Qual foi o principal objetivo do tráfico negreiro?

Uma das características mais importantes das modernas civilizações europeias, formadas a partir do século XV, como Portugal e Espanha, foi a participação no sistema econômico mercantilista, que dava as diretrizes para o funcionamento da exploração das riquezas naturais descobertas no continente americano, da produção monocultura dos grandes latifúndios, também montados no “novo mundo”, e da mão de obra usada nessas explorações. No que se refere a esse último item, a escravidão de africanos sustentou esse sistema. Para compreendermos a importância que o trabalho escravo teve no contexto da Idade Moderna e em parte da Idade Contemporânea, é necessário sabermos como funcionava o tráfico negreiro transatlântico.

A mão de obra escrava negra utilizada no continente americano estava intimamente associada ao tráfico negreiro intercontinental, no qual a “mercadoria humana” era em grande parte negociada nos portos africanos e enviada para os portos americanos nos porões de navios que cruzavam o oceano Atlântico em condições deploráveis. O tráfico era estimulado não apenas por conta da necessidade da mão de obra, mas também porque o próprio mercado escravagista, em si mesmo, era muito lucrativo.

No caso específico dos negros vindos para o Brasil, há que se destacar as preferências do Império Português por certas procedências, como Angola, Guiné e Costa da Mina, como diz o historiador Boris Fausto, em seu livro “Historia do Brasil”:

A região de proveniência dependeu da organização do tráfico, das condições locais na África e, em menor grau, das preferências dos senhores brasileiros. No século XVI, a Guiné (Bissau e Cacheu) e a Cosa da Mina, ou seja, quatro portos ao longo do litoral do Daomé, forneceram o maior número de escravos. Do século XVII em diante, as regiões mais ao sul da costa africana – Congo e Angola – tornaram-se os centros exportadores mais importantes, a partir dos portos de Luanda, Benguela e Cabina. Os angolanos foram trazidos em maior número no século XVIII, correspondendo, ao que parece, a 70% da massa de escravos trazidos para o Brasil naquele século. [1]

Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)

Em sua resenha do livro Atlas of the transatlantic slave trade, de David Eltis e David Richardson, o pesquisador Carlos Silva Jr. examina as descrições dos principais portos que recebiam os escravos nas Américas, como pode ser lido abaixo:

Seis em cada dez nativos alcançaram as Américas através de seus sete principais portos. Rio de Janeiro e Salvador aparecem nas primeiras posições dessa funesta lista, seguidos do Recife, Kingston (Jamaica), Bridgetown (Barbados), Havana e Saint Domingue. Mais ainda: três quartos dos cativos chegaram através de apenas vinte portos. Há ainda o tráfico intra-americano, conhecido entre nós como “terceira perna do tráfico”. Um em cada quatro africanos que sobreviveram à travessia do Atlântico teve de enfrentar uma jornada adicional até seu derradeiro destino. Apesar do Rio de Janeiro superar Salvador como principal porto negreiro das Américas, essa primazia só aconteceu no século XIX. Até 1790, Salvador superava o Rio de Janeiro nas chegadas de africanos […], mas um grande número dos escravos que aí desembarcavam, principalmente no século XVIII, seguia para Minas Gerais via Rio de Janeiro. [2]

É importante ressaltar que o Império Português e as demais potências marítimas da época compravam os escravos dos poderosos reinos africanos, que já praticavam a escravização de seus conterrâneos há séculos. Os escravos vendidos eram, em parte, prisioneiros de guerra de outros africanos. Além disso, dentro do comércio de tráfico internacional de escravos negros, também estava o Império Otomano, que dominava todo o norte africano.

NOTAS

[1] FAUSTO, Boris. História do Brasil. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2013. p. 47.

[2] SILVA JR, Carlos. “Mapeando o tráfico transatlântico de escravos”. Afro-Ásia [online]. 2012, n.45 [2016-02-29], p. 182.

A Lei Eusébio de Queirós foi aprovada em setembro de 1850, decretando a abolição do tráfico negreiro no Brasil. A lei foi acompanhada de medidas de repressão a essa atividade, fazendo com que o tráfico negreiro tenha deixado de existir efetivamente a partir de 1856. Ela foi resultado de anos de pressão dos ingleses para que o tráfico negreiro fosse extinto.

Acesse também: A trajetória de três grandes abolicionistas negros brasileiros

Tráfico negreiro no Brasil

A proibição do tráfico negreiro no Brasil foi um dos primeiros passos para que a escravidão pudesse ser de fato abolida no país. O fim dessa atividade econômica não foi fácil nem rápido, uma vez que não havia grande interesse na sociedade brasileira em acabar com a comercialização de africanos escravizados.

Qual foi o principal objetivo do tráfico negreiro?
A Lei Eusébio de Queirós colocou fim no tráfico negreiro, atividade que trouxe quase cinco milhões de africanos como escravos para o Brasil.

O tráfico negreiro era uma atividade que existia no Brasil desde o século XVI e, segundo as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, foi responsável por trazer 4,9 milhões de africanos para o país|1|, fazendo daqui o lugar que mais recebeu africanos escravizados na história mundial.

A partir do século XIX, a escravidão começou a ser questionada e o comércio de escravos a ser muito criticado. Internacionalmente, o país que se engajou em reprimir essa atividade foi a Inglaterra. Desde o começo do século XIX, os ingleses tentavam obter um compromisso para o fim do tráfico negreiro no Brasil.

Esse compromisso começou a ser negociado quando o Brasil ainda era colônia portuguesa. Em 1810, d. João VI havia se comprometido com o fim do tráfico negreiro, e, por isso, entre 1810 e 1812, os ingleses apreenderam vários navios negreiros que estavam a caminho do Brasil. Em 1815, os ingleses anunciaram que o tráfico só seria permitido em locais ao sul da Linha do Equador.

Em 1817, os portugueses aceitaram que os navios negreiros avistados em alto-mar fossem apreendidos. As pressões inglesas pelo fim do tráfico mantiveram-se quando o Brasil conquistou a sua independência, e o seu reconhecimento pelos ingleses passou obrigatoriamente por um compromisso do Brasil em abolir essa atividade.

Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)

Em 1826, o Brasil realizou um acordo em que se comprometia a abolir o tráfico em até três anos a partir da data de sua ratificação (que se deu em 1827). O imperador foi bastante criticado por isso, mas a primeira atitude deu-se depois que o prazo de três anos havia expirado. Em 7 de novembro de 1831, foi emitida a Lei Feijó, que proibia o tráfico negreiro e tornava livres os africanos que desembarcassem no Brasil após essa data.

A lei teve sua execução regulamentada em decreto de 12 de abril de 1832 e, na prática, foi letra morta porque nunca houve ação sistemática e organizada para fiscalizar e impedir a chegada de africanos escravizados ao Brasil. A consequência disso é que o tráfico negreiro recuperou fôlego a partir do ano de 1833, após ter sido menos intenso em 1832.

A falta de ação do governo brasileiro em combater o tráfico, mesmo com uma lei proibindo-o, fez com que a Lei Feijó fosse chamada de “lei para inglês ver”. Entre as práticas tomadas pelo governo para demonstrar que o tráfico estava sendo combatido, estava o fechamento do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro. Esse era o principal cais que recebia africanos escravizados.

A realidade, no entanto, foi outra, e estima-se que, de 1831 a 1845, cerca de 470 mil africanos tenham desembarcado no Brasil|2|. As autoridades policiais faziam vista grossa aos africanos desembarcados aqui, e houve até iniciativas políticas para tentar revogar a lei de 1831. Esses escravos eram enviados em grande parte para o Sudeste, local em que as fazendas de café começavam a prosperar.

Acesse também: As leis abolicionistas do Brasil no século XIX

Pressão inglesa

Qual foi o principal objetivo do tráfico negreiro?
Com a Lei de 1831, o Cais do Valongo, o principal cais do tráfico negreiro no Brasil, foi desativado.[1]

Durante as décadas seguintes, a questão do tráfico negreiro teve um peso enorme nas relações diplomáticas entre Brasil e Inglaterra. A leniência das autoridades imperiais em combater efetivamente o tráfico irritava os ingleses, e ações mais hostis começaram a ser cogitadas.

Em março de 1845, o acordo assinado entre Brasil e Inglaterra em 1826 teve seu prazo de validade expirado e as autoridades brasileiras não quiseram renová-lo. Essa ação foi entendida pelos ingleses como desinteresse pelo combate ao comércio transatlântico de africanos escravizados, e eles decidiram agir mais diretamente contra o Brasil.

George Hamilton Gordon, secretário de Assuntos Estrangeiros do Reino Unido e mais conhecido como Lorde Aberdeen, propôs a lei de que a marinha britânica podesse agir para aprisionar embarcações negreiras que estivessem trazendo africanos para o Brasil. Essa lei recebeu o nome de Slave Trade Supression Act ou Bill Aberdeen, sendo aprovada no Parlamento inglês em 9 de agosto de 1845.

O Bill Aberdeen dava direito ainda de levar a tripulação dos navios negreiros para a Inglaterra, onde seus componentes seriam julgados por atos de pirataria. A reação da sociedade brasileira perante essa intervenção foi de indignação, e os ingleses foram criticados por agirem contra a soberania e os interesses brasileiros.

Entre os políticos houve aqueles que defenderam uma retórica de guerra contra a Inglaterra, e houve até um ataque contra uma embarcação inglesa em 1850. Isso gerou uma represália inglesa que atacou dois navios negreiros na costa brasileira e deixou o clima entre as duas nações bastante tenso.

O temor de um conflito contra os ingleses e dos impactos econômicos que isso poderia trazer, além da má repercussão internacional que a manutenção do tráfico negreiro trazia, fez com que o clima político se tornasse favorável para o fim do tráfico negreiro. Nesse momento, Eusébio de Queirós entrou em ação.

Acesse também: Revolta dos Malês, a maior revolta de escravos da história brasileira

Lei Eusébio de Queirós

Qual foi o principal objetivo do tráfico negreiro?
Lorde Aberdeen foi o responsável pela Bill Aberdeen, lei inglesa que forçou o Brasil a abolir o tráfico negreiro em 1850.

O ministro da Justiça, Eusébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara, decidiu encaminhar um projeto para debater novamente sobre o fim do tráfico de africanos escravizados. Esse projeto foi aprovado e transformou-se na Lei nº 581, em 4 de setembro de 1850. Os redatores da lei definiram-na como uma iniciativa que tomava “medidas para a repressão do tráfico de africanos” no Império|3|.

A Lei Eusébio de Queirós não tratou do status dos africanos que haviam entrado no país ilegalmente (à luz da lei de 1831), o que significa que o interesse primordial dos grandes fazendeiros era o de garantir a posse dos africanos escravizados que entraram no Brasil após 1831, segundo afirmação do historiador Carlos Eduardo Moreira de Araújo|4|.

Dessa vez, a ação do governo brasileiro foi a de efetivamente reprimir o tráfico negreiro. A costa começou a ser monitorada para evitar que africanos fossem ilegalmente desembarcados em nosso território. Além disso, o tráfego interprovincial de escravos começou a ser monitorado e os escravos deveriam ter um passaporte para demonstrar que eles não haviam entrado ilegalmente depois da lei de 1850.

Os traficantes mais conhecidos começaram a ser constantemente monitorados e operações de vigilância nos portos começaram a ser realizadas. Mesmo com todas essas ações, estima-se que cerca de 38 mil africanos tenham entrado ilegalmente no Brasil entre 1850 e 1856|5|. As duas últimas apreensões de embarcações negreiras de que se tem conhecimento aconteceram em Pernambuco, em 1855, e no Espírito Santo, em 1856.

Notas

|1| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 82.

|2| ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira. Fim do tráfico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 232.

|3| Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Para acessar, clique aqui.

|4| ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira. Fim do tráfico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 235.

|5| Idem, p. 236.

Créditos da imagem

[1] Rodrigo S Coelho e Shutterstock

Qual o motivo para o início do tráfico negreiro para o Brasil?

Brasil. O Brasil foi responsável por 40% do comércio de negros para exploração de mão de obra escrava. Dos cerca de 12,5 milhões de pessoas exploradas, 5,8 milhões desembarcaram no país, segundo alguns estudos. O comércio na era colonial começou em 1560 como maneira de garantir trabalhadores na monocultura do açúcar.

Qual a principal característica que colocou fim ao tráfico negreiro *?

O Fim do Tráfico de Escravos Africanos foi motivado por razões econômicas, humanitárias e religiosas. Ao longo do século XIX várias nações europeias proibiram o tráfico de escravos e aboliram a escravidão nas suas colônias devido a mudança de mentalidade e do modo de produção.

Quando se iniciou o tráfico negreiro?

Calcula-se que, entre 1550 e 1855, entraram nos portos brasileiros cerca de 4 milhões de africanos, em sua maioria jovens do sexo masculino. Os navios negreiros que transportavam africanos até o Brasil eram chamados de tumbeiros, porque grande parte dos negros, amontoados nos porões, morria durante a viagem.