessária a modificação da estrutura dos injustos sistemas de posse e uso da terra, a fim de substituir o regime de latifúndios e minifúndios por um sistema justo de propriedade, de, maneira que, complementada por crédito oportuno e adequado, assistência técnica, comercialização e distribuição dos seus produtos, a terra se constitua, para o homem que a trabalha, em base de sua estabilidade econômica, fundamento do seu crescente bem-estar e garantia de sua liberdade e dignidade". Em outubro de 1961, realizava-se em Washington, por convocação da Organização dos Estados Americanos, a Reunião de Especialistas de Alto Nívelem Problemas Agrícolas, com o fim de pôr em execução as resoluções da Carta de Punta del Este, inspirada pela Aliança para o Progresso. O informe final dessa reunião abordava os mais variados aspectos da política agrícola, dando especial ênfase à reforma agrária, a qual era definida em termos concretos como "um conjunto de medidas destinadas a modificar as estruturas agrárias vigentes, incluindo a mudança das relações jurídicas entre o homem e a terra, com o fim de obter um uso mais eficiente dos recursos, uma renda média mais elevada e uma mais eqüitativa distribuição da renda". O citado informe declarava ainda: "Houve acordo unânime em admitir que os atuais sistemas de apropriação da terra, que se caracterizam na maioria dos países pela desigual e injusta distribuição da propriedade, dão origem a diversos problemas econômicos e sociais que direta ou indiretamente estão limitando o desenvolvimento mais acelerado da agricultura e da economia em geral. A realização de uma reforma agrária que conduza à modificação da relação jurídica entre o homem e a terra de maneira que se obtenha uma distribuição mais eqüitativa da riqueza juntamente com uma elevação dos níveis de produção, de produtividade e de vida é, portanto, o requisito essencial para acelerar o desenvolvimento econômico e social da maior parte dos países da América Latina." Sob a influência das diretrizes difundidas pela Aliança para o Progresso e especialmente após as decisões tomadas em 1961 em Punta del Este, nos anos que imediatamente se seguiram pelo menos 11 países, inclusive o Brasil, aprovaram leis de reforma agrária: Costa Rica e Colômbia, em 1961; Chile, Guatemala, Panamá e República Dominicana, em 1962; Nicarágua, em 1963; Peru, Equador e Brasil, em 1964. A Venezuela já tinha sancionado sua lei de reforma agrária desde 1960. Por essa ocasião, em alguns países latino-americanos começaram a eclodir movimentos de rebeldia no campo, destacando-se por suas grandes proporções e violência o levante ocorrido no Peru, com a participação de trezentos mil camponeses. Esses movimentos foram esmagados pelos governos, estendendo-se as medidas de repressão a vários outros países, nos quais passaram a ser obstadas as ações reivindicatórias e as organizações dos camponeses. As leis de reforma agrária, que por algum tempo haviam sido apontadas como solução para as tensões sociais existentes, tiveram sua execução retardada. De 1962 a 1966, foram derrubados na América Latina por golpes de Estado nove presidentes civis, e a maioria dos regimes militares instaurados tinha a respeito da reforma agrária opiniões contrárias àquelas defendidas pelas situações que os antecederam. Em 1967, uma nova reunião realizada em Punta del Este emitiu uma Declaração dos presidentes americanos que continha referências à reforma agrária, mas enfatizava especialmente "medidas de desenvolvimento rural". A reforma agrária no Brasil Do confronto no plano político entre as forças que se colocavam a favor da reforma agrária e as que historicamente ofereciam resistência à sua execução resultou que, durante mais de cem anos, a contar da Lei de Terras de 1850, não se conseguiu em qualquer nível de governo aprovar uma nova lei que introduzisse alterações de certa importância no regimejurídico da posse e do uso da terra no Brasil. Cerca de duzentos projetos, segundo se tem divulgado, foram apresentados aos órgãos legislativos nesses cem anos, sem que obtivessem aprovação. Outras fontes indicam que entre 1947 e 1962 foram apresentados ao Congresso brasileiro pelo menos 45 leis sobre reforma agrária, que tampouco foram aprovadas. Em 1946, nos debates travados na Assembléia Constituinte em torno do projeto da nova Constituição, afinal aprovada em 19 de setembro daquele ano, quatro emendas apresentadas pela liderança da bancada comunista propunham alterações no parágrafo 21 do artigo 159 e nos parágrafos 4º. 17 e 18 do artigo 164. A primeira emenda estabelecia alguns limites ao direito de propriedade, a segunda condicionava o uso desse direito ao bem-estar social, a terceira sugeria "as medidas necessárias para o fracionamento dos latifúndios e para o desenvolvimento das pequenas propriedades" e a quarta determinava que "as terras aproveitáveis paraexploração agrícola e pecuária, não utilizadas, nas zonas de maior densidade demográfica e à margem das estradas de ferro e de rodagem, bem como as terras beneficiadas por obras e as grandes propriedades mal utilizadas ou abandonadas, [passassem] ao Estado, mediante lei especial, para que, da mesma sorte que as terras devolutas, sejam distribuídas gratuitamente aos camponeses sem terra". Em nenhuma dessas emendas havia referência à expressão reforma agrária, mas ela constava dos termos em que foi feita a apresentação oral das propostas. De fato, aí, a necessidade de se alterar o texto do projeto original da Constituição era justificada por motivos conceituais, de vez que, segundo os comunistas, "o conceito de propriedade, como atualmente está na Constituição, é ainda obstáculo terrível para qualquer reforma agrária". As emendas não foram aceitas. O tema da reforma agrária voltaria ao Congresso nos anos que imediatamente se seguiram ao da aprovação da Constituição de 1946. Nos anos de 1947, 1948 e 1949, foram apresentados os projetos de reforma agrária de Nestor Duarte, Fernando Ferrari, Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti, José Joffilye Mílton Campos. Na mensagem ao Congresso Nacional do ano de 1951, o presidente Getúlio Vargas previa a urgência de "uma lei agrária adaptada às nossas realidades presentes e que complete as medidas de amparo à agricultura cogitada pelo meu governo". Mas na mensagem do ano de 1953, Getúlio Vargas anunciou que "a Comissão Nacional de Política Agrária começou a formular sugestões acerca dos aspectos mais importantes daqueles problemas, como as diretrizes básicas para uma reforma agrária no Brasil já por mim aprovadas" De acordo com essas diretrizes, "o objetivo fundamental da reforma agrária no Brasil era enseja.r aos trabalhadores da terra o acesso à propriedade, de modo a evitar a proletarização das massas rurais e anular os efeitos anti-econômicos e anti-sociais da exploração da terra". Mas, para que não se interpretasse equivocamente esse objetivo, acrescentava-se que "a legislação de terras deverá ter em conta, tanto quanto possível, a tradição e os costumes de cada região", além do que "não se deverão fragmentar indistintamente as terras, quando daí resulte uma depreciação econômica da região pela qualidade de suas culturas e tipo de exploração agrícola". A principal dificuldade a ser vencida era o sistema de desapropriação das terras que, de acordo com o artigo 147 da Constituição de 1946, deveria ser efetuada "mediante prévia e justa indenização em dinheiro" Por isso, afirmava-se nas diretrizes que "a indenização por desapropriação dos latifúndios improdutivos deverá fugir à regra do artigo 141, parágrafo 16 da Constituição Federal e enquadrar-se no seu artigo 147, ainda que, para tanto, seja necessário uma emenda constitucional". Datado de 18 de setembro de 1952, o despacho do presidente Getúlio Vargas, aposto ,ao texto integral das referidas diretrizes, foi o seguinte: "Aprovo, em tese, as diretrizes adotadas pela Comissão Nacional de Política Agrária e louvo o trabalho, já iniciado, no sentido da elaboração de projetos de lei consubstanciando os resultados de seus estudos. Sugiro que também seja dada preferência à desapropriação das terras próximas aos centros populares, necessárias às culturas indispensáveis ao abastecimento das cidades e que são as mais suscetíveis de especulação imobiliária". A Comissão Nacional de Política Agrária produziu alguns estudos sobre os problemas da agricultura brasileira e conseguiu sobreviver à crise que se seguiu à morte do presidente Getúlio Vargas, mas não conseguiu dar nenhum passo no sentido do cumprimento dos fins propostos em suas diretrizes. Em 1956, com a posse do governo Juscelino Kubitschek, iniciou-se uma reformulação da estratégia agrícola, dentro da qual a reforma agrária deixaria de ser uma solução cogitada para os problemas do campo. Em substituição a ela, a meta do governo passou a ser a "racionalização da agricultura". Entretanto, ainda na mensagem ao Congresso do ano de 1955, enviada pelo governo Café Filho, a reforma agrária era mencionada num tópico destacado: "É de inegável interesse nacional a revisão do sistema jurídico-social que disciplina as relações entre a propriedade rural e o homem do campo. Um reexame do problema agrário brasileiro, com fundamento nas estatísticas mais atualizadas, confirma a profunda desigualdade que ainda prevalece na distribuição da terra economicamente útil." E a justificativa segundo a mesma mensagem, era de que, "admitindo, por outro lado, que a cada estabelecimento agropecuário correspondesse um proprietário com a respectiva família (e muitos proprietários possuem e exploram vários estabelecimentos), pode-se finalmente concluir que apenas uma terça parte das famílias rurais do país têm acesso à terra. A proporção de duas famílias proprietárias para quase cinco sem tal condição, que se alcança com base no recenseamento mais recente, acentua o desequilíbrio já revelado pelo recenseamento geral de 1940, que registrou a existência no Brasil de 1.904.559 estabelecimentos agropecuários para uma população rural de 28.356.133 habitantes. Verifica-se que, à época, se contavam em nosso país duas famílias rurais proprietárias de terras para quatro não proprietárias". Na mensagem de 1956, já do governo Kubitschek, a nova meta agrícola era assim apresentada: "0 incremento da produção agrícola nos dois setores tradicionais - exportação e abastecimento interno - pressupõe medidas consubstanciadas em linhas gerais no plano de racionalização da agricultura, que apontei como ponto básico do programa de desenvolvimento nacional. A racionalização da agricultura, como entende o governo, deve fundar-se em um complexo de fatores de natureza científica, técnica, industrial e comercial. Sintetiza programas específicos de aperfeiçoamento e modernização dos métodos de cultivo, mecanização, conservação e enriquecimento do solo, irrigação e drenagem, defesa sanitária e racionalização dos processos distributivos dos produtos rurais." Mais uma vez o tema da reforma agrária chegou ao Congresso Nacional através da mensagem dirigida pelo governo de João Goulart, que já a havia preconizado antes, num discurso pronunciado em 1958. Eram as seguintes as referências inseridas na mensagem de 1962: "Quer na imprensa, quer por onde ando, nos diferentes pontos do território nacional, nos comícios que freqüento, nas assembléias sindicais a que compareço, quer nas audiências que concedo, quer nas conversas que mantenho com cidadãos de todas as classes, quer nas milhares de cartas e mensagens a mim dirigidas, o reclame da reforma é permanente, sobretudo da reforma agrária." E mais adiante: "A reforma agrária é uma idéia-força irresistível, que já não pode ser protelada, pois sua urgência e 'necessidade estão na consciência de todas as camadas da população. Urge efetivá-la, tornando financeiramente possível, sem sobrecarregar demasiado o país com o Ônus do investimento necessário. Será preciso reduzir ao mínimo o custo financeiro da reforma, por meio de legislação que fixe o critério do valor para a desapropriação com o fim social e estabeleça a alternativa para a prévia indenização em dinheiro." Também na mensagem de 1963, o presidente João Goulart insistiu no problema agrário, afirmando: "Subutilizamos terra, mão-de-obra e às vezes também capital, pela irracionalidade das formas de organização da produção. Grande parte da população do campo está submetida a precárias condições de vida sem que se lhe dê oportunidade de usar a sua capacidade de trabalho em benefício próprio. Considero dever de meu governo, inspirado nos sentimentos cristãos e democráticos do povo brasileiro, promover a implantação de uma justa reforma agrária, e estou certo de que não me faltará a cooperação patriótica do Congresso Nacional para saldarmos esse compromisso que assumimos com o povo." Pouco tempo depois de apresentada essa mensagem, que levou a data de 15 de março de 1963, foi enviada ao Congresso uma outra mensagem para tratar especificamente da reforma agrária e como justificação do anteprojeto que fixava as diretrizes para as mudanças da estrutura da propriedade da terra. Julgava o governo, entretanto, que nada seria possível fazer sem que se alterassem os dispositivos constitucionais que exigiam fossem as desapropriações indenizadas mediante pagamento prévio em dinheiro. Uma emenda à Constituição foi, na ocasião, redigida pela bancada trabalhista, nos seguintes termos: "O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social e para isso a lei poderá inclusive dispor sobre ajusta distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos, e para este único efeito regular a desapropriação dos bens indispensáveis, assegurando ao proprietário indenização justa mediante títulos da dívida pública, resgatáveis em prestações sujeitas à correção do valor monetário em limite não excedente a 10% ao ano." Em maio de 1963, depois de demoradas negociações e após terem sido examinadas por outras bancadas diversas fórmulas substitutivas, a emenda apoiada pelo governo foi derrotada em plenário. Em 31 de março de 1964, o presidente João Goulart foi deposto e, com o regime militar que o substituiu, assumiu a chefia do governo o marechal Humberto Castelo Branco. O novo governo retomou em seu programa de ação a idéia das reformas de base, propostas em governo anteriores. Em mensagem de 21 de outubro de 1964, foi apresentado ao congresso não apenas um projeto de lei, como também uma emenda que alterava em parte os artigos 141 e 147 da Constituição e tomava possível a "desapropriação da propriedade territorial rural mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívidapública, com cláusula de exata correção monetária". A emenda constitucional tomou o nº. 10 e foi aprovada em 9de novembro de 1964. Quanto à lei que dispunha sobre a reforma agrária, passou a denominar-se Estatuto da Terra e tomou o nº. 4.504, sendo aprovada em 30 de novembro de 1964. Estavam abertas, por esses diplomas legais, as possibilidades de execução da reforma agrária, de vez que as principais barreiras que a dificultavam ou impossibilitavam haviam sido removidas. Na exposição de motivos apresentada pelo governo Castelo Branco, a necessidade da reforma agrária era assim justificada: "O incremento da demanda de alimentos em face do crescimento da população e das profundas modificações organizacionais geradas pela industrialização e pela concentração urbana conduziram em todos os países à modificação das estruturas agrárias. A sensível diferença, outrossim, no ritmo da melhoria entre as condições de vida da populaçãorural e urbana estava impondo uma participação mais ativa do poder público na remoçãodos obstáculos ao progresso social dos assalariados rurais. Representando cerca de 52% do contingente demográfico ativo na agricultura,essa população sem terra tem estado praticamente alijada dos benefícios do nosso progresso, formando um vazio sócio-econômico mais sério que os nossos vazios geográficos." "As contradições e desigualdades da estrutura agrária do Brasil se vinham agravando. Dados do censo agrícola de 1960 demonstram que menos de 1% dos estabelecimentos absorvia a metade da área total: ao revés, mais de 50% dos pequenos imóveis rurais ocupavam menos de 1/4 dessa área. Comparativamente à situação verificada pelo censo agrícola de 1950, a posição relativa dos estabelecimentos de menos de cem hectares permaneceu mais ou menos a mesma, enquanto aumentou o número das propriedades de menos de dez hectares, revelando um desfavorável parcelamento dos estabelecimentos de dimensões médias." "Essa distorção fundiária pode ser ainda avaliada pelo aumento da percentagem da área ocupada pelos estabelecimentos rurais que se enquadram nos extremos das classes de área. Dados referentes ao último períodointercensitário revelam, na verdade, um inconveniente aumento da ocupação de área tanto no que tange às propriedades maiores de dez mil hectares como nos estabelecimentos com superfícies inferiores a dez hectares. Particularmente comrelação a esses últimos, o aumento verificado - mais de 76% - identifica uma inconveniente anomalia estrutural que cabe à reforma agrária corrigir." E finalizava esse raciocínio acrescentando o argumento decisivo: "Impossibilitado de ter acesso à terra própria, além da produtividade reduzida, o trabalhador rural não cria para si condições de melhoria de padrão de vida. Não introduz práticas novas, não absorve qualquer técnica tendente a aumentar a eficiência. Sem possuir terra, não pode exigir a concessão das facilidades creditícias de assistência técnica, de mecanização e de aperfeiçoamento do sistema de escoamento dos produtos agrícolas. A experiência universal mostra que a modificação da estrutura agrária dos países que realizaram reformas agrárias bem-sucedidas cria condições novas para o trabalho rural e força a modificação dos sistemas creditícios e de mecanização." A ação da contra-reforma As forças conservadoras, contrárias por tradição e por definição às medidas propostas pelo novo governo, reagiram prontamente no sentido de impedir sua execução. As divergências surgiram dentro das próprias correntes que apoiavam o regime. Olavo Bilac Pinto, presidente da União Democrática Nacional, e os três governadores mais identificados com o regime recém-instaurado - Carlos Lacerda, do então estado da Guanabara, Ademar de Barros, de São Paulo, e José de Magalhães Pinto, de Minas Gerais - ofereceram frontal oposição à iniciativa da Presidência, da República. Várias entidades rurais manifestaram seu protesto contra a alteração da Constituição Federal e a aprovação da Lei n°. 4.504. Antes mesmo da apresentação da mensagem, a Sociedade Rural Brasileira, a Federação das Associações Rurais do Estado de São Paulo e a Associação Paulista de Criadores de Bovinos, ao lado de outras organizações, assinaram um manifesto, publicado em O Estado de São Paulo de 22 de setembro de 1964, opondo-se "aos estudos que se vêm realizando para uma reformulação do problema agrário brasileiros e declarando-se contrárias "a qualquer alteração do parágrafo 16 do artigo 141 da Constituição". A Federação das Associações Rurais do Estado de Minas Gerais (FAREMG) propunha a realização de uma marcha sobre Brasília visando a impedir a tramitação da emenda. A nova legislação aprovada, levando de vencida a forte oposição movida contra ela, representaria um passo avançado no plano jurídico e também no plano político para a concretização de idéias que jamais puderam ser aceitas na história do Legislativo brasileiro. A Emenda n°. 10, além de possibilitar a indenização pela expropriação de terras, através de títulos da dívida pública, transferiu para a União o Imposto Territorial, elevou a cem hectares a prioridade dos posseiros na aquisição de terras devolutas e reduziu o limite para a concessão de terras públicas sem autorização do Senado, além de ampliar para cem hectares o limite para o direito de usucapião. Anos depois, uma nova emenda constitucional, editada pelo Ato Institucional nº. 9, de 25 de abril de 1969, viria facilitar ainda mais o pagamento das terras desapropriadas, suprimindo a palavra "prévia" das condições impostas às indenizações. Mas as condições políticas favoráveis para a implantação da reforma agrária, apesar de todo o instrumental jurídico, de que passou a dispor, haviam-se modificado, tanto interna como externamente. Em 1967, realizava-se em Punta del Este uma segunda reunião, da qual surgiu a Declaração dos presidentes americanos, em que a reforma agrária, como meta política, era deslocada do elenco de prioridades para posição inteiramente secundária. Também em 1967, o governo brasileiro editava a Carta de Brasília, na qual a mensagem de política agrícola, deixando de lado a reforma agrária, dava ênfase especial ao desenvolvimento rural baseado na "revolução tecnológica". O balanço dos vários lustros decorridos a promulgação do Estatuto da Terra mostra que, embora tendo conquistado um arsenal jurídico de que nunca pudera antesdispor e de se terem tornado ainda mais graves e mais presentes as razões para sua execução, a reforma agrária continuou a ser protelada, enfrentando no Brasil sérias dificuldades e enormes resistências por parte de poderosas forças conservadoras. Essas forças têm atuado eficazmente para impedir até mesmo as mais simples mudanças no gênero de vida das populações rurais, desde a melhoria das tradicionais e opressivas relações de trabalho, até a democratização da estrutura da propriedade agrária e da distribuição da renda. A reforma agrária nos anos 1970 Nos anos 1970 verificou-se uma rápida e intensa modernização da agricultura brasileira, com forte apoio do Estado, através de subsídios e incentivos fiscais. Em resultado, alterou-se a base produtiva das áreas tradicionais de produção agrícola do país, o que provocou a progressiva expulsão dos trabalhadores do interior das fazendas, fazendo crescer o número de assalariados temporários (“bóias-frias”, “clandestinos”, “volantes”). Nas regiões Norte e Centro-Oeste, intensificou-se o processo de ocupação das fronteiras, principalmente através de grandes empreendimentos agropecuários, que atraíram para essas regiões capitais do Centro-Sul, ligados ao setor industrial e financeiro. Além disso, projetos de colonização oficiais ou privados contribuíram para a ocupação da área, que se viu dominada por conflitos por posse da terra, que, no entanto, ocorriam de forma bastante atomizada. A importância que a luta por terra assumia de norte a sul do país constituiu o mote para que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) retomasse a bandeira da reforma agrária, que sintetizara as lutas do período anterior ao golpe, e a traduzisse, progressivamente, nos termos do Estatuto da Terra, lei de reforma agrária aprovada nos primórdios do regime militar. A demanda de redistribuição fundiária também esteve presente na origem da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do trabalho que a Igreja passou a desenvolver no campo, principalmente através das comunidades eclesiais de base. No final da década e no início dos anos 1980, à resistência de “posseiros” e “foreiros” na terra somou-se uma nova forma de luta: as “ocupações”, que começaram a ter lugar no coração da moderna agricultura brasileira: o sul do país. Ficava evidente que, ao contrário do que muitos analistas queriam fazer crer, a modernização agrícola não resolvera o problema fundiário, nem tirara a demanda por reforma agrária da agenda política. Não só as entidades de representação dos trabalhadores a colocavam na ordem do dia, como se buscava criar uma mobilização nacional a seu favor. Um dos indicativos disso foi a criação da Campanha Nacional pela Reforma Agrária (CNRA), coordenada pelo Instituto Brasileiro de Análise Sócio-Econômica (IBASE) e envolvendo diversas instituições da sociedade civil. Os anos 1980 e 1990 e a intensificação da luta pela terra O governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985), já no final do regime militar, não podendo deixar de enfrentar a gravidade que os conflitos assumiam, criou um Ministério Extraordinário dos Assuntos Fundiários, iniciativa que traduzia o reconhecimento, pelo Estado, da existência de um problema agrário no país, mas também reafirmava uma opção pelo seu tratamento. A escolha do general Danilo Venturini para ocupar a pasta, acumulando o cargo com a Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, indicava que o tema permanecia sob controle militar. Essa iniciativa reforçava a tendência a uma forma de percepção dos conflitos, visível desde a criação do GETAT (Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins), organismo diretamente subordinado ao Conselho de Segurança Nacional. Uma das bandeiras da campanha pela redemocratização do país e da Aliança Democrática foi a reforma agrária. O governo civil, eleito indiretamente em janeiro de 1985 (Tancredo Neves/José Sarney), logo nomeou uma comissão destinada a elaborar uma proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária. Ao mesmo tempo em que essa comissão trabalhava, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizava seu I Congresso, em Curitiba, e a Contag preparava o seu IV Congresso Nacional. Em ambos eventos, a reforma agrária era questão central. As centrais sindicais também a inscreviam em suas plataformas. Sarney, que assumiu o governo em função da morte de Tancredo Neves, quando compôs seu ministério, não só criou um Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário (Mirad), como nomeou para ocupá-lo o advogado paraense Nelson Ribeiro, ligado à Igreja e defensor da reforma agrária. Para presidente do INCRA foi escolhido José Gomes da Silva, um dos redatores do Estatuto da Terra, fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e amplamente reconhecido como um ardoroso partidário dessa bandeira. Num clima de intensificação do debate sobre a necessidade da reforma agrária, como condição para redemocratização do país, a proposta do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), anunciada na plenária do IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, foi um fato político relevante, na medida em que foi lida pelo sindicalismo rural como uma sinalização clara sobre as intenções do novo ministério de levar adiante transformações fundiárias no país. A proposta levava ao limite o potencial reformista do Estatuto da Terra: a desapropriação por interesse social era considerada o principal instrumento da reforma agrária; as indenizações seriam feitas de acordo com o valor declarado para fins de cobrança do imposto territorial rural, tendo, portanto, um claro caráter punitivo; o programa básico era o de assentamentos e a regularização fundiária, a colonização e a tributação apareciam como complementares. Em termos de abrangência, partindo de um cálculo que estimava a existência de dez milhões e meio de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra, a proposta era assentar, em quinze anos, sete milhões de trabalhadores rurais, os demais permanecendo empregados na agricultura empresarial como assalariados permanentes ou temporários. O anúncio da proposta teve como uma de suas conseqüências evidenciar distintas concepções que existiam no interior das forças que lutavam pela reforma agrária. Considerando aqui somente duas delas, o sindicalismo rural e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o primeiro se dispôs a dar um crédito ao novo governo, apoiar a proposta de plano e aguardar as desapropriações prometidas. O MST, apoiado pelos sindicatos ligados à CUT, ao mesmo tempo em que procurava manter um canal aberto de diálogo com o governo, pautou sua ação pela pressão aberta, através das ocupações de terra, procurando criar fatos políticos que obrigassem o governo a acelerar as desapropriações. Do ponto de vista dos proprietários de terra, a reação foi imediata: um mês após o anúncio da proposta, realizaram um grande congresso em Brasília cujo resultado foi a criação da União Democrática Ruralista (UDR). Esta entidade voltou todos os seus esforços no sentido de combater politicamente o plano de reforma do governo e, através do uso da violência, repelir as ocupações de terra. Nesse contexto, logo ficou patente que a proposta do PNRA contava com pouco apoio no interior do governo. Depois de cinco meses de intensos debates, a versão final do plano, bastante distinta da original, foi aprovada: privilegiavam-se as negociações caso a caso; criou-se a figura do “latifúndio produtivo”, não passível de desapropriação; suprimiu-se a definição de áreas prioritárias de reforma agrária, o que levava a desapropriações pontuais e inviabilizava a constituição de“áreasreformadas”, e não se tocou em fórmula de cálculo para a “justa indenização” nos casos de desapropriação por interesse social. Abriam-se, assim, os caminhos para que os proprietários atingidos pudessem recorrer à justiça e muitas das desapropriações realizadas ficaram às vezes durante anos pendentes de decisões judiciais, inviabilizando assentamentos. A nova frente de luta foi a Constituinte. A proposta de emenda popular pela reforma agrária, com apoio de diversas entidades como CNRA, Contag, CUT, CNBB, MST, Cimi, CPT conseguiu mais de um milhão e meio de assinaturas. Realizou-se uma Caravana Nacional pela Reforma Agrária com a participação de mais de dez mil trabalhadores, mas nada disso foi capaz de neutralizar a pressão das entidades de representação dos interesses ligados à propriedade da terra e alterar a correlação de forças no Congresso Nacional. Se a nova Constituição avançou no sentido de inscrever a reforma agrária como um tema do capítulo referente à ordem econômica e social, assegurando que a propriedade deveria atender à sua função social e definindo o que se entendia por tal, também trouxe consigo uma série de mecanismos dificultadores de medidas desapropriatórias, como o que previa que as desapropriações deveriam ser feitas mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, e o que tornava insuscetíveis de desapropriação as propriedades pequenas e médias, bem como as produtivas (as definições seriam objeto de lei complementar). Em que pesem as pressões das entidades de apoio e representação dos trabalhadores rurais, articuladas na CNRA, e a continuidade e expansão dos conflitos por terra em todo o país, foram necessários cinco anos para que a regulamentação da constituição fosse feita. O próprio Mirad foi extinto nesse interregno e o INCRA novamente subordinado ao Ministério da Agricultura. Quando a discussão se iniciou, rapidamente se rearticularam os interesses ligados à propriedade da terra. A Lei Agrária (Lei nº 8629, de 25 de fevereiro de 1993) significou o resultado possível da disputa entre a “bancada ruralista”, representando a propriedade fundiária, e a bancada que procurava falar em nome dos trabalhadores do campo, composta principalmente por deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), originários quer de entidades sindicais, quer do MST. A lei manteve a definição constitucional do que é função social da propriedade e introduziu alguns critérios, definidos em termos de módulos, de tamanho de propriedade, eliminando do texto legal a categoria “latifúndio”. A nova lei acabou por manter uma tensão entre os requisitos para cumprimento da função social e a deliberação de que terras produtivas não podem ser desapropriadas. Abriu também uma brecha para que os proprietários pudessem discutir na justiça não só o valor das indenizações estabelecidas, como também o seu mérito, dificultando a consolidação dos assentamentos a serem feitos nessas terras. Se, do ponto de vista dos espaços legais, os anos 1980 e 1990 marcaram retrocessos na legislação, dificultando a viabilização da reforma agrária “ampla, geral e massiva” demandada pelos trabalhadores por ocasião da redemocratização do país, os conflitos fundiários e as ocupações de terra, dirigidas principalmente pelo MST, têm mantido o tema na agenda política e mobilizado a opinião pública para sua discussão. No governo Fernando Henrique Cardoso, as ocupações se intensificaram e, em função disso, foi reeditada a experiência de criação de Ministério Extraordinário de Política Fundiária. Uma das primeiras medidas foi a realização de um censo dos assentamentos, em dezembro de 1996. As grandes manifestações do MST, que culminaram numa marcha para Brasília (abril de 1997) e num grande ato público que reaglutinou as forças de oposição ao governo, deram maior visibilidade ao tema e indicaram um movimento de busca de conquista de adesões na sociedade. Novas medidas regulamentadoras se seguiram, procurando agilizar o processo de desapropriação (Decreto nº 2250, de 11 de junho de 1997) e procurando evitar indenizações superestimadas para as terras desapropriadas (Medida Provisória nº 1577, de 11 de junho de 1997). Ao mesmo tempo, as forças ligadas aos interesses da propriedade da terra novamente se reaglutinaram e procuraram se impor, mostrando que o tema da reforma agrária, no limiar do século XXI, ainda polariza fortemente a sociedade brasileira. Durante todo esse percurso, a reforma agrária foi ganhando novos conteúdos. Para além da discussão que marcou sua trajetória no Brasil, nos anos 1950 e 1960, como caminho para produção de alimentos a baixos preços e mercado consumidor para produtos industriais, na década de 1980 ela incorporou fortemente a dimensão ambiental, principalmente em função da luta dos seringueiros do Acre, que resultou na constituição das reservas extrativistas. Nos anos 1990, ela se articulou com o tema do combate à fome e à miséria que, no Brasil, incidem principalmente sobre as áreas rurais, e com a criação de empregos, crucial num momento em que o país se debate com índices crescentes de exclusão do mercado de trabalho. A reforma agrária vem sendo cada vez mais trabalhada, em especial pelo sindicalismo rural, como um dos eixos de um modelo de desenvolvimento baseado na agricultura familiar. As desapropriações realizadas desde o início dos anos 80 geraram diversos assentamentos em diferentes pontos do país. Embora pulverizados, na medida em que a lógica que os gerou foi muito mais a de atuar sobre conflitos mais graves do que a de produzir áreas reformadas que os potencializassem, esses assentamentos vêm se constituindo num interessante laboratório para a análise das possibilidades econômicas, sociais e políticas de uma reforma agrária. Em janeiro de 1997, segundo dados do INCRA, havia ainda 25371 famílias acampadas e cadastradas, esperando para serem assentadas. Alberto Passos Guimarães /Leonilde Servolo de Medeiros colaboração especial FONTES: BRUNO, R. Senhores; CAVALCANTI, C. Projeto;COMIS. NAC. DE POL. AGRÁRIA. Reforma;COSTA, A. Apontamentos; DOERNER,P. Land; DUARTE, N. Reforma; Encic. Britânica; Encic. Mirador;FEDER, E. Violência; FREIRE, F. História;GOMES DA SILVA, J. Buraco Negro;GOMES DA SILVA, J. Caindo;GUIMARÃES, A. Crise; GUIMARÃES, A. Quatro;LE COZ, J. Reformes;LEROY-BEAULIEU, P. Colonisation;LIMA, R. Pequena;MEDEIROS, L. S. História;MEDEIROS, L. S. Reforma;MIN. AGRIC. Reforma; MIN. PLAN. COORDENAÇÃO ECON. Programa; NABUCO, J. Abolicionismo;PALLERM, A. Observaciones;PALMEIRA, M. & LEITE, S. P. Debates; PEREIRA, J. Propriedade;PRADO JÚNIOR, C. História; PRESTES, L. Problema;ROCHESTER, A. Lenin;ROMEIRO, A. Reforma;SILVA, J. Reforma;SMITH, L. Reforma; SOUSA, J. Teses; STEDILE, J. P. Questão. Quais são os pontos positivos da reforma agrária?Pode-se destacar como principais objetivos desse programa a produção de alimentos, promoção de emprego, renda e justiça social, a diminuição da ida das pessoas do campo para a cidade, o combate à fome e à miséria, entre outros.
Quais são os argumentos favoráveis à reforma agrária no Brasil?Alguns dos argumentos favoráveis à reforma agrária são: A distribuição de terras sem função social é um direito constitucional e uma das principais formas de se diminuir a forte concentração de terras brasileira.
Quais são os benefícios da reforma agrária para a sociedade?A reforma agrária beneficia os pequenos agricultores e favorece o reconhecimento do valor social da terra. A Europa e suas colônias formaram-se em cima de estruturas latifundiárias, ou seja, com a posse da terra sendo exercida por poucas pessoas.
Quais os principais objetivos da política da reforma agrária?A Política de Reforma Agrária é o conjunto de medidas conduzidas pelo Poder Público a fim de promover a distribuição de terras entre trabalhadores rurais, atendendo aos princípios de justiça social e aumento da produtividade, conforme disposto na Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra).
|