Relacione a vida útil de um cafezal ao declínio da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba

Oásis de tradição
25/03/2007 10:03:44 - Correio Popular - SP

Cafezinho bom: bebida ainda é cultivada na cidade em fazendas centenárias

Silvana Guaiume

Todo dia é diferente na Fazenda Estiva, onde há 111 anos os cafezais ditam o ritmo do tempo e do trabalho, que começa bem cedo. Não adianta pressa, nem esperar demais. É preciso a hora certa, as estações climáticas sem sustos e quase um ano inteiro dedicado à colheita. A propriedade é um oásis de tradição em meio à fúria urbana de Campinas, que já foi considerada o principal centro cafeicultor de São Paulo.

Mas a cidade cresceu, industrializou-se e as fronteiras do café foram invadidas por bairros, casas, empresas, gente. O cadastro da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) registra 77 fazendas de café em Campinas. Mas Bernardo Lorena Neto, extensionista da Cati, explica que pouquíssimas mantêm a produção. "Algumas podem produzir sementes", arrisca.

De acordo com Lorena Neto, o cafezal resistiu na cidade até a década de 60, quando passou a ser substituído por gado de corte. O gado, por sua vez, sucumbiu à industrialização e à urbanização. O extensionista comenta que há pecuária na cidade, bem reduzida. Hortaliças e fruticultura também têm algum espaço.

Lorena Neto explica que não existe estatística sobre produção de café em Campinas. A cidade é mais conhecida por abrigar o Centro de café do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), responsável por desenvolver mais de 90% das variedades cultivadas no País e 50% na Colômbia, outra meca do produto, assim como o Brasil, o maior produtor mundial.

Os cafezais escaparam para Minas Gerais e Espírito Santo, à frente de São Paulo na lista dos principais Estados produtores. Mas para a terceira geração da família Ming, a agricultura é uma herança séria e respeitada. Antes das 5h, os trabalhadores rurais começam a se espalhar entre as plantações. Almoçam às 10h e fazem um lanche às 14h30.

Na época da colheita, trabalham sem folga. "Temos de fazer conforme a lavoura exige", diz Marcelo Ming, bisneto dos fundadores da fazenda. De dentro dela, Campinas é outra. Terra vermelha no lugar do asfalto, céu claro, muitas plantas e animais. O sol não se reflete sobre toda a superfície da Estiva.

A sobrevivência da propriedade rural dentro da metrópole é atribuída por Ming ao prazer de trabalhar na terra e à tradição familiar. "Fomos criados no café. Está no sangue e é o que sabemos fazer. Não temos outra fonte de renda", afirma.

A produção teve de se diversificar. Milho, feijão, uva e pecuária de corte dividem os 110 alqueires da propriedade com o café. Mas a planta ocupa ainda 25 hectares, que renderam 800 sacas de 60 quilos do grão na colheita do ano passado. Tudo exportado.

A Estiva tem 14 trabalhadores fixos e contrata pelo menos outros 10 na época da colheita, metade mecanizada. A maioria vem da Bahia, por falta de mão-de-obra para a agricultura na região. "Em Campinas não tem gente para trabalhar na roça", diz o produtor.

Ming conta que o amor da família pela roça tem sido assombrado pelo projeto de ampliação do Aeroporto de Viracopos, que inclui desapropriação da Estiva. "A gente sofre muito com isso".

Desde a metade do século 19

Outro remanescente do ciclo cafeeiro, a Fazenda Monte D’Este tem 240 dos 830 hectares dedicados à cultura. Foi comprada pela família Iwasaki, do Japão, em 1927. A fazenda surgiu em 1798, para produzir cana-de-açúcar. Aderiu ao café por volta de 1850 e nunca deixou de produzi-lo. Durante a Segunda Guerra Mundial, as terras foram desapropriadas pelo governo brasileiro.

Os Iwasaki conseguiram comprá-las de volta, mas tiveram de vender parte para investir na fazenda, hoje cercada por condomínios residenciais. Além do café, tem algodão, arroz, feijão, milho e gado. O milho é ração do gado, que produz esterco para adubar as plantações.

Durante a colheita, a Monte D’Este também busca trabalhadores na Bahia. No ano passado, 60 baianos se juntaram aos 50 empregados da propriedade para colher seis mil sacas de café.

Na Estiva, o café colhido passa por secagem e é embalado para exportação. Na Monte D’Este, os grãos são submetidos a um processo de seleção que separa os maduros dos verdes ou secos. Numa segunda fase, o produto é selecionado por tamanho. Os melhores grãos, cerca de 40% da produção, são exportados. O restante é vendido a corretores nacionais.

Colheita, secagem, a maior parte dela em amplos terreiros sob o sol, e armazenagem são fundamentais para o café. "É preciso capricho e atenção para conseguir uma bebida boa", diz Marcelo Ming, da Estiva. Ele garante que o trabalho árduo é compensador. "É bom ver a lavoura crescer, produzir. Não temos rotina, cada ciclo é novo e podemos ver a planta evoluir dia a dia".

Alexandre Silva, coordenador de visitação da Monte D’Este, lembra que a tecnologia também ajuda. Metade da colheita é mecanizada. Três hectares da fazenda foram emprestados ao IAC para pesquisas de melhoramento genético. Mas ele reconhece que a dedicação à terra e à lavoura são indispensáveis, seja onde for.

Potencial consumidor

O Brasil é hoje o principal produtor de café, responde por 28% a 30% da produção mundial. Na safra passada, o País colheu cerca de 45 milhões de sacas. A previsão para a colheita este ano é de 31 a 32 milhões de sacas. "O ciclo de produção é bienal, um ano bom é sucedido por um ano de menor colheita", explica o pesquisador do Centro de café do IAC, Roberto Antônio Thomaziello.

Entre os consumidores da bebida, os brasileiros estão em segundo lugar, atrás dos norte-americanos. No ano passado, o Brasil consumiu 16 milhões de sacas e os Estados Unidos, 18 milhões. A previsão é de que o País assuma a liderança de consumo em 2009 ou 2010.

Na média, a saca de café teve custo de produção de R$ 220 e atingiu preço de mercado de R$ 280 na safra passada, conforme Thomaziello. Os de melhor qualidade da Fazenda Monte D’Este, de Campinas chegaram a ser comercializados por R$ 310 a saca. A altitude ideal para o café é de 1,2 mil metros. Campinas está situada entre 700 e 800 metros de altitude.

O pé de café leva em média três anos para começar a produzir. Tem vida útil de até 13 anos. Mas uma poda especial quando a planta atinge entre 10 e 11 anos pode dobrar a vida útil.

Datas históricas

O grande incentivador da pesquisa de café no Brasil foi o imperador D. Pedro II

1797 - é plantado o primeiro cafeeiro em Campinas, que ainda pertencia a Jundiaí.

1807 a 1809 – surgem grandes plantações de café na cidade.

1842 – a região se consolida como grande produtora de café.

1887 – D. Pedro II cria o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), por influência dos cafeicultores, para estudar a cultura.

Serviço

Informações para visitação da Fazenda Monte D’Este: f. 3257-1256

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Qual a vida útil de um cafezal?

O pé de café leva em média três anos para começar a produzir. Tem vida útil de até 13 anos. Mas uma poda especial quando a planta atinge entre 10 e 11 anos pode dobrar a vida útil.

Que motivos podem ser apontados para o declínio da lavoura do café do Vale do Paraíba?

Conclui-se que os principais determinantes da decadência do café nas terras do Vale do Paraíba fluminense foram: a escassez e a elevação do preço da mão-de-obra escrava, e a degradação dos solos da região.