O que é uma perspectiva sociológica?

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A P ÍTUL O

A PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA

O QUE É SOCIOLOGIA? O QUE É TEORIA SOCIOLÓGICA?

O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA AS PRINCIPAIS PERSPECTIVAS TEÓRICAS O QUE É O MÉTODO CIENTÍFICO?

AS PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE PESQUISA

ÉTICA NA PESQUISA A SOCIOLOGIA APLICADA E CLÍNICA

A cena repete-se várias vezes por semana nos campi universitários do país inteiro. Um aluno de graduação conduz um grupo de possíveis estudantes em uma excursão pelo que poderia vir a ser a nova casa deles. O grupo visita a biblioteca, o centro acadêmico, os equipamentos de lazer da escola. Mesmo seguindo um roteiro bem ensaiado que visa destacar os pontos fortes da escola, o guia esclarece perguntas sobre acomodações resi- denciais e lavanderias. Como os sociólogos veriam este acontecimento corriqueiro? Em primeiro lugar, tal- vez pensem em quem não está ali presente: os inúmeros jovens que não irão concluir o ensino médio ou que não têm planos de cursar uma faculdade, nem mesmo em tempo parcial. Em segundo lugar, talvez notem a preocupação de alguns estudantes e pais com a questão financeira. Alguns poucos felizardos, aparentemente despreocupados com o custo anual dos estudos, mostram-se mais interessados nos programas de aprimoramen- to acadêmico, como viagens de estudo ou temporadas de estudo no exterior. Os sociólogos talvez se interessem, também, pela composição demográfica des- se grupo de potenciais estudantes. Há mais mulheres que homens, como na maioria dos campi universitários? Qual o grau de diversidade do grupo, em termos de idade, raça e et- nia? Há, entre esses jovens, algum sinal de apreensão quanto à capacidade da escola de lidar com deficiências físicas ou de aprendizagem? Por último, os sociólogos talvez quei- ram deter-se em aspectos da organização da escola. Como é o relacionamento entre o corpo docente e a administração? E as relações entre as pessoas comuns e a comunidade acadêmica? São cordiais ou são tensas? Como é o entorno da universidade? Um aglome- rado de repúblicas estudantis e pizzarias mambembes? Ou bairros residenciais fora das possibilidades financeiras dos estudantes? Ou uma mescla de ambos? Não importa o tópico, os sociólogos estudam padrões sociais compartilhados por um grande número de pessoas. O foco no grupo é um traço distintivo da sociologia. Como escreveu há mais de meio século o sociólogo C. Wright Mills, se uma pessoa está

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desempregada e passando por dificuldades, isso é um problema pessoal dela, mas se mi- lhares de pessoas estão desempregadas e passando por dificuldades, isso passa a ser um problema social. Os sociólogos buscam as causas originais desses padrões sociais no modo como a sociedade se organiza e é governada (Mills [1959] 2000a). A sociologia é um campo de estudo extremamente amplo. Você irá deparar-se ao longo deste livro com a imensa gama de tópicos investigados pelos sociólogos – da tatua gem à “tuitagem”, das turmas de rua aos padrões econômicos globais, da pressão exercida pelos pares à consciência de classe. Os sociólogos observam como o seu com- portamento é afetado pelos outros; como você é afetado pelo governo, pela religião e pela economia; e como você afeta os outros. Não são questões meramente acadêmicas. A sociologia é importante pois ilumina a sua vida e o seu mundo, quer você estude, tra- balhe para ganhar dinheiro ou esteja criando uma família. Este primeiro capítulo apresenta a sociologia como uma ciência social, caracteriza- da por uma competência especial conhecida como imaginação sociológica. Iremos conhe- cer quatro pensadores pioneiros – Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx e W. E. B. Du Bois

  • e discutir os conceitos e as perspectivas teóricas que surgiram a partir de suas obras. Vere- mos como os sociólogos usam o método científico para investigar as muitas interrogações que suscitam. Os sociólogos pesquisam por meio de surveys , estudos etnográficos, experi- mentos e consultas às fontes disponíveis; não raro, debatem-se com questões éticas que surgem no decorrer de seus estudos. Examinaremos, no fim do capítulo, alguns usos práti- cos das suas pesquisas.

O QUE É SOCIOLOGIA?

Sociologia é o estudo científico do comportamento social e dos grupos humanos. Seu foco primordial é a influência dos relacionamentos sociais nos comportamen- tos e atitudes das pessoas e na forma como as sociedades se estabelecem e se trans- formam. Este livro aborda uma variedade de tópicos, como família, local de traba- lho, gangues de rua, empresas, partidos políticos, engenharia genética, escolas, reli- giões e sindicatos; e também lida com assuntos como amor, pobreza, conformidade, discriminação, doença, tecnologia e comunidade.

A imaginação sociológica

Na tentativa de entender o comportamento social, os sociólogos recorrem a um tipo singular de pensamento criativo. C. Wright Mills descreveu esse pensamento como imaginação sociológica – uma ideia de como o indivíduo se relaciona com a sociedade, tanto no presente quanto no passado. Tal ideia permite que cada um de nós (e não apenas os sociólogos) entenda os vínculos entre o nosso contexto social imediato e pessoal e o mundo social remoto e impessoal que nos cerca e ajuda a nos moldar (Mills, [1959] 2000a). Um elemento-chave da imaginação sociológica é a capacidade de olhar a nos- sa sociedade de fora, como um estranho, em vez de olhá-la somente pelo prisma das experiências pessoais e dos vieses culturais. Vejamos algo simples, como o há- bito de comer em movimento. Nos Estados Unidos, as pessoas acham perfeitamen-

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de suas interações e mudanças. Astronomia, biologia, quími- ca, geologia e física são ciências naturais. Ciência social é o estudo dos variados aspectos da sociedade humana. Entre as ciên cias sociais estão a sociologia, a antropologia, a economia, a história, a psicologia e a ciência política. Todas essas disciplinas das ciências sociais têm um mes- mo foco – o comportamento social das pessoas –, mas cada uma delas tem a sua orientação específica. Os economistas in- vestigam as formas pelas quais as pessoas produzem e trocam bens e serviços e, paralelamente a isso, o dinheiro e outros recursos. Os historiadores se interessam pelos povos e acon- tecimentos do passado e sua importância para a atualidade. Os cientistas políticos estudam as relações internacionais, o funcionamento interno de governos e o exercício do poder e da autoridade. Os psicólogos investigam a personalidade e o comportamento individuais. Qual é, então, o foco da sociolo- gia? A sociologia privilegia a influência da sociedade sobre as atitudes e o comportamento das pessoas e o modo com que as pessoas moldam a sociedade. Os seres humanos são animais sociais; os sociólogos fazem, portanto, o estudo científico dos nossos relacionamentos sociais. Vejamos como os diferentes cientistas sociais estudariam o impacto da reces- são global iniciada em 2008. Os historiadores sublinhariam o padrão de flutuações prolongadas nos mercados mundiais. Os economistas discutiriam os papéis desem- penhados pelo governo, pelo setor privado e pelo sistema monetário mundial. Os psicólogos estudariam casos individuais de estresse emocional entre trabalha- dores, investidores e empresários. Já os cientistas políticos estudariam o grau de co- operação – ou de falta de cooperação – entre os países na busca de soluções eco- nômicas. E qual seria a abordagem dos sociólogos? Eles talvez percebessem alguma mudança dos padrões matrimoniais nos Estados Unidos. Desde o início da reces- são, a idade média do primeiro casamento subiu para 28,7 anos entre os homens e 26,7 anos entre as mulheres. Os sociólogos talvez notassem também que o número de pessoas subindo ao altar caiu em relação ao passado. Se a taxa de casamentos dos Estados Unidos permanecesse igual à de 2006, cerca de 4 milhões a mais de norte- -americanos teriam se casado até 2010. De modo semelhante, os sociólogos poderiam avaliar o impacto da recessão sobre a educação. Nos Estados Unidos, as matrículas da pré-escola à última série do ensino médio em escolas privadas recuaram de 13,6% em 2006 para 12,8% em 2010, reflexo dos cortes nos gastos familiares considerados não essenciais. Os so- ciólogos poderiam até levar em conta o efeito da recessão sobre ações ambientais, como a carona solidária. Em todas as 50 maiores áreas metropolitanas dos Estados Unidos, com exceção de uma (Nova Orleans), o percen tual de pessoas economica- mente ativas na faixa dos 16 aos 64 anos caiu significativamente durante a reces- são. A demissão de amigos e de colegas de trabalho provocou uma retração da ca-

Você desce a pé uma rua da sua cidade natal ou da cidade onde mora. Olha em volta e não tem como não notar que pelo menos metade das pessoas ali está acima do peso. Como você explica essa sua observação? Se você fosse C. Wright Mills, que explicação você acha que ele daria?

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rona solidária e mais gente voltou a usar o próprio carro para ir trabalhar (El Nas- ser e Overberg, 2011). Os sociólogos acionam a imaginação sociológica em diversos tópicos, como gênero, família, ecologia humana e religião. Ao longo de todo este livro, você verá como os sociólogos desenvolvem teorias e pesquisas para estudar e entender me- lhor as sociedades e se sentirá estimulado a usar a sua própria imaginação socioló- gica para examinar os Estados Unidos (e outras sociedades) pela perspectiva de um observador respeitoso, mas questionador.

Sociologia e senso comum

A sociologia foca o estudo do comportamento humano. Ocorre, porém, que todos temos experiência com o comportamento humano e pelo menos algum conheci- mento a respeito do assunto. Todos nós poderíamos ter teorias sobre o que leva as pessoas a comprar bilhetes de loteria, ou a morar na rua, por exemplo. As nossas te- orias e opiniões são típicas emanações do “senso comum” – ou seja, das nossas ex- periências e conversas, das nossas leituras, do que assistimos na televisão, e assim por diante. Recorremos diariamente ao senso comum para enfrentar muitas situações com que não temos familiaridade. No entanto, este conhecimento derivado do senso comum, embora às vezes preciso, nem sempre é confiável, pois repousa so- bre crenças comuns e não sobre a análise sistemática dos fatos. Já foi “senso co- mum” aceitar a ideia de que a Terra era plana – visão devidamente questionada por Pitágoras e Aristóteles. As noções incorretas atreladas ao senso comum não são coisas de um passado remoto; elas nos acompanham até hoje. Contrariando a máxima “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”, os sociólogos constataram que, na verdade, a riqueza propicia não só carros melhores e férias prolongadas, mas também melhores condições de saúde e a redução da ex- posição a todo tipo de poluição. “O amor é cego” é mais uma crença do senso co- mum que não resiste a uma pesquisa sociológica sobre namoro e casamento. A es- colha de um companheiro para a vida é normalmente limitada pelas expectativas da sociedade e confinada a fronteiras definidas em decorrência da idade, do di- nheiro, da educação, da etnia, da religião, até mesmo da estatura física. A flecha de Cupido dispara apenas em certas direções (Ruane e Cerulo, 2004). Contrariando também a noção corriqueira de que as mulheres tendem a ser mais falantes do que os homens, os pesquisadores constataram que há pouca di- ferença entre os sexos no que tange à tagarelice. Depois de monitorar, ao longo de cinco anos, 396 universitários de diversas áreas em campi tanto do México quanto dos Estados Unidos mediante a instalação de microfones escondidos, a conclusão foi de que tanto as mulheres quanto os homens falam cerca de 16 mil palavras por dia (Mehl et al., 2007). Nessa mesma linha, o senso comum alega que a violência criminal mantém em sobressalto permanente as comunidades da fronteira entre Estados Unidos e México, gerando um clima que faz lembrar o velho faroeste sem lei. A crer nas re-

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de forma científica, as estatísticas de suicídio. Émile Durkheim ([1897] 1951) elabo- rou uma teoria extremamente original sobre a relação entre o suicídio e os fatores sociais. Seu interesse primordial não era a personalidade do suicida, mas as taxas de suicídio e a sua variação de um país para outro. Ele então comparou os números de suicídios registrados na França, na Inglaterra e na Dinamarca, em 1869, com a po- pulação total de cada país a fim de determinar a taxa de suicídios em cada um dos três países. Constatou que, contra apenas 67 registros de suicídio por milhão de ha- bitantes na Inglaterra, a França tinha 135 registros e a Dinamarca, 277. Cabia então perguntar: “O que leva a Dinamarca a apresentar esta taxa comparativamente ele- vada de registros de suicídios?”. Durkheim investigou a fundo as taxas de suicídio, o que redundou na publica- ção, em 1897, da sua obra seminal O suicídio. Rejeitando a aceitação automática de quaisquer explicações não comprovadas para o suicídio, como as supostas relações com forças cósmicas ou com a hereditariedade, Durkheim concentrou-se em proble- mas como a coesão ou a falta de coesão de grupos religiosos, sociais e ocupacionais. A pesquisa de Durkheim sugeria que o suicídio, a despeito de ser um ato so- litário, está ligado à vida em grupo. As taxas de suicídio eram muito mais elevadas entre os protestantes do que entre os católicos; entre os solteiros do que entre os ca- sados; entre os soldados do que entre os civis. Pareciam também ser mais elevadas em tempos de paz do que durante guerras e revoluções, e em épocas de instabilida- de econômica e de recessão do que na prosperidade. Durkheim concluiu que a taxa de suicídio de uma sociedade refletia até que ponto as pessoas estavam ou não inte- gradas à vida em grupo da sociedade. Émile Durkheim, assim como muitos outros cientistas sociais, formulou uma teoria para explicar como o comportamento individual pode ser entendido no âm- bito de um contexto social. Ele destacou a influência dos grupos e das forças sociais no que sempre fora visto como um ato extremamente pessoal. Era óbvio que a ex- plicação de Durkheim para as causas do suicídio era mais científica do que a das manchas solares ou da hereditariedade. A teoria dele tem força preditiva, pois suge- re que as taxas de suicídio vão subir e vão recuar em consonância com determina- das mudanças sociais e econômicas. Naturalmente, uma teoria – mesmo a melhor delas – não é uma afirmação definitiva sobre o comportamento humano. A teoria do suicídio de Durkheim não foge à regra. Os sociólogos seguem examinando fatores que contribuem tanto para as discrepâncias entre as taxas de suicídio pelo mundo afora quanto para a taxa de suicídio de uma determinada sociedade. Em Las Vegas, por exemplo, observou-se que as probabilidades de morte por suicídio são extraordinariamente elevadas – o dobro das taxas norte-americanas como um todo. Atentos ao relevo conferido por Durkheim à correlação entre suicídio e isolamento social, os pesquisadores aventa- ram que o rápido crescimento e o constante influxo turístico de Las Vegas minaram a sensação de permanência da comunidade, até mesmo entre os antigos morado- res. Muito embora o jogo – ou, mais precisamente, as perdas no jogo – possa pare- cer um fator que propicia os suicídios na cidade, o estudo criterioso dos dados per- mitiu aos pesquisadores descartar tal explicação. É possível que o que acontece em

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Las Vegas permaneça em Las Vegas, mas talvez esteja faltando à cidade o senso de coesão comunitária desfrutado no restan- te do país (Wray et al., 2008, 2011).

O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA

As questões sociológicas sempre despertaram curiosidade – nossas relações com outras pessoas, como provemos nosso sustento, quem escolhemos como nossas lideranças. Os filó- sofos e as autoridades religiosas das sociedades da Antigui- dade e da Idade Média fizeram incontáveis observações so- bre o comportamento humano. Nem testaram, nem com- provaram cientificamente as suas observações; mesmo assim, não raro, elas se tornaram os sustentáculos dos códigos mo- rais. Alguns dos primeiros filósofos sociais previram o even- tual surgi mento de um estudo sistemático do comportamen- to humano. A partir do século XIX, teóricos europeus fizeram contribuições pioneiras para o desenvolvimento de uma ciência do comportamen- to humano.

Os primeiros pensadores: Comte, Martineau e Spencer*

O século XIX foi turbulento para a França. A revolução de 1789 havia deposto a monarquia francesa, seguindo-se a derrota de Napoleão no seu ímpeto de conquis- ta da Europa. Em meio ao caos, os filósofos pensavam em como seria possível me- lhorar a sociedade. Auguste Comte (1798-1857), considerado o mais influente dos filósofos do início do século XIX, acreditava que era preciso uma ciência teórica da sociedade e uma investigação sistemática do comportamento para melhorar a so- ciedade francesa. Foi ele quem cunhou o termo sociologia para designar a ciência do comportamento humano. Escrevendo no século XIX, Comte temia que os excessos da Revolução Fran- cesa tivessem causado dano permanente à estabilidade da França. Esperava, porém, que o estudo sistemático do comportamento social acabasse infundindo mais ra- cionalidade às interações humanas. Para Comte, a sociologia ocupava o topo da hierarquia das ciências. Na sua nomenclatura, a sociologia era a “rainha” e os seus praticantes, “clérigos-cientistas”. O teórico francês, além de dar nome à sociologia, ainda lançou um desafio assaz ambicioso para a incipiente disciplina. Os especialistas tomaram conhecimento das obras de Comte por meio, so- bretudo, das traduções da socióloga inglesa Harriet Martineau (1802-1876). Como socióloga, Martineau foi uma desbravadora. Deixou observações perspicazes sobre

Digamos que você dê continuidade à pesquisa de Durkheim sobre o suicídio. Como você investigaria os fatores que poderiam explicar o presente aumento das taxas de suicídio entre os jovens norte- americanos?

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  • N. de R.: Harriet Martineau (1802-1876): jornalista e ativista britânica considerada, nos Estados Unidos, uma das fundadoras da sociologia.

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grupo ao definir o que entendemos como religião. Concluiu que a religião, assim como outras formas de comportamento grupal, reforça a solidariedade do grupo. Durkheim, como muitos sociólogos, não confinou seus interesses a um único aspecto do comportamento social. Ao longo deste livro, examinaremos o seu pensa- mento sobre crime e punição, sobre religião e sobre o local de trabalho. Poucos soció- logos tiveram um impacto tão poderoso sobre tantas áreas diferentes da disciplina.

Max Weber

Outra figura de destaque entre os primeiros teóricos foi Max Weber. Nascido na Ale- manha, em 1864, Weber estudou história jurídica e econômica, mas pouco a pouco foi despertando para a sociologia. Mais tarde, tornou-se professor de várias univer- sidades alemãs. Weber ensinava a seus alunos a necessidade de usar a Verstehen , ter- mo alemão que significa “compreender”. Ressaltava a impossibili dade de se analisar boa parte do nosso comportamento social pelos mesmos critérios que medem o peso ou a temperatura. Para entender plenamente o comportamento, precisamos conhe- cer os significados subjetivos que as pessoas associam às suas próprias ações, ou seja, o modo como elas enxergam e explicam o seu próprio comportamento. Devemos ainda a Weber uma ferramenta-chave conceitual: o tipo ideal. O tipo ideal é um construto, um modelo imaginário que funciona como parâmetro de avaliação de casos reais. Nas suas obras, Weber identifica diversas características da burocracia como do tipo ideal (ver Cap. 3 para uma discussão mais detalhada). Na sua apresentação desse modelo da burocracia, Weber não retratou uma organização específica, tampouco empregou o termo “ideal” no sentido de uma avaliação posi- tiva. Buscou apenas propor um padrão útil para medir o grau de burocratização de uma organização real (Gerth e Mills, 1958). Mais adiante, nos deteremos no concei- to de tipo ideal aplicado à análise da burocracia e ao estudo da família, da religião, da autoridade e dos sistemas econômicos.

Karl Marx

Karl Marx (1818-1883) compartilhou com Durkheim e Weber o duplo interesse pelas questões filosóficas abstratas e pela realidade da vida cotidiana. Ao contrário dos outros, Marx era tão crítico das instituições existentes que uma carreira acadê- mica convencional lhe era inviável. Passou a maior parte da vida no exílio, longe da sua Alemanha natal. Sua vida pessoal foi difícil. Após ter um artigo seu censurado, foi para a França. Em Paris, conheceu Friedrich Engels (1820-1895), com quem teve uma amizade para a vida inteira. Ambos viveram em uma época em que a vida econômica euro- peia e norte-americana era cada vez mais dominada pela atividade industrial em detrimento da agricultura. Em 1847, em Londres, Marx e Engels participaram de reuniões secretas de uma coalizão de sindicatos conhecida como Liga Comunista. No ano seguinte, re- digiram uma plataforma intitulada “O manifesto comunista”, no qual argumentava que as massas de pessoas destituídas de outros recursos que não o próprio trabalho

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(chamadas por eles de proletariado) deveriam se unir na luta para derrubar as so- ciedades capitalistas. Na análise de Marx, a sociedade dividia-se, fundamentalmente, em classes que colidem na defesa dos seus próprios interesses. Ao analisar as sociedades industriais da época, como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, Marx avaliou que a fábrica era o centro do conflito entre os exploradores (donos dos meios de produção) e os explorados (os trabalhadores). Marx via esses relacionamentos como sistemáticos; em outras palavras, acreditava que havia todo um sistema de relacionamentos eco- nômicos, sociais e políticos que mantinha o poder e o domínio dos proprietários sobre os trabalhadores. Por isso, argumentavam Marx e Engels, a classe trabalhado- ra precisava derrubar o sistema de classes vigente. A influência de Marx no pensa- mento da época foi colossal. Seus escritos inspirariam as lideranças das futuras re- voluções comunistas na Rússia, China, Cuba, Vietnã, entre outras. A importância de Marx, mesmo que dissociada das revoluções políticas fo- mentadas por sua obra, foi profunda. Ele enfatizou as associações e identificações de grupo que afetam a posição do indivíduo na sociedade, o que vem a ser o prin- cipal foco da sociologia contemporânea. Ao longo deste livro, veremos como a filia- ção a determinada classificação de gênero, faixa etária, grupo racial ou classe econô- mica afeta as atitudes e o comportamento de uma pessoa. Com a devida importân- cia, podemos acompanhar os desdobramentos desse modo de entender a sociedade a partir da obra pioneira de Karl Marx.

W. E. B. D u B ois*

A obra de Marx estimulou os sociólogos a ver a sociedade pela ótica dos segmentos da população que raramente influem na tomada de decisões. Nos Estados Unidos, alguns dos primeiros sociólogos negros, como W. E. B. Du Bois (1868-1963), em- preenderam pesquisas na esperança de contribuir na luta por uma sociedade racial- mente igualitária. Du Bois acreditava que o conhecimento era essencial para com- bater o preconceito e para obter tolerância e justiça. Insistia que os sociólogos pre- cisavam aplicar os princípios científicos ao estudo de problemas sociais como os vivenciados pelos negros nos Estados Unidos. Para distinguir a opinião do fato, de- fendia que a vida dos negros fosse objeto de uma pesquisa básica. Deixou uma im- portantíssima contribuição à sociologia com seus estudos sobre a vida urbana, tanto dos brancos quanto dos negros, em cidades como Filadélfia e Atlanta ([1899] 1995). Assim como Durkheim e Weber, Du Bois percebeu a importância da religião para a sociedade. No entanto, tendeu a focar a religião pelo viés da comunidade e do papel da igreja na vida dos fiéis ([1903] 2003). Du Bois tinha pouca paciência para teóricos como Herbert Spencer, aparentemente satisfeito com o status quo. Acredi- tava que a concessão de plenos direitos políticos aos negros era essencial para o pro- gresso social e econômico.

  • N. de R.: W. E. B. Du Bois (1868-1963): ativista social e sociólogo norte-americano que

conduziu importantes investigações empíricas sobre a condição dos negros nos Estados Unidos.

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caso de Jane Addams (1860-1935), filiada à American Sociological Society e cofun- dadora da célebre Hull House, em Chicago. Addams e outras sociólogas pioneiras costumavam alinhar a investigação in- telectual, a assistência social e o ativismo político, buscando apoiar os desprivilegia- dos e criar uma sociedade mais igualitária. Em colaboração com a jornalista e edu- cadora negra Ida Wells-Barnett, Addams conseguiu, por exemplo, barrar a segre- gação racial nas escolas públicas de Chicago. Seu empenho para instituir um siste- ma judicial juvenil e um sindicato de mulheres também sinaliza o foco pragmáti- co de seu trabalho (Addams, 1910, 1930; Deegan, 1991; Lengermann e Niebrugge- -Brantley, 1998). Em meados do século XX, porém, o eixo da disciplina já havia mudado de di- reção. A maioria dos sociólogos limitava-se a teorizar e a reunir informações; o ob- jetivo de transformar a sociedade cabia agora aos assistentes sociais, entre outros. O progressivo descaso com a reforma social foi acompanhado da crescente adesão a métodos de pesquisa científicos que pregavam a neutralidade na interpretação dos dados. Nem todos os sociólogos gostaram desse viés. Em 1950, criou-se uma nova organização, a Society for the Study of Social Problems, no intuito de lidar, de for- ma mais direta, com a desigualdade social, entre outras mazelas sociais.

Robert Merton. O sociólogo Robert Merton (1910-2003), nascido na Filadélfia e fi- lho de um casal de imigrantes eslavos, contribuiu com a sua bem-sucedida conju- gação da teoria com a pesquisa. Beneficiado com uma bolsa de estudos da Temple University, deu continuidade a seus estudos em Harvard, onde desenvolveu um in- teresse pela sociologia que perduraria pelo resto de sua vida. Merton construiu sua carreira docente vinculado à Columbia University. Ele elaborou uma teoria que está entre as explicações mais citadas para o comportamento desviante, ao observar as diferentes formas com que as pessoas tentam obter sucesso na vida. Na visão de Merton, algumas pessoas podem desviar- -se ou da meta socialmente pactuada de acúmulo de bens materiais, ou do modo socialmente aceito para se alcançar essa meta. Por exemplo, no esquema classifica- tório de Merton, os “inovadores” são pessoas que aceitam a meta de buscar riqueza material, mas o fazem por meios ilegais, por meio do roubo, do furto e da extorsão. Ele baseou a sua explicação para o crime no comportamento individual, influencia- do por metas e meios aceitos pela sociedade. Mas tal explicação tem aplicações mais amplas: ela ajuda a esclarecer as altas taxas de criminalidade em bolsões de pobreza do país, visto que os pobres talvez não alimentem esperanças de que possam subir na vida por meio das vias tradicionais. O Capítulo 4 traz uma discussão mais deta- lhada da teoria de Merton. Ele também salientou que os sociólogos deveriam esforçar-se para articular as abordagens “macro” e “micro” do estudo sociológico. A macrossociologia privi- legia fenômenos de larga escala ou civilizações inteiras – o estudo transcultural do suicídio, elaborado por Durkheim, é um exemplo de análise macro. Já a microsso- ciologia privilegia pequenos grupos e faz uso frequente de meios experimentais. As investigações no nível micro são especialmente úteis para sociólogos que estu-

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dam formas cotidianas de interação social, como os contatos de rotina no empre- go e em lugares públicos.

Pierre Bourdieu. Os pensadores dos Estados Unidos inspiram-se cada vez mais nos insights de sociólogos de outros países. As ideias do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) atraíram incontáveis adeptos na América do Norte e em ou- tros lugares do mundo. Quando era jovem, Bourdieu fez trabalho de campo na Ar- gélia durante a guerra de independência contra a França. Os atuais pensadores de- bruçam-se sobre as técnicas experimentais e sobre as conclusões de Bourdieu. Bourdieu escreveu sobre a maneira como o capital, nas suas múltiplas for- mas, contribui para a reprodução social, pois, além de englobar os bens mate- riais, engloba também os ativos culturais e sociais. Por capital cultural , entende- -se bens não econômicos, como “berço” e educação, que se refletem nos conheci- mentos linguístico e artístico. O capital cultural, que não necessariamente está as- sociado ao conhecimento luvisco, diz respeito ao tipo de educação que a elite so- cial preza. Por exemplo, o conhecimento da culinária chinesa é cultura, mas não do tipo valorizado pela elite. Nos Estados Unidos, os imigrantes – especialmente os que chegaram em grandes levas e radicaram-se em enclaves étnicos – levaram, em geral, duas ou três gerações para atingir o nível de capital cultural desfruta- do por grupos mais estabelecidos. Em termos comparativos, o capital social su- bentende o benefício coletivo das redes sociais, construídas com base na confian- ça mútua. Há uma extensa bibliografia sobre a importância das redes familiares e das redes de amizades na criação de oportunidades de progresso para as pesso- as. Com a sua ênfase sobre o capital social e cultural, o trabalho de Bourdieu ex- pande os insights de pensadores sociais seminais como Durkheim, Marx e Weber (Bourdieu e Passerson, 1990; Field, 2008). Hoje, a sociologia reflete a diversidade das contribuições dos teóricos do pas- sado. Ao abordar tópicos como divórcio, vício em drogas ou cultos religiosos, os sociólogos podem buscar subsídios nos insights teó ricos dos pioneiros da discipli- na. Um leitor atento pode perceber as vozes de Comte, Durkheim, Weber, Marx, DuBois, Cooley, Addams, entre muitos outros, nas páginas das pesquisas em cur- so atual mente. A sociologia extrapolou também as fronteiras intelectuais da Améri- ca do Norte e da Europa, contando agora com contribuições de sociólogos que es- tudam e pesquisam o comportamento humano em outras partes do mundo. Para descrever o trabalho dos atuais sociólogos, vale a pena examinarmos uma série de abordagens (também ditas perspectivas) teóricas influentes.

AS PRINCIPAIS PERSPECTIVAS TEÓRICAS

Os sociólogos têm visões diferentes da sociedade. Alguns veem o mundo social como uma entidade fundamentalmente estável e contínua. Deslumbram-se com a resiliência da família, com a religião organizada e com outras instituições sociais. Outros veem a sociedade como uma série de grupos em conflito disputando recur-

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naram a sociologia dos Estados Unidos. Na sua visão, qualquer sociedade era uma vasta rede de peças interligadas, cada uma delas contribuindo para manter o siste- ma como um todo. Segundo a abordagem funcionalista, se um aspecto da vida so- cial não contribuir para a estabilidade ou para a sobrevivência de uma sociedade – se não cumprir alguma função de utilidade identificável ou não promover consen- so de valor entre os membros de uma sociedade –, ele não será repassado de gera- ção em geração (Joas e Knobl, 2009; Knudsen, 2010).

Disfunções. Os funcionalistas admitem que nem todas as peças da sociedade con- tribuem o tempo todo para a sua estabilidade. Por disfunção , entende-se um ele- mento ou um processo da sociedade efetivamente capaz de abalar o sistema social ou minar a sua estabilidade. Muitos padrões de comportamento disfuncionais, como o homicídio, são ti- dos como indesejáveis. Contudo, não convém aplicar essa interpretação de manei- ra automática. A avaliação de uma disfunção depende dos valores de cada pessoa, ou, como se diz, “da cadeira que cada um ocupa”. Por exemplo: a visão existente nas prisões americanas é que seria mais prático acabar com as gangues de detentos, pois elas são disfuncionais para a tranquilidade operacional. Mas, na verdade, alguns guardas passaram a encarar as gangues de detentos como um componente funcio- nal de seu cargo. O perigo que elas representam cria uma “ameaça à segurança” que exige reforço na vigilância e um maior número de horas extras dos carcereiros, além de demandar quadros especiais para cuidar dos problemas ocasionados pelas gan- gues (G. Scott, 2001).

Função manifesta e função latente. O catálogo de uma universidade costuma enu- merar as diversas funções da instituição. Ele talvez informe, por exemplo, que a uni- versidade pretende “proporcionar a cada aluno uma formação abrangente no pen- samento clássico e contemporâneo, nas humanidades, nas ciências e nas artes”. Mas seria quase um escândalo deparar-se com um catálogo que declarasse: “Esta univer- sidade foi fundada em 1895 para ajudar as pessoas a acharem um bom partido”. Ca- tálogo algum fará afirmação semelhante. No entanto, as instituições sociais cum- prem múltiplas funções – algumas delas bastante sutis. A universidade, de fato, fa- cilita a escolha de um companheiro. Robert Merton (1968) estabeleceu uma importante distinção entre função manifesta e função latente. As funções manifestas das instituições são conscientes, declaradas, explícitas. Elas envolvem as consequências intencionais e reconhecidas de um aspecto da sociedade, como o papel da universidade em atestar a competên- cia e a excelência acadêmica. As funções latentes , pelo contrário, são inconscien- tes ou não intencionais, e talvez reflitam propósitos ocultos da instituição. Uma das funções latentes das universidades é servir de ponto de encontro para quem está in- teressado em arranjar um parceiro.

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A perspectiva do conflito

Contrariando a ênfase dos funcionalistas na estabilidade e no consenso, os soció- logos do conflito veem o mundo social como um embate contínuo. Os proponen- tes da perspectiva do conflito postulam que o melhor entendimento do compor- tamento social se faz da tensão entre grupos pelo poder ou pela distribuição de re- cursos, como habitação, dinheiro, acesso aos serviços e representação política. Esse conflito não é necessariamente violento, podendo assumir configurações como ne- gociações trabalhistas, política partidária, disputa de grupos religiosos pelos fiéis ou competição pelo orçamento federal. A partir dessa concepção acerca da ordem social, os teóricos do conflito abor- dariam o vazamento do Golfo do México privilegiando a coerção e a exploração subjacentes às relações entre a indústria petrolífera e as comunidades do Golfo. A indústria petrolífera, salientariam, enquadra-se no ramo dos altos negócios, em que os lucros têm primazia sobre a saúde e a segurança dos trabalhadores. Os teó- ricos do conflito também destacariam o efeito – tão comumente negligenciado – do vazamento sobre as minorias que vivem em comunidades do interior, inclusi- ve norte-americanos de origem vietnamita, norte-americanos de origem indígena e afro-americanos. Esses grupos, que viviam uma existência marginal antes do vaza- mento, enfrentaram dificuldades econômicas relevantes após o vazamento. Por fim, os teóricos do conflito observariam que, apesar da tendência dos noticiários a dar maior destaque a vazamentos de óleo que afetam países industriais ricos, os pio- res vazamentos muitas vezes atingem comunidades de países em desenvolvimento, e, portanto, menos favorecidos, como a Nigéria. Durante a maior parte do século XX, os defensores da perspectiva funcionalista levaram a melhor entre os sociólo- gos norte-americanos. Porém, o poder de convencimento dos proponentes da abor- dagem do conflito vem crescendo desde o fim da década de 1960. A agitação social generalizada resultante dos confrontos em torno dos direitos civis, das acirradas di- vergências acerca da guerra do Vietnã, da ascensão do movimento feminista e do movimento em prol das liberdades dos gays , do escândalo de Watergate, dos que- bra-quebras urbanos, dos tumultos em clínicas de aborto e das minguantes pers- pectivas econômicas da classe média tem dado sustentação à abordagem do confli- to – a visão de que o nosso mundo social caracteriza-se pelo embate contínuo en- tre grupos rivais. Atualmente, os sociólogos aceitam a teoria do conflito como um meio válido de sondar as entranhas da sociedade.

A visão marxista. Como observamos anteriormente, Karl Marx via a luta das clas- ses sociais como inevitável face à exploração dos trabalhadores no capitalismo. Pro- blematizando as concepções de Marx, sociólogos e outros cientistas sociais passa- ram a ver no conflito não apenas um mero fenômeno de classes, mas um compo- nente da existência cotidiana em todas as sociedades. Ao estudar qualquer cultura,

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  • A despeito do aumento dos valores pagos às atletas profissionais, eles normal- mente não se equiparam aos valores pagos aos atletas homens.

A perspectiva interacionista

A interação com colegas no local de trabalho, os encontros em lugares públicos, como pontos de ônibus e parques, o comportamento em pequenos grupos, todos esses são aspec- tos da microssociologia que capturam a atenção dos intera- cionistas. Ao contrário dos funcionalistas e dos teóricos do conflito, que analisam padrões de comportamento de toda uma sociedade, os proponentes da perspectiva interacionis- ta generalizam formas corriqueiras de interação social bus- cando um entendimento da sociedade como um todo. Peran- te a crescente apreensão frente ao custo e à disponibilidade da gasolina, os interacionistas começaram a investigar uma nova forma de comportamento dos commuters (“migrantes diários”, em tradução livre), conhecida como “ slugging ” (de slug , ou “lesma”, em português). Trata-se de um tipo de ca- rona solidária em que, para poder dispensar o carro na ida ao trabalho, os commuters reúnem-se em locais predetermi- nados para pegarem carona com pessoas totalmente estra- nhas. Quando um carro encosta em um estacionamento ou em um terreno baldio e o motorista anuncia seu destino, o primeiro da fila de caronas que está indo para a mesma direção entra no carro. Regras de etiqueta foram criadas para facilitar a interação entre motorista e ca- rona: nem um nem o outro pode comer ou fumar; o carona não pode ajustar as janelas ou o rádio, tampouco falar ao celular. Levando os caronas, que viajam de graça, o motorista pode ter direito a trafegar pelas faixas seletivas reservadas ao transporte coletivo (Slug-Lines, 2011). Em seus estudos sobre a ordem social, os interacionistas dão especial relevo às percepções compartilhadas do comportamento cotidiano. Uma análise interacio- nista do vazamento de óleo no Golfo do México focalizaria o nível micro, ou seja, a forma como o vazamento moldou os relacionamentos pessoais e o comportamen- to social cotidiano. As horas difíceis, por exemplo, costumam estreitar os vínculos entre vizinhos e familiares, que dependem do apoio recíproco. Mas, por outro lado, os acontecimentos estressantes podem propiciar rupturas sociais, como o divórcio ou o suicídio. Observações nessa linha foram feitas duas décadas atrás, após o vaza- mento de óleo do Exxon Valdez. A abordagem funcionalista e a abordagem do conflito surgiram na Europa, mas o interacionismo nasceu nos Estados Unidos. George Herbert Mead (1863-1931) é considerado o fundador da perspectiva interacionista. Mead lecionou na Uni-

Você é um(a) sociólogo(a) que usa a perspectiva do conflito para estudar diversos aspectos da nossa sociedade. Como você interpretaria a prática da prostituição? Contraponha essa visão à perspectiva funcionalista. Você acha que os seus comentários seriam outros se você adotasse a visão feminista? Em que sentido?

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20 Richard T. Schaefer

versity of Chicago de 1893 até sua morte. Sua análise sociológica, assim como a de Charles Horton Cooley, focava as interações humanas em situações de contato in- dividual e em pequenos grupos. Mead queria observar as formas de comunicação mais ínfimas – como sorrir, franzir o cenho, balançar de leve a cabeça em sinal de assentimento – e entender como esse comportamento individual era afetado pelo contexto mais amplo de um grupo ou de uma sociedade. A despeito das suas vi- sões inovadoras, Mead raramente escrevia artigos e jamais escreveu um livro. Era um professor extremamente popular; a maioria de seus insights chegou até nós por meio de palestras suas editadas e publicadas pelos seus alunos após a sua morte. O interacionismo é um enquadramento sociológico em que os seres huma- nos são vistos habitando um mundo de objetos investidos de significado. Tais “objetos” incluem coisas materiais, ações, outras pessoas, relacionamentos, e até mesmo símbolos. A perspectiva interacionista é também chamada de perspectiva interacionista simbólica , pois nela os símbolos são vistos como uma peça extrema- mente importante da comunicação humana. Os símbolos carregam significados sociais compartilhados, normalmente reconhecidos por to- dos os membros de uma sociedade. Por exemplo, um aceno é um sinal de respeito, ao passo que um punho cerrado é um símbolo de desafio. Diferentes culturas podem usar símbolos diferentes para transmitir uma mesma ideia. Vejamos, por exemplo, as diferen- tes mímicas com que diferentes sociedades denotam o suicí- dio sem recorrer a palavras: nos Estados Unidos, aponta-se um dedo para a cabeça (tiro); no Japão urbano, leva-se o punho fechado ao estômago (apunhalamento); e na tribo dos South Fore, de Papua Nova Guiné, aperta-se a garganta com a mão (enforcamento). Essas interações simbólicas são classificadas como formas de comunicação não verbal , ao lado de vários ou- tros gestos, expressões faciais e posturas (Masuda et al., 2008).

A abordagem sociológica

Que perspectiva deveria um sociólogo aplicar ao estudar o comportamento hu- mano – a funcionalista, a do conflito, a interacionista ou a feminista? A despeito das suas diferenças, os proponentes desses pontos de vista têm muito em comum. Todos concordariam, por exemplo, que as catástrofes são temas dignos de investi- gação. Todos admitiriam que há muito mais coisas a desvendar a respeito do vaza- mento de óleo no Golfo do México do que uma única perspectiva teórica é capaz de abordar. Na verdade, os sociólogos recorrem a todas as perspectivas apresentadas na Tabela 1, pois cada uma delas propicia diferentes insights sobre uma mesma ques- tão. A compreensão mais abrangente possível da nossa sociedade pode, pois, mes-

Quais símbolos, em sua faculdade ou universidade, têm um significado especial para os estudantes?

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O que são perspectivas Sociologicas?

Basicamente, a perspectiva sociológica consiste em estudar e interpretar a sociedade como objetivo de análise. Para você entender melhor. A Sociologia é vista como uma ciência que estuda as relações existentes entre os seres humanos e a sociedade. Na prática, o resultado desta relação é chamado de Fato Social.

Quais são as três perspectivas da Sociologia?

Margaret Thatcher, uma declarada apoiante de empresas e do empreendorismo privado, tinha uma perspectiva que aumenta a concorrência e ignorava a cooperação. Três perspectivas sociológicas clássicas: Na história e desenvolvimento da sociologia, três perspectivas separadas foram criadas e desenvolvidas.

Como desenvolver uma perspectiva sociológica?

Aprender a tornar-se um sociólogo não deveria ser um esforço acadêmico maçante, a melhor forma de se evitar isso é abordar o assunto pesquisado de um modo imaginativo e relacionar ideias e achados sociológicos a situações de nossas vidas. (Giddens, A. Sociologia, Porto Alegre: Artmed,2005).

Como analisar o mundo sob a perspectiva sociológica?

O que significa olhar o mundo sob a perspectiva sociológica? Considerar as nossas pré-noções sobre o social como expressão da verdade. Desenvolver um olhar de estranhamento para a realidade a fim de percebê-la como construção social.