ECOPEDAGOGIA Maria Rita Avanzi Palavras-chave: Caminhar com sentido, cotidianidade, planetaridade, cidadania planetária Como se relacionam as propostas da Ecopedagogia e da Educação Ambiental? Em que aspectos elas se contrapõem e em quais se complementam? Por que utilizar terminologias diferenciadas para propostas educativas que parecem movidas pelo mesmo propósito - cuidar da qualidade da vida no planeta? Essas e outras questões visitam educadores e educadoras que buscam construir sua práxis em torno da temática ambiental. Movido também por estes questionamentos, o texto abaixo se propõe a esboçar encontros e divergências entre essas duas propostas educativas. Cabe dizer que se trata de um acesso à Ecopedagogia a partir do diálogo com horizontes de autores que optam por essa abordagem educativa. É daí que se constrói a perspectiva aqui apresentada, de um olhar estrangeiro que parte daqueles questionamentos expostos acima e faz um convite para que leitores e leitoras se aproximem da Ecopedagogia com o intuito de compreender sua relação com a Educação Ambiental. As veredas de acesso ao tema iniciam-se, neste texto, pelas concepções de Educação, de Sociedade e de Natureza que sustentam as propostas da Ecopedagogia para então situar as críticas tecidas pelos seus adeptos à Educação Ambiental e ao que alguns deles chamam de "ambientalismo superficial". Do contexto de emergência da vertente, o texto percorre, ainda que brevemente, as referências teóricas que a fundamentam, uma composição de elementos do holismo, da complexidade e da pedagogia freireana. Algumas das características que marcam a Ecopedagogia, como planetaridade, cidadania planetária, cotidianidade e pedagogia da demanda, podem ser referenciadas nessas linhas teóricas. As duas últimas características, especialmente, dão o tom da abordagem metodológica desta vertente que busca contribuir para a formação de novos valores para uma sociedade sustentável. Primeiros esboços: compreender Educação, Sociedade e Natureza sob o prisma da Ecopedagogia A Ecopedagogia considera a Educação Ambiental como uma mudança de mentalidade em relação à qualidade de vida, associada à busca do estabelecimento de uma relação saudável e equilibrada com o contexto, com o outro e com o ambiente. Do "Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e responsabilidade global", Moacir Gadotti (2000), um dos autores de referência da Ecopedagogia, destaca alguns princípios básicos que podem nos revelar a compreensão que os adeptos da Ecopedagogia têm da Educação Ambiental: • A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade; • A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações; • A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar; • A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas; • A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas das sociedades sustentáveis; • A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos." (Fórum Global 92, 1992: 194-196 apud Gadotti, 2000:95-6). A Educação é concebida dentro de uma concepção freireana em que a reflexão sobre a realidade é tida como possibilidade de buscar o desvelamento de seus elementos opressores. Nesta concepção a ação transformadora sobre esta realidade é um caminho para a emancipação do sujeito. Na perspectiva freireana, Educação é essencialmente um ato político que visa possibilitar ao/à educando/a a compreensão de seu papel no mundo e de sua inserção na história (Freire, 1987; Antunes, 2002). A partir de temas relacionados ao contexto do/a educando/a e à compreensão inicial que tem do problema, busca-se estabelecer um processo dialógico visando tanto a ampliação daquela compreensão inicial como a intervenção na realidade. Este processo implica acessar uma verdade que está encoberta através da apropriação crítica da mesma. Tendo como fundamento a pedagogia freireana, Francisco Gutiérrez, que cunhou o termo Ecopedagogia, compreende a Educação a partir de uma "concepção dinâmica, criadora e relacional" e, ainda utilizando as palavras do autor, "como um processo de elaboração de sentidos" (Gutiérrez & Prado, 2000:62) que se dá no cotidiano das pessoas. "A ecopedagogia pretende desenvolver um novo olhar para a educação, um olhar global, uma nova maneira de ser estar no mundo, um jeito de pensar a partir da vida cotidiana, que busca sentido em cada momento, em cada ato, que pensa a prática (Paulo Freire) em cada instante de nossas vidas, evitando a burocratização do olhar e do pensamento" (Gadotti, 2000:82). A sociedade é compreendida do ponto de vista histórico, em que os acontecimentos são tidos como partes estruturais de um todo dialético que é mutável e não pode ser captado de uma só vez. Os fenômenos sociais estão vinculados a uma realidade macrossocial que imprime neles sua marca histórica e seus significados culturais (Antunes, 2000). No entanto, a realidade não é tratada como algo dado, mas construído pelos sujeitos sociais, numa relação contraditória e conflituosa entre interesses e classes. "(...) na experiência histórica da qual participo, o amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema" (Freire, 1998:84). A Ecopedagogia tece críticas à hegemonia neoliberal que assume as relações na sociedade contemporânea, marcada pela abertura das fronteiras econômicas e financeiras, impelida por teorias do livre comércio, cujos efeitos são o desemprego, o aprofundamento das diferenças entre pobres e ricos, a perda de poder e autonomia de muitos Estados e nações, o distanciamento dos sujeitos do processo de tomada de decisão. É neste contexto que está situado o debate em torno da sustentabilidade para a Ecopedagogia, ou seja, na compreensão da incompatibilidade entre o princípio do lucro, inerente ao modelo de desenvolvimento capitalista e a sustentabilidade, tratada nas suas dimensões: social, política, econômica, cultural e ambiental (Gadotti, 2000). Francisco Gutiérrez e Cruz Prado (2000) identificam, na base deste modelo de sociedade, uma ordem estratificada, pré-estabelecida, linear, seqüencial, hierárquica e dominante, que se apóia no poder, no axioma, na norma, na verdade codificada. Atribuem essa ordem a uma concepção de mundo derivada da ciência mecanicista de Descartes e Newton. Em contraposição a essa, situam a Ecopedagogia no movimento de busca pela construção de uma ordem flexível, progressiva, complexa, coordenada, interdependente, solidária. Portanto, ainda que tenha a compreensão da estrutura macrosocial a que estão vinculados os acontecimentos sociais, as categorias cotidianidade e mundo vivido são caras à Ecopedagogia, como veremos adiante. Neste sentido, Moacir Gadotti (2001:84) defende a utopia e o imaginário como instituintes do que chama de "nova sociedade e da nova educação", em que se recusa "uma ordem fundada na racionalidade instrumental que menospreza o desejo, a paixão, o olhar, a escuta", todos eles presentes no acontecer da vida cotidiana. A Natureza, nas proposições trazidas pela Ecopedagogia, é tratada como um todo dinâmico, relacional, harmônico e auto-organizado, em interação com as relações que se estabelecem na sociedade. Os ecossistemas do planeta são compreendidos de maneira integrada, formando uma unidade. Faz-se referência à Terra como um organismo vivo, seguindo as proposições de James Lovelock (1987), sobre a hipótese Gaia. Essa concepção de Natureza que embasa a Ecopedagogia fundamenta- se no pensamento da nova física, no holismo, especialmente em Fritjof Capra e Leonardo Boff, além de beber das propostas de povos indígenas latino-americanos. As convergências que os autores identificam nestas vertentes são: a concepção de universo como rede de relações intrinsecamente dinâmicas e a revalorização da consciência como aspecto- chave das relações entre natureza e a sociedade. O que se busca é a recuperação de uma "harmonia ambiental", que supõe uma nova maneira de estabelecer as relações com a Terra, respeitando o direito à vida de todos os seres que nela habitam. "A harmonia ambiental supõe tolerância, respeito, igualdade social, cultural, de gênero e aceitação da biodiversidade" (Gutiérrez & Prado, 2000:32). Fala-se de uma "ecologia fundamentada eticamente" que associa o equilíbrio ecológico a mudanças profundas na percepção dos seres humanos sobre o papel que devem desempenhar no "ecossistema planetário". Cabe destacar que essa percepção não resulta, para a proposta ecopedagógica, do estabelecimento de uma relação lógica, linear, mas do vivencial, da cotidianidade, da busca por uma "revolução espiritual". Assim, a concepção de Natureza que fundamenta a Ecopedagogia está associada também a elementos espirituais, relacionados ao reencantamento do mundo, à atribuição de sentido à vida. Uma acepção do espiritual que não se resume especificamente a questões religiosas: "A dimensão planetária reflete e requer uma profunda consciência ecológica, que é, em definitivo, a formação da consciência espiritual como único requisito no qual podemos e devemos fundamentar o caminho que nos conduz ao novo paradigma" (Gutiérrez & Prado, 2000:38). Por uma ecologia eticamente fundamentada As críticas feitas pelos adeptos da Ecopedagogia à Educação Ambiental voltam-se para as práticas que se fundamentam numa concepção de ambiente apartada das questões sociais. "A Educação Ambiental muitas vezes limitou-se ao ambiente externo sem se confrontar com os valores sociais, com os outros, com a solidariedade, não pondo em questão a politicidade da educação e do conhecimento" (Gadotti, 2000:88). Nesta mesma direção, os autores da Ecopedagogia tecem considerações sobre o tratamento acrítico que algumas abordagens da Educação Ambiental dão ao conceito de "desenvolvimento sustentável". No entender desses autores, ao se desenvolver práticas educativas que tratam exclusivamente da preocupação com o meio ambiente sem contextualizar o modelo econômico e as relações que se estabelecem entre pobres e ricos, entre países do Norte e do Sul, reforça-se, o teor neoliberal hegemônico dado ao desenvolvimento (Gadotti, 2000; Gutiérrez & Prado, 2000). A "ecologia fundamentada eticamente" é o que embasa a compreensão de sustentabilidade defendida pela Ecopedagogia, a qual, segundo Gutiérrez e Prado,émaisampladoqueaquiloquechamamde"ambientalismosuperficial": "Enquanto o ambientalismo superficial apenas se interessa por um controle e gestão mais eficazes do ambiente natural em benefício do 'homem', o movimento da ecologia fundamentada na ética reconhece que o equilíbrio ecológico exige uma série de mudanças profundas em nossa percepção do papel que deve desempenhar o ser humano no ecossistema planetário" (Gutiérrez & Prado, 2000:33). Do ponto de vista metodológico, há uma crítica a programas e projetos de ecologia e Educação Ambiental que se pautam pela "pedagogia da declaração", a qual se estabelece com base em metodologias expositivas, enunciativas e impositivas com ênfase nos conteúdos, visando persuadir a respeito da conveniência da "doutrina ecológica" (Gutiérrez & Prado, 2000:50). Para os autores esses projetos e programas são promovidos à margem da pedagogia, sem considerar os indispensáveis processos de apropriação e interiorização necessários à mediação pedagógica. Gadotti (2000) esclarece que: "A Ecopedagogia não se opõe à Educação Ambiental. Ao contrário, para a Ecopedagogia a Educação Ambiental é um pressuposto. A Ecopedagogia incorpora-a e oferece estratégias, propostas e meios para a sua realização concreta" (Gadotti, 2000:96). No entanto, seus autores compreendem-na como sendo mais ampla que a Educação Ambiental "por se preocupar com o sentido mais profundo do que fazemos com nossa existência a partir da vida cotidiana" (Gadotti, 2000:97). Emergência e fundamentação teórica da vertente Francisco Gutiérrez, educador costarriquenho, foi quem cunhou o termo no início dos anos 1990. Foi inicialmente chamada, por Gutiérrez de "pedagogia do desenvolvimento sustentável", sendo hoje considerada, ao lado da escola cidadã, um projeto histórico nascido da tradição latino- americana da educação popular, proposta por Paulo Freire (Gadotti, 2000). Este projeto histórico a que se refere Moacir Gadotti tem como busca a mudança nas relações humanas, sociais e ambientais da sociedade contemporânea e, segundo este autor, bebe tanto do movimento ecológico, como do movimento anarquista, do pacifista humanista, do marxismo libertário e, ainda, do movimento educacional que inclui a ética da transdisciplinaridade e o holismo (Gadotti, 2000:94). Assim a Ecopedagogia procura se desenvolver, atualmente, como movimento social por um lado e também como abordagem curricular. O primeiro é marcado por seu surgimento atrelado à ação política de Organizações não Governamentais e outros movimentos da sociedade civil em torno da discussão e elaboração da Carta da Terra 11. 11 Também conhecido como Declaração do Rio de Janeiro este documento foi aprovado pelo Fórum Internacional de Organizações não-governamentais no âmbito do Fórum Global, evento paralelo à Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada pela ONU que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992. Em agosto de 1999, durante o I Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação ocorrido em São Paulo, foi criado o Movimento pela Ecopedagogia, organizado pelo Instituto Paulo Freire com apoio da Unesco e do Conselho da Terra. O intuito deste movimento é estimular experiências práticas na perspectiva da Ecopedagogia que estarão alimentando a construção de suas propostas teórico-metodológicas. A Ecopedagogia como abordagem curricular implica na reorientação dos currículos escolares de modo a trabalharem com conteúdos significativos para o aluno e para o contexto mais amplo, no qual estão incluídos os princípios da sustentabilidade. Nesta linha, defende-se a relevância das vivências, das atitudes e dos valores, bem como a "prática de pensar a prática", que marca a pedagogia freireana. Os princípios da gestão democrática dos sistemas de ensino, da descentralização, da autonomia e da participação são igualmente caros à Ecopedagogia. As bases teóricas da Ecopedagogia situam-se no encontro da abordagem complexa e holística sobre o mundo com a pedagogia de Paulo Freire. Conforme exposto anteriormente, o pensamento da nova física e o holismo dão as bases para compreensão de mundo que fundamenta a proposta ecopedagógica. Busca-se apreender o mundo a partir de relações e integrações dinâmicas entre unidades, que na visão mecanicista da ciência newtoniana foram tratadas de maneira fragmentada e dicotômica. O pensamento holista tem seus primórdios em meados do século XVIII, nas teorias do naturalista inglês Gilbert White (Grün, 1996), mas é Fritjof Capra uma das principais referências do holismo para a Ecopedagogia. Para Capra (1995) a concepção do universo como um sistema mecânico composto de unidades materiais elementares está atrelada à crença num progresso material ilimitado a ser alcançado através do crescimento econômico e tecnológico. Propor novas fundamentações para compreensão do mundo implica uma mudança no pensamento, na percepção e nos valores que regem a relação do ser humano com o universo. O momento de crise enfrentado pela humanidade contemporaneamente faz parte de uma profunda transformação cultural. Leonardo Boff, outro autor de referência para a Ecopedagogia, associa estas novas formas de significar o mundo a "novos modos de ser, de sentir, de pensar, de valorizar, de agir, de rezar (...) novos valores, novos sonhos, e novos comportamentos assumidos por um número cada vez maior de pessoas e de comunidades" (Boff, 1996:30). Segundo Leonardo Boff (2003), a base dessa mudança deve ser ética, fundada no pathos - sensibilidade humanitária, inteligência emocional - e no ethos - conjunto de inspirações, valores e princípios que orientarão as relações da sociedade com a natureza, dentro da sociedade, com o outro, consigo mesmo e com Deus. A Terra é compreendida como "novo patamar da realização da história", como "totalidade físico-química, biológica, socioantropológica, espiritual, una e complexa" (Boff, 2003:23). Outra linha de pensamento, a complexidade proposta por Edgar Morin, é também acessada para dar fundamento às proposições da Ecopedagogia. O que se procura é contextualizar essas proposições na "crise paradigmática" que se enfrenta contemporaneamente. Num breve esboço, sem pretensão de abarcar o pensamento de Morin (1973, 1989, 1998), podemos destacar alguns de seus elementos: a recusa a um conhecimento geral e seguro que encubra as dificuldades e dúvidas do processo de compreensão; a busca por ajustes entre ordem e desordem, uma vez que para o autor a organização não pode ser reduzida à ordem, mas comporta uma "idéia enriquecida" de ordem, que engloba também a desordem; a junção entre o singular/local e o universal; compreensão do mundo a partir de uma abordagem transdisciplinar e sistêmica, procurando inclusive estabelecer combinações intersistêmicas entre natural e social. "Por toda parte o princípio de disjunção e o de redução quebram totalidades orgânicas e são cegos em relação a uma complexidade cada vez menos escamoteável. Por toda parte o sujeito se reintroduz no objecto, por toda parte o espírito e a matéria chamam um pelo outro em vez de se excluírem, por toda parte cada coisa, cada ser reclama a sua reinserção no ambiente" (Morin, 1998:207). Conforme explicitado acima, a concepção de Educação que fundamenta a Ecopedagogia baseia-se nas proposições de Paulo Freire. Um dos pressupostos centrais da Ecopedagogia, o "caminhar com sentido" (Gutiérrez & Prado, 2000), advém da educação problematizadora proposta por Freire que coloca em questionamento o sentido da própria aprendizagem. Da pedagogia freireana advém também a ética como essência do processo educativo e a compreensão deste como relação entre sujeitos que aprendem juntos a partir de relações dialógicas entre si e com a realidade a ser compreendida de maneira rigorosa e imaginativa (Freire, 1998). Para que se estabeleça esta relação dialógica e ética são necessárias: a construção do respeito ao outro, uma relação amorosa com o mundo e com os homens, a consciência da incompletude e inacabamento inerentes à condição humana (Antunes, 2002: 76-78). A ecoformação, proposta por Gaston Pineau nos anos 1980, é identificada por Moacir Gadotti (2000) como mais uma influência para as propostas da Ecopedagogia. Trata-se de partir da experiência cotidiana das pessoas com os elementos naturais, buscando incentivar uma relação de encantamento e emoção diante da natureza. Do cotidiano à busca pela construção da cidadania planetária Planetaridade e cidadania planetária são expressões freqüentemente utilizadas na Ecopedagogia. A proposta é construir a participação cidadã, considerando nosso pertencimento ao planeta Terra como uma única comunidade, de modo que as diferenças culturais, geográficas, raciais e outras sejam superadas. Isto, segundo os autores, implica em redimensionar o papel desempenhado pelos seres humanos "como membros de um imenso cosmos" (Gutiérrez & Prado, 2000: 37; Gadotti, 2000). Questiona-se a globalização vista sob a perspectiva neoliberal, o que se defende é um processo lento e inconcluso de constituição da cidadania planetária, que deverá ter como foco a superação das desigualdades sociais. Apesar dos questionamentos a respeito deste conceito, Moacir Gadotti visualiza a cidadania planetária configurando-se a partir de novas territorialidades, que se apóiam no fortalecimento da perspectiva democrática de uma sociedade civil mundial em constituição a partir de uma ação política multiforme, conduzida em diversos níveis e com "novos métodos, novas soluções institucionais, financeiras, econômicas e sociais" (Gadotti, 2002:136-138). "A dimensão planetária, assim entendida, fundamenta-se numa premissa básica que exige que os equilíbrios dinâmicos e interdependentes da natureza se dêem harmonicamente integrados ao desenvolvimento humano" (Gutiérrez & Prado, 2000:41). Podemos utilizar a citação acima para nos referirmos a outra categoria considerada central para os trabalhos de Ecopedagogia, a cotidianidade. A transformação que se busca deve estar em consonância com as potencialidades do ser humano e as exigências da Terra, vista como organismo. Segundo Gutiérrez & Prado (2000) é na vivência cotidiana que será gestada esta transformação, a partir de condutas inéditas que serão construídas pedagogicamente. Para Gutiérrez "a vida cotidiana é o lugar do sentido e das práticas de aprendizagem produtiva". Situando o locus da mediação pedagógica como sendo a vida cotidiana, a Ecopedagogia enfatiza as interconexões entre os seres humanos, os fenômenos naturais e os sociais. Se o que se busca é uma profunda mudança de valores, relações, significações, entende-se que o processo pedagógico deve desenvolver atitudes de abertura, interação solidária, subjetividade coletiva, sensibilidade, afetividade e espiritualidade. Em contraposição a uma postura enunciativa, que denominam pedagogia da declaração, Francisco Gutiérrez e Daniel Pietro, em La mediación pedagógica para la educación popular, propõem a pedagogia da demanda que visa a satisfação das necessidades identificadas, durante o processo educativo, por seus protagonistas. O discurso da declaração é lógico e estruturado em cima de verdades comprovadas cientificamente, enquanto o discurso da demanda é frágil, flexível, menos estruturado e processual, por estar situado nas circunstâncias que se apresentam na cotidianidade. Segundo Gutiérrez e Prado (2000), a demanda como processo educativo apresenta-se em quatro dimensões: a) sócio-política: marcada pela democracia participativa; b) técnico-científica: que consiste na fundamentação do processo; c) pedagógica: que-fazer situado na cotidianidade; d) espaço-temporal: que considera a educação como um processo consumidor de tempo. Chaves pedagógicas A pedagogia da demanda pode ser considerada como orientadora da prática ecopedagógica. Como detalhamento a esta proposta, Francisco Gutiérrez e Daniel Pietro (1984) propõem algumas chaves pedagógicas que são retomadas por Gutiérrez e Prado nas propostas da Ecopedagogia: • Faz-se caminho ao andar: os caminhos devem ser construídos a partir de um fazer cotidiano e permanente; • Caminhar com sentido: dar sentido ao que fazemos, impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem-sentido de muitas outras práticas; • Caminhar em atitude de aprendizagem: desencadear processos pedagógicos abertos, dinâmicos, criativos, em que seus protagonistas estejam em atitude de aprendizagem permanente; • Caminhar em diálogo com o entorno: a interlocução é tida como essência do ato educativo. Por interlocução, os autores compreendem "a capacidade de chegar ao outro, de abrir-se ao meio, de percorrer caminhos de compreensão e expressão, de promover processos e de facilitar aprendizagens abertas" (pág. 67); • No caminhar a intuição é prioritária: os sentimentos, a emotividade e a imaginação são considerados fundamento da relação entre os seres humanos e a natureza na perspectiva da Ecopedagogia; • Caminhar como processo produtivo: é ressaltada a importância de resultados concretos para retroalimentar o processo educativo em construção. Trata-se de elaborar uma memória do processo de aprendizagem, a partir de registro escrito, gráfico, audiovisual do que se aprende a cada dia. Um registro que desempenhe o papel não de tarefas a serem cumpridas, mas como processo de busca de apreender a cotidianidade; • Caminhar re-criando o mundo: em que se exercita a expressão criadora e a comunicação que, para os autores, geram compromisso, iniciativa, desinibição, auto-estima; • Caminhar avaliando o processo: propõe-se um sistema de avaliação que permite integrar processos e produtos, em que se busque identificar: a apropriação de conteúdos, o desenvolvimento e mudança de atitudes, o desenvolvimento da criatividade, a capacidade de relacionar-se e expressar-se, a consecução de produtos que evidenciam o desenvolvimento pessoal. Justamente pelo fato da cotidianidade ser o locus da mediação pedagógica para a Ecopedagogia, os diversos espaços educativos são por ela valorizados. Não se trata, portanto, de uma pedagogia escolar, ainda que compreenda a escola como articuladora dos demais espaços educativos. Para que a escola assuma este papel, Gadotti (2000) ressalta a importância da re-estruturação do gerenciamento político-administrativo, financeiro e pedagógico dos sistemas de ensino atuais, o que significa uma descentralização democrática e a instauração de relações pautadas na dialogicidade. A Ecopedagogia é tida como fundamental para construção da sustentabilidade econômica, política e social. Conforme dito anteriormente o que se busca é a recuperação de uma "harmonia ambiental" (Guitiérrez & Prado, 2000), que supõe uma nova maneira de estabelecer as relações com a Terra, respeitando o direito à vida de todos os seres que nela habitam. Segundo Moacir Gadotti, o processo educativo por ela desencadeado visa a formação de um cidadão cooperativo e ativo, contrariamente ao que vem sendo desenvolvido pelas pedagogias tradicionais, "fundadas no princípio da competitividade, da seleção e da classificação" (Gadotti, 2000:87). O que se busca é a constituição de sociedade sustentável "que não seja resultado de leis de mercado, mas da mudança de valores" (Gadotti, 2000: 158). Para os adeptos da Ecopedagogia, esses valores e atitudes serão construídos a partir de um movimento pedagógico e sócio-histórico que forme cidadãos capazes de escolherem os indicadores de qualidade do seu futuro. Referências bibliográficas Antunes, A. Leitura do Mundo no contexto da planetarização: por uma pedagogia da sustentabilidade. Tese de doutorado. São Paulo: USP, Faculdade de Educação, 2002. Boff, L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1996. ____. Ethos mundial. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. Capra, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1995. Freire, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 9 a edição. 1998. ____. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17 a edição. 1987. ____. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. Gadotti, M. 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Maria Rita Avanzi Bióloga, mestre em educação (USP), doutoranda na Faculdade de Educação da USP; desenvolveu projetos de educação ambiental em organizações não governamentais como Girasonhos, Gaia e Instituto Paulo Freire. Foi pesquisadora associada do Núcleo de Estudos e Pesquisa Ambientais da UNICAMP, onde trabalhou como editora assistente da Revista Ambiente & Sociedade. Também no Nepam coordenou a equipe responsável pelo desenvolvimento de trabalhos de educação ambiental junto a comunidades residentes em Unidades de Conservação no Vale do Ribeira-SP, cujo propósito era discutir o diálogo entre saberes acadêmicos e populares na construção de caminhos para sustentabilidade. Atualmente coordena o curso de Tecnologia em Gestão Ambiental na Universidade São Marcos. É caipira, nascida em Itapira-SP, apaixonada pelo rural e por danças e festas populares de raiz. Principais Publicações Avanzi, Maria Rita. "Mirando a educação ambiental sob a perspectiva das comunidades interpretativas". (CD ROM) In: II Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa emAmbiente & Sociedade. -ANPPAS, maio de 2004. ____. "Construindo a muitas mãos: reflexões sobre diálogo de saberes a partir de uma pesquisa participativa em educação Ambiental". Revista Série Estudos e documentos. USP - Faculdade de Educação, 2003. (no prelo). ____. "A Trama da Rede: uma proposta teórico-metodológica em educação ambiental" (CD ROM). In: V Encontro de Pesquisa e pós graduação em Educação da região sudeste - ANPED sudeste, nov. 2002. ____; et al. Reflexões Metodológicas sobre Construção Coletiva de Conhecimento e Educação Ambiental. In: Mata, S. et al (Org.). Educação Ambiental: projetivas do século. Rio de Janeiro: MZ Editora. 2001. Souza, A.R.; Oliveira, E.K.; Avanzi, M.R; Fonseca, S.R.; Ribeiro, P.R. Respeitável Público: Arte Educação Ambiental. Campinas: GiraSonhos, 2000. |