O que o autor quis dizer com Temos o direito de ser iguais quando a diferença?

O que o autor quis dizer com Temos o direito de ser iguais quando a diferença?

“A compreensão do mundo excede largamente a compreensão europeia do mundo […] não faltam alternativas no mundo. O que é realmente falta é um pensamento alternativo de alternativas”.

“Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza. Temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.

Boaventura de Sousa Santos nasceu em Coimbra, a 15 de Novembro de 1940. No ano de l963 licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (PORTUGAL), conquistando o Prêmio “Prof. Beleza dos Santos para o melhor aluno de Direito Criminal” e em 1973 conclui Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (EUA) com estudo realizado na Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro (BRASIL). A primeira versão integralmente em língua portuguesa foi publicada no ano de 2015 sob o título “O direito dos oprimidos”, sendo o primeiro de um total de cinco livros da Coleção Sociologia Crítica do Direito.

Prof. Boaventura é um dos fundadores da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, na qual é Professor Catedrático Jubilado. É Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa e Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison. Foi também Global Legal Scholar da Universidade de Warwick e Professor Visitante do Birkbeck College da Universidade de Londres.

Atualmente dirige o projeto de investigação ALICE – Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo, um projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), um dos mais prestigiados e competitivos financiamentos internacionais para a investigação científica de excelência em espaço europeu.

Seus escritos e publicações versam sobre epistemologia, sociologia do direito, sociologia política, teoria pós-colonial, democracia participativa, interculturalidade, globalização, movimentos sociais, direitos humanos. Os seus livros têm sido publicados em português, inglês, italiano, espanhol, alemão, francês e chinês.

Também tem se dedicado à poesia, que foi sempre acompanhando o labor do acadêmico e intelectual público, tendo-se estreado com Antologia de poesia universitária (Portugália, 1962). Publicou em seguida O rosto quotidiano (Almedina, 1966), Têmpera (Centelha, 1980), Madison e outros lugares (Afrontamento, 1989), Viagem ao centro da pele (Afrontamento, 1995), Escrita INKZ – Anti-manifesto para uma arte incapaz (Aeroplano, 2004. Também publicado em Portugal pelas Edições Afrontamento, em 2007), Janela presa no andaime (Belo Horizonte: Scriptum, 2009); Rap global (Aeroplano, 2010), Falta de ar em plena estação, São Paulo: Escrituras Editora, 2012, Pomada em pó. Poemas epigramáticos (Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2013), e 139 Epigramas para Sentimentalizar Pedras (Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2015).

Em fevereiro de 2011 foi criada a Cátedra Boaventura de Sousa Santos em Ciências Sociais por decisão unânime do Conselho Científico da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Em reconhecimento à sua obra e atuação intelectual engajada e comprometida, Prof. Boaventura recebeu prêmios em vários países como: Brasil (Prémio JABUTI, 2001; Prémio Euclides da Cunha da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, 2004; Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural de 2009); México (Prémio “Reconocimiento al Mérito”, concedido pela Universidade Veracruzana, 2005; Prémio México Ciencia y Tecnologia 2010); Cuba (Prémio de Ensaio Ezequiel Martínez Estrada da Casa de las Américas, 2006); Venezuela (Menção Honrosa do Prémio Libertador ao Pensamento Crítico – 2006, pela obra “Conhecer desde o Sul”; Menção Honrosa do Prémio Libertador ao Pensamento Crítico -2009, pela obra “Sociologia Jurídica Crítica: para un nuevo sentido comun en el derecho”); Espanha (Prémio Fundación Xavier de Salas, 2010).

Prof. Boaventura é Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Direito da Universidade McGill, Montréal, Canada, 2012; Doutor Honoris Causa pela Universidade de Brasília, 2012; Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil, 2014; Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe, Brasil, 2014; Doutor Honoris Causa pela Universidad de Córdoba, Argentina, 2016; Doutor Honoris Causa pela Universidad de La Plata, Buenos Aires, Argentina, 2016.

Análise sucinta sobre o entendimento da doutrina e juristas acerca do princípio da igualdade. Segundo Aristóteles, deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

O Princípio da Igualdade, presente explicitamente no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil:

“Todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo - se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, (...)”,

é a base do nosso ordenamento jurídico, matéria constante em todo o texto constitucional. A igualdade que se declara não é formal e negativa, pressuposto que a lei não deve estabelecer nenhuma diferença entre os indivíduos, tratando todos igualmente, mas material (real ou substancial), que reconhece as diferenças entre os indivíduos nas hipóteses de ações reproduzíveis em nosso dia-a-dia. A igualdade que discrimina para não excluir, que tece uma lei neutra sem privilégios para os poucos, busca a generalidade da lei positiva e abstrata e, por isso, realça-se o conceito realista, que pugna a proporcionalidade da igualdade – tratar iguais os substancialmente iguais.

Para Aristóteles, a igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Esse pensamento do celebre jus filósofo não quis disseminar o preconceito entre as diferenças, mas considera que já que essas diferenças existem que sejam tratadas como tais, com a finalidade de integrar a sociedade. Por exemplo, o Direito Civil foi por muito tempo considerado “impessoalista”, protetor de uma parcela da população que é proprietária e os que viviam de sua mão-de-obra eram lesados em seus direitos, comparados até mesmo a coisas – os excluídos. Desta situação veio a CLT, que soergueu o trabalhador ao mesmo patamar do empregador. Outros dois exemplos são o acesso à tutela do Estado no que tange ao artigo 125, inc. I, do Código do Processo Civil, que assegura o tratamento igual às partes em juízo, e a Tutela e Curatela aos incapazes tanto com relação à sua representação civil como na representação em litígios judiciais.

Em Teoria Pura do Direito (tradução francês: 2ªed. Alemã, por Ch. Einsenmn, Paris, Dallos), segundo Hans Kelsen, “a igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres”, ou seja, o ser humano é único em sua individualidade. No entanto, é exagero querer que haja um tratamento próprio a cada um e, por isso, é mister que se dê um caráter de proporcionalidade tanto aos meios quantos aos métodos empregados pelo legislador para distinguir os indivíduos e, embora a Constituição arrole “que não pode haver preconceito de sexo, cor, raça, idade, origem, etc, como poderia parecer à primeira vista, vedando qualquer discriminação com base nesses elementos”, tais termos na “realidade, relacionam-se a ocorrências discriminatórias aleatórias de direitos fundamentais, muito comuns em determinadas épocas históricas, utilizadas indiscriminada e gratuitamente como forma de distinção e, o mais das vezes, punição” (André Ramos Tavares, Direito Constitucional, ed Saraiva, 2002), como na escravidão.

A Lei que distingue é a mesma que protege os cidadãos em seus direitos e deveres. Ela elege requisitos de diferenciação sem que esta se faça de maneira desproposital. Por exemplo, uma pessoa que concorra a um emprego não pode ser discriminada pelo simples fato de ser alta ou baixa, de porte ou raquítica, a não ser que o serviço ao qual será designada tenha impedimentos, como no ingresso no exercício do serviço militar – no Exército, a altura mínima para o soldado do sexo masculino é de 1,60 m e exige-se que tenha mais certo tipo físico. Percebe-se, então, que, para se estabelecer critérios discriminatórios, deve-se ter uma correlação lógica entre o fator discrímen e a desequiparação procedida – ser igual não significa que somos iguais em “número e grau” e tão poucos que somos absolutamente diferentes. Igualdade é ser coerente com o que nos satisfaz e faz bem para todo um grupo de pessoas (comunidade, sociedade). “Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ªed., Malheiros, 2005).

Por fim, como averbou Pimenta Bueno: “a lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania” (Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857). Deve-se entender que a igualdade deve ser a ratio fundamentadora de qualquer relação social. Sem ela, o direito à vida, à liberdade e à dignidade, reservada a todos (brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil), não teria poder algum e nossa sociedade retroageria aos tempos em que viver ou morrer andavam junto com o poder que se tinha tanto econômico como político, épocas ‘remotas’ como coronelismo ou a da própria escravidão. Hoje, numa sociedade cada vez mais globalizada, integração social é a palavra chave para a pacificação dos povos. No Brasil, há inúmeros exemplos em que o princípio da igualdade está plenamente presente. As Leis nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e nº9. 459, de 13 de maio de 1997, que falam da discriminação pela raça e cor, a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, sobre a discriminação por gênero e a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, seguida do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que falam da discriminação por deficiência, são vínculos da própria integração social.

Bibliografia

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, SP: Malheiros, 22ºed, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 13ª tiragem, 3ª ed., SP: Malheiros, 2006.

ROTHENBURG, Walter Claudius, Princípios Constitucionais, 2ª ed., RS: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.

TAVARES, André Ramos, Direito Constitucional, SP: Saraiva, 2002.

O que o autor quis dizer com Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza?

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.

É preciso que tenhamos o direito de sermos diferentes?

É preciso que tenhamos o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de sermos iguais quando a diferença nos inferioriza.”

O que é a diferença para a sociologia?

A diferença pode ser tanto nata e natural como cultural. Já a desigualdade – as circunstâncias que privilegiam alguns – é construída socialmente. E, muitas vezes, implica a ideia de injustiça. A própria natureza pode ajudar a esclarecer os conceitos e mostrar como a desigualdade não é natural, mas social.