Qual autor ofereceu uma condição particular a significação da ecopedagogia na região?

ECOPEDAGOGIA

Maria Rita Avanzi

Palavras-chave:  Caminhar com sentido, cotidianidade, planetaridade, cidadania planetária Como se relacionam as propostas da Ecopedagogia e da Educação Ambiental? 

Em  que  aspectos  elas  se  contrapõem  e  em  quais  se  complementam?

Por que utilizar terminologias diferenciadas para propostas  educativas  que  parecem 

 movidas  pelo  mesmo  propósito  -  cuidar  da qualidade da vida no planeta?

Essas e outras questões visitam educadores e educadoras que buscam

construir sua práxis em torno da temática ambiental. Movido também por

estes  questionamentos,  o  texto  abaixo  se  propõe  a  esboçar  encontros  e

divergências entre essas duas propostas educativas. Cabe dizer que se trata

de um acesso à Ecopedagogia a partir do diálogo com horizontes de autores

que optam por essa abordagem educativa. É daí que se constrói a perspectiva

aqui  apresentada,  de  um  olhar  estrangeiro  que  parte  daqueles

questionamentos expostos acima e faz um convite para que leitores e leitoras

se aproximem da Ecopedagogia com o intuito de compreender sua relação

com a Educação Ambiental.

As veredas de acesso ao tema iniciam-se, neste texto, pelas concepções

de Educação, de Sociedade e de Natureza que sustentam as propostas da

Ecopedagogia  para  então  situar  as  críticas  tecidas  pelos  seus  adeptos  à

Educação  Ambiental  e  ao  que  alguns  deles  chamam  de  "ambientalismo

superficial". Do contexto de emergência da vertente, o texto percorre, ainda

que  brevemente,  as  referências  teóricas  que  a  fundamentam,  uma

composição  de  elementos  do  holismo,  da  complexidade  e  da  pedagogia

freireana.

Algumas  das  características  que  marcam  a  Ecopedagogia,  como

planetaridade,  cidadania  planetária,  cotidianidade  e  pedagogia  da

demanda, podem ser referenciadas nessas linhas teóricas. As duas últimas

características, especialmente, dão o tom da abordagem metodológica desta

vertente que busca contribuir para a formação de novos valores para uma

sociedade sustentável.

Primeiros esboços: compreender Educação, Sociedade e Natureza

sob o prisma da Ecopedagogia

A Ecopedagogia considera a Educação Ambiental como uma mudança

de  mentalidade  em  relação  à  qualidade  de  vida,  associada  à  busca  do

estabelecimento  de  uma  relação  saudável  e  equilibrada  com  o  contexto,

com o outro e com o ambiente.

Do "Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e

responsabilidade  global",  Moacir  Gadotti  (2000),  um  dos  autores  de

referência da Ecopedagogia, destaca alguns princípios básicos que podem

nos revelar a compreensão que os adeptos da Ecopedagogia têm da Educação

Ambiental:

•   A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e

inovador,  em  qualquer  tempo  ou  lugar,  em  seus  modos  formal,

não formal e informal, promovendo a transformação e a construção

da sociedade;

•   A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de

formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem

a autodeterminação dos povos e a soberania das nações;

•   A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística,

enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo

de forma interdisciplinar;

•   A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade

e  o  respeito  aos  direitos  humanos,  valendo-se  de  estratégias

democráticas e interação entre as culturas;

•   A  educação  ambiental  deve  integrar  conhecimentos,  aptidões,

valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em

experiências educativas das sociedades sustentáveis;

•   A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência

ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos

este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração

dessas formas de vida pelos seres humanos." (Fórum Global 92,

1992: 194-196 apud Gadotti, 2000:95-6).

A Educação é concebida dentro de uma concepção freireana em que

a  reflexão  sobre  a  realidade  é  tida  como  possibilidade  de  buscar  o

desvelamento  de  seus  elementos  opressores.  Nesta  concepção  a  ação

transformadora sobre esta realidade é um caminho para a emancipação do

sujeito. Na perspectiva freireana, Educação é essencialmente um ato político

que visa possibilitar ao/à educando/a a compreensão de seu papel no mundo

e de sua inserção na história (Freire, 1987; Antunes, 2002).

A  partir  de  temas  relacionados  ao  contexto  do/a  educando/a  e  à

compreensão inicial que tem do problema, busca-se estabelecer um processo

dialógico visando tanto a ampliação daquela compreensão inicial como a

intervenção na realidade. Este processo implica acessar uma verdade que

está encoberta através da apropriação crítica da mesma.

Tendo como fundamento a pedagogia freireana, Francisco Gutiérrez,

que  cunhou  o  termo  Ecopedagogia,  compreende  a  Educação  a  partir  de

uma  "concepção  dinâmica,  criadora  e  relacional"  e,  ainda  utilizando  as

palavras do autor, "como um processo de elaboração de sentidos" (Gutiérrez

& Prado, 2000:62) que se dá no cotidiano das pessoas.

"A  ecopedagogia  pretende  desenvolver  um  novo  olhar  para  a

educação, um olhar global, uma nova maneira de ser estar no mundo, um

jeito  de  pensar  a  partir  da  vida  cotidiana,  que  busca  sentido  em  cada

momento, em cada ato, que pensa a prática (Paulo Freire) em cada instante

de  nossas  vidas,  evitando  a  burocratização  do  olhar  e  do  pensamento"

(Gadotti, 2000:82).

A sociedade é compreendida do ponto de vista histórico, em que os

acontecimentos são tidos como partes estruturais de um todo dialético que

é mutável e não pode ser captado de uma só vez. Os fenômenos sociais

estão vinculados a uma realidade macrossocial que imprime neles sua marca

histórica e seus significados culturais (Antunes, 2000).

No entanto, a realidade não é tratada como algo dado, mas construído

pelos  sujeitos  sociais,  numa  relação  contraditória  e  conflituosa  entre

interesses e classes. "(...) na experiência histórica da qual participo, o amanhã

não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema" (Freire, 1998:84).

A Ecopedagogia tece críticas à hegemonia neoliberal que assume as

relações na sociedade contemporânea, marcada pela abertura das fronteiras

econômicas  e  financeiras,  impelida  por  teorias  do  livre  comércio,  cujos

efeitos são o desemprego, o aprofundamento das diferenças entre pobres e

ricos,  a  perda  de  poder  e  autonomia  de  muitos  Estados  e  nações,  o

distanciamento  dos  sujeitos  do  processo  de  tomada  de  decisão.  É  neste

contexto  que  está  situado  o  debate  em  torno  da  sustentabilidade  para  a

Ecopedagogia,  ou  seja,  na  compreensão  da  incompatibilidade  entre  o

princípio do lucro, inerente ao modelo de desenvolvimento capitalista e a

sustentabilidade, tratada nas suas dimensões: social, política, econômica,

cultural e ambiental (Gadotti, 2000).

Francisco Gutiérrez e Cruz Prado (2000) identificam, na base deste

modelo  de  sociedade,  uma  ordem  estratificada,  pré-estabelecida,  linear,

seqüencial, hierárquica e dominante, que se apóia no poder, no axioma, na

norma, na verdade codificada. Atribuem essa ordem a uma concepção de

mundo  derivada  da  ciência  mecanicista  de  Descartes  e  Newton.  Em

contraposição a essa, situam a Ecopedagogia no movimento de busca pela

construção  de  uma  ordem  flexível,  progressiva,  complexa,  coordenada,

interdependente, solidária.

Portanto, ainda que tenha a compreensão da estrutura macrosocial a

que estão vinculados os acontecimentos sociais, as categorias cotidianidade

e mundo vivido são caras à Ecopedagogia, como veremos adiante. Neste

sentido, Moacir Gadotti (2001:84) defende a utopia e o imaginário como

instituintes do que chama de "nova sociedade e da nova educação", em que

se  recusa  "uma  ordem  fundada  na  racionalidade  instrumental  que

menospreza o desejo, a paixão, o olhar, a escuta", todos eles presentes no

acontecer da vida cotidiana.

A Natureza, nas proposições trazidas pela Ecopedagogia, é tratada

como  um  todo  dinâmico,  relacional,  harmônico  e  auto-organizado,  em

interação com as relações que se estabelecem na sociedade. Os ecossistemas

do planeta são compreendidos de maneira integrada, formando uma unidade.

Faz-se referência à Terra como um organismo vivo, seguindo as proposições

de James Lovelock (1987), sobre a hipótese Gaia.

Essa concepção de Natureza que embasa a Ecopedagogia fundamenta-

se  no  pensamento  da  nova  física,  no  holismo,  especialmente  em  Fritjof

Capra e Leonardo Boff, além de beber das propostas de povos indígenas

latino-americanos.  As  convergências  que  os  autores  identificam  nestas

vertentes  são:  a  concepção  de  universo  como  rede  de  relações

intrinsecamente dinâmicas e a revalorização da consciência como aspecto-

chave  das  relações  entre  natureza  e  a  sociedade.  O  que  se  busca  é  a

recuperação de uma "harmonia ambiental", que supõe uma nova maneira

de estabelecer as relações com a Terra, respeitando o direito à vida de todos

os seres que nela habitam.

"A harmonia ambiental supõe tolerância, respeito, igualdade social,

cultural,  de  gênero  e  aceitação  da  biodiversidade"  (Gutiérrez  &  Prado,

2000:32).

Fala-se de uma "ecologia fundamentada eticamente" que associa o

equilíbrio ecológico a mudanças profundas na percepção dos seres humanos

sobre o papel que devem desempenhar no "ecossistema planetário". Cabe

destacar que essa percepção não resulta, para a proposta ecopedagógica, do

estabelecimento  de  uma  relação  lógica,  linear,  mas  do  vivencial,  da

cotidianidade, da busca por uma "revolução espiritual". Assim, a concepção

de  Natureza  que  fundamenta  a  Ecopedagogia  está  associada  também  a

elementos  espirituais,  relacionados  ao  reencantamento  do  mundo,  à

atribuição de sentido à vida. Uma acepção do espiritual que não se resume

especificamente a questões religiosas:

"A  dimensão  planetária  reflete  e  requer  uma  profunda  consciência

ecológica, que é, em definitivo, a formação da consciência espiritual como

único requisito no qual podemos e devemos fundamentar o caminho que

nos conduz ao novo paradigma" (Gutiérrez & Prado, 2000:38).

 Por uma ecologia eticamente fundamentada

As  críticas  feitas  pelos  adeptos  da  Ecopedagogia  à  Educação

Ambiental voltam-se para as práticas que se fundamentam numa concepção

de ambiente apartada das questões sociais.

"A Educação Ambiental muitas vezes limitou-se ao ambiente externo sem

se confrontar com os valores sociais, com os outros, com a solidariedade,

não pondo em questão a politicidade da educação e do conhecimento"

(Gadotti, 2000:88).

Nesta  mesma  direção,  os  autores  da  Ecopedagogia  tecem

considerações  sobre  o  tratamento  acrítico  que  algumas  abordagens  da

Educação Ambiental dão ao conceito de "desenvolvimento sustentável".

No entender desses autores, ao se desenvolver práticas educativas que tratam

exclusivamente da preocupação com o meio ambiente sem contextualizar

o modelo econômico e as relações que se estabelecem entre pobres e ricos,

entre países do Norte e do Sul, reforça-se, o teor neoliberal hegemônico

dado ao desenvolvimento (Gadotti, 2000; Gutiérrez & Prado, 2000).

A "ecologia fundamentada eticamente" é o que embasa a compreensão

de sustentabilidade defendida pela Ecopedagogia, a qual, segundo Gutiérrez e

Prado,émaisampladoqueaquiloquechamamde"ambientalismosuperficial":

"Enquanto o ambientalismo superficial apenas se interessa por um controle

e gestão mais eficazes do ambiente natural em benefício do 'homem', o

movimento da ecologia fundamentada na ética reconhece que o equilíbrio

ecológico exige uma série de mudanças profundas em nossa percepção do

papel que deve desempenhar o ser humano no ecossistema planetário"

(Gutiérrez & Prado, 2000:33).

Do ponto de vista metodológico, há uma crítica a programas e projetos

de  ecologia  e  Educação  Ambiental  que  se  pautam  pela  "pedagogia  da

declaração", a qual se estabelece com base em metodologias expositivas,

enunciativas e impositivas com ênfase nos conteúdos, visando persuadir a

respeito  da  conveniência  da  "doutrina  ecológica"  (Gutiérrez  &  Prado,

2000:50).  Para  os  autores  esses  projetos  e  programas  são  promovidos  à

margem  da  pedagogia,  sem  considerar  os  indispensáveis  processos  de

apropriação e interiorização necessários à mediação pedagógica.

Gadotti (2000) esclarece que:

"A Ecopedagogia não se opõe à Educação Ambiental. Ao contrário, para

a Ecopedagogia a Educação Ambiental é um pressuposto. A Ecopedagogia

incorpora-a e oferece estratégias, propostas e meios para a sua realização

concreta" (Gadotti, 2000:96).

No entanto, seus autores compreendem-na como sendo mais ampla que

a Educação Ambiental "por se preocupar com o sentido mais profundo do que

fazemos com nossa existência a partir da vida cotidiana" (Gadotti, 2000:97).

Emergência e fundamentação teórica da vertente

Francisco  Gutiérrez,  educador  costarriquenho,  foi  quem  cunhou  o

termo no início dos anos 1990. Foi inicialmente chamada, por Gutiérrez de

"pedagogia do desenvolvimento sustentável", sendo hoje considerada, ao

lado  da  escola  cidadã,  um  projeto  histórico  nascido  da  tradição  latino-

americana da educação popular, proposta por Paulo Freire (Gadotti, 2000).

Este projeto histórico a que se refere Moacir Gadotti tem como busca

a  mudança  nas  relações  humanas,  sociais  e  ambientais  da  sociedade

contemporânea e, segundo este autor, bebe tanto do movimento ecológico,

como  do  movimento  anarquista,  do  pacifista  humanista,  do  marxismo

libertário  e,  ainda,  do  movimento  educacional  que  inclui  a  ética  da

transdisciplinaridade e o holismo (Gadotti, 2000:94).

Assim  a  Ecopedagogia  procura  se  desenvolver,  atualmente,  como

movimento social por um lado e também como abordagem curricular. O

primeiro  é  marcado  por  seu  surgimento  atrelado  à  ação  política  de

Organizações não Governamentais e outros movimentos da sociedade civil

em torno da discussão e elaboração da Carta da Terra  11.

11 Também conhecido como Declaração do Rio de Janeiro este documento foi aprovado

pelo  Fórum  Internacional  de  Organizações  não-governamentais  no  âmbito  do  Fórum

Global,  evento  paralelo  à  Conferência  das  Nações  Unidas  para  Meio  Ambiente  e

Desenvolvimento, organizada pela ONU que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992.

 Em agosto de 1999, durante o I Encontro Internacional da Carta da

Terra  na  Perspectiva  da  Educação  ocorrido  em  São  Paulo,  foi  criado  o

Movimento pela Ecopedagogia, organizado pelo Instituto Paulo Freire com

apoio  da  Unesco  e  do  Conselho  da  Terra.  O  intuito  deste  movimento  é

estimular experiências práticas na perspectiva da Ecopedagogia que estarão

alimentando a construção de suas propostas teórico-metodológicas.

A Ecopedagogia como abordagem curricular implica na reorientação

dos currículos escolares de modo a trabalharem com conteúdos significativos

para  o  aluno  e  para  o  contexto  mais  amplo,  no  qual  estão  incluídos  os

princípios  da  sustentabilidade.  Nesta  linha,  defende-se  a  relevância  das

vivências,  das  atitudes  e  dos  valores,  bem  como  a  "prática  de  pensar  a

prática",  que  marca  a  pedagogia  freireana.  Os  princípios  da  gestão

democrática dos sistemas de ensino, da descentralização, da autonomia e

da participação são igualmente caros à Ecopedagogia.

As  bases  teóricas  da  Ecopedagogia  situam-se  no  encontro  da

abordagem complexa e holística sobre o mundo com a pedagogia de Paulo

Freire.

Conforme exposto anteriormente, o pensamento da nova física e o

holismo  dão  as  bases  para  compreensão  de  mundo  que  fundamenta  a

proposta ecopedagógica. Busca-se apreender o mundo a partir de relações e

integrações dinâmicas entre unidades, que na visão mecanicista da ciência

newtoniana foram tratadas de maneira fragmentada e dicotômica.

O  pensamento  holista  tem  seus  primórdios  em  meados  do  século

XVIII, nas teorias do naturalista inglês Gilbert White (Grün, 1996), mas é

Fritjof Capra uma das principais referências do holismo para a Ecopedagogia.

Para Capra (1995) a concepção do universo como um sistema mecânico

composto  de  unidades  materiais  elementares  está  atrelada  à  crença  num

progresso  material  ilimitado  a  ser  alcançado  através  do  crescimento

econômico e tecnológico. Propor novas fundamentações para compreensão

do mundo implica uma mudança no pensamento, na percepção e nos valores

que regem a relação do ser humano com o universo. O momento de crise

enfrentado pela humanidade contemporaneamente faz parte de uma profunda

transformação cultural.

 Leonardo Boff, outro autor de referência para a Ecopedagogia, associa

estas novas formas de significar o mundo a "novos modos de ser, de sentir,

de pensar, de valorizar, de agir, de rezar (...) novos valores, novos sonhos, e

novos comportamentos assumidos por um número cada vez maior de pessoas

e de comunidades" (Boff, 1996:30).

Segundo Leonardo Boff (2003), a base dessa mudança deve ser ética,

fundada no pathos - sensibilidade humanitária, inteligência emocional - e

no ethos - conjunto de inspirações, valores e princípios que orientarão as

relações da sociedade com a natureza, dentro da sociedade, com o outro,

consigo mesmo e com Deus. A Terra é compreendida como "novo patamar

da  realização  da  história",  como  "totalidade  físico-química,  biológica,

socioantropológica, espiritual, una e complexa" (Boff, 2003:23).

Outra linha de pensamento, a complexidade proposta por Edgar Morin,

é também acessada para dar fundamento às proposições da Ecopedagogia.

O que se procura é contextualizar essas proposições na "crise paradigmática"

que se enfrenta contemporaneamente. Num breve esboço, sem pretensão

de abarcar o pensamento de Morin (1973, 1989, 1998), podemos destacar

alguns de seus elementos: a recusa a um conhecimento geral e seguro que

encubra as dificuldades e dúvidas do processo de compreensão; a busca por

ajustes entre ordem e desordem, uma vez que para o autor a organização

não pode ser reduzida à ordem, mas comporta uma "idéia enriquecida" de

ordem, que engloba também a desordem; a junção entre o singular/local e o

universal;  compreensão  do  mundo  a  partir  de  uma  abordagem

transdisciplinar e sistêmica, procurando inclusive estabelecer combinações

intersistêmicas entre natural e social.

"Por  toda  parte  o  princípio  de  disjunção  e  o  de  redução  quebram

totalidades orgânicas e são cegos em relação a uma complexidade cada vez

menos escamoteável. Por toda parte o sujeito se reintroduz no objecto, por

toda  parte  o  espírito  e  a  matéria  chamam  um  pelo  outro  em  vez  de  se

excluírem, por toda parte cada coisa, cada ser reclama a sua reinserção no

ambiente" (Morin, 1998:207).

Conforme  explicitado  acima,  a  concepção  de  Educação  que

fundamenta a Ecopedagogia baseia-se nas proposições de Paulo Freire. Um

dos  pressupostos  centrais  da  Ecopedagogia,  o  "caminhar  com  sentido"

(Gutiérrez & Prado, 2000), advém da educação problematizadora proposta

por Freire que coloca em questionamento o sentido da própria aprendizagem.

Da  pedagogia  freireana  advém  também  a  ética  como  essência  do

processo educativo e a compreensão deste como relação entre sujeitos que

aprendem juntos a partir de relações dialógicas entre si e com a realidade a

ser compreendida de maneira rigorosa e imaginativa (Freire, 1998). Para

que se estabeleça esta relação dialógica e ética são necessárias: a construção

do respeito ao outro, uma relação amorosa com o mundo e com os homens,

a consciência da incompletude e inacabamento inerentes à condição humana

(Antunes, 2002: 76-78).

A  ecoformação,  proposta  por  Gaston  Pineau  nos  anos  1980,  é

identificada por Moacir Gadotti (2000) como mais uma influência para as

propostas da Ecopedagogia. Trata-se de partir da experiência cotidiana das

pessoas com os elementos naturais, buscando incentivar uma relação de

encantamento e emoção diante da natureza.

Do cotidiano à busca pela construção da cidadania planetária

Planetaridade e cidadania planetária são expressões freqüentemente

utilizadas na Ecopedagogia. A proposta é construir a participação cidadã,

considerando  nosso  pertencimento  ao  planeta  Terra  como  uma  única

comunidade,  de  modo  que  as  diferenças  culturais,  geográficas,  raciais  e

outras sejam superadas. Isto, segundo os autores, implica em redimensionar

o papel desempenhado pelos seres humanos "como membros de um imenso

cosmos" (Gutiérrez & Prado, 2000: 37; Gadotti, 2000).

Questiona-se a globalização vista sob a perspectiva neoliberal, o que

se defende é um processo lento e inconcluso de constituição da cidadania

planetária, que deverá ter como foco a superação das desigualdades sociais.

Apesar  dos  questionamentos  a  respeito  deste  conceito,  Moacir  Gadotti

visualiza  a  cidadania  planetária  configurando-se  a  partir  de  novas

territorialidades, que se apóiam no fortalecimento da perspectiva democrática

de uma sociedade civil mundial em constituição a partir de uma ação política

multiforme, conduzida em diversos níveis e com "novos métodos, novas

soluções  institucionais,  financeiras,  econômicas  e  sociais"  (Gadotti,

2002:136-138).

"A  dimensão  planetária,  assim  entendida,  fundamenta-se  numa

premissa básica que exige que os equilíbrios dinâmicos e interdependentes

da  natureza  se  dêem  harmonicamente  integrados  ao  desenvolvimento

humano" (Gutiérrez & Prado, 2000:41).

Podemos utilizar a citação acima para nos referirmos a outra categoria

considerada central para os trabalhos de Ecopedagogia, a cotidianidade. A

transformação  que  se  busca  deve  estar  em  consonância  com  as

potencialidades  do  ser  humano  e  as  exigências  da  Terra,  vista  como

organismo. Segundo Gutiérrez & Prado (2000) é na vivência cotidiana que

será  gestada  esta  transformação,  a  partir  de  condutas  inéditas  que  serão

construídas pedagogicamente. Para Gutiérrez "a vida cotidiana é o lugar do

sentido e das práticas de aprendizagem produtiva".

Situando o locus da mediação pedagógica como sendo a vida cotidiana,

a  Ecopedagogia  enfatiza  as  interconexões  entre  os  seres  humanos,  os

fenômenos naturais e os sociais. Se o que se busca é uma profunda mudança

de valores, relações, significações, entende-se que o processo pedagógico

deve  desenvolver  atitudes  de  abertura,  interação  solidária,  subjetividade

coletiva, sensibilidade, afetividade e espiritualidade.

Em  contraposição  a  uma  postura  enunciativa,  que  denominam

pedagogia  da  declaração,  Francisco  Gutiérrez  e  Daniel  Pietro,  em  La

mediación pedagógica para la educación popular, propõem a pedagogia

da demanda que visa a satisfação das necessidades identificadas, durante

o processo educativo, por seus protagonistas. O discurso da declaração é

lógico e estruturado em cima de verdades comprovadas cientificamente,

enquanto o discurso da demanda é frágil, flexível, menos estruturado e

processual,  por  estar  situado  nas  circunstâncias  que  se  apresentam  na

cotidianidade.

Segundo  Gutiérrez  e  Prado  (2000),  a  demanda  como  processo

educativo  apresenta-se  em  quatro  dimensões:  a)  sócio-política:  marcada

pela  democracia  participativa;  b)  técnico-científica:  que  consiste  na

fundamentação  do  processo;  c)  pedagógica:  que-fazer  situado  na

cotidianidade;  d)  espaço-temporal:  que  considera  a  educação  como  um

processo consumidor de tempo.

Chaves pedagógicas

A pedagogia da demanda pode ser considerada como orientadora da

prática  ecopedagógica.  Como  detalhamento  a  esta  proposta,  Francisco

Gutiérrez e Daniel Pietro (1984) propõem algumas chaves pedagógicas que

são retomadas por Gutiérrez e Prado nas propostas da Ecopedagogia:

   Faz-se caminho ao andar: os caminhos devem ser construídos a

partir de um fazer cotidiano e permanente;

   Caminhar com sentido: dar sentido ao que fazemos, impregnar de

sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem-sentido

de muitas outras práticas;

   Caminhar  em  atitude  de  aprendizagem:  desencadear  processos

pedagógicos  abertos,  dinâmicos,  criativos,  em  que  seus

protagonistas estejam em atitude de aprendizagem permanente;

   Caminhar em diálogo com o entorno: a interlocução é tida como

essência  do  ato  educativo.  Por  interlocução,  os  autores

compreendem  "a  capacidade  de  chegar  ao  outro,  de  abrir-se

ao meio, de percorrer caminhos de compreensão e expressão,

de  promover  processos  e  de  facilitar  aprendizagens  abertas"

(pág. 67);

   No caminhar a intuição é prioritária: os sentimentos, a emotividade

e a imaginação são considerados fundamento da relação entre os

seres humanos e a natureza na perspectiva da Ecopedagogia;

   Caminhar como processo produtivo: é ressaltada a importância de

resultados concretos para retroalimentar o processo educativo em

construção.  Trata-se  de  elaborar  uma  memória  do  processo  de

aprendizagem, a partir de registro escrito, gráfico, audiovisual do

que se aprende a cada dia. Um registro que desempenhe o papel

não de tarefas a serem cumpridas, mas como processo de busca de

apreender a cotidianidade;

   Caminhar  re-criando  o  mundo:  em  que  se  exercita  a  expressão

criadora e a comunicação que, para os autores, geram compromisso,

iniciativa, desinibição, auto-estima;

   Caminhar avaliando o processo: propõe-se um sistema de avaliação

que  permite  integrar  processos  e  produtos,  em  que  se  busque

identificar:  a  apropriação  de  conteúdos,  o  desenvolvimento  e

mudança  de  atitudes,  o  desenvolvimento  da  criatividade,  a

capacidade  de  relacionar-se  e  expressar-se,  a  consecução  de

produtos que evidenciam o desenvolvimento pessoal.

Justamente  pelo  fato  da  cotidianidade  ser  o  locus  da  mediação

pedagógica para a Ecopedagogia, os diversos espaços educativos são por

ela valorizados.

Não  se  trata,  portanto,  de  uma  pedagogia  escolar,  ainda  que

compreenda  a  escola  como  articuladora  dos  demais  espaços  educativos.

Para que a escola assuma este papel, Gadotti (2000) ressalta a importância

da re-estruturação do gerenciamento político-administrativo, financeiro e

pedagógico  dos  sistemas  de  ensino  atuais,  o  que  significa  uma

descentralização  democrática  e  a  instauração  de  relações  pautadas  na

dialogicidade.

A  Ecopedagogia  é  tida  como  fundamental  para  construção  da

sustentabilidade econômica, política e social. Conforme dito anteriormente

o que se busca é a recuperação de uma "harmonia ambiental" (Guitiérrez

& Prado, 2000), que supõe uma nova maneira de estabelecer as relações

com  a  Terra,  respeitando  o  direito  à  vida  de  todos  os  seres  que  nela

habitam.

Segundo Moacir Gadotti, o processo educativo por ela desencadeado

visa a formação de um cidadão cooperativo e ativo, contrariamente ao que

vem  sendo  desenvolvido  pelas  pedagogias  tradicionais,  "fundadas  no

princípio  da  competitividade,  da  seleção  e  da  classificação"  (Gadotti,

2000:87). O que se busca é a constituição de sociedade sustentável "que

não seja resultado de leis de mercado, mas da mudança de valores" (Gadotti,

2000: 158). Para os adeptos da Ecopedagogia, esses valores e atitudes serão

construídos  a  partir  de  um  movimento  pedagógico  e  sócio-histórico  que

forme cidadãos capazes de escolherem os indicadores de qualidade do seu

futuro.

Referências bibliográficas

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Gadotti, M. "Pedagogia da Terra: Ecopedagogia e educação sustentável".

In:  Torres,  C.A.  (Org.)  Paulo  Freire  y  la  agenda  de  la  educación

latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, 2001.

____. Pedagogia da Terra. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2000.

Grün,  M.  Ética  e  educação  ambiental:  a  conexão  necessária.  Campinas:

Papirus, 1996.

Gutiérrez, F. & Prado, C. Ecopedagogia e cidadania planetária. São Paulo:

Cortez, 2000.

____. & Pietro, D. La mediación pedagógica para la educación popular.

San Jose: ICEA/IPEC, 1984.

Lovelock, J. Gaia: um novo olhar sobre a vida na Terra. Lisboa: Edições

70, 1987.

Morin,   E.   Método   IV:  As   idéias.   "O   pensamento   dissimulado

(paradigmatologia)". Porto Alegre: Sulina, 1998.

____. Ciência com consciência. Madrid: Anthropos Editorial, 1989.

____. O paradigma perdido: a natureza humana. Lisboa: Europa-América,

1973.

Maria Rita Avanzi

Bióloga, mestre em educação (USP), doutoranda na Faculdade de Educação

da USP; desenvolveu projetos de educação ambiental em organizações não

governamentais  como  Girasonhos,  Gaia  e  Instituto  Paulo  Freire.  Foi

pesquisadora  associada  do  Núcleo  de  Estudos  e  Pesquisa  Ambientais  da

UNICAMP, onde trabalhou como editora assistente da Revista Ambiente &

Sociedade.  Também  no  Nepam  coordenou  a  equipe  responsável  pelo

desenvolvimento de trabalhos de educação ambiental junto a comunidades

residentes em Unidades de Conservação no Vale do Ribeira-SP, cujo propósito

era discutir o diálogo entre saberes acadêmicos e populares na construção de

caminhos para sustentabilidade. Atualmente coordena o curso de Tecnologia

em Gestão Ambiental na Universidade São Marcos. É caipira, nascida em

Itapira-SP, apaixonada pelo rural e por danças e festas populares de raiz.

Principais Publicações

Avanzi, Maria Rita. "Mirando a educação ambiental sob a perspectiva das

comunidades  interpretativas".  (CD  ROM)  In:  II  Encontro  da Associação

Nacional de Pós Graduação e Pesquisa emAmbiente & Sociedade. -ANPPAS,

maio de 2004.

____. "Construindo a muitas mãos: reflexões sobre diálogo de saberes a partir

de uma pesquisa participativa em educação Ambiental". Revista Série Estudos

e documentos. USP - Faculdade de Educação, 2003. (no prelo).

____. "A Trama da Rede: uma proposta teórico-metodológica em educação

ambiental"  (CD  ROM).  In:  V Encontro  de  Pesquisa  e  pós  graduação  em

Educação da região sudeste - ANPED sudeste, nov. 2002.

____;  et  al.  Reflexões  Metodológicas  sobre  Construção  Coletiva  de

Conhecimento e Educação Ambiental. In: Mata, S. et al (Org.). Educação

Ambiental: projetivas do século. Rio de Janeiro: MZ Editora. 2001.

Souza, A.R.;  Oliveira,  E.K.; Avanzi,  M.R;  Fonseca,  S.R.;  Ribeiro,  P.R.

Respeitável Público: Arte Educação Ambiental. Campinas: GiraSonhos, 2000.