Diferença entre racismo preconceito e discriminação

O Respeito Dá o Tom, programa de igualdade racial da Aegea, tem realizado eventos semanais que são verdadeiras provocações para fazerem as pessoas se questionarem quanto às suas posturas em relação ao preconceito e à diversidade. Afinal, o caminho de uma sociedade mais igualitária passa pela informação e respeito pelas diferenças.

Uma das realizações do programa foi a live “Racismo é crime, vem entender o porquê” que reuniu mais de 300 pessoas em torno do tema. Conduzida por Keilla Martins, coordenadora do Respeito Dá o Tom e Vinicius Archanjo, do Instituto Identidades do Brasil, o ID_BR, mostrou os principais conceitos sobre racismo, discriminação e preconceito.

As diferenças entre os termos

Diferença entre racismo preconceito e discriminação

Preconceito é um juízo de valor, baseado em estereótipos. Discriminação é o tratamento diferenciado a membros de grupos distintos e tem como requisito o poder. Já racismo é a forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento. Ser racista pressupõe uma hierarquização por meio da associação das características físicas, psicológicas, morais e culturais. 

Para mostrar como tudo isso funciona nas situações do dia a dia, a live teve uma participação muito especial: o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Filipe Viana de Santa Rosa. Com exemplos de sua própria trajetória e da história brasileira, ele enfatizou a importância do debate para mudar a realidade que aniquila direitos só pela cor da pele.

Racismo é crime

Para combater o racismo, considerado crime, existem leis e uma delas é a Lei de nº 7.716, de 1989. Ela regulamentou o trecho da Constituição Federal que torna o racismo inafiançável e imprescritível. 

A Lei Caó, como ficou conhecida, pune os crimes resultantes de “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. 

Entre eles estão: impedir o acesso de uma pessoa devidamente habilitada a um cargo público ou negar emprego na iniciativa privada, que podem render penas de dois a cinco anos de reclusão.

Também são tipificadas como crimes impedir inscrição de aluno em estabelecimento de ensino, recusar hospedagem em hotel ou similar, recusar atendimento em bares ou restaurantes, entre outras atitudes.

Duas realidades

“Sempre ouço falar que as pessoas brancas também são vítimas de brincadeiras, como – ah você parece um palmito, um leite desnatado, mas a diferença é que elas não passam pelas mesmas questões de violência, de menor acesso à educação, à saúde, de maior número entre a população mais pobre”, lembrou o promotor de Justiça do MPSP, Filipe Viana de Santa Rosa.

Disse que o racismo, além de ser crime, não é só uma palavra, é um sistema de opressão que nega e aniquila direitos. Leva a “normalizar” que pessoas negras sejam a grande maioria em trabalhos precários e insalubres, presídios e morando sob marquises e em calçadas das nossas cidades.  “É possível mudar nossa realidade. E a participação de pessoas brancas é essencial”, afirmou.

Embora impliquem em possibilidade de incidência da responsabilidade penal, os conceitos jurídicos de injúria racial e racismo são diferentes. O primeiro está contido no Código Penal brasileiro e o segundo, previsto na Lei nº 7.716/1989. Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Um exemplo recente de injúria racial ocorreu no episódio em que torcedores do time do Grêmio, de Porto Alegre, insultaram um goleiro de raça negra chamando-o de “macaco” durante o jogo. No caso, o Ministério Público entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que aceitou a denúncia por injúria racial, aplicando, na ocasião, medidas cautelares como o impedimento dos acusados de frequentar estádios. Após um acordo no Foro Central de Porto Alegre, a ação por injúria foi suspensa.

Já o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros. De acordo com o promotor de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Thiago André Pierobom de Ávila, são mais comuns no País os casos enquadrados no artigo 20º da legislação, que consiste em “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Apologia - Este mês, por exemplo, a 1ª Turma Criminal do TJDFT manteve uma condenação por crime de racismo de um homem que se autodenomina “skinhead” e que fez apologia ao racismo contra judeus, negros e nordestinos em página da internet. De acordo com os desembargadores, que mantiveram a condenação à unanimidade, “o crime de racismo é mais amplo do que o de injúria qualificada, pois visa a atingir uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. No caso, o conjunto probatório ampara a condenação do acusado por racismo”.

Ao contrário da injúria racial, cuja prescrição é de oito anos – antes de transitar em julgado a sentença final –, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal. Apesar disso, de acordo com o promotor Pierobom, na prática é difícil comprovar o crime quando os vestígios já desapareceram e a memória enfraqueceu. O promotor lembra de um caso em que foi possível reconhecer o crime de racismo após décadas do ato praticado, o Habeas Corpus 82.424, julgado em 2003 no Supremo Tribunal Federal (STF), em que a corte manteve a condenação de um livro publicado com ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica, considerando, por exemplo, que o holocausto não teria existido. A denúncia contra o livro foi feita em 1986 por movimentos populares de combate ao racismo e o STF manteve a condenação por considerar o crime de racismo imprescritível.

Agência CNJ de Notícias