Qual é o hormônio responsável por remover o cálcio da matriz óssea levando o ao plasma qual a glândula que o produz Qual é o seu antagônico no organismo?

REVISÃO

Fisiopatologia da osteoporose induzida por glicocorticóide

Pathophysiology of corticosteroid-induced osteoporosis

Carla M.M. Lanna; Renan M. Montenegro Jr.; Francisco J.A. Paula

Divisão de Endocrinologia e Metabologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, SP

Endereço para correspondência

RESUMO

O hipercortisolismo crônico é a causa mais freqüente de osteoporose secundária, acometendo principalmente o osso trabecular. Aproximadamente 30-35% dos pacientes com síndrome de Cushing apresentam fraturas de vértebras por compressão e o risco de fraturas de colo de fêmur é aumentado em 50% nessa população. Vários mecanismos têm sido propostos para explicar a ocorrência de osteoporose nessa condição, como a ação direta dos glicocorticóides nas paratireóides e nas células ósseas, alterações na produção de prostaglandinas, citocinas, interleucinas, alterações na secreção do hormônio do crescimento (GH), do fator insulina símile-I (IGF-I) e esteróides gonadais. Resultados controversos têm sido apresentados quanto à alteração na secreção do PTH nesta situação, onde níveis normais e elevados têm sido descritos. A elevação da secreção de PTH pode ser secundária a distúrbios do metabolismo mineral induzidos pelo hipercortisolismo, como diminuição na absorção intestinal, aumento da excreção renal de cálcio, diminuição no número de receptores paratireoideanos para a 1,25(OH)2D3, anormalidades no limiar de sensibilidade do cálcio (set point) para a secreção do PTH e alteração na sua atividade. Nesta revisão, são discutidos diversos aspectos fisiopatológicos e possíveis mecanismos envolvidos na associação entre hipercortisolismo e osteoporose.

Descritores: Osteoporose; Hipercortisolismo; Síndrome de Cushing; Paratormônio; Calcitonina; Cálcio; Magnésio

ABSTRACT

Chronic hypercortisolism is the most frequent cause of secondary osteoporosis involving mainly trabecular bone. Approximately 30-35% of the patients with Cushing's syndrome present with compression fractures of vertebrae, and the risk of femoral neck fracture is increased in 50% in that population. Several mechanisms have been proposed to explain the association between hypercortisolism and osteoporosis, as the direct action of glucocorticoids in parathyroid glands and bone cells, alterations in the production of prostaglandins, citokines, interleukines, growth hormone (GH), insulin like growth factor I (IGF-I) and gonadal steroids. Contradictory results have been presented in relation to PTH secretion, where normal and high levels have been described. Elevated PTH secretion can occur as a consequence of disturbances in mineral metabolism, i.e. decrease in the intestinal absortion and elevation in the renal excretion of calcium, decrease in the number of parathyroid receptors for 1,25(OH)2D3, abnormalities in the calcium set point for PTH secretion, and alteration in PTH activity. In this review, several pathophysiologic aspects and possible mechanisms involved in the association between osteoporosis and hypercortisolism are discussed.

Keywords: Osteoporosis; Hypercortisolism; Cushing's syndrome; Parathyroid hormone; Calcitonin; Calcium; Magnesium

A OSTEOPOROSE É A MAIS FREQÜENTE das doenças osteometabólicas e o seu estudo tem sido especialmente motivado em decorrência das importantes repercussões em relação à morbidade e mortalidade de indivíduos portadores dessa condição, sendo por esta razão atualmente considerada um sério problema de saúde pública.

Nas últimas décadas tem havido um crescente interesse no estudo do papel dos hormônios diretamente relacionados com o controle do metabolismo ósseo. O PTH, a vitamina D e a calcitonina são os principais hormônios envolvidos com a regulação do metabolimo mineral. O nível extracelular do íon cálcio é mantido estável por meio da ação destes hormônios em um ou mais sítios alvo (rins, ossos e trato digestivo).

O PTH é um hormônio polipeptídico com 84 aminoácidos sintetizado nas glândulas paratireóides a partir de um precursor, o pré-pró-paratormônio, sendo um dos responsáveis pelo controle da calcemia e o mais importante na regulação das alterações agudas das concentrações extracelulares de cálcio. A seqüência dos primeiros 34 aminoácidos na extremidade amino-terminal é responsável pela sua atividade biológica. Além da molécula intacta do PTH, são secretados fragmentos amino-terminais, carboxi-terminais e a sua porção média. O hormônio intacto, biologicamente ativo, representa 5 a 30% da concentração plasmática total do PTH. O PTH tem uma meia vida de aproximadamente 2 minutos, sendo que a sua metabolização ocorre na maior parte no fígado (70%), rins (20%) e em menor quantidade em outros tecidos, como o tecido ósseo. A ação do PTH se dá diretamente no rim e no osso e indiretamente no trato digestivo, sempre resultando em incremento dos níveis séricos de cálcio. No rim, através de receptores específicos nos túbulos contorcidos distais, o PTH determina a reabsorção de cálcio e magnésio e a excreção de fosfato e bicarbonato. Este órgão é particularmente responsável pelos ajustes mais rápidos da calcemia. No osso, age sobre a reabsorção, regulando a liberação de cálcio e fosfato para o líquido extracelular. Embora os osteoclastos sejam os responsáveis por essa última ação, diferentemente dos osteoblastos, essas células não possuem receptores específicos para o PTH. Portanto, a reabsorção óssea osteoclástica estimulada pelo PTH decorre da liberação de fatores parácrinos pelos osteoblastos, ou ainda pelo estímulo de expressão de proteínas de membrana nos osteoblastos, que estimulam o amadurecimento e atividade dos osteoclastos (1). As ações do PTH no osso variam de acordo com as suas concentrações plasmáticas. Em níveis fisiológicos, esse hormônio tem um efeito ósseo anabólico. A secreção intermitente do PTH associa-se com aumento do osso trabecular e cortical em ratas (2) e com a manutenção e/ou aumento da massa óssea trabecular em humanos (3). Já a sua secreção contínua e/ou aumentada apresenta efeito catabólico, ocorrendo perda de massa óssea como, por exemplo, pode ser observado no hiperparatireoidismo primário sintomático. No trato digestivo, o PTH controla indiretamente a absorção intestinal de cálcio e fósforo, através da regulação da atividade da enzima 25(OH)D-1a-hidroxilase renal e conseqüente síntese de 1,25(OH)2D. As concentrações de cálcio ionizado no líquido extracelular são os principais determinantes da secreção do PTH. Modificações dos níveis séricos de cálcio resultam em respostas rápidas da secreção desse hormônio. A detecção de variações na calcemia ocorre através de sensores de cálcio presentes nas paratireóides, que consistem em receptores protéicos localizados na superfície da membrana das células principais (4). Anormalidades nestes receptores podem alterar o limiar de sensibilidade dessas células à calcemia, podendo resultar em aumento ou diminuição dos níveis séricos de cálcio (5). Enquanto agudamente a biossíntese e secreção do PTH é determinada pelas concentrações extracelulares de cálcio ionizado, cronicamente a vitamina D passa a ser também um importante regulador desse fenômeno (6). Além desses, outros íons e hormônios participam da regulação da secreção do PTH. Níveis séricos de magnésio anormalmente elevados ou reduzidos (7) inibem ou estimulam, respectivamente, a secreção do PTH, enquanto a calcitonina (8), o cortisol (9) e a histamina (10) estimulam-na.

A calcitonina é um peptídeo com 32 aminoácidos, secretado primariamente pelas células C da tireóide. Embora conhecida há mais de 30 anos, a função desse hormônio na regulação do metabolismo mineral ósseo em humanos ainda não está totalmente esclarecida. Sabe-se que a calcitonina atua diretamente nos osteoclastos, determinando uma diminuição da reabsorção óssea. Devido a essa propriedade, a calcitonina passou a ser utilizada em distúrbios caracterizados por aumento da reabsorção óssea. As concentrações sangüíneas de cálcio ionizado são o principal regulador da secreção desse hormônio. Agudamente, o aumento e redução da calcemia resultam respectivamente em um incremento e diminuição na secreção da calcitonina (11).

A 1,25(OH)2D é a forma biologicamente ativa da vitamina D. O sítio inicial de síntese endógena da vitamina D é a pele, mas esta pode também ser obtida por meio de ingestão alimentar. As fontes dietéticas ricas em vitamina D3 (colecalciferol) incluem gema de ovo, óleo de peixe e de fígado de bacalhau, enquanto que a vitamina D2 (ergocalciferol) é encontrada em plantas e leveduras e tem sido adicionada ao leite em países desenvolvidos. Na pele, o 7-dehidrocolesterol (pró-vitamina D3) está presente em grandes quantidades nas membranas celulares dos queratinócitos na epiderme. Através da ação da luz ultravioleta, o anel B do 7-dehidrocolesterol é quebrado formando a pré-vitamina D3. A pré-vitamina D3 é instável, sendo rapidamente isomerizada à vitamina D3, através de energia térmica. A síntese e a disponibilidade sistêmica da vitamina D3 é regulada pela luz solar na própria pele. A síntese de pré-vitamina D3 geralmente atinge seus níveis máximos em horas, embora o tempo necessário para isso seja diretamente relacionado à intensidade da exposição à luz e ao grau de pigmentação da pele (a melanina limita parcialmente a formação da pré-vitamina D3, através da absorção da irradiação ultravioleta). Com isso, quando há uma exposição excessiva aos raios ultravioleta ocorre um direcionamento para formação de produtos biologicamente inativos. A pré-vitamina D3 é então foto-isomerizada ao taquisterol e lumisterol. Com a redução dos níveis de pré-vitamina D3, o processo pode seguir o sentido contrário, sendo o lumisterol convertido em pré-vitamina D3. A vitamina D3 é degradada a 5,6-transvitamina D3 e suprasterol-1 e 2. Em seres humanos, a vitamina D2 tem potência biológica semelhante à vitamina D3. Na circulação, ambas são transportadas por uma a-globulina sintetizada no fígado, a proteína ligadora de vitamina D. Nesse órgão, são hidroxiladas na posição C25 resultando na 25(OH)D. Esta reação é dependente do citocromo P450 e é regulada principalmente pela quantidade de substrato. Uma segunda hidroxilação ocorre no túbulo renal, através da 25(OH)D-1a-hidroxilase, enzima também do complexo citocromo P450 mono-oxigenase, resultando na 1,25(OH)2D (calcitriol), sua forma ativa. Os níveis sangüíneos de fosfato, cálcio e PTH são os principais responsáveis pela produção de 1,25(OH)2D. Elevações ou reduções dos níveis de cálcio, respectivamente, inibem ou estimulam a 1a-hidroxilação da 25(OH)D. Isso ocorre tanto de forma indireta, através da modificação dos níveis do paratormônio (PTH), como diretamente através dos receptores de cálcio ionizado, presentes nas células produtoras de 1,25(OH)2D dos túbulos proximais renais (12). Juntamente com o PTH, a vitamina D exerce papel fundamental na regulação das concentrações extracelulares de cálcio. Sua ação primordial é no trato digestivo aumentando a absorção intestinal de cálcio e fósforo. Através de receptores nucleares encontrados no intestino delgado, a 1,25(OH)2D aumenta a síntese de proteínas envolvidas no transporte de cálcio através da mucosa intestinal. No osso, fisiologicamente atua de forma permissiva na mineralização da matriz protéica óssea. Frente a níveis reduzidos de cálcio na dieta, sua ação no osso passa a ser indutora da reabsorção. Na paratireóide, a 1,25(OH)2D age inibindo a secreção do PTH (13).

Além do PTH, da calcitonina e da vitamina D, outros hormônios também interferem com a manutenção da massa óssea. Estudos mostram que os glicocorticóides podem influenciar significativamente a massa óssea. Isto fica claramente evidenciado em situações de hipercortisolismo. Considera-se hoje que o hipercortisolismo seja a causa mais freqüente de osteoporose secundária (osteoporose induzida por glicocorticóide – OIG). Tem sido demonstrada nesta situação uma rápida perda óssea que acomete principalmente o osso trabecular. Aproximadamente 30 a 35% dos pacientes com hipercortisolismo crônico apresentam fraturas (14). Em um estudo retrospectivo, Van Staa e cols. (15) verificaram que o uso de glicocorticóide exógeno potencialmente pode aumentar o risco de fratura, mesmo quando usado em baixas doses por via oral. Neste estudo, os dados de 244.235 indivíduos com história de utilização de glicocorticóide foram comparados com os de uma população de número semelhante, sem história de uso anterior de glicocorticóide. O risco relativo de fratura do primeiro grupo foi significativamente maior na coluna (rr = 2,6) e em quadril (rr = 1,6). O risco de fratura correlacionou-se diretamente com a dose utilizada, mas vale ressaltar que mesmo aqueles que usavam 2,5mg de prednisolona apresentaram maior risco de fratura que o grupo controle. Outros estudos têm verificado que a exposição a corticosteróide por via inalatória também pode induzir perda de massa óssea (16). Os mecanismos envolvidos com o surgimento da OIG ainda estão por ser melhores esclarecidos. Provavelmente, a OIG se desenvolve como conseqüência de uma série de alterações que atingem o metabolismo mineral, o componente celular do tecido ósseo e distúrbios endócrinos. A figura 1 apresenta de forma resumida os diversos fatores que contribuem para o surgimento da OIG.

Os glicocorticóides representam uma classe de drogas usadas muito freqüentemente devido às suas propriedades anti-inflamatórias e imunossupressoras. A osteoporose é a complicação iatrogênica mais freqüentemente observada no tratamento crônico com doses farmacológicas desses esteróides. A gravidade da perda óssea relaciona-se com fatores como a dose e o tempo de duração da terapia. Sabe-se que esta perda óssea é maior nos primeiros 6 meses de tratamento, podendo persistir caso o paciente esteja em uso de doses mais elevadas de glicocorticóides (17).

Diversos mecanismos têm sido propostos para explicar a ocorrência de osteoporose induzida pelos glicocorticóides.

I) AÇÃO DIRETA NAS PARATIREÓIDES

A ação dos glicocorticóides nas paratireóides é conhecida há várias décadas, a partir de estudos in vitro e in vivo. Em 1962, Raker e cols. (18) descreveram associação entre síndrome de Cushing e hiperparatireoidismo. Posteriormente, Wajchenberg e cols. (19) observaram a presença de hiperplasia de paratireóides em pacientes com Síndrome de Cushing. Em estudos in vitro, Munck & Brinck-Johnsen (20) demonstraram receptores para glicocorticóides nas paratireóides. Williams e cols. (21) e Au (9) verificaram que acetato de cortisona levava a uma hiperplasia de paratireóides de ratos e aumento dos níveis de PTH.

II) ALTERAÇÕES NA SECREÇÃO DO PTH

Vários autores sugerem que a perda óssea apresentada pelos pacientes com hipercortisolismo seja secundária às alterações na secreção do PTH. Em alguns estudos, níveis plasmáticos aumentados de PTH têm sido encontrados em pacientes com síndrome de Cushing (22-24), enquanto que em outros tem-se demonstrado concentrações plasmáticas normais desse peptídeo (23,25,26). Estas divergências podem decorrer da utilização de métodos não específicos para dosagem do PTH e/ou de seleção inadequada dos controles, principalmente no que concerne à idade, raça, doenças associadas ou deficiência subclínica de vitamina D (27).

Em estudo recente (28), observamos que, embora os pacientes com hipercortisolismo crônico tenham apresentado níveis basais de PTH normais, mostraram um aumento significativamente maior que indivíduos normais na secreção de PTH durante o teste de estímulo realizado por meio de infusão endovenosa de solução de EDTA (figura 2). Estes dados sugerem que as dosagens basais de PTH não são adequadas para avaliar a secreção deste hormônio no hipercortisolismo crônico.

A elevação nos níveis plasmáticos de PTH observada no hipercortisolismo crônico pode ser secundária a fatores como a diminuição na absorção intestinal ou na reabsorção renal de cálcio, diminuição no número de receptores paratireoideanos para a 1,25(OH)2D3, anormalidades no limiar do cálcio (set point) para a secreção do PTH ou alteração na atividade do PTH.

Gennari e cols. (27) descreveram uma diminuição na absorção intestinal de cálcio com a utilização de glicocorticóides, com aumento secundário nos níveis do PTH. A absorção intestinal de cálcio requer a presença das proteínas transportadoras através da mucosa intestinal, que são fundamentais para o seu transporte ativo pelas alças intestinais. Kimberg e cols. (29) demonstraram que a vitamina D participa na síntese destas proteínas na mucosa intestinal. A 1,25(OH)2D3 se liga ao seu receptor e induz à expressão da calbindina-D28K no intestino (30). Os glicocorticóides apresentam uma ação variável na indução da expressão do gene da calbindina-D28K. Em baixas concentrações, eles aumentam diretamente a indução provocada pela 1,25(OH)2D3 na produção da calbindina-D28K. Entretanto, em altas concentrações, observa-se o efeito contrário, resultando na diminuição do transporte de cálcio.

Alguns estudos encontraram concentrações séricas diminuídas de vitamina D no hipercortisolismo (31,32). Esta redução pode interferir com a síntese das proteínas transportadoras de cálcio na mucosa intestinal e a redução da absorção de cálcio funcionaria como estímulo para secreção de PTH. No entanto, a redução de concentração de vitamina D pode levar a aumento de secreção de PTH por vários mecanismos, visto que a 1,25(OH)2D3 apresenta um efeito inibidor sobre a transcrição do gene e secreção do PTH (33). Outro mecanismo foi proposto por Karmali e cols. (34). Segundo estes autores, a administração de cortisol às células paratireoideanas causaria uma diminuição no número de receptores para 1,25(OH)2D3, com isso alterando a resposta supressiva da 1,25(OH)2D3 sobre a secreção do PTH.

Os glicocorticóides poderiam interferir na ação da vitamina D, competindo com este hormônio nos tecidos-alvo, alterando a sua metabolização ou facilitando a sua degradação. Neste sentido, Luckert e cols. (1973) não verificaram redução nos níveis séricos de vitamina D no hipercortisolismo e, apesar disto, observaram uma redução na absorção intestinal de cálcio (35). Outros estudos verificaram que a resposta à administração de vitamina D no trato intestinal está prejudicada no hipercortisolimo, sugerindo a existência de resistência à ação da vitamina D neste sítio (36,37). Desta forma, são amplas as possibilidades de interferência do glicocorticóide sobre a ação da vitamina D no trato intestinal. A implicação prática deste aspecto é que o Colégio Americano de Reumatologia, em revisão recente, fez a recomendação de se utililizar vitamina D como medida preventiva de perda de massa óssea induzida por glicocorticóide (38).

Um outro tecido importante para a manutenção do equilíbrio do cálcio, o tecido renal, provavelmente também sofre influência dos glicocorticóides. É descrito que estes esteróides provocam uma diminuição da reabsorção tubular de cálcio, aumentando a perda deste íon. Fuller e cols. (39) descreveram receptores para os glicocorticóides em rins humanos, capazes de modificar o transporte renal de cálcio e outros íons. Findling e cols. (40) encontraram uma correlação direta entre a excreção urinária de cálcio e o cortisol livre urinário, sugerindo que a hipercalciúria pode estar diretamente relacionada com o hipercortisolismo.

Bikle e cols. observaram que no hipercortisolismo a calcemia não se correlacionava com o padrão de secreção do PTH (41). Com isso questionou-se uma possível alteração na regulação da secreção do PTH nessa condição, onde haveria uma redução da inibição provocada pelo cálcio na secreção do PTH.

Anormalidades na supressibilidade da secreção do PTH pelo cálcio foi também evidenciada durante nossos estudos em pacientes com hipercortisolismo crônico. Observamos que os pacientes com hipercortisolismo crônico exógeno apresentaram uma calcemia significativamente mais elevada e uma menor supressão do PTH que os indivíduos normais. Isso sugere uma anormalidade nos sensores do cálcio com uma elevação do limiar de sensibilidade ao cálcio para a inibição do PTH (42).

Além de alterar a secreção do PTH, os glicocorticóides são capazes de promover aumento no número dos receptores para o PTH, aumento da ligação do PTH aos seus receptores e aumento na expressão genética do receptor do PTH (43,44). Estes esteróides também aumentam o nível de adenilciclase e diminuem a fosfodiesterase, aumentando a ação do PTH, visto que algumas das ações do PTH são realizadas via AMPc (14).

Este aumento nos níveis plasmáticos do PTH, juntamente com uma redução nos níveis da calcitonina, presentes no hipercortisolismo, poderiam ser responsáveis pela osteoporose apresentada por estes pacientes, porém a participação da calcitonina na determinação da massa óssea é controversa. Segundo Heath e Sizemore (11), este hormônio é responsável por uma diminuição da reabsorção óssea e a sua deficiência pode estar relacionada com uma redução da massa óssea. Entretanto, em estudos mais recentes em que foram avaliados pacientes portadores de carcinoma medular de tireóide, condição em que ocorre aumento da secreção de calcitonina, não foi demonstrado aumento ou diminuição da massa óssea (45). Paula e cols. (46), estudando pacientes com deficiência de calcitonina, portadores de hipotireoidismo congênito, também não encontraram diminuição de massa óssea.

A secreção de calcitonina no hipercortisolismo crônico também foi avaliada recentemente por nós (42). Neste estudo, não observamos diminuição na secreção da calcitonina nos pacientes com hipercortisolismo crônico, sugerindo que este hormônio não se encontra envolvido com o desenvolvimento da OIG.

Especificamente no tecido ósseo, os glicocorticóides também são responsáveis pela manutenção dos receptores para a 1,25(OH)2D3 e pela inibição da sua degradação, colaborando assim para o aumento na reabsorção óssea, visto que a 1,25(OH)2D3 tem ação óssea reabsortiva (47).

III) AÇÃO DIRETA NAS CÉLULAS ÓSSEAS

Embora as alterações do metabolismo mineral possam contribuir para o surgimento da osteoporose induzida por glicocorticóide (OIG), é improvável que este seja o seu componente mais importante. A perda de massa óssea induzida pelo PTH ocorre apenas quando há aumento significativo e persistente da secreção de PTH. Estudos recentes indicam que os níveis circulantes basais da molécula biologicamente ativa de PTH são normais no hipercotisolismo crônico e apenas a secreção estimulada por hipocalcemia é aumentada neste pacientes (28). Além disto, o padrão histomorfométrico presente na OIG difere significativamente do apresentado por pacientes com hiperparatireoidismo primário (HPTP) (48). No HPTP ocorre principalmente redução da espessura cortical óssea e observa-se manutenção do volume do osso trabecular. Na OIG oberva-se redução tanto da espessura da cortical óssea quanto do volume do osso trabecular. À histomorfometria dinâmica, o HPTP caracteriza-se por aumento da atividade de formação e reabsorção óssea, enquanto que na OIG o padrão dominante é de redução de atividade osteoblástica, sendo que o aumento de reabsorção óssea ocorre principalmente na fase inicial de exposição ao esteróide (48).

As células ósseas também apresentam receptores para os glicocorticóides (49). Em concentrações fisiológicas estes esteróides são importantes para a diferenciação e função das células ósseas. Em doses farmacológicas, porém, alteram a atividade dessas células, favorecendo a perda de massa óssea. A identificação de receptores de glicocorticóide (RG) em osteoblasto é mais uma evidência de que estas células centralizam o controle de remodelação óssea, não apenas produzindo fatores e expressando receptores de substâncias que estimulam sua própria atividade (controle autócrino) mas, também, produzindo fatores que inibem ou estimulam a atividade de osteoclastos (controle parácrino).

O RG pertence à superfamília de receptores nucleares, composta pelos receptores de todos os outros hormônios esteróides, dos hormônios tireoidianos, do ácido retinóico e dos chamados receptores nucleares orfãos. O RG inativo, não ligado a hormônio, encontra-se no citoplasma associado a um complexo protéico formado, entre outras, pelas proteínas de choque 90 (hsp 90) e 70 (hsp 70). A associação do RG a hsp 90 aparentemente tem a função de facilitar a ligação do hormônio ao RG, aumentando a efetividade da resposta ao glicocorticóide. Após a associação ao ligante, o RG é liberado do complexo protéico, ocorrendo dimerização, localização nuclear, ligação ao DNA e ativação de funções específicas. Dentro do núcleo, o receptor ativado pelo hormônio interage com seqüências específicas de DNA, os elementos responsivos aos glicocorticóides (ERG), presentes, geralmente, na região promotora dos genes responsivos aos glicocorticóides. Estes homodímeros, ligados diretamente aos ERGs, atuam na maquinaria da transcrição gênica, provavelmente através da estabilização do complexo de iniciação da polimerase II, e estimulam a transcrição de genes responsivos aos glicocorticóides (50). Em alguns promotores, como no gene da pró-opiomelanocortina (POMC), têm sido identificados ERGn (elementos negativos responsivos aos glicocorticóides), onde os glicocorticóides atuam causando inibição da transcrição deste gene. Outro mecanismo de ação dos glicocorticóides envolve interação entre proteínas, como a interação do RG com outros fatores de transcrição como o sítio AP-1, entre outros. Estes fatores de transcrição, mesmo na ausência de uma ligação DNA-específica, modulam a transcrição dos genes responsivos aos glicocorticóides. Este mecanismo é responsável pelos efeitos anti-inflamatórios e imunossupressivos dos glicocorticóides, os quais envolvem uma regulação negativa da transcrição gênica.

Hofbauer e cols. (1999) demonstraram que os glicocorticóides reduzem os níveis de RNAm de osteoprotegerina (OPG), em várias linhagens de osteoblastos, por meio de inibição da transcrição do gene de OPG (51). Adicionalmente, estes autores verificaram que os glicocorticóides aumentam os níveis de RNAm do ligante de osteoprotegerina (OPG-L) nestas células. A OPG é um receptor solúvel - recentemente descrito -, que tem efeito inibitório sobre a reabsorção óssea. Por outro lado, o OPG-L é uma citocina pró-reabsortiva. Os mecanismos moleculares decorrentes da sinalização da ligação do glicocorticóide com o seu receptor no tecido ósseo ainda não são completamente conhecidos.

Canalis & Avioli (52) demonstraram que os glicocorticóides suprimem a função osteoblástica, inibindo a replicação celular, a síntese de colágeno e de proteínas não-colágenas. Estas alterações na atividade dos osteoblastos ficam evidentes durante a avaliação dos diferentes marcadores de formação óssea. Oikarinen e cols. (53) observaram que, quando glicocorticóides são administrados a pacientes normais ou em situações patológicas, os níveis séricos de osteocalcina, de fosfatase alcalina e de pró-colágeno I diminuem, evidenciando uma redução da atividade osteoblástica e, portanto, da formação óssea, a qual é restabelecida após a retirada da medicação.

A ação negativa dos glicocorticóides sobre o processo de remodelação óssea pode ser verificada também por sua influência sobre os osteoclastos. Estes esteróides podem estimular a reabsorção óssea diretamente ou ainda indiretamente, através do aumento na secreção do PTH (54). O aumento na excreção urinária de metabólitos de degradação do colágeno (hidroxiprolina, deoxipiridinolina, e telopeptídeos N e C terminal de colágeno tipo I) é uma evidência bioquímica do incremento de reabsorção óssea induzida pelos glicocorticóides (55-57).

IV) ALTERAÇÕES NA PRODUÇÃO DE PROSTAGLANDINAS, CITOCINAS, INTERLEUCINAS 1 e 6, HORMÔNIO DO CRESCIMENTO (GH) E FATOR DE CRESCIMENTO INSULINA SÍMILE (IGF)

As prostaglandinas (PG) agudamente inibem a função osteoclástica no osso normal, mas cronicamente estimulam a reabsorção óssea por aumentar a replicação e diferenciação dos novos osteoclastos (58). Como os glicocorticóides inibem a produção das PGs, é pouco provável que estes ecosanóides sejam responsáveis pela diminuição de massa óssea observada no hipercortisolismo crônico.

A hipótese de que o efeito osteolítico dos glicocorticóides poderia ser mediado pelas interleucinas (IL) 1 e 6 tem sido descartada, porque a produção de IL pelos linfócitos também é inibida pelos glicocorticóides (59). Estudos recentes têm sugerido a existência de controle da osteoclastogênese por meio da osteoprotegerina (OPG). A OPG é um receptor solúvel de membrana que inibe a maturação e atividade de osteoclastos, neutralizando a osteoprotegerina ligante (OPG-L), que é considerada um efetor final de osteoclastogênese. Os osteoblastos secretam tanto a OPG como o OPG-L. Nos últimos anos, diversos estudos têm verificado que os glicocorticóides podem estimular a reabsorção óssea, de um lado inibindo a produção de osteoprotegerina, e de outro estimulando a produção da OPG-L (51,60). O aumento da expressão de OPG-L vai estimular a osteoclastogênese por meio de interação entre osteoblastos e as células precursoras de osteoclastos, as quais expressam o receptor de membrana RANK, induzindo a formação de células maduras. A atividade dos osteoclastos maduros também é estimulada pelo mesmo mecanismo.

O efeito ósseo dos glicocorticóides pode, ainda, estar relacionado a alterações nas concentrações de GH e de IGF-I. Estes hormônios exercem efeitos tróficos sobre o osso, sendo considerados importantes reguladores da formação e manutenção óssea. O GH e o PTH são os maiores estimuladores da produção de IGF-I. Este peptídeo, que é sintetizado pelas células ósseas, é capaz de estimular a replicação e síntese de cólageno (61). Sabe-se que doses farmacológicas de glicocorticóides inibem a síntese de IGF-I, como também podem afetar as suas proteínas transportadoras, as IGFBPs, comprometendo assim a massa óssea (62).

V) ALTERAÇÕES NA PRODUÇÃO DOS ESTERÓIDES GONADAIS

Outro mecanismo proposto para a ocorrência de osteoporose induzida pelos glicocorticóides é que esta seja secundária à diminuição na produção dos esteróides gonadais.

Receptores para os andrógenos em células semelhantes aos osteoblastos humanos foram descritos por Colvard e cols. (63). Estes esteróides têm importante efeito anabólico sobre a massa óssea. São capazes de estimular a proliferação e diferenciação dos osteoblastos, como também de inibir o aumento do AMPc estimulado pelo PTH (64).

A importância dos estrógenos na mineralização óssea tem sido também amplamente demonstrada. Sabe-se que os osteoblastos têm receptores para estrógenos e que estes hormônios são capazes de diminuir a reabsorção óssea, possivelmente diminuindo a estimulação do AMPc provocada pelo PTH (65,66).

O hipogonadismo no hipercortisolismo tem sido associado à ação supressiva direta sobre a esteroidogênese gonadal, inibição da liberação do GnRH ou ainda supressão da sensibilidade da hipófise ao GnRH (67). Além destes mecanismos, sabe-se que os glicocorticóides sintéticos são capazes de suprimir o ACTH, levando a uma atrofia adrenal com conseqüente diminuição dos andrógenos (68).

No entanto, é pouco provável que a redução nos níveis dos andrógenos seja um fator isolado responsável pela perda óssea no hipercortisolismo crônico. Recentemente, demonstramos que pacientes com hipercortisolismo crônico endógeno, apesar dos níveis séricos de andrógenos elevados, apresentam massa óssea reduzida, quando comparados aos controles (28).

Em conclusão, a osteoporose induzida pelos glicocorticóides é uma condição onde provavelmente vários fatores estão envolvidos na sua patogênese. As evidências atuais indicam que, em grande parte, o efeito catabólico dos glicocorticóides se deve à ação direta destes esteróides sobre a atividade de células ósseas, com comprometimento predominante da formação óssea, além de aumento na reabsorção óssea. A relevância deste distúrbio, como problema em saúde pública, certamente servirá como mantenedor de interesse de pesquisa sobre os seus diversos aspectos fisiopatológicos e propostas terapêuticas mais eficientes. Tendo em vista que os benefícios terapêuticos dos glicocorticóides justificam o seu uso em diversos distúrbios, é necessário que se esteja atento à necessidade de minimizar o efeito indutor de perda de massa óssea destes esteróides. Em publicação recente (38), o Colégio Americano de Reumatologia estabeleceu critérios de indicação de prevenção/tratamento da OIG, os quais devem ser seguidos tendo em vista que cerca de metade dos pacientes que usa este medicamento não recebe nenhum tipo de orientação quanto à prevenção/tratamento da OIG.

  • Endereço para correspondência

    Francisco José Albuquerque de Paula

    Divisão de Endocrinologia e Metabologia

    Departamento de Clínica Médica

    Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

    Av. dos Bandeirantes 3.900

    14048-900 Ribeirão Preto, SP

    Fax: (016) 633-6695

    E-mail:

  • Recebido em 19/06/06

    Revisado em 21/10/02

    Aceito em 27/11/02

    Endereço para correspondência Francisco José Albuquerque de Paula Divisão de Endocrinologia e Metabologia Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP Av. dos Bandeirantes 3.900 14048-900 Ribeirão Preto, SP Fax: (016) 633-6695 E-mail:

    Qual hormônio remove cálcio?

    Essas glândulas são responsáveis pela produção do hormônio PTH (paratormônio), que regula o nível de cálcio. Se o cálcio estiver baixo no sangue, os sensores das paratiroides detectam essa falha e liberam o PTH, que retira cálcio dos ossos.

    Qual a glândula que remove o cálcio da matriz óssea levando o ao plasma?

    As glândulas paratireoides secretam o paratormônio, que é essencial para a vida e estimula a reabsorção de cálcio no intestino, nos ossos e também diminui a eliminação de cálcio pelos rins, aumentando o número no sangue.

    Qual hormônio tem por função remover o cálcio da matriz óssea aumentando a Calcemia?

    6.2 Paratormônio É um hormônio secretado pela glândula paratireóide. Atua no aumento da calcemia, sendo que a secreção do PTH promove a desmineralização óssea, aumentando os níveis de Ca no sangue.

    Qual hormônio estimula a reabsorção de cálcio?

    O PTH estimula a reabsorção de cálcio pelo rim, aumentando assim o cálcio plasmático e reduzindo os níveis urinários desse cátion.