Por que a natureza estava preservada quando prevalece a cultura indígena?

“Eles não são mais índios… eles perderam a sua cultura”. Esta frase recorrente no seio da sociedade brasileira faz parte de uma herança, cuja origem remonta a descoberta do Novo Mundo pelos navegadores portugueses e espanhóis. Desde então, a ideia acerca dos povos indígenas vem sendo construída através de um olhar nostálgico, reservando-lhes um lugar que não cabe no espaço contemporâneo. Este estranhamento, no entanto, foi construído historicamente. Desde os primeiros relatos dos colonizadores, passando pelos escritos iluministas de Russeau, Rotherdan e Morus, pela literatura romântica brasileira do século XIX, aos dias de hoje.

Por isso ainda é comum a ironia diante de um indígena utilizando um automóvel do ano, um celular, ou um computador. Esta visão também bebeu na fonte de textos bíblicos, como se os povos ameríndios fossem os verdadeiros habitantes do Éden, mantendo fora da história tudo que estivesse relacionado com eles. Não é por nada que demarcação das terras indígenas atiça setores da elite com o mesmo discurso “muita terra para pouco índio”, como mencionei neste mesmo espaço na semana passada.

“Que índio é este, vestido com roupas de branco?” É o que dizem muitas pessoas ao encontrarem famílias Kaingang e Guarani vendendo seu artesanato no Brique da Redenção aos domingos em Porto Alegre. De todos os absurdos que podem ser atribuídos a eles, este certamente é o mais cruel. Não são mais índios por quê? Porque perderam sua cultura? Porque não passeiam em seus trajes típicos pelo paraíso almejado pelos conquistadores lá nos mil e quinhentos?

E o que é ser índio? Ao consideramos que originariamente os povos que aqui se desenvolveram estavam intimamente ligados ao meio ambiente, a crueldade aumenta ainda mais. No Rio Grande do Sul, cada etnia vivia num determinado ecossistema. Enquanto alguns grupos habitavam os campos, Charruas e os Minuanos, os Guarani viviam na Mata Atlântica e os Kaingang, no Planalto Meridional. Cada qual dispondo dos recursos naturais à sua volta. Mais de que um bioma em si, não se tratava apenas de uma questão de sustentabilidade material. Existia uma raiz cultural na relação com o espaço que ocupavam. Eles desconheciam a terra como propriedade privada. Seu valor não era o do mercado. Para eles a terra tem um caráter místico e cosmológico, por isso nenhum lugar é igual a outro. Pela mesma razão estão reunidos hoje em Brasília no Acampamento Terra Livre. Querem suas terras ancestrais e o direito de continuarem sendo indígenas, preconizado pela Constituição brasileira. Direito questionado ainda hoje, pelas elites conservadoras e seu governo despótico, interessados no que há acima e à baixo das terras indígenas.

A dita “perda da cultura”, portanto, está ligada à invasão de suas terras. Como realizar todos os rituais das diferentes etnias sem os elementos da natureza que deram origem às suas crenças e costumes? Por isto fica difícil entender porque no Rio Grande do Sul, estado onde prevalecem culturas estrangeiras preservadas até hoje, não se respeita a cultura originária. Talvez no fundo seja mesmo uma profunda dificuldade de uns se colocarem no lugar de outros.

O antropólogo Claude Lévi-Strauss revelou, em seu discurso às Nações Unidas já em 1959, que “é a diversidade que deve ser salva não o conteúdo histórico que cada época lhe deve...”. Ou seja, não se pode mais enxergar o indígena com os olhos dos conquistadores. Ao valorizar somente seu passado, se repete o mesmo equívoco, de estacionar nosso imaginário naquele tempo, fixados na ideia de preservação de uma cultura, cuja inexorabilidade de interferência com o contato, fizesse com que nunca mais seria a mesma.

Darcy Ribeiro em “O índio e a civilização”(1970) mostrou que a interação dos indígenas com a sociedade brasileira os levou de uma condição de índios-tribais a de índios genéricos, portanto, não é por nada que o preconceito persiste - hoje são 308 etnias no Brasil, sendo que no Rio Grande do Sul além dos Guarani e dos Kaingang, ainda estão por aqui remanescentes dos Xoklen e dos Charrua. Segundo ele, o avanço sobre os territórios indígenas com igualdade era quase impossível frente à discriminação racial e os interesses que estavam em jogo: Culturas indígenas diante do desenvolvimento econômico do país.

A possibilidade de uma vida indígena foi cada vez mais dificultada, dado o avanço da “civilização” sobre suas terras. Foi por ela que os povos indígenas foram usurpados de seu modo de vida tradicional. Foi por ela que tiveram sua população reduzida por várias décadas, e foi por ela que jamais deixaram de lutar. No entanto, o “eles não são mais índios” persiste.

Sedimentada numa gama de saberes que se reproduziram na ação daqueles encarregados de regrar as normas para a colônia, as populações indígenas enfrentaram desde então as diferentes ações de linhagem imperialista: desde as feitorias, passando pelas missões religiosas, aldeamentos, até a tutela, que só deixou de existir pelo menos na forma da lei, com a Constituição de 1988.

Em 1680, a coroa Portuguesa concede a missões religiosas, principalmente aos jesuítas, a administração dos indígenas, através do Regimento das Missões, onde estava explícito que transformar os índios em cristãos era o mesmo que torná-los vassalos do Rei de Portugal. Embora não constasse no Regimento, o extermínio de grandes populações indígenas foi enorme, bem como sua escravização. Os aldeamentos iniciaram-se com as missões jesuíticas, através da transferência de etnias inteiras sob o pretexto de novas almas para a Igreja.

Em 1755, o Diretório Pombalino, muitas vezes ainda saudado por promover a liberdade dos índios, deu aos povos indígenas o direito de escolherem a quem serviriam. Pombal na verdade estava preocupado com o avanço do poder dos jesuítas sobre as populações nativas, e pretendia ocupar o território. Assim, as aldeias transformaram-se em vilas. Os indígenas não seriam mais convertidos à religião, mas à civilização, à cultura e ao comércio dos brancos.

O Diretório Pombalino previa a miscigenação, através do casamento de homens brancos com mulheres indígenas, proibia a língua geral nas escolas indígenas e incentivava o trabalho e o comércio entre eles. Desta forma, inaugurava-se a retórica da civilização, que vai perdurar até início do século XIX. O termo civilizado vem servindo de desculpa para suas mais perversas ações contra os povos indígenas, e acabou virando sinônimo, inclusive para os indígenas, de homem branco.

Os tempos que sucedem o fim da II Guerra Mundial vão refletir nas ciências sociais buscando respostas contra as atrocidades. Novos horizontes iluminaram a Antropologia Social. Neste contexto, trabalhos dos etnólogos ligados ao Serviço de Proteção ao Índio passarão a ser orientados por estes ares, que em termos mundiais, são determinados pela Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho, da ONU, em 1948. Ela vai pregar a autodeterminação dos povos indígenas, ao decretar que as terras ocupadas por eles devem suprir-lhes o sustento de acordo com sua cultura, formando, ainda que de forma embrionária, uma resistência à fúria desenvolvimentista que invadia as terras novas do Brasil.

As práticas do Serviço de Proteção ao Índio, e mais tarde da Funai que viria a substituí-lo em 1967, porém, não acompanhariam oficialmente a emancipação das comunidades indígenas, tutelando-as legalmente, até a Constituição de 88. Além disso, o Estado brasileiro teve muita dificuldade de implementar políticas públicas fundadas na riqueza cultural destes povos, para se contrapor à ideia desenvolvimentista que não acolhe a diversidade. E o mais cruel ainda é perceber que muitas vezes os setores que negam a indianidade de nossos povos originários são os mesmo que querem plantar soja ou minerar em suas terras.

Então cara pálida, quem não é mais índio?

* Jornalista mestre em Comunicação. Conselheira do CEPI nos dois governos do estado do PT

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira


Porque a natureza está preservada quando prevalecia uma cultura indígena?

Os povos indígenas ajudam a ampliar a diversidade da fauna e da flora local porque têm formas únicas de viver e ocupar um lugar. Pesquisas recentes têm mostrado que os povos indígenas tiveram um papel fundamental na formação da biodiversidade encontrada na América do Sul.

Por que a natureza é importante para os indígenas?

Respeito e equilíbrio, a relação entre os índios e a natureza é pautada por dois elementos básicos para o dia a dia de qualquer ser humano. O relacionamento que também envolve o afeto faz com que os índios vivam uma relação mais próxima e sagrada, como se a terra fosse a grande mãe.

Por que os indígenas são defensores da natureza?

Da floresta os índios retiram o alimento, material para construção das ocas, água pura, especiarias, frutas e muito mais… É o exemplo perfeito de como é possível convivermos em paz e sem a necessidade de destruir matas, poluir rios, desmatar etc.

Qual a importância da floresta para os indígenas e povos tradicionais?

“Os povos indígenas e comunidades tradicionais, e as florestas em seus territórios, desempenham um papel vital na ação climática global e regional e na luta contra a pobreza, a fome e a desnutrição.