A década de 1980 ficou marcada por uma crise social e econômica que afetou vários países

Ainda ao início dos anos 80 do século passado o Brasil vivia a ditadura militar. Porém, o presidente Ernesto Geisel, já desde o final da década de 70, acenava para a criação de condições de uma abertura política “lenta, gradual e segura”, a qual deveria levar o país, futuramente, a algum tipo ainda não claramente definido de governo civil, o que pressupunha o fim do militarismo (MARQUES e REGO, 2005). Ao longo da década de 80, pressões por eleições resultou no movimento de “Diretas Já”, um envolvimento cívico de várias camadas da sociedade, o qual contou com a participação de intelectuais, artistas, pessoas ligadas à igreja (e outras religiões que não a Católica), partidos políticos (que se formavam como o PT, PMDB e PSDB), entre tantas personalidades políticas.

A bandeira deste movimento era pela promoção do processo de redemocratização do país, possibilitando a participação da sociedade civil na escolha de seus governantes. Embora as diretas não tenham tido o efeito que se esperava (uma vez que o Congresso ainda era controlado pelo governo, retardando as eleições apenas para o final da década), mesmo que indiretamente um presidente civil foi eleito: Tancredo Neves.

No entanto, Tancredo faleceu em 21 de Abril de 1985 e não chegou a assumir o cargo para comandar a transição para a democracia, fato que levou José Sarney, seu vice, a assumir a presidência da República.

Do ponto de vista econômico, tínhamos herdado os altos índices de endividamento dos períodos e dos planos de desenvolvimento anteriores e enfrentávamos dificuldades para a rolagem da dívida por parte das instituições credoras. No início dos anos 80, as políticas econômicas eram do tipo ortodoxas, o que significa cortar custos do governo e aumentar a arrecadação. Com a chegada de Sarney, em 1985, as políticas começaram a se tornar heterodoxas, diferentes daquelas defendidas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), o qual impunha regras duras de ortodoxia econômica ao Brasil como condição para manter seus cofres abertos às necessidades brasileiras.

Outros agravantes eram os altos índices inflacionários do período e a estagnação econômica. Segundo Thomas Skydmore (2000, p. 271), “para efetuar os pagamentos da dívida externa, o governo recorria à crescente dívida pública interna e à criação de dinheiro inflacionário, o que significava que o serviço da dívida externa havia forçado o governo brasileiro a alimentar as chamas da inflação que estava crescendo...”. Por conta deste contexto econômico conturbado, houve tentativas de reforma monetária e vários planos econômicos foram adotados, como o Plano Cruzado, Plano Bresser e Plano Verão. Infelizmente, todos fracassaram ou seus resultados foram insuficientes para manter a estabilidade econômica que chegaria apenas na década de 90 nos governos Itamar e FHC. Assim, a década de 80 ficou conhecida como a década perdida (do ponto de vista econômico, do crescimento e do desenvolvimento) e terminou com uma hiperinflação.

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No âmbito político, promulgou-se aConstituição de 1988, materializando-se o fim da ditadura. Thomas Skydmore (2000, p. 269) afirma que “os lobistas representando grupos esquerdistas da Igreja, o movimento sindical e a comunidade de direitos humanos foram especialmente ativos. Boa parte de seu conteúdo representava uma vitória para o ideário populista contra muitos princípios defendidos pelo governo militar”. Criou-se condições para a recuperação de uma maior participação cívica dos processos eleitorais, e na primeira eleição direta após o regime militar, Fernando Collor de Melo chegou ao poder. Venceu as eleições contra Luiz Inácio Lula da Silva com seu discurso salvacionista e moralizante ao declarar guerra aos chamados “marajás”, funcionários públicos beneficiados com altos salários e aposentadorias.

No entanto, na década seguinte, frustrou todas as expectativas nele depositadas, sofrendo o processo de impeachment. Ao final da década de 80 nem o Brasil nem o mundo eram mais os mesmos. Acabara a guerra fria e, dessa forma, ganhou corpo o modelo neoliberal de governo pelo mundo, alavancando o processo de globalização econômica. Nos anos seguintes, ampliou-se no Brasil o processo de abertura econômica como resultado de uma política internacional alinhada ao Consenso de Washington, marco fundamental da ordem mundial.


Paulo Silvino Ribeiro
Colaborador Brasil Escola
Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A década perdida (em espanhol, la década perdida) é uma designação para o período financeiro de crise na América Latina e no Leste Europeu[1] durante a década de 1980 (e que em alguns países continuaram até a década seguinte). Em geral, as crises consistiam em dívidas externas impagáveis, grandes déficits fiscais e volatilidade inflacionária e cambial, que na maioria dos países da região eram fixos.

Em geral[editar | editar código-fonte]

Durante os anos 1970, o aumento do preço das matérias-primas (principalmente petróleo) e o barateamento do dólar resultaram na chegada maciça de moeda estrangeira à América Latina, uma região que na época lutava para manter o modelo de industrialização dirigido pelo Estado ou adotar um modelo de livre mercado.

Em 1980, o preço mais baixo das matérias-primas e o aumento das taxas de juros nos países industrializados levou a uma fuga de capitais, que provocou uma depreciação maciça das taxas de câmbio, aumentando a taxa real de juros da dívida, situação agravada pela presença de burocracias excessivamente grandes ou colapso industrial causado pela sua incapacidade de competir com os produtos importados.

Em resposta à crise, a maioria dos países foram forçados a abandonar seus modelos econômicos de substituição de importações e adotaram uma estratégia orientada para a exportação estratégia de crescimento promovida pelo Fundo Monetário Internacional, embora houvesse exceções, como Chile ou Costa Rica que adotaram brevemente estratégias reformistas. A taxa de crescimento real do PIB para a região foi de apenas 2,3% entre 1980 e 1985. Entre 1982 e 1985, a América Latina pagou 108 bilhões de dólares em obrigações vencidas.

No início dos anos 1990, a América Latina já estava se recuperando da crise, que, no entanto, reconfigurou a paisagem econômica da região: os países que antes eram potências regionais como Argentina, México e Venezuela ficaram com várias consequências que não foram superadas, enquanto países mais atrasados como Chile, Brasil, Peru e Colômbia se destacaram nas últimas décadas por um alto crescimento econômico e um bem-estar social maior.

Várias publicações, como o jornal espanhol El País e o brasileiro O Estado de S. Paulo, indicaram que a década a partir de 2012 marcaria uma "segunda década perdida" para a região, com uma queda dramática nos índices econômicos regionais após anos de estabilidade (e até mesmo boom em alguns casos), devido à alta demanda de matérias-primas pelo mercado asiático, principalmente a China e o enfraquecimento das moedas dos países industrializados após a crise de 2008.[2][3] Embora esta situação se deva, em parte, a uma menor demanda por commodities.

Por país[editar | editar código-fonte]

Brasil[editar | editar código-fonte]

Durante os anos 1970, a ditadura militar aproveitou os altos preços do petróleo para explorar suas "vantagens comparativas" com o objetivo de aprofundar sua industrialização e, assim, alcançar um alto crescimento econômico entre 1974 e 1980, ao custo do aumento do endividamento e da inflação.[4]

Em 1981, o Brasil estava com sérios problemas para pagar suas obrigações, elevando a taxa de juros, o que resultou na imposição de um plano de austeridade que tentou, sem sucesso, reduzir os grandes déficits fiscais. A situação econômica provocou uma grande crise política que em 1985 pôs fim a 20 anos de ditadura militar no Brasil e o retorno à democracia. Até então, a necessidade de adotar uma política fiscal que pudesse manter o setor público sem o recurso à inflação tornou-se imperativa. O Plano Cruzado de 1986 foi o primeiro e mais importante de três planos econômicos heterodoxos empreendidos com o objetivo de neutralizar a hiperinflação através do controle de preços. No entanto, uma série de erros (principalmente ignorando a situação do setor público) significou o fracasso destes planos, enquanto a inflação continuou a acelerar no final da década de 1980.[4]

Em 1990, o governo de Fernando Collor de Mello iniciou uma série de reformas neoliberais e de livre mercado, que tentaram remediar, entre outras coisas, o suposto ''atraso'' tecnológico do Brasil produzido pelo protecionismo das décadas de 1970 e 1980.[5] Embora a inflação tenha sido finalmente controlada, os cortes sociais e a escassez de dinheiro causaram uma crise de natureza política e social que permaneceu após o impeachment de Collor em 1992. Seu sucessor, o vice-presidente Itamar Franco nomeou Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda, que de 1993 a 1994 desenvolveu o Plano Real, um novo plano econômico que estabilizou a economia através de uma maior liberalização econômica, paridade com o dólar e saldo orçamental.[4]

Chile[editar | editar código-fonte]

A crise econômica do Chile em 1982 ocorreu durante a ditadura militar liderada pelo general Augusto Pinochet, após anos de reformas econômicas. Entre 1978 e meados de 1981, a economia passou por um período de expansão econômica (o chamado "milagre chileno") marcado pelo baixo preço do dólar. No entanto, no final de 1981, o aumento das taxas de juros e o preço mais baixo do cobre levaram ao superendividamento. Em junho de 1982, o preço do dólar subiu de $39 para $78 pesos chilenos, o que somado à situação desvantajosa da indústria nacional contra as importações significou uma paralisia técnica da economia, contra a qual o governo tentou evitar medidas de corte keynesiano.

Em 13 de janeiro de 1983, o Estado chileno realizou uma intervenção maciça dos bancos, intervindo em cinco e dissolvendo outros três: em 1984, o Estado controlava a economia mais do que o governo socialista de Salvador Allende antes do golpe militar. Devido aos fracos resultados das reformas, a partir de 1985, o governo modificou a direção econômica com a nomeação de Hernán Buchi como Ministro das Finanças, trazendo consigo um longo período de alto crescimento econômico.

Os defensores da política neoliberal de Pinochet afirmam que a crise nasceu fora do Chile e afetou toda a América Latina na chamada década perdida. Os historiadores Gabriel Salazar e Julio Pinto responderam que esse tipo de crise é uma fraqueza inerente ao modelo neoliberal, ou em seu defeito, de sua implementação abrupta.[6]

Foi a pior crise econômica no Chile desde a Grande Depressão de 1929. O PIB chileno caiu 14,3% e o desemprego aumentou para 23,7%. A crise foi apontada como o desencadeador de uma onda de protestos contra o governo militar, que durou anos, enquanto os indicadores sociais permaneciam deficientes, embora a economia experimentasse um alto crescimento após 1985.

Peru[editar | editar código-fonte]

Com o retorno da democracia em 1980, o presidente do Peru, Fernando Belaúnde Terry tentou empreender reformas neoliberais para modernizar a economia. No entanto, o legado pesado do regime anterior e a crise da dívida causaram uma deterioração econômica significativa, agravada pelo fenômeno do El Niño, que devastou a agricultura e a escalada terrorista do Sendero Luminoso.

Inflação persistente levou à introdução do INTI como moeda nacional em 1985 para substituir a antiga moeda peruana, o Velho sol. Naquele ano ele assumiu (pela primeira vez) Alan García como presidente, com um programa econômico heterodoxo que buscava maiores gastos fiscais e a limitação dos pagamentos da dívida externa. No entanto, seu governo foi marcado pela hiperinflação e pelo aumento da pobreza, que passou de 41% para 55% entre 1985 e 1991, ano da introdução da nova moeda peruana, o novo sol.

Em 1990, Alberto Fujimori foi eleito. Até então, a renda per capita no Peru era de 720 dólares, um nível comparável ao de 1960. Fujimori implementou reformas liberalizantes drásticas, como cortes orçamentários significativos, a privatização de empresas, a eliminação de restrições ao investimento privado e o fim do protecionismo. Embora elas mantivessem a inflação sob controle, deve-se notar que muitas dessas reformas foram feitas de forma autoritária após o "autogolpe" de 1992.

Ver também[editar | editar código-fonte]

  • Crise da dívida externa latino-americana
  • Plano Brady
  • Hiperinflação no Brasil
  • Crise econômica brasileira de 2014
  • Economia do Brasil

Referências

  1. Pereira, Luiz Carlos Bresser (1998). Economia brasileira: uma introdução crítica 3ª ed. [S.l.]: Editora 34
  2. País, El (27 de novembro de 2015). «América Latina, ¿otra década perdida?» – via elpais.com
  3. «Mais um ano ruim de outra década perdida - Opinião». Estadão
  4. a b c Dercio Garcia Munhoz (junho de 1997). UFRJ, ed. «Inflação Brasileira: os ensinamentos desde a crise dos anos 30». Consultado em 5 de maio de 2022
  5. Pochmann, Marcio (1 de janeiro de 2016). Brasil sem industrialização: a herança renunciada. [S.l.]: SciELO - Editora UEPG
  6. «EyN: A 25 años de la intervención bancaria en Chile». www.economiaynegocios.cl

O que marcou a crise de 1980?

Em 1980, o preço mais baixo das matérias-primas e o aumento das taxas de juros nos países industrializados levou a uma fuga de capitais, que provocou uma depreciação maciça das taxas de câmbio, aumentando a taxa real de juros da dívida, situação agravada pela presença de burocracias excessivamente grandes ou colapso ...

Por que a década de 1980 é conhecida como a década perdida?

Os anos 80 são conhecidos como década perdida e se referem à estagnação econômica do Brasil e de alguns outros países da América Latina. Em outras palavras, diversos países na América Latina passaram por uma forte retração da produção industrial durante a década de 80.

O que houve com a economia brasileira na década de 1980?

A economia brasileira na década de 80 atravessou uma das mais graves crises de sua história, a qual resultou na estagnação do Produto Interno Bruto e em taxas de inflação sem precedentes. Apesar desse quadro econômico crítico os indicadores sociais apresentaram evolução positiva.

O que resultou na década de 80?

A década de 80 no Brasil foi um período de significativas mudanças e de novos ordenamentos no quadro político da nossa sociedade. O início do processo de abertura política, após longo período de ditadura militar, possibilitou o surgimento de novas organizações da sociedade civil e da sociedade política.