Como o profissional da saúde pode se preparar para lidar com a morte?

Pesquisa

Profissionais de enfermagem e o processo de morrer e morte em uma unidade de terapia intensiva

Nursing professionals, death and the dying process in the intensive care unit

Tatiane de Aquino Demarco MattosI; Celmira LangeII; Diana CecagnoIII; Simone Coelho AmestoyIV; Maira Buss ThofehrnV; Viviane Marten MilbrathVI

IEnfermeira egressa da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E- mail:
IIDoutora em Enfermagem. Professora da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da UFPel
IIIMestre em Enfermagem. Professora da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da UFPel
IVMestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Bolsista CNPq. E-mail:
VDoutora em Enfermagem. Professora da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da UFPel. E-mail:
VIMestre em Enfermagem pela FURG, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail:

Endereço para correspondência

Simone Coelho Amestoy
Rua Deputado Antônio Edu Vieira,1772/201. Bairro Pantanal
CEP: 88040-001, Flrianópolis/Santa Catarina

Data de submissão:12/5/2008
Data de aprovação: 18/11/2009

Resumo

Por ser a morte um fenômeno que acarreta profundas reações emocionais nos profissionais de enfermagem, objetivamos com o desenvolvimento deste estudo conhecer os sentimentos vivenciados por esses trabalhadores diante do processo de morrer e de morte de pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), bem como os mecanismos utilizados para o enfrentamento dessa questão. Trata-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo e exploratório, realizado durante os meses de março a abril de 2007 na UTI da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas-RS, que contou com a participação de cinco profissionais de enfermagem. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, das quais emergiram dois temas: os sentimentos dos profissionais de enfermagem diante da morte e os modos de enfrentamento da morte utilizados pelos profissionais de enfermagem. Acreditamos que lidar com a morte dos pacientes é uma tarefa árdua para esses profissionais, por isso destacamos a necessidade de investir em estratégias que estimulem a reflexão sobre a existência humana.

Palavras-chave: Morte; Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva

INTRODUÇÃO

Quando o assunto é morte, muitas pessoas preferem evitar o tema, pois se trata de um processo que acarreta profundas reações emocionais. No contexto atual, evidencia-se a falta de preparo para enfrentá-la, já que desde crianças as pessoas são afastadas da morte e de seus ritos fúnebres. Além disso, sua ocorrência vem predominando nas instituições hospitalares, tornando-a mais distante do cotidiano.1

A morte é um acontecimento difícil para todos, sejam filhos, sejam pais, familiares e profissionais da área da saúde, por gerar sentimentos de dor, inconformidade, negação e saudade. Existe dificuldade em se falar sobre a morte, no entanto mais complexo é conviver em um ambiente em que esta se faz presente, como é o caso da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), tendo em vista a gravidade dos pacientes que lá se encontram. A UTI é considerada um setor restrito da área hospitalar, destinado à prestação de cuidados preventivos, curativos e paliativos a pacientes que se encontram em estado crítico e investíveis, dispondo de assistência contínua, profissionais especializados e equipamentos tecnológicos sofisticados.2

Convém destacar que, nesse cenário, a equipe de enfermagem está sujeita a vivenciar, diariamente, episódios de morte. Assim, constata-se que os trabalhadores estão pouco instrumentalizados para lidar com essa situação, visto que, em geral, durante a formação profissional, o enfoque principal é a preservação da vida.1 Por outro lado, emerge a necessidade de auxiliar tais profissionais no enfrentamento desse processo, mediante a humanização do ambiente hospitalar. Todavia, a humanização ainda se encontra centralizada no paciente, disponibilizando-se escassa atenção ao cuidado e à humanização do sujeito-trabalhador,3 fato que precisa ser modificado, em virtude da importância de prepará-lo emocionalmente para a execução das ações cuidativas, bem como para atuar de forma ética e profissional diante do processo de morrer e de morte.

Na ânsia de aprofundar os conhecimentos sobre a temática em pauta, almejamos responder aos seguintes questionamentos: Quais são os sentimentos vivenciados pelos profissionais de enfermagem diante do processo de morrer e de morte de pacientes internados em UTI? Que mecanismos de enfrentamento da morte são utilizados pelos profissionais de enfermagem?

METODOLOGIA

Este estudo é de natureza descritiva e exploratória, com utilização da abordagem qualitativa para o tratamento dos dados. Foi desenvolvido durante os meses de março a abril de 2007, na UTI Geral da Santa Casa de Misericórdia da cidade de Pelotas-RS, constituída por 10 leitos, com quadro de pessoal formado por 25 profissionais de enfermagem, sendo 5 enfermeiros, 8 técnicos e 12 auxiliares de enfermagem. Desses, compuseram a pesquisa 2 enfermeiras, 2 técnicas e 1 auxiliar de enfermagem, totalizando 5 profissionais, locados no período diurno. As participantes preencheram os seguintes critérios: tinham vínculo empregatício com a instituição; atuavam na UTI; concordaram em participar do estudo proposto; permitiram que a entrevista fosse gravada e que, após a análise dos dados, os resultados fossem divulgados nos meios científicos.

Atendemos aos procedimentos éticos exigidos pela Resolução nº 196/96,4 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas e pela instituição de trabalho das entrevistadas sob registro em Ata nº 57/2007, as quais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Para a coleta dos dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, que foram realizadas em encontros individuais no próprio local do estudo.

Os dados coletados foram analisados mediante a análise temática de Minayo,5 a maneira mais adequada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa, e agrupados em temática, o que tornou possível estabelecer uma classificação.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Na sequência, apresentamos os dois temas que emergiram do estudo: os sentimentos dos profissionais de enfermagem diante da morte e os modos de enfrentamento da morte utilizados pelos profissionais de enfermagem.

Tema 1: Os sentimentos dos profissionais de enfermagem diante da morte

Os sentimentos expressos pelos sujeitos, quando vivenciam o processo de morrer e morte dos pacientes por eles assistidos, estão atrelados às respostas psicoemocionais, próprias de cada componente da equipe de enfermagem e dependem das condições da morte: inesperada ou esperada dos pacientes internados na UTI.

Para melhor entendimento, morte inesperada é aquela em que o paciente tem um bom prognóstico de recuperação, está bem e, de repente, acontece uma intercorrência - por exemplo, uma parada cardíaca -, e ele acaba falecendo. Já a morte esperada é quando todos da equipe acreditam que o paciente não irá evoluir do estado em que se encontra porque possui um péssimo prognóstico de vida. Geralmente é um paciente terminal, ou seja, um paciente que não responde ao tratamento, por mais que se invista nele, e, assim, a doença torna-se incurável, e a morte passa a ser premente: o paciente sofre por um período até que ocorra a morte em seu sentido de totalidade.

Os entrevistados, ao presenciarem a morte inesperada de um paciente, expressaram sentimentos de tristeza, pena, surpresa, sofrimento. E o motivo de ficarem surpresos com a situação do inesperado se refere ao fato de que, embora todo paciente que necessite de cuidados intensivos se encontre em estado crítico, ainda assim a morte não é bem aceita quando ocorre muito repentinamente.

Morte inesperada dá uma certa tristeza assim. (Violeta)

Os pacientes, às vezes, demoram a conseguir um leito aqui na UTI, principalmente aqueles que ficam no pronto-socorro, então às vezes entram aqui, são admitidos e morrem em seguida. (Jasmim)

Ah, às vezes a gente fica surpresa, mas, assim, quem entra na UTI não vem porque está bem [...] Vem já por alguns motivos graves; ele não vai vir à toa [...]. Às vezes o paciente está tranquilo, conversando, você acha que aquele paciente [...]. Cadê o paciente daqui? Teve alta, não foi a óbito, aí você fica surpresa. (Rosa)

Com base nos depoimentos, percebemos que os sentimentos em relação à morte inesperada são fortes. Assim, os entrevistados apresentaram dificuldade em expressá-los. Cada indivíduo lida com esses sentimentos de maneira diferente: alguns expressam sentimentos de carinho e respeito pelo paciente, outros veem esse momento sem tanto envolvimento, como um modo de proteção emocional. Acreditamos que o fato de a UTI ser um ambiente no qual a maioria dos pacientes são portadores de algum problema grave, os profissionais que ali trabalham já deveriam estar preparados para enfrentar o processo de morrer e de morte.

A morte é um acontecimento pouco compreendido em nossa cultura. Seu evento coloca as pessoas frente a frente com a vulnerabilidade humana. Todavia, a conotação e a repercussão da morte soam mais intensas quando ocorre de maneira inesperada.6

Entre os sentimentos expressos pelos indivíduos, cabe ressaltar o fato de que a maioria se refere à diferença existente entre os sentimentos despertados em relação a um paciente jovem e um paciente idoso. Identificamos que a perda de um paciente jovem abala muito mais a equipe de enfermagem pelo fato de este não ter vivido o suficiente, ao passo que um idoso já passou por todas as etapas da existência humana.

Os profissionais e os membros da própria família aceitam mais a morte de pessoas idosas, o que torna mais fácil cuidar delas do que de crianças e jovens que se encontrem nessa mesma situação.7

Existe uma grande diferença daquela pessoa de idade mais avançada para o jovem; o jovem a gente tem aquele raciocínio: é jovem tem tudo pra viver... Às vezes eu tenho paciente aqui com 80, com 85, já viveu, contribuiu pra vida [...]. Parece que essa questão de idade acaba compensando. (Jasmim)

É muito difícil enfrentar a morte das pessoas mais jovens, com certeza é muito mais difícil; choca mais do que perder uma pessoa idosa. (Lírio)

Um dos fatores estressantes para a equipe de enfermagem está relacionado ao fato de trabalharem com a dor e sofrimento, pois mostra a fragilidade do ser humano.8 Assim, as pessoas evitam pensar, falar, conviver e, muitas vezes, enfrentar o processo de morte e de morrer, fato que destacamos nas seguintes falas:

Não tenho um conceito formado da morte. (Violeta)

Eu tenho medo de pensar na morte [...]. Tenho até medo de morrer. (Lírio)

Sentimentos de impotência, mascarando uma possível culpa em relação à morte inesperada, também foram relatados nas falas. Alguns membros da equipe de enfermagem falam deste sentimento como à morte de um paciente que ocorre de maneira muito rápida, não dando tempo de fazer algo mais para salvá-lo, como também a demora em receber um suporte mais avançado de vida que muitos pacientes recebem.

De repente é um paciente que tinha condições de sobreviver e morreu... Se a gente podia ter feito mais alguma coisa, e não se fez, não por negligência, mas até porque de repente não deu tempo. (Violeta)

Será que se viessem antes para o meio do recurso, porque aqui eles têm bem mais recurso, será então que não durariam mais? [...] Acho que o pouco tempo interfere muito, tu sempre acha que está faltando alguma coisa e que tu poderia ter feito mais. (Jasmim)

O sentimento de impotência - que muitas vezes pode ser de culpa - deve-se ao fato de que os profissionais da saúde são preparados para salvar vidas; o objetivo deles é preservar e prolongar a vida. Portanto, quando isso não ocorre, sentem-se frustrados e impotentes.9:39

Embora o contexto atual represente um tempo de progressos e avanços científicos, percebe-se que a valorização da tecnologia não torna as pessoas potentes diante da vida ou da morte. Portanto, existem limites e condições, mas, nesse momento tão difícil para o paciente, existe a possibilidade de o profissional estar com ele.10

Uma entrevistada afirmou que na UTI investe-se muito no restabelecimento do paciente, no entanto, quando não se torna possível evitar a morte, utiliza-se a seguinte justificativa:

Quando os pacientes vêm pra UTI, a gente investe em todos até o fim [...]. Não fica aquele sentimento de culpa por não ter feito nada. (Jasmim)

Convém ressaltar que esse sentimento de dever cumprido é importante para a equipe de enfermagem, pois determina a sensação de segurança na profissão: a autoestima equilibrada assegura maior confiança do profissional em si mesmo. A morte representa uma afronta à competência profissional, por isso a equipe de saúde pensa muito mais na preservação da vida, rejeitando o fato como um episódio natural da condição humana.11 Esse sentimento torna-se intenso quando os profissionais compreendem que, mesmo tendo toda tecnologia disponível para evitar a morte, os meios são limitados. Por isso, cuidar de pacientes terminais é uma atividade nobre, de ajuda ao outro, de crescimento pessoal e profissional.12

Os sentimentos relatados com relação à ocorrência da morte esperada foram um pouco diferentes daqueles com morte inesperada, mas um aspecto está presente em toda e qualquer morte: o fato de ser algo difícil de ser enfrentado pela família, bem como pelos profissionais de enfermagem. Ninguém quer perder um ente querido, e os profissionais sempre estão obstinados pela cura do paciente e, também, não querem perdê-lo, seja da maneira que for.

Para uma das entrevistadas, a morte inesperada e esperada não tem diferença. Ela acredita que os sentimentos manifestados pela equipe de enfermagem diante da situação vivenciada vão depender da relação e do vínculo que a equipe estabeleceu com esse paciente. Concordamos com ela, no sentido de que a morte, seja ela esperada, seja inesperada, vai abalar de maneira diferente cada membro da equipe, pois tudo depende da relação que essa pessoa tinha com o paciente e com a família dele. Assim, quando se trata da perda de um paciente do qual já se conhece a história de vida, os laços afetivos são maiores, em comparação com um paciente que pouco se conhece e o vínculo foi menor. Alguns profissionais acham difícil enfrentar essas perdas, o que pode ser constatado nas falas a seguir:

Eu acho que não tem muita relação esperada e inesperada [...]; acho que tem mais a ver com a relação [...] que a gente faz com aquele paciente. (Lírio)

A gente convive todos os dias, aí já conhece a família e a história da pessoa; já o paciente que está sendo admitido, a gente ainda não sabe a história dele, é bem diferente, então abala, sim, a equipe, abala a todos. (Jasmim)

Quando a morte chega para um paciente com o qual o contato estabelecido foi maior, os profissionais da enfermagem tornam-se mais sensíveis e expostos ao sofrimento. Diante disso, alguns profissionais negam o envolvimento emocional, por acreditarem que uma relação mais íntima entre paciente e equipe de enfermagem propiciará o compartilhamento de sentimentos negativos, e, em consequência, o contato com o doente é reduzido, o que representa uma estratégia de defesa.13

O progresso e os avanços da ciência originaram a propagação de meios técnicos. Paralelamente a isso, observa-se que o indivíduo contemporâneo é mais frágil diante do sofrer, pois o sofrimento traz a destruição das possíveis seguranças. A dor pode provocar, ainda, tensão e instigar a revisão de todo modo de viver e ver a vida, favorecendo o amadurecimento humano. Esse pensamento leva à reflexão de que é preciso que cada um conheça a si mesmo para poder aceitar e saber se relacionar com o outro, sempre respeitando-lhe a opinião.10 Contudo, ao vivenciar perdas de familiares ou pessoas próximas, normalmente, torna-se difícil aceitar.

Diante do exposto, os profissionais da enfermagem afirmaram que os sentimentos manifestados são completamente diferentes quando cuidam de pacientes em fase terminal ou que estejam à beira da morte do que quando cuidam de um familiar. É o que pode ser verificado nas falas a seguir:

Lidar com um familiar nosso já é diferente [...]; são completamente diferentes os sentimentos, as perguntas são diferentes, as reações são diferentes, mas a luta é a mesma. (Rosa)

Se chegassem pra mim e dissessem assim: 'O seu pai e a sua mãe estão graves e a gente não vai reverter', eu não ia querer saber [...], eu sei que não ia sair, pois com familiar me torno até ignorante. (Jasmim)

Torna-se essencial esclarecer que respostas obtidas em alguns momentos estavam relacionadas com o sentimento do paciente e da família, e não especificamente com o sentimento da própria equipe de enfermagem. No entanto, foi possível constatar que o profissional também sofre com a situação do paciente, torcendo para que venha a melhorar, recuperando-se de seu estado crítico. Desse modo, entendemos que refletir e rever as próprias emoções em relação ao processo de morrer propiciará maior conhecimento sobre si mesmo, e esse fato pode permitir que os profissionais de saúde repensem a concepção de morte e a forma como estão se preparando para enfrentá-la em seu cotidiano de trabalho.

Nesse cenário, convém destacar, ainda, a necessidade de considerar o profissional de enfermagem em sua subjetividade, por ser um dos protagonistas do processo de trabalho em saúde, necessitando ser percebido e aceito como um sujeito que possui valores, crenças, cultura, sentimentos e emoções.14

Um dos sentimentos observados em praticamente todas as falas reside nas expressões dos profissionais de enfermagem, os quais afirmam que não querem ver o paciente nem a família sofrendo.

Destacam, ainda, que uma vida sem qualidade e dignidade humana é algo muito triste, tanto para a família quanto para o paciente. Assim, mais do que nunca, torna-se essencial a prestação de um cuidado humanizado que amenize a dor e o sofrimento do paciente que se encontra no processo de morrer:

Depois de muito tempo que a gente está vendo ele encaminhar pra aquilo ali, há horas que a gente pensa assim: 'Tomara que ele chegue naquele objetivo de uma vez', pois a gente está vendo que aquilo não é mais nada a não ser sofrimento, pra família, pra ele [...]. Tem horas que a gente tem que saber abrir mão e dizer: 'Vai'. (Rosa)

Paciente que é muito grave e que está só sofrendo, que não tem perspectiva de vida, só está se prolongando [...] e a família sofre também, eu acho que é melhor, então, que morra, pra evitar o sofrimento de ambas as partes. (Violeta)

Compreendemos que cuidar de um paciente em situação terminal é um desafio não somente pela situação dele, mas pelo seu sofrimento e o de seus familiares, além dos sentimentos dos profissionais de enfermagem que dele cuidam. Por isso, ele precisa ser visto como um ser que necessita viver plenamente, devendo-se assegurar-lhe dignidade e um final de vida com a melhor qualidade que as circunstâncias permitam.15

Tema 2: Modos de enfrentamento da morte utilizados pelos profissionais de enfermagem

Alguns profissionais utilizam modos defensivos a fim de evitar o sofrimento diante da morte, pois presenciar o paciente em processo de morrer e de morte na UTI é uma das situações mais penosas de enfrentar.16

O não envolvimento com o paciente foi a estratégia mais citada pelos participantes do estudo. Alguns ainda acreditam que o envolvimento é essencial, entretanto, em excesso, dificulta a manutenção do equilíbrio emocional no ambiente de trabalho, podendo prejudicar a realização das ações de enfermagem:

A gente acaba se envolvendo muito [...]. Geralmente, a gente desenvolve a empatia com os pacientes [...]. Eu evito chorar, sabe, mas não que seja uma barreira; já aconteceu de chorar e tudo, mas tento evitar porque alguém tem que se manter [...]. A gente tem que criar uma certa barreira pra poder trabalhar, mas eu acho que as pessoas não devem se tornar frias [....]; devem se envolver, só que também tem que ter autocontrole. (Jasmim)

[...] e aí a gente acaba se envolvendo, né? Às vezes a gente até chora [...] Envolver o menos possível, porque se a gente vai se envolver com todos os casos, a gente não trabalha aqui na UTI. (Margarida)

Qualquer contato com uma pessoa terminal, inevitavelmente, desperta uma resposta específica. Tanto faz aceitá-la e elaborá-la ou tentar reprimi-la, ela levará à tensão, provocando fadiga, atividade exagerada, irritabilidade e outros problemas. Isso pode prejudicar a eficiência do trabalho dos profissionais de enfermagem, como também pode interferir na vida pessoal e familiar deles.17

Outro aspecto que emergiu dos questionamentos foi a importância que a equipe de enfermagem destina ao suporte emocional:

[A gente] tem que estar preparada emocionalmente [...]; não pode se deixar abalar, por aquilo que está presenciando [...]. É claro que a gente se emociona, mas já penso se a cada morte a gente viver chorando junto, né? Não que a gente seja fria, mas tem questões que abalam. (Jasmim)

Cada um deve estar preparado emocionalmente para trabalhar nesse ambiente. Alguns encontram força em seu interior ou nas coisas que lhe são mais valiosas e outros, na fé. A religião sempre foi um refúgio para humanidade, confortando as pessoas na iminência da morte. Ela também tem reforçado a ideia de que a vida não é finita e sem valor.18

Alguns participantes procuram esse suporte emocional em meio à coletividade. Assim, procuram conversar entre si como forma de desabafar e obter apoio, bem como para amenizar as angústias e frustrações. Esse modo de enfrentamento contribui para o estabelecimento de vínculos saudáveis entre os integrantes da equipe.

Cabe destacar que essa estratégia é baseada na Teoria dos Vínculos Profissionais, que oferece suporte teórico capaz de auxiliar os profissionais de enfermagem em sua prática, a fim de possibilitar o alívio subjetivo das dificuldades, do desgaste físico e do sofrimento no trabalho, além de despertar nos profissionais a necessidade do cuidado de si, bem como a importância de prestar um cuidado de qualidade destinado a atender às demandas individuais e coletivas.19

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A morte, no cotidiano da enfermagem, está sempre presente, porém fica evidente a dificuldade que os profissionais têm de expressar seus sentimentos em relação ao processo de morrer, principalmente no que se refere à própria morte. Percebemos a existência do medo de morrer, do sofrimento e da dor. Isso mostra que, embora as participantes do estudo convivam diariamente com o processo de morrer e de morte na UTI, elas possuem dificuldades para enfrentá-la, preferindo, na maioria dos casos, evitar o envolvimento com o paciente e sua família, a fim de preservar sua saúde psíquica.

Outro ponto marcante neste estudo está relacionado à perda de um paciente jovem. Os profissionais de enfermagem sofrem ao presenciar o processo de morrer de jovens, pois, segundo eles, são pessoas que ainda não viveram o suficiente, em virtude disso, demonstram tristeza e, muitas vezes, sentem-se impotentes.

O confronto com a morte é uma tarefa árdua para os profissionais de enfermagem que trabalham em uma UTI. Assim, destacamos a necessidade de investir em estratégias que estimulem a reflexão sobre a dimensão subjetiva do trabalhador, para que ele possa exercer suas atividades consciente da importância de seu papel como cuidador.

REFERÊNCIAS

1. Pereira LA, Thofehrn MB, Amestoy SC. A vivência de enfermeiras na iminência da própria morte. Rev Gaúcha Enferm. 2008;22(4):536-42.

2. Agnolon AP, Freitas GF. Ocorrências éticas de enfermagem em terapia intensiva. REME - Rev Min Enferm. 2007;11(2):155-60.

3. Amestoy SC, Schwartz E, Thofehrn MB. A humanização do trabalho para os profissionais de enfermagem. Acta Paul Enferm. 2006;19(4):444-9.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de saúde. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos - Res. CNS 196/96. Bioética. 1996;4(2 Supl):15-25.

5. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8º. ed. São Paulo: Hucitec; 2004.

6. Rodrigues FF. Morte inesperada de um paciente da UTI: Um desafio emocional a ser superado pela equipe de saúde [monografia]. Pelotas: Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia, Universidade Federal de Pelotas; 2003.

7. Lunardi Filho WD, Sulzbach RC, Nunes AC, Lunardi VL. Percepções e condutas dos profissionais de enfermagem frente ao processo de morrer e morte. Texto & Contexto Enferm. 2001;10(3):60-79.

8. Furlan MP. A equipe de enfermagem convivendo com o estresse de uma Unidade de Terapia Intensiva. [monografia]. Pelotas: Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia, Universidade Federal de Pelotas; 1999.

9. Ferrer JSC. Morte ou "mamba": um caminho para os enfermeiros [monografia]. Pelotas: Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia, Universidade Federal de Pelotas; 2003.

10. Labate RC, Pereira MA. Dor, sofrimento, morte e cuidado à saúde. Cogitare Enferm. 1998;3(2):19-22.

11. Damasceno MMC, Loureiro MFF, Lopes RLM. Ser-para-a-morte: o cotidiano e o autêntico. Cogitare Enferm. 1998;3(1):40-2.

12. Fernandes JD. De portas fechadas com a morte. Texto & Contexto Enferm. 2001;10(3):39-59.

13. Pitta A. Hospital: dor e morte como ofício. 4ª. ed. São Paulo: Hucitec; 1999.

14. Martins JJ, Albuquerque GL. A utilização de tecnologias relacionais como estratégia para humanização do processo de trabalho em saúde. Ciênc Cuid Saúde. 2007;6(3):351-6.

15. Silveira RS, Lunardi VL. A enfermagem cuidando de quem vivencia o processo de morrer. Texto & Contexto Enferm. 2001;10(3):170-85.

16. Shimizu HE. As representações sociais dos trabalhadores de enfermagem não enfermeiros (técnicos e auxiliares de enfermagem) sobre o trabalho em Unidades de Terapia Intensiva em um hospital escola [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2000.

17. Stedeford A. Encarando a morte. Porto Alegre: Artes Médicas; 1986.

18. Bromberg MHPF. A psicoterapia em situações de perdas e luto. Campinas (SP): Psy; 1997.

19. Thofehrn MB, Leopardi MT. Teoria dos vínculos profissionais: um novo modo de gestão em enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2006;15(3):409-17.

Como um profissional da saúde tem que lidar com a morte?

Os profissionais da saúde que estão em contato direto e muitas vezes participando desse processo de morte do paciente, não têm um apoio e são vistos como acostumados com a morte do paciente, porém seus sentimentos e pensamentos nesse período não são lembrados pelos demais.

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Como lidar com a morte de um paciente?

O melhor é demonstrar empatia, oferecer suporte e sempre prestar atendimento paliativo, cuidando constantemente de sua própria formação humana e de seu estado psicológico íntimo, para não sucumbir emocionalmente frente à morte de um paciente.