Quanto tempo durou a intervenção federal no Rio de Janeiro?

  • Amanda Rossi
  • Da BBC Brasil em São Paulo

16 fevereiro 2018

Atualizado 21 fevereiro 2018

Quanto tempo durou a intervenção federal no Rio de Janeiro?

Crédito, EPA

Legenda da foto,

Intervenção federal vai além do emprego de tropas militares no Rio de Janeiro; na verdade, significa que toda a gestão da segurança do Estado será feita pelo governo federal

O Senado aprovou nos últimos minutos desta terça-feira o decreto assinado pelo presidente Michel Temer que determina a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, deixando a segurança pública fluminense sob responsabilidade de um interventor militar, que responde ao presidente da República. O placar foi de 55 votos favoráveis, 13 contrários e uma abstenção.

Horas antes, na madrugada de terça-feira, a matéria havia sido chancelada pela Câmara dos Deputados. Na casa, o texto foi aprovado por 340 votos a favor e 72 contra, além de uma abstenção.

Assim, a segurança pública do Rio sai da esfera estadual e vai para a federal, com comando militar, até 31 de dezembro de 2018.

  • 'Todo mundo quer um AR-15': a megafeira de armas realizada na Flórida 4 dias após massacre em escola
  • Por que resolvi me assumir homossexual aos 91 anos

Assim como diversos Estados do país, o Rio de Janeiro vive uma crise de segurança. Episódios de violência durante o Carnaval teriam influenciado a tomada de decisão pelo governo.

A intervenção federal nos Estados está prevista na Constituição de 1988, mas nunca tinha sido aplicada até agora. Segundo o governo Temer, o objetivo da medida é "conter grave comprometimento da ordem pública", mas ainda não está definido concretamente como será essa intervenção.

"O que o cidadão poderá sentir e ter é um sistema muito mais robusto de segurança social, com coordenação mais estreita, capacidade operacional maior, inteligência bem mais integrada", declarou o ministro da Defesa, Raul Jungmann.

Abaixo, saiba mais sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro, inédita no Brasil.

Legenda da foto,

Temer assina intervenção ao lado de Rodrigo Maia e Luiz Fernando Pezão / Foto: Beto Barata/PR

1. O que é a intervenção federal no Rio de Janeiro?

O governo federal fará uma intervenção na área de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro até 31 de dezembro deste ano. Com isso, a responsabilidade de gerir essa área, que é estadual, passa para as mãos do governo federal, que será representado por um interventor.

Foi nomeado para o cargo o General do Exército Walter Braga Netto, que lidera o Comando Militar do Leste (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo). Com isso, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Roberto Sá, entregou o cargo.

A partir de agora, o interventor passa a ter total poder para gerir a segurança pública fluminense, controlando a Polícia Civil, a Polícia Militar, os bombeiros e administração penitenciária. Mas, por enquanto, não há definição de estratégias.

"Eu recebi a missão agora. Nós vamos entrar numa fase de planejamento. No momento, não tenho nada que eu posso adiantar para os senhores. Vamos fazer um estudo, vamos conversar com todos. E nossa intenção é fortalecer ainda mais o sistema de segurança do Rio de Janeiro, para voltar a atuar conforme merece a população carioca", afirmou Braga Netto no fim da última semana.

O interventor não terá qualquer controle sobre outras áreas da administração fluminense. Nem sobre outros poderes - as atividades do Ministério Público Estadual, por exemplo.

Na prática, o que pode ocorrer é uma reorganização das forças de segurança. "Não tem gente nova, os recursos são os mesmos. As polícias já estão nas ruas do Rio. O Exército também. O que poderá ser feito é que as forças de segurança sejam alocadas de forma diferente e reestruturadas. Não haverá uma mudança de um dia para o outro", explica Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Legenda da foto,

O Rio de Janeiro já vinha recebendo operações das Forças Armadas e da Força Nacional / Foto: Rania Rego/Ag Brasil

2. Qual a diferença entre a intervenção federal e as outras ocasiões em que Exército e Força Nacional atuaram no Rio?

Até hoje, o Rio de Janeiro e outros Estados tinham sido auxiliados pela União na gestão da segurança pública por meio das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e do emprego da Força Nacional.

As operações de GLO permitem a atuação das Forças Armadas na segurança pública, de forma excepcional, em momentos de grave perturbação da ordem e esgotamento das forças tradicionais de segurança. Da mesma forma, a Força Nacional é uma força de segurança federal, usada para auxiliar as operações de segurança dos Estados, após solicitação dos mesmos.

Tanto durante as operações da GLO como durante o emprego da Força Nacional, os governos estaduais continuam responsáveis pela gestão da segurança pública. As atividades das forças da União são coordenadas com os Estados.

Já na intervenção federal no Rio de Janeiro, toda a segurança pública fluminense sai da esfera estadual e fica sob o comando do interventor militar. Ou seja, não se trata apenas do emprego das Forças Armadas ou de forças federais. Mas sim da gestão federal de uma área que antes era coordenada pelo poder estadual.

"O emprego da GLO e da Força Nacional ocorrem de forma emergencial, pontual - um conjunto de policiais ou militares é enviado para ajudar a solucionar uma crise aguda. Já a intervenção assume a gestão e administração de toda a segurança pública", explica Sérgio de Lima.

"Na intervenção federal, o interventor pode adotar atos que o governador ou o secretário tomariam. Isso é algo impensável na GLO. Na GLO, os atos do governo estadual não ficam suspensos", explica Eloísa Machado, professora da FGV e especialista em política constitucional.

"A intervenção federal é uma medida muito mais drástica que a GLO, sinal de uma anormalidade institucional grave."

3. O que diz a Constituição sobre a intervenção federal?

A Constituição de 1988 prevê a intervenção federal nos Estados, mas o instrumento nunca antes tinha sido acionado. Ele prevê a nomeação de um interventor federal para solucionar um grave problema estadual, removendo as autoridades locais.

Entre os cenários passíveis de intervenção está a necessidade de "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública" - que está sendo aplicado no Rio de Janeiro. Outras opções possíveis para a intervenção são reorganizar as finanças do Estado ou repelir invasão estrangeira.

A intervenção federal precisa ser feita por decreto, estipulando prazo e condições, e deve ser submetida à aprovação do Congresso Nacional.

A Constituição não é clara sobre como seria uma intervenção federal. Não menciona, por exemplo, a possibilidade de haver uma intervenção em uma área específica da administração estadual, como a segurança pública. Por isso, Sérgio de Lima acredita que há espaço para contestação legal: "O risco de judicialização é gigantesco".

Legenda da foto,

O ministros do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, da Defesa, Raul Jungmann, e o comandante Militar do Leste, General Braga Netto, falam sobre o decreto de intervenção no Rio / Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

4. Qual a diferença entre intervenção federal e Estado de Defesa e Estado de Sítio?

O ministro da Defesa afirmou que a intervenção federal só está abaixo do Estado de Sítio e do Estado de Defesa. Mas, ao contrário das duas últimas, não implica em "qualquer transferência de responsabilidade entre as instituições. Tudo permanece como antes".

Em uma intervenção legal, não estão suspensos os direitos fundamentais do cidadão, como o direito de ir e vir, de protestar, de se reunir, a exigência de mandato judicial para busca e apreensão em domicílio, a prisão apenas sob circunstâncias legais e o direito ao devido processo legal.

A única diferença em relação ao estado normal é que o governo federal assume, provisoriamente, um poder estadual. "A intervenção federal é a flexibilização excepcional e temporária da autonomia dos Estados. Não há nenhum tipo de restrição de direitos", explica Eloísa Machado.

Já o Estado de Defesa e o Estado de Sítio são momentos de exceção constitucional, levando à suspensão de direitos fundamentais. O Estado de Defesa pode ser acionado, por exemplo, para responder a calamidades naturais. E o de Sítio, em casos de guerra.

"A intervenção federal não suspende os direitos das pessoas. É uma questão puramente de administração pública. A população não poderá ser vitima de nenhum ato de violação de direitos sob justificava da intervenção", complementa Sérgio de Lima.

5. Qual o impacto dessa medida fora do Rio de Janeiro?

O impacto da medida extrapola o Rio de Janeiro, uma vez que a Constituição prevê que, durante uma intervenção federal, não pode haver qualquer alteração constitucional no país. Isso inviabilizaria, por exemplo, a Reforma da Previdência.

Porém, o governo Temer informou nesta sexta-feira que pretende anular a intervenção federal no Rio de Janeiro momentaneamente, com objetivo de votar a Reforma da Previdência.

Nesse caso, a figura do interventor deixaria de existir, deixando um vácuo no comando da segurança pública fluminense. Segundo o governo Temer, seria então acionada, provisoriamente, a Garantia da Lei e da Ordem, até o término da votação da reforma.

Além disso, o fato de o governo federal assumir a segurança pública de um Estado pela primeira vez pode fazer outras regiões do país cobrarem medidas semelhantes.

Crédito, AFP

Legenda da foto,

Militares na rua já são algo comum no Rio

6. Por que essa medida está sendo tomada no Rio de Janeiro, e não em outros Estados?

O Rio de Janeiro vive uma grave crise de segurança pública, com aumento do número de homicídios, de mortes de policiais e confrontos com criminosos. Porém, outros Estados vivem emergências de segurança tão ou mais agudas.

Enquanto a taxa de homicídios no Rio de Janeiro foi de 32 por 100 mil habitantes em 2017, no Acre foi de 55 por 100 mil e, no Rio Grande do Norte, de 69 por 100 mil.

Só no início deste ano, o Ceará teve a maior chacina da sua história, seguida de um massacre no sistema prisional. No Rio Grande do Norte, forças de segurança entraram em greve, ampliando o cenário de violência. Goiás viveu uma série de rebeliões no sistema prisional.

"Essa intervenção no Rio de Janeiro é fruto da conveniência política do governo Temer. Vários Estados poderiam se enquadrar (em uma intervenção federal na segurança pública). Não tem como dizer que o Rio de Janeiro é um caso mais grave do que outros Estados, como Goiás, Rio Grande do Norte, Ceará, Espírito Santo", avalia Sérgio de Lima.

O governador fluminente Luiz Fernando Pezão é do mesmo partido de Temer, o MDB.

7. É uma intervenção militar?

"Não é intervenção militar. Nunca passou isso pela nossa cabeça. É uma intervenção federal, na qual o interventor é um general", afirmou o ministro da Defesa Jungmann.

Porém, além de escolher um general como interventor, o decreto do governo federal estipula que o cargo é de natureza militar.

"A previsão constitucional de intervenção federal não é um instrumento de intervenção militar. Não é para troca de governo civil por governo militar. Mas o governo está substituindo uma autoridade civil por uma militar. É um retrocesso democrático", opina Eloísa Machado.

Segundo ela, a natureza militar do cargo faz com que o interventor fique sob jurisdição militar, não civil.

Em entrevista à imprensa, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional General, Sérgio Etchgoyen, foi questionado sobre a intervenção militar não poder colocar a democracia em risco. "As Forças Armadas jamais foram ameaça à democracia em qualquer tempo, após a redemocratização. Ameaça à democracia é a incapacidade de as polícias estaduais em enfrentarem a criminalidade", respondeu.

Por outro lado, intervenção federal de natureza militar acaba jogando no colo das Forças Armadas uma atribuição que não é sua - a segurança pública. Isso poderia prejudicar a execução de outras atividades de responsabilidade militar.

"A intervenção tira a capacidade de resposta do Exército a atividades que são exclusivas a ele, como fiscalização de armas e explosivos", afirma Sérgio de Lima.

O comandante das Forças Armadas, general Eduardo Villas Bôas, já declarou publicamente sua preocupação com a frequência do uso das forças militares na segurança pública.

"Preocupa-me o constante emprego do Exército em intervenções (GLO) nos Estados. Só no Rio Grande do Norte, as Forças Armadas já foram usadas três vezes em 18 meses. A segurança pública precisa ser tratada pelos Estados com prioridade zero. Os números da violência corroboram as minhas palavras", afirmou em postagem no Twitter em 30 de dezembro.

8. Como foi a votação do decreto no Congresso?

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Na Câmara, intervenção federal no Rio foi aprovada com ampla maioria

A matéria passou primeiro pela Câmara e depois pelo Senado.

Na sessão ocorrida na Câmara, a relatora do decreto, deputada Laura Carneiro (MDB-RJ), recomendou a aprovação do decreto, mas indicou a necessidade de um decreto complementar que garanta recursos federais para a área de segurança do Rio de Janeiro.

Informações iniciais levantadas pela equipe da deputada apontam que o orçamento estadual do Rio de Janeiro está comprometido com o pagamento de salários, e não há margem para investimento. O decreto de Temer estabelece apenas que o interventor poderá requisitar recursos financeiros do Estado do Rio de Janeiro. Não menciona recursos federais.

A sessão de votação na Câmara durou mais de sete horas, mas, ao final, o texto passou por ampla maioria - 340 votos a favor e 72 contra.

O presidente do Senado, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), logo acenou que a votação na casa ocorreria assim que o texto chegasse da Câmara.

A oposição tentou obstruir a votação, sem sucesso. A sessão no Senado durou cerca de quatro horas.

Ao aprovar o decreto de intervenção federal, o Congresso estaria abrindo mão de realizar votações de matérias que alteram a Constituição, como a Reforma da Previdência.

Isso ocorre porque a Constituição prevê que, durante vigência de uma intervenção federal, está vedada qualquer alteração constitucional no país.

Quanto tempo pode durar uma intervenção federal?

I. A intervenção é ato privativo do Chefe do Poder Executivo, tem caráter excepcional, porém depende de autorização do Congresso Nacional no prazo de 48 horas. A decretação da intervenção é ato privativo do Presidente da República que independe de prévia autorização pelo Congresso Nacional.

Como foi a intervenção federal no Rio de Janeiro?

1 – Por que foi decretada a Intervenção Federal? Diante do quadro de insegurança no Rio de Janeiro, o governo do estado pediu ao Governo Federal que decretasse a Intervenção Federal na segurança pública do estado. O apelo foi atendido em 16 de fevereiro de 2018, quando foi assinado o decreto que permitiu a medida.

O que motivou a intervenção federal no Rio de Janeiro?

A proposta da intervenção é atacar os efeitos do crime organizado no Rio de Janeiro para assim diminuir os altos índices de violência, entretanto, a presença do Exército nas ruas apenas coibiu a prática de crimes contra o patrimônio, que muitas vezes são ataques de oportunidade durante o cotidiano urbano, ao passo que ...

Quando teve intervenção federal no Brasil?

A possibilidade de intervenção federativa existe desde 1891, quando foi promulgada a primeira constituição pós-proclamação da República.