Que fatores contribuem para a recente tendência de desconcentração industrial no país

O processo de desconcentração industrial no Brasil vem promovendo um relativo aumento na migração de empresas para o interior do território e para as cidades médias.

O processo de desconcentração industrial no Brasil corresponde ao atual momento pelo qual a economia e a produção do espaço no país vêm passando, em que a localização concentrada das indústrias e investimentos vem gradativamente se revertendo. Com isso, embora ainda esteja latente a herança estrutural e financeira do Brasil nas áreas litorâneas, há uma relativa distribuição da atividade industrial em curso.

Entre as principais causas da desconcentração industrial no Brasil, é possível citar:

a) política governamental de interiorização do território a partir da segunda metade do século XX;

b) aumento da disponibilidade de infraestruturas em transportes e redes em algumas áreas mais afastadas do país;

c) afloramento da guerra fiscal, que gerou uma competição entre os estados brasileiros em busca da atração de indústrias;

d) oferta de terrenos e construção de áreas industriais e tecnopolos em cidades localizadas em regiões antes não industrializadas;

e) aumento na disponibilidade de mão de obra qualificada e barata nas regiões interioranas;

f) saturação das condições socioespaciais das áreas densamente industrializadas, com problemas relacionados com a excessiva poluição do ar, trânsito caótico, atuação sindical, aumento dos custos com mão de obra etc.

Existem, naturalmente, vantagens e desvantagens na desconcentração industrial no Brasil. De um lado, eleva-se a geração de empregos, serviços e comércios em áreas pouco desenvolvidas economicamente, além de se promover uma maior democratização em investimentos públicos. Por outro lado, perde-se muito emprego e geram-se muitas desvantagens econômicas nas áreas em que se registra a chamada “fuga de indústrias”.

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Historicamente – e ainda nos dias atuais – a região mais industrializada do Brasil é o Sudeste, com destaque para o eixo Rio-São Paulo, além da região sul. São justamente essas áreas que mais perdem investimentos atualmente com a guerra fiscal e a desconcentração industrial, o que leva muitos analistas econômicos a chamar esse processo de desconcentração concentrada, haja vista que são poucas as áreas que perdem indústrias.

Os exemplos são muitos: as indústrias automobilísticas, como Hyundai, Mitsubishi, Volkswagen e Ford, que abandonaram São Paulo em direção a territórios em Goiás, Paraná e Bahia; a Azaleia e a Grendene, que abandonaram o Rio Grande do Sul em direção ao norte, entre outros. Além de migrarem, boa parte dessas e outras indústrias também descentralizara sua produção, dividindo-a em várias unidades espalhadas por diferentes áreas do território.

A desconcentração industrial acontece do Sul e do Sudeste para as demais regiões, sobretudo o Nordeste. Mas é importante ressaltar que não ocorre apenas uma migração inter-regional de fábricas, mas também uma interiorização, cujo principal efeito é o notável crescimento das chamadas cidades médias. Muitas dessas cidades apresentam recentes crescimentos industriais e acelerados processos de urbanização, tais como Anápolis (GO), Uberlândia (MG), Maringá (PR), São José do Rio Preto (SP), Caruaru (PE), entre muitas outras.

Por: Rodolfo F. Alves Pena

ARTIGO

Concentração industrial no Brasil no período 1996-2001: uma análise por meio do índice de Ellison e Glaeser (1994)

Vladimir LautertI; Nilton Clóvis Machado de AraújoII

IAnalista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

IIProfessor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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RESUMO

Este trabalho trata da concentração espacial da indústria de transformação brasileira em nível de divisões e grupos da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), nos anos de 1996 e 2001. Para a análise do nível de concentração foi utilizado o índice de Ellison e Glaeser (1994) e seus componentes. Os resultados mostram que ocorreu diminuição no grau de concentração médio, com a maioria das divisões e grupos industriais tendo suas concentrações reduzidas durante o período estudado. Além disso, constatou-se uma relativa estabilidade na distribuição dos setores mais e menos concentrados, apesar de se ter verificado uma variação significativa da concentração dentro de cada segmento, especialmente entre os menos concentrados. Finalmente, verificou-se que a concentração tende a ser maior nos setores com maior conteúdo tecnológico e menor nas atividades da indústria tradicional.

Palavras-chave: concentração industrial, localização industrial.

ABSTRACT

This paper deals with the geographic concentration of the Brazilian’s manufacturing industry in the divisions and groups of the National Classification of the Economic Activities (CNAE), in the period from 1996 until 2001. The measure of the level of concentration used was the index of Ellison and Glaeser (1994). The results show that the average and median degrees of concentration were reduced during the period and that most of the divisions and industrial groups had reduced its concentrations. Moreover, a relative stability in the distribution of the greater and lesser concentrated activities was evidenced, although a significant variation in the concentration inside each segment was verified, specially inside the last group. Finally, it was verified that the concentration tends to be greater in the sectors with higher technological content and lesser in the activities of the traditional industry.

Key words: industrial concentration, industrial location.

JEL classification: R12, R39.

1 INTRODUÇÃO

A literatura sobre localização industrial aponta fatores que incentivam e fatores que desestimulam a concentração da indústria no espaço geográfico. Weber (1929) classificou os fatores que influenciam as decisões de localização das firmas como: a) regionais: relacionados com a distribuição geográfica, tais como custos de transporte e mão-de-obra, e b) locais: fatores independentes da geografia, que podem ser classificados como aglomerativos e desaglomerativos. Fatores aglomerativos são vantagens de produção e comercialização resultantes da concentração da produção em um determinado ponto, como economias de escala (internas), economias resultantes da proximidade de outras indústrias e das melhores condições de infra-estrutura urbana (externas). Fatores desaglomerativos são as vantagens obtidas por meio da desconcentração geográfica da produção, mas podem também ser descritos como as desvantagens das aglomerações, como o alto custo da terra, congestionamentos, poluição, entre outros fatores. Mais recentemente, na linha da chamada Nova Geografia Econômica, Krugman (1999) refere-se a estes fatores como forças centrípetas, quando estimuladoras da concentração das atividades econômicas e forças centrífugas, quando se opõem à concentração ou a desestimulam, promovendo assim a desconcentração geográfica.

Estudos sobre a distribuição espacial da indústria brasileira mostram que, após um período de concentração intensa na Região Sudeste e, dentro desta, no Estado de São Paulo, iniciou-se, a partir dos anos setenta, um processo de desconcentração (Pintaudi; Carlos, 1995). Entre os fatores que têm sido apontados como causas da desconcentração estão: o aumento das deseconomias de aglomeração nas metrópoles da Região Sudeste, as melhorias da infra-estrutura de transportes e comunicações e outros investimentos e incentivos estatais voltados para as regiões menos industrializadas (Alonso; Bandeira, 1988; Pacheco, 1999). A partir do final dos anos oitenta, a distribuição espacial das atividades industriais foi influenciada pelo processo de reestruturação produtiva das empresas brasileiras, estimulado pela abertura comercial e pela redução dos investimentos e incentivos estatais que favoreceram a desconcentração no período anterior. As principais evidências sobre este período indicam que o processo de desconcentração da indústria brasileira tendeu a estabilizar-se ou mesmo regredir (Diniz; Crocco, 1996; Andrade; Serra, 2001). A maioria desses trabalhos, no entanto, têm estudado a indústria brasileira de forma agregada, sendo que só recentemente têm surgido estudos que procuram analisar a concentração em nível setorial, como os de Souza (2002) e Resende e Wyllie (2005).

Este trabalho tem como objetivo estudar a concentração da indústria brasileira no período 1996-2001, em nível de setores industriais, por meio do uso do índice de concentração desenvolvido por Ellison e Glaeser (1994). Conforme destacado, a maioria dos estudos sobre concentração industrial produzidos no Brasil não trata a indústria de forma desagregada, o que torna oportuno um estudo deste tipo. Além disto, este trabalho emprega um índice de concentração fundamentado em um modelo teórico sobre o comportamento das empresas, medida ainda pouco explorada pela literatura sobre localização industrial no Brasil. Desta forma, pretende-se contribuir para o debate sobre o comportamento da concentração industrial em nível setorial a partir da segunda metade da década de noventa, período caracterizado pela estabilidade macroeconômica e pela continuidade das principais forças que influenciaram a distribuição espacial da indústria brasileira a partir do final dos anos oitenta. Para isso, são utilizados microdados sobre pessoal ocupado nas empresas da indústria de transformação brasileira nos anos de 1996 e 2001, extraídos da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho, classificados de acordo com as aberturas de divisões (2 dígitos) e grupos (3 dígitos) industriais da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE).1 1 Os autores agradecem ao Sr. Murilo Castellano, do Banco do Brasil e da FGV Brasília, pelo acesso aos dados da RAIS, por ele obtidos junto ao Ministério do Trabalho. Também agradecemos os comentários de dois pareceristas anônimos, que muito contribuiram para o aperfeiçoamento da versão original deste trabalho.

2 CONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL NO BRASIL A PARTIR DOS ANOS 70

As evidências sobre a distribuição espacial da indústria no Brasil mostram uma tendência de desconcentração geográfica a partir dos anos setenta do século XX, após um período de concentração industrial na Região Sudeste, em especial no Estado de São Paulo. As principais causas apontadas para essa desconcentração foram os preços dos terrenos e outras deseconomias geradas pela aglomeração excessiva, além dos investimentos estatais em infra-estrutura e de outras políticas governamentais que contribuíram para reduzir as desigualdades regionais no período (Bandeira, 1995; Diniz e Crocco, 1996).2 2 Sobre os objetivos e investimentos realizados durante o II PND, pode-se ver Castro (1985). Entre 1970 e 1985, a participação do Estado de São Paulo no PIB industrial brasileiro caiu de 56,4% para 43,9%, enquanto a parcela da Região Sudeste no mesmo PIB declinou de 79,08% para 65,74% (Souza, 1993).3 3 A esse respeito, ver também Azzoni (1997). No mesmo período, Souza (2002) mostra que o índice de Gini, calculado para a distribuição espacial dos valores da transformação industrial, caiu de 0,841 para 0,797, com a maioria dos gêneros industriais se desconcentrando geograficamente.

A crise econômica dos anos oitenta teve impactos diferenciados sobre as economias regionais, beneficiando regiões especializadas na agroindústria e na indústria de bens intermediários. Por outro lado, a redução dos investimentos governamentais ao longo dos anos oitenta e noventa tendeu a desacelerar a desconcentração devido ao seu impacto negativo sobre os investimentos industriais nas regiões menos desenvolvidas do território nacional, como se verificou na Região Nordeste (Pacheco, 1999).

A partir do final dos anos oitenta, fatores como a reestruturação produtiva das empresas brasileiras para enfrentar o novo ambiente competitivo globalizado, incentivada pelas medidas de abertura comercial, e as mudanças no papel do Estado na economia contribuíram para afetar a distribuição espacial da indústria brasileira (Diniz; Crocco, 1996). Essas mudanças tiveram continuidade no período pós-Plano Real, estimuladas pela valorização cambial, pela entrada de investimentos estrangeiros e pelo ambiente de baixa inflação. Pacheco (1999) mostrou, a partir da análise das empresas da grande São Paulo, que a reestruturação produtiva teve implicações sobre a ordenação espacial da indústria.4 4 Para uma análise mais detalhada do processo de reestruturação da indústria nacional ao longo dos anos 1980 e 1990, ver Castro (2001). O ajustamento das empresas, respeitadas as diferenças setoriais, teve como objetivos comuns a busca de ganhos de produtividade e racionalização da produção, levando em consideração diferenças de custos, logística e qualificação da mão-de-obra nas localizações das plantas. Ainda de acordo com Pacheco, a tendência foi no sentido de "...manter nas antigas áreas industriais exclusivamente as linhas de maior conteúdo tecnológico, ou que, por diversas razões, demandem mão-de-obra de maior qualificação." (Pacheco, 1999, p. 35). As principais razões apontadas por esse autor para a desconcentração foram os problemas ambientais e de transporte, a valorização dos terrenos e a redefinição de seu uso para outros fins, como o estabelecimento de comércio e serviços.

Outro fator que pode ter contribuído para a desconcentração no período foram os incentivos fiscais oferecidos pelos Estados que buscavam atrair atividades industriais.

Por outro lado, certos tipos de ajustes implementados pelas empresas no período podem ter contribuído para favorecer a concentração. Nesse sentido, pode-se destacar as reações às ameaças representadas pela abertura comercial a partir do início dos anos noventa, que levaram as empresas a redimensionarem seus quadros, reduzirem seus catálogos de vendas, fecharem instalações e adotarem novas práticas de gerenciamento – gerência da qualidade total, just in time, etc. – (Castro, 2001). Isso implicou, em muitos casos, o encolhimento ou desativação de unidades industriais em regiões menos industrializadas, contribuindo para o aumento da concentração.

As evidências quanto ao comportamento da concentração industrial entre o final dos anos oitenta e a primeira metade dos anos noventa parecem depender do recorte geográfico utilizado. No entanto, os trabalhos mais influentes apontam para um estancamento do processo de desconcentração iniciado nos anos setenta (Diniz; Crocco, 1996; Andrade; Serra, 2001). Diniz e Crocco (1996) mostram que, já na segunda metade dos anos oitenta, o processo de desconcentração estabilizou-se, com a indústria mantendo-se concentrada em um polígono industrial localizado no interior da região Centro-Sul do País, compreendendo a área que vai do centro de Minas Gerais até Porto Alegre. Segundo Andrade e Serra (2001), esta tendência se manteve durante a primeira metade dos anos noventa, quando a participação do polígono industrial no emprego manteve-se praticamente inalterada, embora tenha ocorrido desconcentração no interior do polígono. No entanto, estes resultados dizem respeito à indústria como um todo, não esclarecendo o que ocorreu com os diferentes setores industriais. Pode-se inferir que, em um ambiente em que predominaram as forças de mercado, com pouca interferência do Estado nas decisões locacionais das empresas, os efeitos sobre a distribuição espacial tenham sido distintos nos diferentes setores da indústria, de acordo com suas características locacionais específicas, podendo ter ocorrido concentração e desconcentração simultaneamente.

Estudos mais recentes, como os de Souza (2002) e de Resende e Wyllie (2005), têm fornecido algumas evidências sobre a concentração industrial em nível setorial no Brasil. Souza (2002) estudou a concentração em nível setorial do valor da transformação industrial no período 1970-1997, medida pelos índices de Gini e de Venables. Esse autor identificou uma tendência geral de desconcentração na indústria ao longo de todo o período 1970-1997, embora o comportamento tenha sido diferenciado nos diversos setores da indústria de transformação, com os setores tecnológicos apresentando-se mais concentrados durante todo o período e tendo mantido seus graus de concentração estáveis no período 1985-1997. Este autor também constatou a importância da abertura comercial sobre a distribuição espacial dos setores da indústria de transformação brasileira durante os anos noventa. Resende e Wyllie (2005) usaram as medidas de aglomeração industrial propostas por Ellison e Glaeser (1997), Maurel e Sédillot (1999) e Deveneux et al. (2004), calculadas a partir de microdados de emprego da RAIS, para estudar as aglomerações nos setores da indústria de transformação no Brasil. Estes autores trabalharam com setores de acordo com a classificação de 4 dígitos da CNAE e utilizaram as microrregiões do IBGE como recorte geográfico. Resende e Wyllie observaram a existência de grande heterogeneidade na concentração dos diferentes setores da indústria de transformação brasileira, não tendo sido identificado um padrão de concentração comum aos setores estudados. Além disto, esses autores constataram mudanças significativas entre os setores mais concentrados da indústria de transformação e elevação da proporção de setores com baixo grau de aglomeração no período 1995-2001.

Na linha destes últimos trabalhos, em particular do trabalho de Resende e Wyllie (2005), este artigo estuda a concentração dos setores da indústria de transformação brasileira no período 1996-2001, por meio do índice de Ellison e Glaeser (1994). No entanto, diferentemente dos autores citados, este trabalho analisa a concentração da indústria de transformação brasileira a partir de uma perspectiva mais agregada, tanto em termos de setores quanto de unidades geográficas. Desta forma, pretende-se contribuir para o debate sobre o comportamento espacial dos diferentes setores da indústria brasileira no período mais recente, caracterizado por mudanças significativas nas variáveis que influenciam sobre a localização das empresas.

3 O ÍNDICE DE ELLISON E GLAESER (1994)5 5 Nesta seção, o índice de concentração de Ellison e Glaeser é apresentado de forma sucinta. Para maiores detalhes sobre a derivação desse índice, ver Ellison e Glaeser (1994, 1997, 1999) e Dummais, Ellison e Glaeser (2002).

Conforme destacado na introdução deste trabalho, a literatura sobre localização das atividades econômicas tem apontado a existência de forças aglomerativas e desaglomerativas (fatores que estimulam e fatores que desestimulam a concentração) na tentativa de explicar a distribuição das atividades econômicas no espaço. Para Weber (1929), existiriam fatores aglomerativos e desaglomerativos, sendo os primeiros as vantagens de produção e comercialização resultantes da concentração da produção em um determinado ponto, (internas à firma) e as economias resultantes da proximidade de outras indústrias e de condições mais favoráveis de infra-estrutura urbana (externas à firma). Os fatores desaglomerativos são as vantagens obtidas por meio da desconcentração geográfica da produção, como o alto custo da terra, congestionamento, poluição, entre outros fatores. Segundo a abordagem de Krugman (1999), existiriam forças estimuladoras (centrípetas) e forças que se opõem à concentração geográfica das atividades econômicas (centrífugas).

Para mensurar a concentração geográfica das atividades econômicas, de forma a refletir o resultado da interação entre os fatores aglomerativos e desaglomerativos, pode-se utilizar um índice de dispersão "normal" ou "natural". Com este intuito, a prática mais comum é utilizar a variância de uma variável indicativa da atividade, que mostra a sua dispersão estatística em relação a um valor esperado. Dessa forma, utilizando-se como variável indicativa o emprego industrial e como recorte geográfico os Estados da Federação, considera-se que a participação de um Estado no emprego industrial total menor do que sua participação em uma indústria específica indicaria um estado concentrador desta atividade, pois teria participação no nível de emprego maior do que a esperada.

Formalizando, se o valor esperado da participação de cada Estado i no nível de emprego de uma indústria j nacional (sij) é igual à participação do Estado no nível de emprego industrial como um todo (xi, que equivaleria ao emprego industrial médio do Estado), então a variância da participação dos Estados no nível de emprego de uma indústria i seria dada por gj, obtido por:

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A equação 1 mostra uma medida simples de concentração industrial proposta por Ellison e Glaeser (1994), onde: xi é a participação de um Estado i no emprego industrial nacional, obtido pelo quociente entre o total do emprego industrial do Estado e o total do emprego industrial do país; e sij é a participação do emprego da indústria j no Estado i no total do emprego desta indústria no país, calculada por meio do quociente entre o total do emprego indústria j do Estado i e o total do emprego desta indústria em nível nacional.

O índice gj é um número que indica o quanto a participação de um Estado i no emprego da indústria j se distancia da participação deste Estado no emprego industrial como um todo, em que se considera a participação média do Estado no emprego industrial, ou seja, a participação padrão deste Estado no emprego industrial. Como se pode perceber, gj crescerá com o aumento da dispersão setorial e se reduzirá com a redução desta, dado que, quanto maior a dispersão, maiores os desvios de sij em relação à xi.

A medida acima pode ser normalizada, transformando-se em:

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Desta forma obtém-se um índice geral de concentração industrial. No entanto, uma atividade qualquer pode ser concentrada simplesmente devido à existência de poucas firmas. Isto ocorre, por exemplo, em setores como a fabricação de caminhões e ônibus, que tinha no Brasil apenas 16 empresas, segundo os dados do IBGE para 2004, ou a fabricação de cimento, no qual existiam 44 empresas no mesmo ano.6 6 Pesquisa Industrial Anual - empresa 2004. Para tornar o índice apresentado na equação (2) mais preciso, Ellison e Glaeser (1994) utilizam um índice de Herfindahl baseado no nível de emprego industrial. Considerando uma indústria j composta de n unidades de negócios com participações z1 ,..., zn no emprego industrial,7 7 Ou seja, = 1. pode-se calcular um índice de Herfindahl destas participações da forma mostrada na equação (3) abaixo:

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Como se pode observar por meio da equação (3), H será maior quanto maior for a participação de cada planta no nível de emprego da indústria j. Acompanhando Resende (2005), pode-se dizer que nesta medida é considerado tanto o número de firmas, como as diferentes participações no emprego industrial. O limite inferior de H é 1/n, que corresponde ao caso em que as firmas dividem igualmente o emprego, e tende para zero com o aumento do número de unidades de negócios (n). Já o seu limite superior é 1, indicando uma situação de monopólio, onde apenas uma unidade detém todo o emprego da indústria estudada. Utilizando-se esse índice de Herfindhal para ajustar o índice Gjinicial obtém-se um novo índice:

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Assim, considerando-se um país dividido em m estados, os quais detêm participações x1 ,..., xm no emprego de uma indústria, se a localização das firmas é distribuída aleatoriamente com probabilidades p1 ,..., pm – caso em que não haveria efeito de fatores aglomerativos sobre as decisões de localização – pode-se assumir que pi = xi para um Estado i, ou seja, que a probabilidade de que a indústria se localize no Estado i é dada pela participação deste Estado no emprego da indústria considerada. Ou seja, se as firmas escolherem suas localizações aleatoriamente, a probabilidade de se localizarem em um determinado Estado dependeria da participação deste Estado no nível de emprego da indústria. Neste caso limite, o valor esperado de Gj seria igual a Hj e o índice g seria zero. Por outro lado, valores positivos de g indicam setores com concentração maior do que aquela esperada a partir de decisões locacionais aleatórias.

Analisando as variações do índice g de acordo com o seu comportamento e de seus componentes, a partir de dados da indústria norte-americana no período de 1972 a 1992, Dumais, Ellison e Glaeser (2002) constataram que elas estavam associadas principalmente às alterações em Gj. Conforme explicitado acima, quando se imagina um caso limite, com pi= xi, e E(Gj)=Hj, se uma indústria é formada por muitas firmas pequenas, Hj tenderá para zero (com seu limite inferior aproximando-se de zero) e, como Gj também tenderá a zero, o mesmo ocorrerá com o índice g apresentado na equação (4) e, se há muitas regiões pequenas, Gjtende para Hj e o índice g também tende a zero (nos dois casos haverá ausência total de forças aglomerativas). Neste contexto, Gj pode ser interpretado como uma concentração natural do emprego em uma indústria, e a subtração de Hj é uma correção, pois espera-se que Gj seja maior em indústrias com poucas plantas maiores, quando é esperado que Hj tenda para 1. Como se espera que as mudanças no tamanho das plantas sejam lentas, a correção é menos importante em comparações envolvendo curtos períodos de tempo do que em comparações entre indústrias.

Por fim, deve-se destacar que as vantagens da utilização do índice g reside em duas de suas características. Em primeiro lugar, ele tem a vantagem de ser construído a partir de um modelo com fundamento microeconômico (Ellison e Glaeser, 1994, 1997 e 1999; e Dummais, Ellison e Glaeser, 2002), segundo o qual se pressupõe que as firmas escolham localizações que maximizem a sua lucratividade, considerando tanto as vantagens naturais do território quanto a influência de outras firmas já existentes. Quanto a isto, esses autores demonstram que o índice pode ser visto como o resultado agregado da concentração geográfica de uma indústria onde as firmas consideram esta dupla influência.8 8 Para uma análise detalhada do desenvolvimento do índice e de sua relação com o modelo teórico de localização das empresas, ver Ellison e Glaeser (1994, 1997). Em segundo lugar, como foi explicitado ao longo desta seção, trata-se de uma medida de concentração construída a partir da dispersão do nível de emprego em relação a um valor de referência, corrigido com a utilização de um índice de Herfindhal de forma a ajustar o resultado do índice para indústrias compostas por poucas plantas, que são consideradas "naturalmente" mais concentradas. Este tipo de correção é um fator que torna mais fidedignas as comparações entre setores econômicos, pois se minimiza a possibilidade de que setores sejam considerados mais concentrados simplesmente pela existência de poucas plantas nele classificadas.

4 A CONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL NO BRASIL NO PERÍODO 1996-2001

Nesta seção é estudada a concentração dos setores da indústria de transformação no Brasil no período 1996-2001, por meio do índice de Ellison e Glaeser (1994) apresentado na seção anterior. São utilizados microdados referentes ao número de pessoas ocupadas nas empresas dos diferentes setores da indústria de transformação brasileira nos anos de 1996 e 2001, nos diferentes Estados, gerados pelo Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho. A classificação dos setores utilizada corresponde às aberturas de divisões (2 dígitos) e grupos (3 dígitos) industriais da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), totalizando 23 divisões e 99 grupos de atividades.

A concentração geográfica da indústria pode ser analisada a partir de indicadores como o valor bruto da produção industrial (VBPI), valor da transformação industrial (VTI) ou a partir de informações referentes ao pessoal ocupado nas atividades industriais. Nos dois primeiros casos, os dados nem sempre estão disponíveis com o grau de desagregação desejado, como no caso deste trabalho, em que são necessários dados em nível de estabelecimento. Quanto ao emprego industrial, existe a possibilidade de sua obtenção de forma desagregada, mas apresenta a limitação de não levar em conta as contribuições dos demais fatores de produção na geração do produto das regiões (Souza, 1981). Com respeito a essa limitação, Andrade e Serra (2001) encontraram elevados coeficientes de correlação entre o emprego e as demais variáveis, evidência que sugere que, na prática, pode-se optar por um ou outro tipo de variável, de acordo com os dados disponíveis, sem incorrer em grandes distorções. No entanto, se ocorrerem variações significativas na produtividade do trabalho entre diferentes setores industriais, medidas de concentração baseadas no emprego tenderão a mostrar como mais concentrados setores em que o crescimento da produtividade do trabalho tenha sido menor (Resende, 2005). Para reduzir o efeito deste fator, deve-se trabalhar com unidades geográficas que sejam suficientemente grandes para abrigar uma certa diversidade de setores industriais e de níveis de produtividade. Neste trabalho, assume-se que os Estados brasileiros sejam suficientemente grandes para tanto.

Ainda uma outra qualificação que deve ser feita diz respeito ao uso dos dados da RAIS. Os dados de emprego da RAIS informam as quantidades de pessoas ocupadas com carteira assinada nos estabelecimentos econômicos, não incluindo os trabalhadores informais. Segundo Resende e Wyllie (2005), essa limitação é atenuada no caso da indústria de transformação, onde seria baixo o índice de informalidade no emprego. De fato, comparando o número de empregados em 1996 e 2001 da RAIS com o pessoal ocupado assalariado das Estatísticas do Cadastro Central de Empresas (CCE) do IBGE, constata-se que ele é 3% maior na RAIS em 1996 e 7% em 2001. Se a comparação é feita entre o número de empregados da RAIS e o pessoal ocupado (total) do CCE, este é 10% maior no CCE em 1996 e 4% maior em 2001.9 9 Pelos dados da RAIS existiam 4.753.382 pessoas ocupadas em 1996 e 4.889.861 em 2001. Nas Estatísticas do Cadastro Central de Empresas haviam 4.593.808 pessoas assalariadas em 1996 e 4.550.710 em 2001, bem como 5.236.979 pessoas ocupadas em 1996 (pessoal ocupado total) e 5.105.022 em 2001. Cabe salientar aqui que as Estatísticas do Cadastro Central de Empresas são alimentadas tanto com informações da RAIS quanto com os resultados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE, sendo os dados da PIA sobrepostos aos da RAIS para as empresas que são informantes da pesquisa no ano. Como critério adicional de comparação entre as duas bases de dados para efeitos do cálculo do índice proposto, comparou-se o subíndice Gj calculado com os dados da RAIS e com o mesmo índice calculado a partir dos dados do CCE da Fundação IBGE. No entanto, uma vez que a Fundação IBGE não disponibiliza os microdados da amostra de suas pesquisas, não foi possível o cálculo do componente do índice de Herfindahl a partir desta fonte de dados. Como se pode ver na tabela do Anexo I, os resultados obtidos para Gj com os dados da RAIS e do CCE mostraram-se razoavelmente coerentes, com uma diferença porcentual média de 20% para 1996, e 17% para 2001. Nas duas comparações, verifica-se que os números estão bastante próximos.

Ainda uma outra limitação dos dados da RAIS, diz respeito a homogeneidade da cobertura geográfica do emprego industrial. Neste sentido, os mesmos autores destacam que a cobertura da RAIS tem se tornado mais homogênea no período mais recente (desde 1995 pelo menos). Por outro lado, persiste o problema de que algumas empresas que possuem vários estabelecimentos localizados em diferentes regiões adotam sistemas centralizados de registro, o que tende a elevar o nível de concentração calculado pelo índice utilizado neste trabalho, especialmente nas divisões ou grupos onde existem poucas empresas. Espera-se que esse problema seja, ao menos em parte, compensado pela elevação do índice de Herfindahl resultante deste tipo de registro.

A seguir, são apresentados os resultados obtidos com o cálculo do índice de Ellison e Glaeser (1994). A Tabela 1 mostra os valores médios do índice e de seus componentes, calculados para as divisões e grupos da indústria de transformação para os anos de 1996 e 2001.

Verifica-se que o valor médio de g sofreu uma redução de aproximadamente 20% com a desagregação das atividades em nível de divisão e de aproximadamente 15% em nível de grupos, o que isoladamente indica redução da concentração geográfica da indústria de transformação no período analisado. Também constata-se que os valores de g e de seus componentes calculados para as divisões são menores do que os valores obtidos para os grupos, indicando que o grau de desagregação das atividades afeta os resultados do índice.

Como trata-se de um lapso de tempo de 5 anos, pode-se considerar a redução observada no índice g bastante acentuada, quando comparada à variação de aproximadamente 13% obtida por Dummais, Ellison e Glaeser (2002) para os EUA em um período de 20 anos (entre 1972 e 1992). No entanto, esses autores utilizaram uma divisão de atividades diferente da empregada neste trabalho, o que torna a comparação dos resultados inconclusiva, sendo aqui apresentada apenas como um indicativo.

Analisando os componentes do índice g, verifica-se que as médias de gj e Gj, calculadas em nível de divisão, diminuem entre 1996 e 2001, ao passo que há um aumento do índice de Herfindahl médio. Constata-se, desta forma, que a redução de g esteve associada à redução do subíndice Gj. Em nível de grupos, nota-se que a redução no valor de g esteve associada aos aumentos nos valores médios de Gj e de Hj, especialmente do último, apesar da redução ocorrida no valor médio de gj.

A Tabela 2 mostra os valores de g para as divisões industriais da CNAE, apresentadas em ordem decrescente dos valores do índice em 1996. Além de informar os valores absolutos da concentração das diferentes divisões, a tabela permite comparar as posições das diferentes divisões no rank da indústria de transformação, facilitando a análise das alterações ocorridas na concentração geográfica das divisões no período 1996-2001. Os dados da tabela mostram que houve aumento da concentração em 8 e redução em 15 divisões, embora as variações ocorridas nas concentrações de 4 destas últimas tenham sido muito pequenas. Quanto às mudanças relativas, verifica-se que 6 divisões permaneceram nas mesmas posições no rank, 5 perderam posições e 12 tornaram-se relativamente mais concentradas, embora as mudanças na maioria dos casos não tenham sido significativas. Essas constatações, juntamente com a redução do índice médio de concentração mostrada anteriormente, indicam a predominância de um movimento no sentido da desconcentração industrial no período.

Verifica-se ainda, a partir dos dados da Tabela 2, que as divisões mais concentradas englobam tanto atividades que utilizam insumos de origem primária, como nos casos de "Preparação de couros, fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados" e de "Fabricação de produtos de madeira", quanto atividades que envolvem maior conteúdo tecnológico, como a "Fabricação de produtos eletrônicos", por exemplo. As primeiras se caracterizam pela proximidade das fontes localizadas de matérias-primas de origem agropecuária, como é o caso da "Fabricação de produtos de fumo", e/ou pela influência de economias de aglomeração proporcionadas por outras atividades do setor. Quanto às segundas, pode-se dizer que, em geral, são mais sensíveis às economias de aglomeração, como nos casos de "Fabricação de material eletrônico e de comunicações", "Fabricação de veículos e de outros equipamentos de transporte" e "Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática". Entre as divisões menos concentradas, predominam as atividades industriais tradicionais, como "Confecção de artigos do vestuário e acessórios", "Fabricação de produtos alimentícios e bebidas" e "Fabricação de produtos têxteis", além de outras atividades com menor conteúdo tecnológico e baixo valor agregado.10 10 Busca-se aqui apenas destacar algumas características das divisões que apresentam os maiores e os menores níveis de concentração, que possam ser relevantes para explicar suas distribuições espaciais. Não é objetivo deste trabalho a análise detalhada das causas da concentração dos diferentes divisões e grupos da indústria de transformação brasileira.

Em que pesem os movimentos observados, em geral as posições das divisões não se alteram significativamente entre os dois anos, tendo variado entre uma e três posições para cima ou para baixo no rank. Entre as divisões mais concentradas, situadas entre a 1ª e a 4ª posição em 1996, houve apenas o crescimento da indústria fumageira, que subiu da 4ª para a 3ª posição em 2001, com queda da fabricação de material eletrônico para a 4ª posição em 2001. Pode-se dizer que as posições variaram significativamente em apenas 4 divisões; nos casos das divisões 33 ("Fabricação de equipamentos de instrumentação para usos médico-hospitalares") e 18 ("Confecção de artigos do vestuário e acessórios"), que se tornaram mais concentradas, e das divisões 23 ("Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares") e 35 ("Fabricação de outros equipamentos de transporte"), que se tornaram menos concentradas. Na tabela 3 abaixo são apresentados os diferentes componentes do índice de concentração dessas 4 divisões.

A divisão 23 caiu 10 posições e a divisão 35 perdeu 16 posições. Além da redução do índice g, tem-se em comum nessas duas divisões e redução do subíndice Gjentre os dois anos estudados. No caso da divisão 23, como o seu subíndice Hjnão se alterou durante o período, a redução da concentração geográfica deveu-se ao aumento da dispersão locacional do emprego industrial. Quanto à divisão 35, constata-se que o subíndice Gj não sofreu uma redução tão expressiva, mas ocorreu um aumento acentuado do Hj, indicando que a divisão ficou mais próxima de uma situação de monopólio (com Hj mais próximo de 1). Outro aspecto comum entre estas duas divisões são os valores relativamente elevados de Hj, indicando que elas são compostas por um número menor de plantas industriais. Já a divisão 33 ascendeu 4 posições e a 18 subiu 6. Como não houve alterações significativas nos sub-índices Hjdestas divisões, os aumentos na concentração geográfica deveram-se basicamente às variações em Gj.

Um critério adicional utilizado por Ellison e Glaeser (1994), para determinar se uma dada atividade é muito concentrada ou pouco concentrada em relação às demais, é a comparação do índice calculado para aquela atividade com os índices médio e mediano do conjunto das indústrias estudadas. Caso uma indústria possua um g maior do que o médio assume-se que seja muito localizada, ao passo que se g for menor do que o mediano considera-se que seja pouco localizada. No caso dos EUA, estes autores constataram que 26% das indústrias apresentaram g maior que 0,051 (média) e 43% apresentaram g menor que 0,026 (mediana). Considerando as 23 divisões vistas na Tabela 2, em 1996 tinha-se 6 (26%) e, em 2001, tinha-se 5 (22%) com g acima da média, que podem ser considerados setores muito localizados.

Uma análise mais detalhada pode ser feita desagregando as atividades da indústria de transformação nos 99 grupos da CNAE. Os valores dos índices g para os 99 grupos da indústria de transformação podem ser vistos no Anexo II deste trabalho. Os resultados mostram que 53 grupos se desconcentraram e 46 grupos se concentraram no período, embora em alguns deles as variações nos índices tenham sido muito pequenas. Isto, conjuntamente com a redução no valor médio de g, indica uma tendência de desconcentração em nível de grupos, de forma semelhante ao que havia sido observado no caso das divisões da indústria.

As Tabelas 4 e 5 mostram as concentrações dos grupos em relação à média e à mediana do conjunto de setores em 1996 e 2001. A Tabela 4 mostra que, entre 1996 e 2001, o número de grupos com g superior ao médio aumentou, passando de 19 para 25, embora a concentração média do conjunto dos grupos mais concentrados tenha caído de 0,362 para 0,237.

Pode-se verificar na Tabela 4 que, dos 19 grupos mais concentrados da indústria de transformação em 1996, 16 (84%) permaneceram em 2001, o que evidencia a existência de uma relativa estabilidade na situação dos grupos mais concentrados, embora as posições relativas da maioria dos grupos tenham sofrido alterações durante o período. Verifica-se também que, de forma semelhante ao observado anteriormente para as divisões, o grau de concentração da maioria dos grupos mais concentrados caiu, o que se traduziu na redução da concentração média já destacada. Como características dos grupos mais concentrados, pode-se destacar a predominância de atividades produtoras de bens de capital e de bens intermediários, atividades com maior conteúdo tecnológico e a pouca presença da indústria tradicional. Em muitos casos, trata-se de atividades de maior escala, que demandam grandes investimentos, como nos casos de "Coquerias" (relacionada ao refino de petróleo), "Fabricação de outros equipamentos de transporte" e "Siderurgia", por exemplo.

O conjunto dos grupos menos concentrados, apresentado na Tabela 5, apresenta um comportamento semelhante ao observado entre os grupos mais concentrados quanto à estabilidade; dos 51 grupos que aparecem em 1996, 41 (80%) permanecem em 2001. No entanto, a mobilidade dos grupos dentro do conjunto dos menos concentrados apresenta-se maior do que a observada dentre os mais concentrados, com as posições de muitos grupos alterando-se de forma significativa entre os dois anos. Esse resultado é similar ao observado anteriormente para as divisões. Além disso, constata-se que o índice de concentração da maioria dos grupos aumentou durante o período, o que contribuiu para elevar a concentração média do conjunto dos menos concentrados de 0,015 para 0,020.

Em linhas gerais, predominam no conjunto dos grupos menos concentrados atividades industriais tradicionais, produtoras de bens de consumo não-duráveis, como nos casos dos grupos relacionados com a fabricação de tecidos e vestuário, alimentos, bebidas, entre outros. Entre os grupos menos concentrados, aparecem também atividades como reciclagem, fabricação de instrumentos médicos, de equipamentos de uso geral, bem como o grupo "Fabricação de produtos diversos", que engloba uma grande variedade de atividades industriais. O que caracteriza a maioria das atividades pouco concentradas é o nível relativamente baixo de conteúdo tecnológico e a menor escala, características que podem estar relacionadas com menores exigências quanto às condições de infra-estrutura e às economias de aglomeração.

Os resultados obtidos para divisões e grupos mostram que ocorreram mudanças significativas nos padrões de concentração dos diferentes setores da indústria de transformação brasileira no período estudado, com o predomínio de uma tendência no sentido da desconcentração, tanto em nível de divisões quanto de grupos da CNAE. Os resultados também mostram que, embora tenha sido observada a predominância de desconcentração tanto em nível de divisões quanto de grupos, não é possível identificar um padrão que possa ser estendido para a indústria de transformação como um todo. O comportamento observado provavelmente está refletindo a ação das forças destacadas na Seção 2 deste trabalho, em especial os esforços de reestruturação das empresas, diante do ambiente mais competitivo existente durante os anos noventa, especialmente após o Plano Real. Estes resultados são coerentes com a expectativa de que as forcas que influenciaram o comportamento da indústria no período teriam afetado de forma diferenciada os diversos setores industriais, de acordo com suas peculiaridades locacionais e suas sensibilidades aos fatores aglomerativos e desaglomerativos.

A comparação dos resultados obtidos neste trabalho com a literatura recente sobre concentração industrial no Brasil, apresentada na Seção 2, fica em parte prejudicada pelas diferenças metodológicas, em especial no que diz respeito ao nível de agregação da indústria e ao recorte geográfico utilizado. No entanto, pode-se fazer algumas comparações com os resultados obtidos em estudos que apresentam enfoque setorial e que cobrem, pelo menos em parte, o período estudado, com são os casos dos trabalhos de Souza (2002) e de Resende e Wyllie (2005). Os resultados deste trabalho são consistentes com os obtidos por Souza quanto à constatação de que a tendência de desconcentração ocorreu na maioria dos setores da indústria durante os anos noventa, em que pese a pequena superposição entre os períodos estudados e as diferenças na metodologia empregada. Com relação ao trabalho de Resende e Wyllie (2005), que apresenta maior semelhança metodológica com este trabalho, embora apresente diferenças em nível de desagregação setorial e de recorte geográfico, os resultados mostraram-se em parte consistentes. Foram semelhantes as constatações quanto à existência de heterogeneidade no comportamento dos diferentes setores em relação à concentração e de mudanças significativas nas concentrações dos diferentes setores no período, com predomínio de setores que apresentaram desconcentração espacial durante o período. No entanto, no que diz respeito ao comportamento dos setores mais concentrados, os resultados aqui obtidos diferem dos de Resende e Wyllie (2005), que constataram maior mobilidade no conjunto dos setores mais concentrados no período 1995-2001. Essa diferença pode estar relacionada com o maior grau de desagregação, setorial e espacial, empregado por esses autores, que utilizaram a classificação a 4 dígitos da CNAE e as microrregiões do IBGE. Quanto às atividades mais e menos concentradas, verifica-se que, em linhas gerais, os resultados são semelhantes aos obtidos por esses autores.

5 CONCLUSÕES

Este trabalho teve como objetivo analisar a concentração geográfica da indústria de transformação brasileira em nível setorial no período 1996-2001, por meio do uso do índice de Ellison e Glaeser (1994), medida de concentração ainda relativamente pouco explorada pela literatura sobre localização industrial no Brasil. Com esse propósito, foram utilizados microdados de emprego da RAIS, classificados de acordo com as visões de divisões e de grupos da CNAE.

No período estudado, constatou-se o predomínio de uma tendência de desconcentração geográfica na indústria brasileira, evidenciada pela redução do índice médio de concentração da indústria e pela ocorrência de desconcentração na maioria das divisões e grupos industriais estudados. Verificou-se também que a desconcentração foi mais intensa entre as atividades industriais que encontravam-se mais concentradas no início do período. Também verificou-se a existência de uma certa estabilidade entre os setores mais concentrados e menos concentrados, embora tenha existido mobilidade dentro dos grupos, especialmente no último. Verificou-se também que, em linhas gerais, os grupos com maior conteúdo tecnológico, especialmente os produtores de bens intermediários e de capital, mostram-se mais concentrados, enquanto os grupos da indústria tradicional, em geral produtores de bens de consumo não-duráveis, apresentam-se menos concentrados.

Embora não tenha sido possível identificar um padrão claro que possa ser generalizado para toda a indústria de transformação, os resultados obtidos neste trabalho indicam que as tendências desaglomerativas predominaram na maioria dos setores da indústria de transformação brasileira no período estudado, que foi caracterizado por mudanças no ambiente econômico que estimularam a adoção de estratégias de ajuste por parte das empresas. Neste contexto, a heterogeneidade observada no comportamento da concentração no período deve estar refletindo, pelo menos em parte, as respostas dos diferentes setores a essas mudanças, de acordo com suas exigências locacionais específicas.

Confrontando-se os principais resultados deste trabalho com as evidências obtidas por outros autores para a concentração dos setores da indústria de transformação no período, pode-se afirmar que, em linhas gerais, foram consistentes, exceto quanto à grande mobilidade entre os setores mais concentrados constatadas por Resende e Wyllie (2005). Finalmente, cabe destacar a necessidade de estudos que analisem as causas das mudanças ocorridas na concentração no período, tanto as que afetaram o conjunto da indústria de transformação quanto as que influenciaram as diferentes atividades industriais, de acordo com suas especificidades locacionais.

  • Endereço para contato:

    Av. Ganzo, 695, ap. 905, Bairro Menino Deus

    CEP 90.150-071

    Porto Alegre, RS

  • Recebido em março de 2007.

    Aceito para publicação em setembro de 2007.

  • 1

    Os autores agradecem ao Sr. Murilo Castellano, do Banco do Brasil e da FGV Brasília, pelo acesso aos dados da RAIS, por ele obtidos junto ao Ministério do Trabalho. Também agradecemos os comentários de dois pareceristas anônimos, que muito contribuiram para o aperfeiçoamento da versão original deste trabalho.

  • 2

    Sobre os objetivos e investimentos realizados durante o II PND, pode-se ver Castro (1985).

  • 3

    A esse respeito, ver também Azzoni (1997).

  • 4

    Para uma análise mais detalhada do processo de reestruturação da indústria nacional ao longo dos anos 1980 e 1990, ver Castro (2001).

  • 5

    Nesta seção, o índice de concentração de Ellison e Glaeser é apresentado de forma sucinta. Para maiores detalhes sobre a derivação desse índice, ver Ellison e Glaeser (1994, 1997, 1999) e Dummais, Ellison e Glaeser (2002).

  • 6

    Pesquisa Industrial Anual - empresa 2004.

  • 7

    Ou seja,

    Que fatores contribuem para a recente tendência de desconcentração industrial no país
    = 1.

  • 8

    Para uma análise detalhada do desenvolvimento do índice e de sua relação com o modelo teórico de localização das empresas, ver Ellison e Glaeser (1994, 1997).

  • 9

    Pelos dados da RAIS existiam 4.753.382 pessoas ocupadas em 1996 e 4.889.861 em 2001. Nas Estatísticas do Cadastro Central de Empresas haviam 4.593.808 pessoas assalariadas em 1996 e 4.550.710 em 2001, bem como 5.236.979 pessoas ocupadas em 1996 (pessoal ocupado total) e 5.105.022 em 2001. Cabe salientar aqui que as Estatísticas do Cadastro Central de Empresas são alimentadas tanto com informações da RAIS quanto com os resultados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE, sendo os dados da PIA sobrepostos aos da RAIS para as empresas que são informantes da pesquisa no ano. Como critério adicional de comparação entre as duas bases de dados para efeitos do cálculo do índice proposto, comparou-se o subíndice Gj calculado com os dados da RAIS e com o mesmo índice calculado a partir dos dados do CCE da Fundação IBGE. No entanto, uma vez que a Fundação IBGE não disponibiliza os microdados da amostra de suas pesquisas, não foi possível o cálculo do componente do índice de Herfindahl a partir desta fonte de dados. Como se pode ver na tabela do

    Anexo I, os resultados obtidos para Gj com os dados da RAIS e do CCE mostraram-se razoavelmente coerentes, com uma diferença porcentual média de 20% para 1996, e 17% para 2001.

  • 10

    Busca-se aqui apenas destacar algumas características das divisões que apresentam os maiores e os menores níveis de concentração, que possam ser relevantes para explicar suas distribuições espaciais. Não é objetivo deste trabalho a análise detalhada das causas da concentração dos diferentes divisões e grupos da indústria de transformação brasileira.

  • Endereço para contato: Av. Ganzo, 695, ap. 905, Bairro Menino Deus CEP 90.150-071 Porto Alegre, RS 1 Os autores agradecem ao Sr. Murilo Castellano, do Banco do Brasil e da FGV Brasília, pelo acesso aos dados da RAIS, por ele obtidos junto ao Ministério do Trabalho. Também agradecemos os comentários de dois pareceristas anônimos, que muito contribuiram para o aperfeiçoamento da versão original deste trabalho. 2 Sobre os objetivos e investimentos realizados durante o II PND, pode-se ver Castro (1985). 3 A esse respeito, ver também Azzoni (1997). 4 Para uma análise mais detalhada do processo de reestruturação da indústria nacional ao longo dos anos 1980 e 1990, ver Castro (2001). 5 Nesta seção, o índice de concentração de Ellison e Glaeser é apresentado de forma sucinta. Para maiores detalhes sobre a derivação desse índice, ver Ellison e Glaeser (1994, 1997, 1999) e Dummais, Ellison e Glaeser (2002). 6 Pesquisa Industrial Anual - empresa 2004. 7 Ou seja, = 1. 8 Para uma análise detalhada do desenvolvimento do índice e de sua relação com o modelo teórico de localização das empresas, ver Ellison e Glaeser (1994, 1997). 9 Pelos dados da RAIS existiam 4.753.382 pessoas ocupadas em 1996 e 4.889.861 em 2001. Nas Estatísticas do Cadastro Central de Empresas haviam 4.593.808 pessoas assalariadas em 1996 e 4.550.710 em 2001, bem como 5.236.979 pessoas ocupadas em 1996 (pessoal ocupado total) e 5.105.022 em 2001. Cabe salientar aqui que as Estatísticas do Cadastro Central de Empresas são alimentadas tanto com informações da RAIS quanto com os resultados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE, sendo os dados da PIA sobrepostos aos da RAIS para as empresas que são informantes da pesquisa no ano. Como critério adicional de comparação entre as duas bases de dados para efeitos do cálculo do índice proposto, comparou-se o subíndice Gj calculado com os dados da RAIS e com o mesmo índice calculado a partir dos dados do CCE da Fundação IBGE. No entanto, uma vez que a Fundação IBGE não disponibiliza os microdados da amostra de suas pesquisas, não foi possível o cálculo do componente do índice de Herfindahl a partir desta fonte de dados. Como se pode ver na tabela do Anexo I, os resultados obtidos para Gj com os dados da RAIS e do CCE mostraram-se razoavelmente coerentes, com uma diferença porcentual média de 20% para 1996, e 17% para 2001. 10 Busca-se aqui apenas destacar algumas características das divisões que apresentam os maiores e os menores níveis de concentração, que possam ser relevantes para explicar suas distribuições espaciais. Não é objetivo deste trabalho a análise detalhada das causas da concentração dos diferentes divisões e grupos da indústria de transformação brasileira.

    Que fatores contribuem para recente tendência de desconcentração industrial?

    Entre os fatores que têm sido apontados como causas da desconcentração estão: o aumento das deseconomias de aglomeração nas metrópoles da Região Sudeste, as melhorias da infra-estrutura de transportes e comunicações e outros investimentos e incentivos estatais voltados para as regiões menos industrializadas (Alonso; ...

    Quais os fatores que favorecem a desconcentração industrial?

    A guerra fiscal entre as várias unidades da Federação, os salários mais baixos nas regiões menos desenvolvidas, a proximidade de fontes de matérias-primas, o nível da infraestrutura local e o desenvolvimento do Mercosul têm provocado o deslocamento da indústria em direção a diferentes regiões.

    Que outros fatores contribuem para a recente tendência de deslocação industrial no país?

    e) aumento na disponibilidade de mão de obra qualificada e barata nas regiões interioranas; f) saturação das condições socioespaciais das áreas densamente industrializadas, com problemas relacionados com a excessiva poluição do ar, trânsito caótico, atuação sindical, aumento dos custos com mão de obra etc.

    Quais foram os fatores que colaboraram para a desconcentração industrial no Brasil?

    Um dos principais fatores responsáveis pela relativa desconcentração industrial do Brasil nos tempos atuais é a chamada “Guerra Fiscal”. Nela, os estados e cidades oferecem um maior volume de incentivos fiscais (isenção de impostos) para atrair fábricas antes situadas em outras localidades.