Por quê que tiraram emulação escott do mercado

Este trabalho tem como objetivo principal analisar a representação do feminino, por meio da representação de uma rainha negra, em um conto infanto-juvenil de matriz africana. Para tanto, foi escolhido o conto Ulomma – A casa da beleza, do escritor nigeriano Sunday Ikechukwu Nkecchi. Parte-se do reconhecimento da importância dos estudos clássicos sobre contos de fadas e literatura infanto-juvenil, todavia a análise apresentada assume uma perspectiva afrocentrada, buscando a importância da palavra nas culturas africanas e afro-brasileira, o papel das narrativas nas sociedades africanas, onde a oralidade é um elemento central na produção e manutenção das mais diversas culturas, dos valores, conhecimentos, ciência, história, modos de vida, formas de compreender a realidade, religiosidade, arte e ludicidade. O segundo ponto de análise ser a representação da personagem feminina, tanto do ponto de vista imagético, quanto da construção discursiva via enredo da narrativa, objetivando localizar nas culturas africanas a questão das tradições e dos papéis femininos, a maternidade, a relação entre o ser humano e a natureza, o sagrado, relações de poder. O texto deve ainda questionar os caminhos que os textos dirigidos ao público infanto-juvenil percorreram para chegar até nós, apontando que há rotas alternativas para a compreensão dos mesmos.

This research focuses on the representation of the integration between Roman social groups in imagery descriptions within the narrative of the first century Latin work Satyricon, emphasizing the imagery descriptions concerning funereal motifs. The main focus consists on analyzing Cena Trimalchionis (Sat. 29-78), episode when a rich freedman, Trimalchio, offers a banquet in his luxurious home. I argue the narrative of this work contains in its descriptions, images and ecphrases, a purposefully indecorous mixture of artistic elements. I will explore how the theme of death has relevance in Cena Trimalchionis and how important it is for the study of imagery descriptions observed in this episode. I will demonstrate in this analysis how the indecorous mixture of artistic elements – there being a preponderance of funereal motifs in these elements – is constructor of the work’s ironic and critical tone. Furthermore, will be indicated how, more than a critique of the group of freedman, or the nouveau riche, the work represents a covert criticism to a vicious and demoralized Roman elite, in accordance with the aristocratic vision of Satyricon’s author, a courtier during Nero’s epoch. In this perspective, I argue that criticism of an imperial elite is disguised through the representation of subaltern groups and of the integration between distinct social groups throughout the narrative. Moreover, will be examined the representation of a social sharing, tracing parallels between Satyricon’s imagery and Roman funerary art found in archaeologically attested tombs. Keywords: Satyricon; imagery; death; art

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Mick Wall

BLACK SABBATH: A BIOGRAFIA

Tradução Marcelo Barbão

Copyright © 2013 by Mick Wall Copyright da tradução © 2014 by Editora Globo S.A. para a presente edição Publicado originalmente por Orion, Londres Título original: Black Sabbath by Mick Wall Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação etc. – nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização da editora. Texto fixado conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no 54, de 1995) Editor responsável: Carla Fortino Editor assistente: Sarah Czapski Simoni Preparação de texto: Huendel Viana Revisão: Christiano Sensi, Michelli Crestani e Ana Maria Barbosa Paginação: Linea Editora Ltda. Capa: Marcelo Martinez / Laboratório Secreto Caderno de fotos: todas as fotografias foram cortesia da Getty Images, com exceção do retrato de Tony Martin © Simon Connolly 1a edição, 2014 CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ W179b Wall, Mick Black Sabbath: a biografia / Mick Wall ; tradução Marcelo Barbão. - 1. ed. - São Paulo : Globo Livros, 2014. 336 p. ; 23 cm. Tradução de: Black Sabbath by Mick Wall Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-250-5725-9 1. Black Sabbath (Conjunto musical) - Biografia. 2. Grupos de rock. 3. Músicos - Inglaterra - Biografia. I. Título. CDD: 927.8042 14-09749 CDD-929:78.067.26 Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A. Av. Jaguaré, 1485 – 05346-002 – São Paulo / SP www.globolivros.com.br

Sumário Capa Folha de rosto Créditos Dedicatória Agradecimentos Parte um Um Dois Três Quatro Cinco Seis Parte dois Sete Oito Nove Dez Onze Doze Treze Notas e fontes Índice remissivo Caderno de fotos

Para Robert Kirby

Agradecimentos Linda Wall, Malcolm Edwards, Robert Kirby, Jane Sturrock, Nicola Crossley, Ian Preece, Dee Hembury-Eaton, Lynnette Lawrence, Vanessa McMinn, Wendy Dio, Joel McIver, Harry Paterson, Joe Daly, Paul Clark, Glenn Hughes, Neil Murray, Mark Handsley, Hamish Barbour, Steve O’Hagan, Dave Everley, Jim Simpson, Vivian Campbell, Kathy e Kelle Rhoads, Dana Strum, Holly Thompson e, claro, todos os vários membros do Black Sabbath que tive o prazer — e o ocasional desgosto — de conhecer durante esses anos.

Parte um Filhos da sepultura

Um Eu, acordado ELES ERAM O LIXO e sabiam disso. Entulho humano saído das ruas cheias de crateras de bombas de um lugar esquecido na Grã-Bretanha do pós-guerra chamado Aston. Desajustados da região mineira que não conseguiam divisar nenhum futuro, presos a um passado do qual não sabiam como escapar. Intrusos musicais que seriam sempre lembrados disso, revelados pelo que sabiam que eram: os mais baixos dos baixos. Uma piada que ninguém achou engraçada, muito menos o palhaço que ficava na frente. Pois, como Ozzy Osbourne iria relembrar, sem esboçar nenhum sorriso em sua cara de bufão melancólico: “Éramos quatro tontos fodidos de Birmingham, o que sabíamos das coisas?”. O timing deles estaria sempre errado. Muito tarde para o verão do amor, muito cedo para o genocídio roqueiro do glam, eles eram o Black Sabbath. E, não importa o que escrevam sobre eles um dia, eles sempre terão sido a banda mais insultada do planeta. As pessoas sussurravam sobre o Led Zeppelin, falavam sobre a secreta magia deles e seu insaciável desejo de poder; outros ficavam encantados com as façanhas musicais telepáticas do Deep Purple. Hendrix ainda estava vivo, assim como Brian, Jimi e Janis. O rock estava no auge, mas o Sabbath era, oh, muito baixo. Críticos — gente de fora, bichas, principalmente de Londres — simplesmente não conseguiam entender. Os moleques, no entanto, adoravam os caras da forma que só os moleques entendem. Como fumar um cigarro no seu quarto com as janelas abertas; como roubar moedas da bolsa da mãe quando ela está fora, ou encontrar uma revista pornô debaixo da cama do pai; como uma primeira olhada nos frios fogos do inferno, o corpo oscilando com a sensação de que não há como escapar. No entanto, ninguém se sentia mais desconfortável num show do Black Sabbath, quase paralisado por um ódio contra si mesmo, do que os quatro membros da banda. Como o baixista e letrista Geezer lamentaria mais tarde: “Durante anos, nós simplesmente nos achávamos uma merda — a imprensa nos odiava, dizia que não sabíamos compor, que não sabíamos tocar… Outras bandas nos odiavam, todo mundo”. Algo que poderia ser ouvido muito claramente na música deles: aqueles riffs de guitarra crucificados, tocados com sabor tão pesado, marcados por um baixo ribombante e uma bateria detonadora, tudo isso junto proporcionava um som como o de um corpo sendo tirado de um rio. Aqueles vocais com toques horripilantes: tão dramáticos e patéticos quanto o som de um cisne morrendo. Cheio de anseios antigos, de machucados autoinfligidos com cascas arrancadas e gritos de almas perdidas. Os três zumbis caminhando pelo palco com cruzes e bigodes absurdos apodreciam em seus próprios venenos, enquanto o quarto zumbi pegava fogo sozinho no fundo, os quatro se combinando para garantir um quinto elemento: o rosto esburacado do mais brutalmente deformado estilo de rock que já forçou sua aparição entre nós, fedendo e sujo de sangue.

Tony Iommi era o líder. Trilhava o caminho dos canhotos, nada de discursos nobres, sem nenhuma mensagem do alto, mas um verdadeiro alquimista musical, o general de olhar duro em cujas mãos a guitarra se transformava em uma varinha mágica e uma metralhadora. Filho único que sempre tinha se dado bem, nunca precisando explicar nada. Tony não aceitava “não” como resposta, não gastava palavras nem aguentava gente estúpida. “Tony tem punhos que parecem martelos”, Ozzy se lembraria, seus olhos de animal ferido, ainda com a fresca memória de suas injúrias. “Alguém tinha que descer o sarrafo”, era a típica resposta de Tony, o rosto sem expressão. “E era eu.” Os riffs de Tony estabeleceram a pedra fundadora para o som do Sabbath, como uma britadeira cavando nas cavernas das mais altas montanhas, até que eles mesmos viessem caindo, pedregulhos aterrorizantes colidindo com a vegetação, trovões ziguezagueando pelo céu sob seu comando. Depois de Tony Iommi vinha Terry Butler — cujo apelido era Geezer, por causa de uma mania de infância de chamar todo mundo que conhecia de Geezer, o que fazia com que os adultos rissem e achassem charmoso, e que acabou se tornando um nome que ele manteve durante toda a vida, com outras manias de seus primeiros anos: a necessidade de ser mimado, acariciado, bem tratado e constantemente elogiado. O garoto brilhante da classe, bom com as palavras, o queridinho da professora, bom em ficar longe de problemas, ou nunca ser pego, o que significava o mesmo para ele. O esperto Geezer seria o autor de todas as letras do Sabbath, porque, como contou Ozzy, “Geezer é muito inteligente”. Ele sabia tocar também, fazendo o baixo soar como uma guitarra, dobrando as cordas pesadas, ponderando cada nota, depois projetando-a para a frente, como seu herói, Jack Bruce, que, segundo ele, “criava uma sombra do riff em vez de copiá-lo”. Também havia Bill Ward, um percussionista brilhante e determinado que amava jazz, especialmente o doido do Gene Krupa, e que seria sempre tratado como o bufão da matilha. Pobre Bill, aquele que era queimado — não uma única vez, e nunca por acidente, mas como um hábito. Aquele de quem eles riam, não pelas costas, mas bem na cara. Bill, que via tudo isso de seu poleiro, suando muito no fundo do palco, os braços se agitando, as pernas em espasmos, sempre sem ar, sempre tentando parecer convincente, sempre o último a saber o que até os outros, que nunca sabiam nada, descobriam primeiro. Pobre Bill, aquele que permaneceria o mais honesto e pagaria um alto preço por isso, chutado repetidas vezes até se recusar finalmente a se levantar de novo. E, claro, havia Ozzy — ou Ossie, como ele foi creditado no primeiro disco do Black Sabbath. Desde que o reality show The Osbournes o transformou num brinquedinho familiar com olhinhos de panda, Ozzy perdeu a credibilidade que tinha como vocalista de rock. Ele nunca teve muita, para dizer a verdade; era forçado a ficar no canto do palco, pulando como um gorila numa jaula, enquanto Iommi recebia as luzes no centro. Mas havia alguma coisa nele, para aqueles que perceberam, que indicava um problema realmente sem resolução; algum eco do espírito original do rock com um abandono incoerente que poderia ser falso ou proposital; algo real e pouco confortável. Como fã, você queria ser Robert Plant ou talvez

John Lennon. Você nunca quis ser o Ozzy. Era correto ser uma alma romântica atormentada: um Rod Stewart ou até um Elton John. Mas era uma coisa inteiramente diferente querer sofrer uma dor verdadeira, saber que você é louco, que sempre foi louco. Saber, por fim, que um dia você realmente pode perder a porra da sua cabeça. Mas, por trás disso tudo, eles eram tão comuns, tão simples, tão absurdamente óbvios. Todos nasceram no mesmo ano de 1948, todos cresceram nas mesmas ruas sombrias, vítimas do mesmo ensino austero do pós-guerra e dos bairros pobres — havia uma boa razão para que todos se parecessem tanto, pessoalmente e no palco. Feitos da mesma matéria sombria, como a música deles, nenhum poderia ter prosperado em outra banda, embora todos tenham tentado, desesperadamente, até o destino por fim forçá-los a se juntarem, contra a vontade, num dia tipicamente triste de 1968, depois do horário das fábricas e antes da abertura dos pubs, somente com os cigarros baratos para esquentá-los. Sendo o quarto filho de seis, o mais esfarrapado de um bando de perdidos amontoados como cadáveres frescos em dois quartos do tamanho de caixões no no 14 da Lodge Road, onde a família Osbourne vivia, John Michael se meteu em problemas quase desde o primeiro dia de vida. Seu pai, John Thomas — Jack para seus amigos no pub —, trabalhava à noite numa fábrica de aço chamada GEC, fazendo ferramentas, o que significava que dormia de dia. Obrigado a andar na ponta dos pés, para não acordá-lo “e receber uma cintada por causar problemas”, o jovem John costumava fantasiar que seu pai estava morto. “Eu entrava no quarto dele e o tocava para ver se acordava”, ele me contou. “Então, quando acordava, ele queria me matar…” Ozzy, como foi logo apelidado na escola, era uma criança extrovertida, que adorava brincar, embora se entediasse facilmente. Deixava as dificuldades para sua mãe, Lilian — ele se lembra de vê-la chorar quando não conseguia pagar as contas —, e três irmãs mais velhas, que continuaram a cuidar dele por muito tempo depois que Lilian faleceu. Ozzy logo encontrou seu nicho como o palhaço da classe. “Eu sempre trabalhei com a seguinte ideia: se não dá para bater neles, faça-os rir. Faça tudo que puder para trazê-los para o seu lado. E se eles ainda não gostarem de você depois disso, queime a porra da casa deles!” Isso se tornou uma metáfora para a forma como ele viveria toda a sua vida. Deixe os caras maus felizes parecendo ser alguém tranquilo, fazendo com que riam, enquanto você se esconde debaixo das saias de uma mulher forte. As piadas e as brincadeiras estúpidas — as piores incluíam espetar o gato da tia com um garfo, tentar colocar fogo na irmã e se enforcar no varal — também tinham a intenção de proteger o adolescente da grande monotonia das ruas de Aston. A escola era algo totalmente distante; sua dislexia não diagnosticada o impedia de acompanhar os estudos. Futebol era para as crianças que tinham dinheiro. Ozzy então se tornou um daqueles “ruins em tudo” que se ofereciam para “cuidar do carro por um shilling” — quer dizer, concordavam em não quebrar nada em troca de um suborno — sempre que o clube Aston Villa jogava em casa.

Até que chegou a música, algo pelo qual ele imediatamente se apaixonou, ficando fascinado pelos Teddy Boys: devotos de roqueiros norte-americanos dos anos 1950 como Gene Vincent e Eddie Cochran, e, claro, do Elvis pré-exército. Os Teddy Boys usavam enormes topetes e vestiam jaquetas estilo eduardiano, com sapatos brilhantes, e afiavam a ponta do pente de ferro para usar como canivete. “Eu adorava ir aos cafés que eles frequentavam”, Ozzy me contaria, anos depois, quando nos sentamos em um desses lugares, as janelas marcadas de gordura e fumaça de cigarro, a máquina de fliperama ainda fazendo barulho ao fundo. Até a música, no entanto, iria lhe trazer problemas. “A escola me mandava de volta para casa por usar botas e jeans em vez dos estúpidos uniformes cinza.” A mesma convergência entre escola, música e problemas teria um impacto muito importante nos primeiros capítulos da história de Ozzy Osbourne: seu encontro com Tony Iommi. Os dois rapazes estudavam na mesma Birchfield Road Secondary Modern School, em Perry Barr, mas eram pessoas bastante diferentes. Enquanto Ozzy era de uma família de classe trabalhadora com vários filhos tentando sobreviver, Anthony Frank Iommi era filho único de uma família com antecedentes italianos e brasileiros. Uma família de classe média no centro de muitas ramificações que era dona de sorveterias e padarias em Cardigan Street, então o centro do distrito italiano de Birmigham; uma família de imigrantes típica, trabalhadora, que também gostava de música. “Toda minha família e conhecidos tocavam acordeão e bateria. Meu pai tocava acordeão e harmônica, e minha tia e meus tios tocavam acordeão e bateria.” Eles montavam grandes “bandas de acordeão” na sala e tocavam a noite toda. “Tocavam em muitos casamentos também, meu pai e todos os seus irmãos.” O jovem Tony tinha nove anos na primeira vez em que foi encorajado a colocar um acordeão sobre os joelhos — um especial para canhotos — “com os botões para baixo. Na verdade, eu ainda tenho um”. Ele queria uma bateria, “mas ninguém me comprou por causa do barulho. Então tentaram me enganar com um acordeão, e basicamente eu aprendi a tocar, de certo modo”. Não contente em aprender as velhas músicas italianas do pai, Tony logo estava apertando e soltando versões de sucessos contemporâneos. “Eu tentava tocar coisas diferentes, tentava tirar músicas do Elvis Presley, ‘Wooden heart’ e coisas assim.” Foi por intermédio do seu amor por Elvis que ele primeiro percebeu o sentido de sua contrapartida dos anos 1950, Cliff Richard e, em especial, a banda de apoio de Cliff, The Shadows. Liderado pelo guitarrista de óculos Hank Marvin, The Shadows foi um grupo fundamental, cujo som era criado por Marvin a partir de um aparelho recém-criado chamado echo box e o uso prodigioso do braço de tremolo em sua guitarra Fender Stratocaster vermelha e dourada. Foi esse som provocante, um pouco sinistro, que levou The Shadows ao primeiro lugar nas paradas britânicas com seu primeiro single sem Cliff, “Apache”, no verão de 1960. Quando Tony pegou numa guitarra pela primeira vez, imitando Hank Marvin, aos catorze anos, The Shadows já tinha conseguido seis sucessos nas paradas, incluindo o mais recente “Wonderful land”, que ficou em primeiro lugar nas paradas britânicas por mais tempo do que qualquer outro single em toda a década de 1960. Como se lembra Tony: “Muita gente ri

dos Shadows agora, mas acho que eles influenciaram muitos guitarristas da minha época. Dave Gilmour e pessoas assim eram fãs dos Shadows. Brian May…”. Incapaz de comprar uma Fender Strat — Marvin, na verdade, foi o primeiro guitarrista na Grã-Bretanha a ter uma, e a sua tinha sido importada dos Estados Unidos especialmente para ele —, a primeira guitarra de Tony foi uma Watkins, vendida nos anos 1960 como “a Strat britânica”, comprada por intermédio de um catálogo barato e paga por sua mãe indulgente em prestações mensais. “Ser canhoto, veja bem, limitava muito o que eu podia conseguir. E esse era um modelo que eles fizeram para canhotos, então eu tinha esse. Quero dizer, nas lojas de instrumentos, era muito raro naqueles dias encontrar uma guitarra para canhotos.” A Watkins foi seguida por uma Burns Tri-sonic canhota, com um som harmônico muito mais rico, ou o mais próximo que o adolescente poderia conseguir para imitar a Strat de Marvin com o echo box. Sua destreza no acordeão ajudou a aprender acordes simples. Isso e o clássico livro de Bert Weedon, Play in a day. Ele tentou conseguir um professor, mas só durou uma aula. “Não gostei. Não me senti confortável. Achei que preferia tentar aprender sozinho, e foi isso, nunca mais voltei.” Tony se tornou o clássico adolescente solitário, enfiado em seu quarto, acompanhando os discos dos Shadows. Quando sentiu que estava bom o suficiente, levou a guitarra para a escola e começou a se mostrar para jovens que só tinham visto uma guitarra elétrica na TV. “Eu me lembro na escola, todas as garotas ao redor dele”, lembra-se Ozzy, “eu me lembro de ter pensado que era uma ótima forma de conseguir garotas.” Infelizmente para Ozzy, essa não foi a única coisa que Tony fez e que deixaria uma impressão nele. Tony, que só era dez meses mais velho do que Ozzy, mas estava um ano à frente na escola e, portanto, carregava toda a autoridade de menino mais velho, sempre zoava Ozzy na escola. “Eu costumava me esconder quando o via”, Ozzy me contou anos depois, sem achar muita graça. “Era só coisa de colégio”, Tony disse, quando o questionei, desconfortável com minhas perguntas sobre tempos tão distantes. “Em nossa escola, era bastante… Você tinha meio que… ficar… hã… dar uns petelecos nos mais jovens, sabe? Era isso, realmente. E Ozzy era um deles, sabe? Ele só era um ano mais novo, mas… Na escola, era, hã… Eles estavam acostumados a apanhar.” Ele ri, com um ar maldoso. “Ozzy era um deles.” “Tony sempre intimidava o Ozzy na escola”, lembra-se Geezer. Posteriormente, permaneceria um eco dessas primeiras brigas por toda a carreira do Sabbath. “Quando as coisas acontecem na infância, você nunca tira da sua cabeça.” Na verdade, anos depois que a carreira solo de Ozzy tinha eclipsado a banda que deixara para trás, ele ainda ficava muito agitado quando aparecia o nome de Iommi, referindo-se a ele como Darth Vader e outros epítetos menos engraçados e mais afiados. “Tento não odiar mais ninguém ou nada”, ele me contou, sentido. “Mas durante anos odiei Tony Iommi. Se você tivesse me contado um dia que voltaríamos a tocar juntos, eu teria rido na sua cara e mandado você se foder.” Geezer era diferente, claro. O membro mais jovem da banda, com dezoito meses de

diferença, Terence Michael Joseph Butler era o sétimo filho de um casal de dublinenses recentemente chegados a Birmingham, bons católicos procurando um trabalho honesto que pagasse um bom salário. Geezer era o bebê mimado da família. “Eu era realmente muito mimado. Meus irmãos costumavam me dar dinheiro, bem como minhas irmãs e meus pais; assim eu era mais rico do que qualquer outra pessoa da família”, ele deu um sorriso irlandês generoso, mas por trás dos cabelos encaracolados e da barba havia olhos tão escuros e brilhantes como os de uma gralha velha. Crescendo em Aston, perto dos outros, Geezer frequentava os jogos do Villa quando criança — sempre com sua bandeira do time, era um dos sortudos com ingresso para todas as partidas da temporada. Quando era adolescente, a música começou a superar o interesse pelo futebol. De um lado, pela sua aparência, era mais seguro. “No final dos anos 1960, quando os skinheads estavam descontrolados, eu não podia ir aos jogos porque muitas vezes eles desciam o cacete em mim. Mesmo se fosse um torcedor do Villa, se tivesse cabelo comprido, não importava suas cores, os skinheads desciam o cacete.” Não importava. “Assim que os Beatles apareceram, eu queria desesperadamente ser um Beatle.” Aos onze anos, ele convenceu sua mãe a pagar dez shillings (cinquenta centavos de libra) por um violão usado com apenas duas cordas de outro menino da escola. Ele não desistiu, no entanto, até seu irmão lhe dar de presente um novo violão com todas as seis cordas, comprado na única loja da cidade que vendia guitarras, a George Clay’s Music Shop, no shopping center Bull Ring, em Birmingham. O preço: oito libras. O salário de uma semana da maioria dos trabalhadores na época. O bebê da família tinha conseguido de novo. Ele começou a aprender todas as canções do primeiro LP que teve, Please, please me, dos Beatles; depois foi ficando mais aventureiro quando começou a construir o que se tornaria uma coleção completa dos principais discos dos anos 1960. “Eu costumava comprar Beatles, Stones, The Kinks. E então, quando Mothers of Invention apareceu, foi aí que minha vida musical mudou completamente.” Geezer já tinha começado a deixar o cabelo crescer. “Eu sempre fui um pouco rebelde na escola.” Quando estava ouvindo Frank Zappa, aos quinze anos, ele tinha se tornado “um verdadeiro hippie”. Sua aparência causou uma comoção nas ruas de Birmingham. “Eu era o único que usava contas, cafetã e todas essas coisas. Era, tipo, quanto mais atenção, melhor.” Com um amigo de escola chamado Roger Hope, que usava o mesmo tipo de roupa e também fingia ser um Beatle guitarrista — cujo apelido era Dope [baseado], não só porque rimava com seu sobrenome —, Geezer começou a tocar guitarra — uma Hofner Colorama barata de corpo sólido, ligada a um amplificador Selmer instável — em seu primeiro grupo “semipro”, que tinha o bizarro nome The Ruums. “Era só uma palavra estranha de um livro de ficção científica que o vocalista tinha lido.” Livros de ficção científica eram algo que Geezer e Dope tinham em comum. “Meu autor favorito quando moleque era H. G. Wells. Ainda adoro todas aquelas coisas — A máquina do tempo, O homem invisível, todos os clássicos. Era incrível. Eu estava vivendo em Aston, o pior lugar na Terra, e como sempre tive uma forte imaginação, a ficção científica me levava a

outros lugares, a coisas que poderiam acontecer e me inspiravam a imaginação.” Geezer era inteligente o bastante para ver que a melhor ficção científica não era sobre viagens espaciais ou a visão do futuro. Não importava o suposto tempo ou local, tinha sempre a ver com o agora. “Definitivamente H. G. Wells tem tudo a ver com a sociedade. Ele escrevia sobre [o futuro], mas era sempre um comentário sobre os tempos em que estava vivendo.” Um dos trabalhos de Wells, The shape of things to come, que postula um Estado mundial do século XXI estabelecido para resolver os problemas da humanidade, “era definitivamente um comentário sobre a sociedade”. Com “outro cara no baixo e seu companheiro na bateria”, The Ruums começou a tocar covers em pubs e alguns casamentos. “Então, por volta de 1966, começamos a gostar de Moby Grape e um pouco de soul também, como ‘Knock on wood’ [e] Wilson Pickett, um pouco de Sam and Dave.” Condizente com o espírito de expansão de consciência da época, “se gostasse de uma música em especial, a gente tocava. Não importava se era soul ou progressivo ou acid ou o que fosse, a gente tocava”. Eles foram ficando mais pesados, então substituíram a seção rítmica por músicos mais cabeludos, junto com um novo vocalista de cabelo comprido que realmente conseguia gritar. Geezer já tinha o cabelo e o bigode. Agora ele tinha a música para acompanhar. “Era uma coisa meio underground, da qual eu era uma parte muito importante, musicalmente e tudo o mais. Era tudo paz e amor, cara.” Ou pelo menos era nos clubes locais em que eles tocavam, como The Penthouse and Mothers, ombro a ombro com outras jovens bandas de blues psicodélico, como a primeira banda de Robert Plant, Listen. “Eles eram meio que a coisa da Costa Oeste, como Moby Grape e Spirit. A gente era mais como o Cream e Jimi Hendrix.” A roupa de palco se tornou cada vez mais estranha. “Eu costumava tocar com meus olhos todos escurecidos, assim eu parecia com Satã — exatamente como Arthur Brown. Mas eu nem sabia que ele existia na época. Então acabei indo ver um show dele e fiquei totalmente doido. Tipo, era o que deveríamos fazer, mais ou menos.” Ele pedia emprestado o lápis de maquiagem das irmãs e passava na cara de toda a banda. “Estávamos todos vestidos com umas flores enormes estúpidas saindo das nossas cabeças e coisas assim, e muitas contas, uma doideira.” Não ajudou o fato de Geezer e o resto da banda estarem com a cabeça cheia de black bombs — cápsulas de speed superfortes. Geezer ficava tão “emotivo” que eles detonavam completamente o palco no final de cada apresentação. “O baterista destruía a bateria. Eu pegava um monte de garrafas de cerveja e jogava contra a parede. E foi quando a gente foi chutado para fora e disseram para nunca mais voltarmos. Então, a única forma de conseguir shows foi mudar o nome e voltar.” Assim, The Ruums se tornou The Rare Breed, e depois The Future — voltando em seguida para The Rare Breed. “Foi quando o Ozzy entrou.” Geezer estudava na Matthew Boulton, parte do que agora é conhecido como Birmingham Metropolitan College, cursando contabilidade, quando conheceu Ozzy. Nenhum dos dois gostou do visual do outro. Era 1967: Ozzy tinha deixado sua fase teddy boy e agora era um mod, o mais oposto possível, musical e culturalmente, do proto-hippie Geezer. A única coisa

que tinham em comum era o amor pelos Beatles e uma adoração por “Soul man” de Sam & Dave — e o hábito cada vez mais comum de ficar a noite toda acordado por causa das anfetaminas. “As pessoas nunca acreditam quando conto”, sorri Ozzy. “Mas eu costumava raspar a cabeça e usar uma jaqueta de pelo de cabra. Você tinha que andar assim para entrar nos All Nighters.” Os All Nighters eram clubes de dança abertos 24 horas durante todo o fim de semana. O que Ozzy costumava ir no centro da cidade de Birmingham era o grande Midnight City. “Se você era roqueiro não podia entrar ali sem estar doido. Entrava e tomava sua Dexedrina ou qualquer coisa e aí ficava de sexta até domingo. Você tinha que ir para casa no domingo de manhã e fingir que estava cansado com os olhos quase saindo da cabeça, cheio da porra de Dexedrina, sabe?” Ozzy tinha deixado a escola em 1963 sem qualquer qualificação e só um desejo: “Não me importava o que eu ia fazer, desde que não voltasse nunca mais para a escola”. O único plano que ele tinha para o futuro era encontrar uma forma de ganhar algum dinheiro rápido o mais fácil possível, começando por roubar postos de gasolina, rapidamente passando a arrombar lojas à noite e vender tudo que conseguisse pegar dos pubs locais. Mas ele não era muito bom como ladrão e, quando entrou na mesma loja de roupas femininas duas semanas seguidas, foi pego e preso. A acusação: invasão e roubo de bens no valor de 25 libras. Sem dinheiro para pagar as quarenta libras de multa impostas pelo juiz local, Ozzy foi sentenciado a noventa dias na prisão de Winsome Green, onde eventualmente passaria seis semanas antes de ser libertado por bom comportamento. Falando sobre isso anos depois, seu rosto assumiria aquele olhar distante que o definiu para a geração de TV do século XXI. “Eu estava aterrorizado com todos aqueles assassinos fodidos e caras que iriam tentar foder meu rabo! Eles não são gays normais lá dentro. São como esses condenados que são temporariamente gays enquanto estão lá dentro. Para eles, um garoto de dezessete anos era como jogar uma porra de um osso suculento para um cachorro.” Atacado nos chuveiros na sua primeira manhã, “eu o espanquei com um penico de metal e terminei em confinamento solitário por três dias”. No final, sua melhor defesa era a velha tática — fazer com que rissem. “Passei por muitas situações duras como essa enquanto estava lá dentro.” Foi também na prisão que Ozzy fez suas primeiras tatuagens; ele mesmo fez usando um alfinete e um pouco de grafite queimado para desenhar as agora imortais letras O-Z-Z-Y nas juntas de sua mão esquerda. Terminou sua obra desenhando dois rostos sorridentes em seus joelhos. “Para me alegrar quando eu acordasse de manhã”, ele acrescenta. De volta às ruas de Aston em 1966, e com a ideia de uma carreira criminal agora felizmente esquecida, aconteceu a previsível sucessão de empregos de merda, de bicos na construção civil a testar buzinas de carros na mesma fábrica em que sua mãe trabalhava, até o mais conhecido, o trabalho num matadouro. “Eu fazia qualquer coisa naqueles dias. No entanto, no primeiro dia em que trabalhei ali, quase morri. Era tão repugnante que vomitei o dia todo. Mas, depois de um tempo, realmente comecei a gostar. Adorava matar animais! Costumava espetá-los, furá-los, cortá-los, torturar totalmente os porras até a morte.” Ele ria.

“Eu costumava tomar muito speed e ficava fora do ar o dia inteiro. Eu costumava matar pelo menos umas 250 cabeças de gado por dia e depois atacava os porcos e as cabras…” Constantemente deslocado, no sentido de sempre pertencer ao último degrau da escada, o senso de alienação de Ozzy só aumentou quando ele percebeu que ninguém se sentava ao seu lado no ônibus que o levava para casa à noite por causa do seu cheiro. Sua sorte mudou de repente quando um encontro por acaso com um velho amigo de escola fez com que “essa grande porta se abrisse na porra da minha mente”. Ele contou a Ozzy sobre a banda que tinha formado, chamada Approach, e como eles já estavam prontos para tocar, exceto por um detalhe: não conseguiam encontrar um vocalista. “Eu sou vocalista!”, anunciou Ozzy. Ele não era nada disso, claro. Mas era uma oportunidade muito boa para perder. Era como ver uma janela aberta no térreo de uma fábrica à noite. Seu amigo fez uma careta e cuspiu no chão. “Não, de verdade!”, gritou Ozzy. “Sou vocalista! Sou vocalista!” Na verdade, as únicas vezes que Ozzy tinha cantado havia sido em festas familiares, “quando meu pai chegava em casa com algumas cervejas na cabeça — velhas canções de pub como ‘Show me the way to go home’. Eu adorava tudo isso quando era criança”. Sabendo que ele não conseguia cantar direito, cimentou sua posição no Approach com a compra de um PA de cinquenta watts de segunda mão e dois microfones Shure. “Nunca levei aquela coisa a sério, sabe? Nunca tive nenhum estudo, só parecia uma boa ideia, entende?” Mas apesar de o Approach ensaiar com certa regularidade, eles nunca passaram de alguns shows em pubs e, frustrado, Ozzy deu o típico passo de colocar um anúncio na janela da loja de música de George Clay, no qual se lia: “Ozzy Zig — Extraordinário Vocalista — Procura Banda — Possui PA próprio”. A mesma loja que Geezer frequentava, e quando The Rare Breed precisou de um novo vocalista — o anterior tinha se cansado de ser banido dos lugares e saiu para cantar num cabaré no QE2 —, ele se interessou imediatamente pelo anúncio. “O que chamou a minha atenção foram as palavras mágicas: ‘Possui PA próprio’”, ele ri. Quando percebeu que Ozzy Zig morava ali perto, foi até lá e bateu na porta. Ozzy tinha saído, então Geezer deixou seu contato. “Aquela noite eu estava em casa e alguém bateu na porta, meu irmão atendeu, veio e me disse: ‘Há algo aí para você’. Perguntei: ‘Como assim, “algo”?’. Ele respondeu: ‘Bom, vai lá e dê uma olhada’. E ali estava Ozzy com uma porra de um macacão ensanguentado, como um avental gigante marrom. Ele usava isso, uma vassoura de limpar chaminé no ombro, um sapato pendurado numa correia de cachorro e descalço. Mas o que realmente me chocou foi o cabelo dele. Ele não tinha cabelo! Usava tudo aquilo para tentar disfarçar que era um skinhead.” Percebendo o que Geezer estava pensando, as primeiras palavras de Ozzy foram: “Tudo bem, estou deixando meu cabelo crescer”. Geezer pensou: “Esse cara é louco…”. As lembranças de Ozzy sobre The Rare Breed são, previsivelmente, vagas. Ele já tinha visto a banda tocar no Birmingham Polytechnic abrindo para Carl Wayne and the Vikings, que mais tarde passou a se chamar The Move, e não tinha ficado impressionado. “Pensei: que porra eram aqueles caras ali, pulando de um lado para o outro como umas bichas debaixo

daquelas luzes azuis? Nunca tinha ouvido falar em música psicodélica…” Mas ele não tinha nenhuma outra perspectiva e, além disso, “Geezer era realmente bom com um estroboscópio e em deixar tudo estranho”, então achou que a coisa poderia funcionar. A experiência durou apenas um show. Era um clube de trabalhadores em Walsall e pediram que fossem embora depois de apenas três músicas. Geezer se lembra: “O gerente se aproximou e disse: ‘Fora! Aqui estão cinco libras, agora puxem o carro!’. E Ozzy falou: ‘Pode enfiar as cinco libras na bunda!’. Mas eu disse: ‘Opa, passa a grana pra cá’…”. Ozzy tampouco gostou de Roger Hope. “Ele era muito chato, o tempo todo, então virei para Geezer e disse: ‘Foda-se, estou caindo fora’.” O que Ozzy não sabia era que Geezer também estava cansado. O baixista e o baterista tinham decidido encontrar algum emprego de verdade, mas Hope parecia querer fazer outra coisa. “Ele escreveu uma música que era absolutamente terrível. Não me lembro o nome, porém era horrível. Então eu educadamente me recusei a tocar.” Geezer anunciou sua saída do Rare Breed no dia seguinte. Então foi até a casa de Ozzy para fumar maconha e tomar chá… Ao mesmo tempo que Ozzy Zig e Geezer Butler estavam pensando no que fazer depois de The Rare Breed, Tony Iommi estava tentando fazer sucesso com um quarteto chamado Mythology. Baseado em Carlisle, onde o baixista e fundador da banda, Neil Marshall, vivia, Mythology era bem conhecida localmente em Cumberland, com shows regulares e seguidores leais. O estrelato estava muito distante, mas havia dinheiro suficiente para alugar um quarto num apartamento e sobreviver de um show para o outro. Ele não procurava muito mais do que isso na época. De seus primeiros shows semiprofissionais, cinco anos antes, sentado com um combo de piano e bateria em pubs locais, até se juntar a uma banda de verdade, o Rockin’ Chevrolets, aos dezesseis anos, Tony tinha se preocupado mais com a diversão do que com o dinheiro. Ele entrava em bandas “conforme iam aparecendo”, não com a intenção de “chegar a algum lugar”, mas porque ele “gostava disso”. Com os Chevrolets conseguindo shows regulares nos pubs e no circuito de clubes das Midlands, que estavam em ascensão, tocando covers de Chuck Berry com seus ternos vermelhos, ele sentia que era um bom começo. Até conseguiu sua primeira namorada, Margaret, a irmã do outro guitarrista. “A música que eles tocavam eram coisas do Top 20, algumas coisas de soul, diferentes tipos de rock ‘n’ roll. Era aquilo que se tocava em pubs e lugares afins.” Agora ele estava pronto para o próximo passo: um show com The Birds & The Bees, que tinha organizado uma turnê pela Alemanha Ocidental. No entanto, um desastre aconteceu na véspera da turnê, quando Tony perdeu a ponta de seus dedos do meio e anular da mão direita — a mão com que tirava as notas da guitarra — num acidente industrial na fábrica de metal onde trabalhava durante o dia como soldador. Ele tinha dezoito anos quando isso ocorreu, no mesmo dia em que ia deixar o emprego para viver de música. Depois disso, os médicos falaram que ele não poderia voltar a tocar. Ele disse que ficou “absolutamente devastado. Minha vida tinha acabado”. Por causa de muitas faltas, tinha

trabalhado naquele dia em especial na linha de produção, recebendo os itens que o operador da prensa de metal enviava para ele. “Comecei fazendo isso e, claro, a porra da máquina veio direto sobre meus dedos e pegou minha mão. E a reação era puxar a mão para trás, e foi o que fiz, arrancando a ponta deles! Só ficaram os ossos para fora.” Ele foi levado às pressas para o hospital — com a ponta dos dedos decepados num saco com gelo — onde se esperava que os médicos pudessem ser capazes de costurar cada ponta de volta, mas não foi possível. “Estava tudo esmagado. Então eles cortaram a ponta dos ossos nos dois dedos e só, nada mais. Disseram que eu nunca mais conseguiria tocar de novo.” Ele passou o mês seguinte sentado em casa pensando em se suicidar. Então “um cara que era o gerente na fábrica me comprou um disco do Django Reinhardt e disse: ‘Ouça isto’”. Tony achou que ele estava tirando um sarro; uma tentativa disfarçada de fazer com que ouvisse música de novo. Mas havia um método na aparente loucura desse gerente. Nascido na Bélgica, em 1910, de uma família de ciganos manouche, Jean Reinhardt cresceu em acampamentos romenos ao redor de Paris, tocando banjo, guitarra e violino. Apelidado de “Django” (“eu acordado”, em romeno), ele também tinha apenas dezoito anos quando se machucou bastante num incêndio — derrubou uma vela no caminho da cama ao voltar de um show tarde da noite —, tanto que perdeu o uso da perna direita, que ficou paralisada, e dois dedos da mão esquerda. Ele também ouviu que nunca mais voltaria a tocar. Mas, em um ano, com a ajuda do irmão Joseph, também um excelente guitarrista, ele aprendeu a tocar seus solos de guitarra com apenas dois dedos, usando os dedos lesionados somente para fazer os acordes. Seu trabalho ficou tão distinto que Reinhardt influenciou todos os grandes guitarristas de rock britânicos da geração de Iommi, incluindo a trindade profana de Jimmy Page, Eric Clapton e Jeff Beck, com o último descrevendo Reinhardt como “de longe o mais surpreendente guitarrista que já existiu — quase super-humano”. Sem saber nada disso na época, no entanto, Tony ficou espantado. “Eu falei: ‘Ah, não, não quero saber’. Mas ele insistiu: ‘Só ouça o disco’. Então ouvi e foi tipo: ‘Sim, e daí?’. Aí, claro, ele me contou como Django Reinhardt tinha perdido dois dedos. Então isso meio que me encorajou a pensar: ‘Cara, que porra! Talvez eu possa começar a tocar’.” Em um estilo “heróis conseguem resolver”, Tony começou a construir capas improvisadas para seus dedos a partir de uma garrafa velha de plástico. “Eu a derreti e fiz pequenas bolas, depois consegui um ferro de soldar e fui moldando, para conseguir que meu dedo coubesse nesse buraco, para fazer essas capinhas que cobriam, e depois colei couro para que elas se agarrassem às cordas. De outra forma eu não conseguiria tocar as cordas. Fiquei durante dias lixando para que parecesse um dedo. Aí coloquei o outro e… Toquei.” Foi uma solução rudimentar para um problema quase insolúvel, e ele teve que experimentar por semanas antes que funcionassem de maneira apropriada. “Eu pularia até o teto se tocasse as cordas sem as capas. Isso aconteceu quando eu estava tocando e uma delas se soltou, e eu apertei sem a capa e, oh, meu Deus! É como enfiar um ferro de solda quente na sua garganta. Oh, é doloroso porque o osso está embaixo, sabe? A pele é uma camada muito

fina…” Os “novos dedos” também tiveram o imprevisto efeito de alterar o som que Tony agora estava tirando de sua guitarra. “Tive que mudar toda a forma como estava tocando. Eu tinha que usar cordas mais leves, algo que não faziam naqueles dias, então eu mesmo as fazia, usando cordas de banjo. Porque machucaria meus dedos se usasse as cordas normais.” Anos depois, o som de Iommi seria tão imitado, tão idolatrado e estudado que jovens guitarristas iriam discutir acaloradamente sobre trítonos, afinação mais baixa e voltagem de amplificadores como se, de alguma forma, possuíssem os segredos do som pesado único que seria imediatamente identificado com o som do Sabbath. Mas era como tentar segurar mercúrio na palma da mão. No fim das contas, tudo se resumiu ao que ele podia e não podia mais fazer sem aqueles dois dedos. A como “alguns acordes eu nunca mais pude tocar” e a como ele conseguiu ultrapassar esse obstáculo, um rio de sons ultrapassando a barreira de impossibilidades apresentadas por ter somente três bons dedos para manipular sua feroz Stratoscaster branca. Ele sabia que tinha passado o maior teste de sua vida quando entrou numa nova banda — The Rest. Era 1965. “Eles estavam procurando um guitarrista e vieram até minha casa, a gente conversou e eu pensei: ‘Porra, todos têm AC30s, todos têm equipamento Vox e… Fenders!’. Pensei: ‘Porra, eles devem ser realmente bons!’.” Até então, o único outro músico que Tony conhecia pessoalmente que tinha uma Fender Stratocaster e um amplificador Vox era ele mesmo. “Eu realmente gostava do visual de uma Strat porque, basicamente, The Shadows a usava e com The Rest a gente costumava tocar muitas coisas dos Shadows também. A gente costumava tocar instrumentais e coisas do Chet Atkins.” Outras influências também estavam fazendo um impacto significativo em sua forma de tocar. A John Mayall’s Bluesbreakers, com Eric Clapton, deixou Tony doido. “Eu sabia, era aquilo.” Ele também tinha ficado encantado com The Big Three, um grupo de Merseybeat em Liverpool cujo guitarrista, Adrian Barber, também era um gênio da eletrônica que construiu os amplificadores enormes da banda, apelidados de “caixões”. A outra descoberta bastante significativa que Tony fez no The Rest foi o baterista da banda, Bill Ward. Com uma cabeleira escura e desalinhada, como Tony, com quem ele compartilhava a mesma determinação brutal que poderia às vezes parecer pura cabeça-dura, William Thomas Ward foi outro dos filhos do pós-guerra de Aston, três meses mais novo do que Tony e três vezes mais estranho. Ele tocara bateria em várias bandas locais desde os quinze anos, mas tinha começado a “bater em coisas quando tinha uns quatro ou cinco”. Sem dinheiro para comprar uma bateria, ele tinha montado seu próprio kit usando caixas de papelão, latas descartadas de cigarro, “sabe, qualquer coisa cilíndrica, qualquer coisa que se parecesse com uma bateria. Fiz minhas próprias baquetas e tudo o mais. Foi o que fiz quando era criança”. A música era “algo que estava na casa onde nasci, em Grosvenor Road. Minha mãe e meu pai sempre faziam festas. Mamãe tocava piano, e um amigo da família vinha e tocava bateria, e ele costumava trazer seu instrumento no sábado à noite; foi quando fiquei fascinado pela bateria”. Quando a banda local Boys’ Brigade vinha marchando na rua todo

domingo, ele não conseguia tirar os olhos deles. “Ah, cara, eu simplesmente amava aquilo. E era tão natural.” Seus pais adoravam especialmente o jazz norte-americano, as big bands lideradas por verdadeiros dissidentes musicais como Duke Ellington, Glenn Miller e Count Basie. “Foi onde começou realmente minha identificação com bateristas, quando eu tinha uns dez anos, com a música de Count Basie e Glenn Miller.” Um de seus bateristas favoritos na época era Joe Morello, o percussionista americano do Dave Brubeck Quartet, que criava tempos incomuns em clássicos como “Take five” e “Blue rondo a la Turk”. “Eu não conseguia entender como ele fazia no começo, depois eu meio que comecei a improvisar minha própria versão.” Sua maior influência, no entanto, foi Gene Krupa, cujo estilo frenético e hiperativo pode ser ouvido em todos os melhores trabalhos de Bill, até hoje. “E, claro, Gene Krupa aparecia nos filmes preto e branco daquela época. Então eu assistia a Gene Krupa e pensava: ‘Cara, isso é simplesmente incrível’, sabe? Para mim, ele realmente foi um dos pioneiros das batidas de rock, quando começou a mudar os ritmos. No final dos anos 1940 e nos 1950, ele mudou alguns dos estilos de certos ritmos na bateria. E, basicamente, quando a gente ouve a história de Krupa, é facilmente identificável onde o crossover com o rock aconteceu.” O “crossover com o rock” pessoal de Bill aconteceu com o lançamento em 1957 de “Jailhouse rock”, o segundo sucesso de Elvis Presley a chegar ao primeiro lugar das paradas britânicas. “Até aquele momento, eu só ouvia as big bands americanas de jazz. A BBC tocava muito esse tipo de música no rádio. Mas quando ‘Jailhouse rock’ saiu foi incrível, eu simplesmente me conectei imediatamente com o rock ‘n’ roll. E foi onde fiquei desde então. De Elvis vieram, claro, The Beatles e todo o fenômeno inicial britânico do começo dos anos 1960.” Ele tinha quinze anos quando conheceu Tony Iommi. “Eu estava numa banda que procurava um guitarrista solo e encontramos o Tony por meio de um anúncio. Mudávamos de nome a cada três ou quatro dias, mas na época nos chamávamos The Rest.” The Rest começou a fazer shows pagos, porém isso não evitou que os pais de Bill se inquietassem com a ideia de o filho de seguir uma carreira na música. “Eu passei pela coisa dos pais, assim como todo músico. Meu pai era meio chato com isso, sabe? Mas minha mãe apoiava totalmente. Ela ficou muito feliz por eu estar fazendo aquilo.” Seu único irmão, Jimmy, mais velho, também “influenciou muito, no sentido do que eu ouvia. Tipo, ele me apresentou o Everly Brothers e todas as bandas que estavam tocando em Birmingham. Veja, eu ainda era jovem, tinha uns catorze anos nessa época, e ele me mostrou bandas como The Redcaps, que eram realmente boas de Birmigham no comecinho dos anos 1960. Então eu tinha todas essas coisas me influenciando”. Com a cena das Midlands tão ativa na época, Bill também cruzou o caminho de alguns outros bateristas incríveis. Ele primeiro viu John Bonham tocar quando tinha dezesseis anos, em um pub em Worcestershire chamado The Wharf. O futuro baterista do Led Zeppelin estava tocando então com o Crawling Kingsnakes, com quem The Rest dividiu o palco. Bill, que ficaria amigo de Bonham, lembra-se de ficar impressionado com a capacidade de beber de

Bonzo — “Ele tinha uma cerveja ao lado da bateria o tempo todo, tomando uma garrafa atrás da outra, mas nunca errava uma batida” — tanto quanto com suas batidas pesadas. Outro bom amigo era Pete York, então tocando na banda mais popular das Midlands na época, o Spencer Davis Group. “Incrível baterista, Pete York também me ajudou muito. Tinha uns dezessete ou dezoito anos naquela época, e então ter alguém como Pete York, que tinha uma fila de sucessos com o Spencer Davis Group, prestando atenção em você, era algo muito importante.” Bill já era um perfeccionista, um traço que mais tarde identificaria como o principal problema de seus eventuais distanciamentos do Black Sabbath, e sua conexão musical com Tony Iommi foi instantânea. “Tony tocava de forma excepcional para sua idade. Eu já tinha trabalhado com bons guitarristas, mas Tony realmente sabia tocar a guitarra. Então, com The Rest nós tocávamos alguns blues e jazz mais populares, e o resto eram covers, coisas assim. Não tínhamos chegado ainda ao período de amadurecimento, em que se consegue compor música própria. Demorou mais uns dois ou três anos antes de conseguirmos compor nossa própria música. Mas sabíamos que era o que íamos fazer…” The Rest cruzou caminhos com The Rare Breed em várias ocasiões, mas não houve nenhuma aproximação entre eles. Eram rivais, não amigos. Geezer se lembra de conversar ocasionalmente com Bill. “Ele me perguntava que tipo de coisa a gente gostava e eu dizia, na semana seguinte eles estavam tocando aquilo. Então a gente meio que compartilhava os gostos musicais na época.” As lembranças de Tony sobre o Geezer de então são menos agradáveis. “Ele sempre estava doido. Estava sempre com uns ácidos na cabeça. Quero dizer, você podia vê-lo num clube tentando subir pelas paredes e coisas assim. Eles tocavam, depois nós tocávamos e ele sempre parecia um doido varrido, sabe?” No entanto, nenhuma banda foi construída para durar, e quando Tony foi convidado a se juntar ao Mythology, em janeiro de 1968, ele aproveitou a oportunidade. Neil Marshall tinha tocado em Peter and Gordon, cujo single de 1964, “A world without love”, tinha chegado à primeira posição na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, o primeiro dos vários sucessos transatlânticos que eles teriam nos quatro anos seguintes. No começo de 1968, no entanto, Marshall tinha saído com dinheiro e experiência suficientes para fazer sucesso sozinho. Assumindo e reconfigurando uma banda local de Carlisle chamada The Square Chex, da típica batida “direta” de meados dos anos 1960 para o grupo de rock psicodélico cabeludo e com roupas hippies, ele mudou o nome deles para Mythology e começou a reconstruir a formação. Junto com Iommi, ele também recrutou o vocalista do Rest, Chris Smith, cujo nome verdadeiro era Christopher Robin Smith, mas foi persuadido a tirar seu nome do meio porque “todo mundo achava que estávamos zoando”.[1] Em poucas semanas, Marshall ouviu o conselho de Tony e também trouxe Bill Ward para ser o novo baterista. Grandes sapos em um lago pequeno, Mythology atraiu uma forte base de fãs em Carlisle e redondezas, e foi considerada a melhor banda para abrir shows, tocando com The Move no 101 Club, por exemplo, em abril. Um “grupo cabeça” com maior probabilidade de abrir

caminho com “All your love”, de John Mayall’s Bluesbreakers, do que cruzar com material normal do Top 20, foi no Mythology que Iommi e Ward começaram a transformar suas intermináveis jams chapadas em algo mais concreto. “Foi quando começamos a ver as possibilidades de acrescentar algo nosso, por aí. Aumentando o máximo que pudéssemos, realmente — com muito solo de guitarra no meio.” Era o nascimento da era de solos de guitarra monolíticos, com Hendrix tendo invadido recentemente a cena de Londres e outros viajantes como Jeff Beck, Eric Clapton e Jimmy Page correndo atrás. No apartamento de Tony, na sede da banda — Compton House — em Carlisle, o único que realmente o influenciou no estilo de tocar foi Clapton, cuja última banda, Cream, estava mudando a cara do blues rock na Grã-Bretanha. “Disraeli gears tinha acabado de sair e era o que todos estávamos meio que querendo fazer, ou ir além, se pudéssemos. Aquele formato de guitarra, baixo, bateria, mas que parecia ser capaz de fazer qualquer coisa, sabe?” Espertamente, o Mythology também começou a se especializar em covers de bandas que sua audiência não conhecia muito, como Tomorrow e Art. A segunda era, na verdade, outra banda da região de Cúmbria liderada pelo futuro vocalista do Spooky Tooth, Mike Harrison, que tinha lançado um disco “cabeça” certificado no ano anterior chamado Supernatural fairy tales; a primeira era outra potência psicodélica instrumental onde tocava o futuro guitarrista do Yes, Steve Howe, e uma das favoritas do programa original de John Peel na Radio One. “Eles eram provavelmente mais uma influência do que qualquer outra banda, porque sentíamos que estavam mais perto, espiritualmente, do que estávamos tentando fazer no Mythology. Realmente só queríamos tocar e solar o máximo que pudéssemos. E as pessoas pareciam gostar disso.” No entanto, não foi só pela música que o Mythology se tornou bem conhecido localmente. Eles eram os defensores mais conhecidos de uma cena hippie florescente no norte que agora defendia abertamente o uso de drogas — isso em uma época na qual pop stars como os caras dos Beatles e dos Rolling Stones estavam sendo presos por uso de drogas ilegais, histórias que o jornal mais escandaloso do país, o News of the World, transformava em infinitas “revelações” no tabloide. Assim quando a força policial da região foi pressionada a apresentar provas de suas tentativas de “repelir essa ameaça à sociedade civilizada”, como disse um magistrado, eles invadiram Compton House numa manhã do verão de 1968 e prenderam todos os quatro membros da banda por posse de maconha. Policiais incrédulos apontaram Smith como “o líder” quando ele insistia em dizer que seu nome era Christopher Robin. A história ganhou os jornais nacionais e, de repente, Tony e Bill ficaram famosos em Birmingham por motivos equivocados. O Mythology, incapaz de conseguir shows pagos com regularidade em Carlisle, se separou logo depois. “Foi horrível”, contou Tony. Sem dinheiro e forçado a voltar para a casa dos pais, ele se lembra de sua mãe “chorando e gritando: ‘Você trouxe a desgraça para esta casa!’”. Bill, que certamente tinha fumado maconha mais de uma vez e gostaria de continuar fumando, achava que a única salvação deles era montar imediatamente outra banda, em Birmingham, “para meio

que continuar de onde tínhamos parado com o Mythology, porque estávamos realmente começando a chegar em algum lugar, eu sentia, quando tudo ficou amargo”. Assim, os dois acabaram vendo o mesmo anúncio na vitrine da loja que Geezer tinha visto; o de Ozzy Zig e seu PA próprio. Como Geezer, eles imediatamente foram até Lodge Road e bateram na porta. “Eu falei para o Bill: ‘Conheço um Ozzy, mas não pode ser o mesmo. Não pode ser ele, o cara não cantava’, porque até onde eu sabia ele não cantava. E fomos até sua casa mesmo assim, e a mãe dele atendeu. ‘John! Alguém quer vê-lo!’ Então o cara vem até a porta e eu falo para o Bill: ‘Oh, não! Conheço esse cara. Estudamos na mesma escola. Não vai funcionar’. Porque eu achava que ele não sabia cantar, embora tivesse colocado um anúncio. A gente se sentia um pouco mais profissional do que isso, sabe, do que quem estava apenas começando. Então falei para o Bill deixar para lá…” Reconhecendo o brigão que tinha batido nele na escola, Ozzy ficou aliviado quando Tony foi embora. “Dava para ver na cara dele que pensou: ‘De jeito nenhum!’, e eu também!” De acordo com Geezer, Tony e Bill na verdade viram o anúncio no mesmo dia que ele. “Ozzy e Tony não se deram bem na escola. Foi por isso que Ozzy veio até a minha casa aquele dia, e não na do Tony.” No entanto, o problema continuava: Ozzy e Geezer precisavam de um baterista e um guitarrista para formar uma nova banda; Tony e Bill precisavam de um vocalista e um baixista. Geezer, que lembrava dos dois na The Rest, que “tocava as mesmas coisas que a The Rare Breed”, pensou que eles deveriam pelo menos conversar. Já tinham se passado cinco anos desde que Ozzy e Tony frequentaram a mesma escola. Parece outra vida, não? No dia seguinte, Geezer levou Ozzy, que estava muito relutante, até a casa de Iommi em Washwood Heath. O plano, ele disse, era tentar atrair Bill Ward e trazê-lo como baterista, deixando Tony Iommi sem saída. Tony recorda: “Bill conversou com eles e de alguma forma decidimos nos reunir. Porque Bill não queria se separar de mim, e eu tampouco. Queríamos ficar juntos como um time, porque a gente já tocava junto havia muito tempo”. Nem Geezer, nem Ozzy ficaram especialmente felizes com a nova situação. Para Geezer, significava deixar a guitarra e se tornar o baixista — na época eles também tinham se unido a um guitarrista bottleneck chamado Jimmy Phillips, e era assumir o posto de baixista ou sair, algo que o ardiloso Geezer nunca iria fazer. Para Ozzy, significaria voltar ao pátio da escola que ele tinha odiado tanto. Mas, da mesma forma, era isso ou nada, e Ozzy já tinha tido muito “nada” na vida. Quando eles já estavam prontos para começar a ensaiar, um saxofonista chamado Alan “Acker” Clarke também tinha sido acrescentado à gangue, junto com um novo nome: The Polka Tulk Blues Band. Um nome roubado de uma “loja paquistanesa em Handsworth”, de acordo com Ozzy. “Foi o caminho do nosso primeiro show.” Nós não tínhamos um nome ainda, então passamos por essa loja, a Polka Tulk, e eu disse: “Aqui; isso parece um bom nome”. Viajando para o primeiro show deles — num lugar de trailers em Carlisle, um show conseguido graças aos bons contatos do Mythology —, Tony admite que se sentiu desanimado.

“Olhei ao redor e pensei, Cristo, onde foi que me meti, sabe? Pensei que aquilo não ia durar muito.” Ele estava certo. Não ia. [1]

Christopher Robin é o personagem humano das histórias infantis do Ursinho Pooh. (N. T.)

Dois O intervalo do Diabo ELES COM EÇARAM A PULAR na garganta um do outro quase que imediatamente. Com Tony e Bill antes tratados como heróis locais no Mythology, Tony, em particular, estava aflito pensando na volta a Carlisle com o que ele achava ser uma formação menor de músicos sem experiência. Ele não sabia onde se esconder quando viu Geezer tirar um baixo emprestado com apenas três cordas. “Ele não tinha grana para a quarta corda. E apareceu com toda a indumentária hippie, todo de branco com essa coisa indiana — como se tivesse tomado um monte de ácido.” O fato de Jimmy Phillips aparecer “vestido como um tipo de Robin Hood” deixou Tony e Bill, trajando jeans e camiseta, ainda mais embaraçados. “Estávamos, eu e Bill, olhando um para o outro e nos perguntando o que estava acontecendo…” Geezer e Ozzy também estavam desconfortáveis. Inteiramente fora da sua zona de conforto, tocando com caras que já tinham alcançado certo nível, eles se atrapalharam nos primeiros shows, ficando para trás enquanto tentavam desesperadamente acompanhar. Mas foram as deficiências musicais deles que acabaram ajudando a definir o futuro som do Sabbath. A voz azeda de Ozzy não combinava com o zumbido adocicado do blues-rock convencional do período, como Traffic e Fleetwood Mac, mas no contexto do bombardeio sonoro que mais tarde seria a base sobre a qual o Black Sabbath construiria sua reputação, ela se tornaria o brilho, em contraste com os riffs ameaçadores e os ritmos alucinantes — dolorosa, desconectada, descontrolada. Geezer tinha passado os dias anteriores ao ensaio num quarto frio em cima de um pub em Aston, tocando sua Telecaster, mas com afinação grave para parecer o som de um baixo. Ele ainda tocava como uma guitarra, no entanto, em vez de marcar o ritmo, como fazia a maioria dos baixistas convencionais, ele simplesmente seguia o riff de Tony, ao pé da letra, acrescentando um ocasional preenchimento quando se tornava mais confortável com a música, um truque que aprendeu de Jack Bruce, do Cream. Parecia estranho no começo, mas depois que ele aperfeiçoou o truque num baixo verdadeiro — com todas as quatro cordas — foi o que deu ao Sabbath o som mais pesado. “Eu costumava tocar com o riff. Eu gostava de dobrar as notas.” Dobrar as mentes. Demoraria algum tempo, no entanto, até eles convencerem Tony e Bill do seu valor. Para aqueles primeiros shows, Ozzy, constrangido, usando a bata longa e feia que Geezer tinha emprestado para ele no The Rare Breed, estava tão nervoso que praticamente se escondia do lado do palco, feliz por Tony ficar debaixo das luzes. De qualquer maneira não dava para ouvir a voz dele, tal era o barulho escandaloso feito por uma cacofonia exagerada de guitarras, saxofone e bateria, todos aparentemente tocando o que queriam. “Era tudo blues de doze compassos”, lembra-se Geezer, “todos covers… Coisas tipo ‘Dust my blues’, do John Mayall’s Bluesbreakers, e Cream, tipo ‘Spoonful’.” Eles deliberadamente se afastavam do que

viam como as músicas mais óbvias para agradar as plateias. Até Jimi Hendrix era considerado “um pouco comercial demais, na época”. Mesmo nesse estágio embrionário, conta Geezer: “Queríamos ir totalmente contra tudo que estava acontecendo”. A Polka Tulk Blues Band durou somente dois shows: num parque de trailers em Whitehaven e num salão de danças em Carlisle. O primeiro terminou abruptamente quando a plateia de campistas horrorizados começou a se levantar e ir embora depois da primeira música. Até os antigos fãs do Mythology que tinham comparecido, posteriormente se sentiram obrigados a demonstrar seus sentimentos feridos. “Que merda vocês estão fazendo com esse vocalista horrível, ele é um inútil!”, Geezer se lembra de um fã perguntando a Tony e Bill. “E o outro cara de merda não sabe tocar baixo. Por que não trazem os outros caras de volta?” O segundo show também terminou mal, depois que um grupo de caras locais decidiu que a banda estava tentando roubar suas mulheres, e os atacou com garrafas e cadeiras enquanto tentavam carregar a caminhonete depois do show. “Eles praticamente nos mataram!”, contou Geezer. A polícia foi chamada e prendeu os agressores, mas só depois que o líder deles — “Um cara enorme — de verdade!” — tentou estrangular um dos cães dos policiais. Tony: “Pensei: ‘Porra, agora já era. Não vamos conseguir nenhum trabalho’”. Eles tinham começado a viagem de mais de trezentos quilômetros de volta a Birmingham quando Tony perdeu a cabeça. Felizmente para Geezer e Ozzy, sua raiva voltou-se principalmente contra o saxofonista e o segundo guitarrista, caras que nunca o convenceram e que agora pagariam o preço por sua humilhação perante seus antigos fãs. “Eles estão fora. Podem voltar de bicicleta”, ele anunciou. Ninguém discutiu. Muito menos Ozzy, que tinha aprendido na escola a manter a cabeça baixa sempre que Tony estava “de mau humor”. Mas se Ozzy ficou triste ao ver Jimmy partir (“Eu, Jimmy Phillips e um baixista negro chamado Rosko Gee, que mais tarde terminaria no Traffic, costumávamos dormir na mesma cama, porque não tínhamos grana”, ele me contou mais tarde), por outro lado ficou aliviado em ver a saída de Clarke, que estava sempre tocando “Take six”. “Até hoje não aguento essa merda de música!” A outra coisa a mudar foi o nome, agora transformado em The Earth Blues Band, rapidamente reduzido para apenas Earth. Na verdade, as mudanças não fizeram muita diferença no som da banda. Ainda se baseando no mesmo caldo musical de covers, blues e psicodelia, misturando Howlin’ Wolf e John Lee Hooker com Cream e rocks contemporâneos menos conhecidos, como Retaliation, de Aynsley Dunbar, para o ainda pouco convencido Tony Iommi, na maioria das noites eles estavam simplesmente “repetindo várias vezes a mesma música, com pequenas variações de tempo”. Felizmente, em meados dos anos 1960, o circuito de shows das Midlands estava no auge, com todas as grandes bandas da época, assim como muitos talentos locais. Ao contrário da história recontada que agora insiste que as Midlands foram o berço de bandas de heavy metal, as principais influências musicais da maioria dos grupos importantes em meados dos anos 1960 eram o soul e o R&B norte-americano. Para começar, os contratos de gravação eram poucos, mas numa época em que, fora de Londres, somente Liverpool era vista como um centro musical sério, a cena ao vivo em Birmingham e

nas Midlands era muito boa. Músicos como John Bonham e Robert Plant conseguiram dar os primeiros passos rumo ao sucesso aparecendo no que então era chamado de Ma Reagan Circuit — uma série de clubes com música ao vivo cuja dona era a sra. Reagan, incluindo o Oldhill Plaza, o Handsworth Plaza, o clube Garry Owen e a Birmingham Cavern —, tocando em grupos como Terry Webb & The Spiders, Nicky James Movement, Locomotive e A Way of Life, onde tocava Dave Pegg, futuro baixista do Fairport Convention. Bonham também tocou, por pouco tempo, no The Senators, gravando a faixa “She’s a mod” do disco de compilação de 1964, Brum beat. Além do circuito Ma Reagan, havia também uma infinidade de shows em pubs e, um tempo depois, lugares mais na moda em Birmingham, como Henry’s Blues House e Mothers, um verdadeiro paraíso de pontos para tocar em toda a área das Midlands, de onde surgiriam muitos dos elementos centrais da próxima geração de bandas pós-Beatles: Roy Wood e Bev Bevan (mais tarde no The Move, ELO e Wizzard), que se encontravam com Carl Wayne & The Vikings, com Stevie Winwood e Jim Capaldi, do Traffic, duas bandas locais que ficaram famosas (o último na Spencer Davis Group); Carl Palmer (Atomic Rooster e ELP), Cozy Powell (Jeff Beck Group e outros, incluindo, muito mais tarde, o Black Sabbath), o próprio Black Sabbath, The Moody Blues, Slade e muitos outros. As drogas vinham em ocasionais parangas de maconha ou, mais provável, em duas ou três pequenas pílulas azuis de speed. Principalmente, conta Geezer, “a gente tomava umas cervejas”. O comportamento extravagante era pouco tolerado. O baterista do Move, Bev Bevan — que também terminaria, por um breve período, no Sabbath —, lembra-se de como o The Move tinha pensado em trocá-lo por John Bonham, mas “The Move não bebia nada em seus primeiros dias e eles achavam que ele poderia ser incontrolável”. Encorajado, o Earth aproveitou, conseguindo shows em locais bons como Mothers, The Penthouse e Henry’s Blueshouse. Foi no último deles, dirigido pelo empresário local Jim Simpson, que eles conseguiram fazer o primeiro grande show. Simpson também era músico, mas dez anos mais velho, e tinha sido astuto o suficiente para se enveredar por outras áreas da música e conseguir viver decentemente. Como trompetista no Locomotive (onde já tinha tocado o jovem John Bonham, antes de ser expulso por não ser confiável) Jim tinha conseguido um sucesso com “Rudi’s in love”. Em 1968, ele tinha passado a ser empresário, fazia trabalho de agenciamento e tinha aberto seu próprio espaço para shows, atividades que eram supervisionadas pela empresa Big Bear. Assim como a Henry’s Blues House, ele também era o empresário de um trio de rock pesado de Staffordshire chamado Bakerloo Blues Line, e Tea & Symphony, uma banda acústica extravagante não muito diferente do começo do T. Rex. Quando o novato Led Zeppelin — ainda conhecido na época como New Yardbirds — fez uma tumultuada aparição no Henry’s, Tony e Bill estavam na plateia. Sentindo a conexão entre o “blues psicodélico” que o Zeppelin estava tocando e o frenético blues pesado que o Earth também tentava fazer, Tony procurou Simpson com a proposta de que ele desse uma chance a sua banda no clube.

“Eles me pareceram um pouco inocentes, confusos e sem direção”, me contou Simpson. “Não sabiam realmente qual seria o próximo passo.” Conseguiram um teste no clube numa tarde fria de novembro, e Jim “viu o suficiente” para conseguir o show de abertura para o Ten Years After — outra banda local que tinha se dado bem e agora estava morando em Londres. Liderada por Alvin Lee, natural de Nottingham, na época chamado de “o guitarrista mais rápido da Grã-Bretanha”, ele ficou tão impressionado com os jovens músicos abrindo o show para ele no Henry’s, que os convidou novamente para o show de abertura no clube Marquee, em Londres, onde tinham uma residência. O Marquee já estava a caminho de conseguir seu status de lenda, como o lugar onde todo mundo, de Rolling Stones a Led Zeppelin, tinha explodido para o sucesso. Como Geezer contou: “Aí a coisa começou a rolar para nós”. Mas não foi tão longe, o Earth em seguida colapsou de volta para o buraco. Não foi só o Ten Years After que gostou do Earth. Quando eles abriram para o Jethro Tull, novamente no Henry’s, o líder do Tull, Ian Anderson, fez um convite para que eles tocassem juntos em Londres — só que dessa vez a oferta foi feita apenas para o Tony. O disco de estreia do Tull, This was, tinha acabado de ser lançado e estava no Top 10. Eles estavam crescendo muito. Quando o guitarrista original, Mick Abrahams, saiu — coincidentemente, na mesma noite em que o Earth abriu para eles —, o Tull precisava de um substituto de forma urgente. Ao receber uma ligação do empresário do Tull na manhã seguinte ao show, perguntando se ele estaria interessado em fazer parte da banda, Tony aproveitou a oportunidade. Mas assim que desligou o telefone, começou a entrar em pânico. “Contei ao resto dos caras. Falei que tinham me convidado para a banda deles e todos eles disseram: ‘Bom, você deveria aceitar. Deve tentar. É uma grande oportunidade’ e essas coisas. Mas eu realmente me senti mal por deixá-los.” Porém não a ponto de recusar o convite para se juntar ao Tull em Londres. Ele tomou um choque, no entanto. “Eu entrei, e havia pelo menos uns cem guitarristas.” Músicos que incluíam nomes mais estabelecidos como Davey O’List, recentemente no The Nice, e Martin Barre — outro rapaz de Birmingham que já tinha ganhado algum nome na cena de Londres em várias bandas diferentes, sendo que a mais recente tinha sido o projeto paralelo de Noel Redding, o baixista de Hendrix, chamado Fat Mattress. Tony: “Eu pensei: ‘O que está acontecendo?’. Na verdade era uma audição. Falei: ‘Ah, puta merda! Não vou conseguir’, então fui embora”. Mas ele se “persuadiu” a se sentar em um café do outro lado da rua, esperando que o chamassem. “Então fui e comecei a tocar, e eles me ligaram no dia seguinte e disseram, é isso, o lugar é seu.” Encantado e se sentindo orgulhoso, só quando Tony voltou a Aston com a notícia de sua nova banda que o peso do que tinha acontecido começou a ficar evidente. “Os outros pareciam felizes, mas eu sabia o que eles estavam pensando.” Convidado a voltar a Londres, para começar a ensaiar as músicas que iriam aparecer no disco seguinte do Tull, Stand up, Tony estava tão assustado que convidou Geezer para ir com ele. “Porque eu me sentia realmente sozinho sem eles. Então Geezer foi e ficou ali sentado enquanto a gente ensaiava. E eu olhava

para ele e me sentia muito mal, sabe? E, depois do ensaio, falei para ele: ‘Não sei, Geezer, é estranho’. E ele falou: ‘Bom, aguente mais um pouco’. Tentei mais alguns dias e disse: ‘Ah, não aguento isso. Não está funcionando para mim’.” Não foi só a companhia dos amigos e companheiros de banda em Brum que fez com que Tony reconsiderasse. Ele se conteve quando o empresário do Tull disse para ele: “Você tem muita sorte de conseguir entrar na banda”. Podia ter um complexo de inferioridade, tendo que se encaixar no que para ele era um novo ambiente de artistas e músicos de sucesso, mas tinha superado enormes obstáculos para se tornar o guitarrista que era, e nunca tinha pensado em si mesmo como alguém com sorte. “Isso realmente me deixou bravo. Pensei: ‘Não é sorte. Eles me chamaram aqui porque sei tocar — não porque tenho sorte!’.” Houve também o choque cultural de trabalhar em Londres com uma banda na qual havia uma clara hierarquia de membros. Ou, como ele colocou, o Tull “trabalhava de uma forma diferente da que eu conhecia. Ian Anderson sempre andava separado dos outros caras. Ele se sentava em uma mesa e os demais se sentavam em outra. E eu simplesmente não sentia que era uma banda completa. Então falei com Ian e disse: ‘Olha, vou sair…’”. Incomodado, Anderson tentou persuadir Tony a “tentar um pouco mais”, mas o guitarrista já tinha decidido. “Falei: ‘Não, eu sinto que isso não é para mim e quero voltar para minha outra banda’. E ele respondeu: ‘Bom, então você faria o filme com a gente?’.” O filme em questão seria o mítico Rock ‘n’ roll circus do Rolling Stones. Um evento construído ao redor de concertos filmados no Intertel Studios, em Teddington, durante dois dias — 11 e 12 de dezembro —, o conceito central era que todas as bandas apareceriam sob o que aparentava ser uma lona de circo; daí o título. Tendo os Stones no centro e envolvendo bandas estelares dos anos 1960 como The Who, Marianne Faithful, John Lennon e sua noiva, Yoko Ono, e um “supergrupo” da casa apelidado de The Dirty Mac, formado por Keith Richards, Eric Clapton e o baterista de Hendrix, Mitch Mitchell, com o Jethro Tull ali para representar a “próxima geração” de estrelas do rock, o evento foi filmado pela BBC2 — que tinha se tornado o primeiro canal de televisão europeu a conseguir transmitir programas em cores no ano anterior — no começo de 1969. Mas quando The Who, chegando direto de uma turnê norte-americana, detonou todo mundo no palco — inclusive os Stones, que não vinham tocando ao vivo havia quase dois anos —, Mick Jagger bloqueou os planos de transmitir o programa e o filme ficou guardado, pensava-se que perdido, por quase trinta anos, antes de sair em DVD — e acabar sendo transmitido pela BBC — em 1996. Última apresentação pública de Brian Jones com os Stones, aquela também foi a única apresentação de Tony Iommi com o Jethro Tull, fazendo playback de um single deles, “A song for Jeffrey”. Eles deviam tocar ao vivo, mas a natureza caótica do dia os deixou sem tempo para ensaiar, e Jagger tinha mandado que fizessem playback, enquanto Anderson cantava ao vivo. A performance da nova faixa do Tull, “Fat man”, também em playback, foi mais tarde cortada da edição final, também por causa do tempo. Para aumentar o desastre da performance, pediram para Tony usar um chapéu de caubói. “Um chapéu branco estúpido.” Lá

no fundo, com nenhuma experiência em produção de filmes, muito menos em se relacionar pessoalmente com pessoas, como ele conta, que “só tinha visto antes na televisão”, Tony admite: “Eu quase me caguei nas calças! Foi assustador para mim. Porque eu estava sozinho, não conhecia ninguém, e estava ali parado com uma porra de um chapéu que nunca tinha usado na minha vida. Eu o encontrei no Departamento de Roupas no fundo e eles disseram: ‘Oh, por que você não usa isso?’. Então coloquei o chapéu, e depois fiquei feliz porque ele cobria minha cara. Eu podia abaixar a cabeça, sabe, e não ficar envergonhado ou nervoso”. Se trabalhar com Ian Anderson e Jethro Tull foi uma experiência esclarecedora para o jovem guitarrista com dificuldades de relacionamento social, tocar na mesma sala com pessoas como Lennon, Jagger e Clapton foi algo revelador — e teve seu lado engraçado. “Estávamos todos sentados ali e então, de repente, eles começaram a discutir sobre algo, Brian Jones e Keith Richards, acho. Lembro que Mick Jagger disse algo para mim tipo: ‘Ah, puta merda! Eles começaram de novo!’. E eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo! John Lennon entrava e Yoko estava ao seu lado. Aonde ele ia, ela o seguia. Ele não conseguia se mover sem ela. Então, ele subiu no palco e ela ficou sentada aos pés dele, e depois começou a cantar também! E, para ser honesto, foi uma merda. Absolutamente horrível. Nunca vou esquecer Ian Anderson virando para mim e dizendo: ‘Bom, o que você acha dos seus heróis agora?’.” Ele admitiu que, depois de fazer parte de algo assim, começou a duvidar da sabedoria de sua decisão de voltar a Birmingham e para as poucas perspectivas do Earth. “Eu de fato pensei: ‘Estou deixando passar uma oportunidade e tanto aqui!’. Honestamente, pensei, bom, pelo menos coloquei um pé aqui dentro. Foi algo muito importante, sabe? De repente, era como se eu estivesse no meio de algo grande que estava acontecendo e eu tinha decidido sair. Mas senti uma vontade enorme de voltar com o resto dos caras. E foi o que fizemos, mas posso dizer que mudou nossa carreira. Mudou tudo…” Se Ozzy Osbourne tinha medo de Tony Iommi e seus socos voadores antes de partir para Londres, ficaria ainda mais aterrorizado com a figura brutalmente determinada que voltou para “descer o sarrafo” e transformar o Earth em algo verdadeiro. Regressando a Birmingham de caminhonete no dia 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, Tony disse a Geezer: “Vamos voltar e compor algumas merdas e ensaiar, e vamos fazer isso sozinhos, sabe, e a coisa vai acontecer. Podemos ser grandes, tipo o Tull, mas vamos trabalhar”. Tony se tornaria o líder, sem discussões, a partir daí. Como declarou Jim Simpson: “Tony tinha a fixação de se tornar uma estrela. Ele era quem falava mais abertamente disso”. Não só como quem compunha os riffs que se tornaram sua assinatura musical, mas como o que guiava, ordenava e manipulava todos. Apesar de ser um cara de poucas palavras, ele nunca deixava que ninguém esquecesse que tinha sido ele quem sacrificou uma vida de estrelismo e celebridade instantâneas para voltar e salvá-los. Ele voltou, mas tudo seria inteiramente a seu modo. Os demais ficaram felizes por ele ter voltado. E logo, assim que começaram a colher os frutos de seus esforços mais profissionais, passaram a contar com ele para impulsionar tudo.

A palavra de Tony se tornaria lei. “O que é bom e ruim”, ele iria meditar alguns anos depois. “Quero dizer, é bom porque nos botou na linha — alguém tinha que fazer isso. E acho que eles esperavam que eu fosse o líder, sabe? Mas ao mesmo tempo eu acabava me afastando um pouco dos outros. Porque eu meio que deveria parecer um tipo de figura paterna, sabe? Alguém que falava: ‘Não faça essa merda’. Então voltei com essa atitude, juntei todo mundo e disse: ‘Olha, vamos começar a ensaiar às nove da manhã. Vamos parar de ficar fazendo merda’. E eu aprendi tudo isso, basicamente, de Ian Anderson, porque ele era o líder do Jethro Tull. E eu percebi que era disso que precisávamos. Para nos organizar, para chegar cedo aos ensaios e nos dedicar de verdade. E foi o que aconteceu, realmente ajudou. Essa mudança nos levou a começar a compor material próprio. E todo mundo ficou feliz quando voltamos, então todos se esforçaram mais. E isso funcionou a partir de então.” Com Jim Simpson de volta ao barco para ajudar, foi feito um acordo com o Community Centre local em Aston Park Road para que o Earth usasse seu salão principal para ensaiar. Como eles só usavam durante a manhã, os costumeiros dez centavos por hora de aluguel (cinquenta, no valor atual) foram baixados para cinco. Agora atuando como empresário de facto, Jim também organizou uma série de shows para eles, abrindo para suas outras bandas, como Locomotive e Bakerloo Blues Band, no Henry’s, e ocasionais shows como atração principal em lugares como Bay Hotel, em Sunderland, onde a abertura foi do Van Der Graaf Generator e do DJ da Radio One John Peel. Ele também assegurou visitas de volta a Londres em outros shows de prestígio no Marquee, abrindo para Colosseum, de Jon Hiseman, cujo disco de estreia estava chegando ao Top 20, e conseguiu um show em Londres abrindo para John Mayall’s Bluesbreakers, onde Tony e Geezer ficaram tão tímidos por tocarem em frente a seus heróis que quase não conseguiam olhar para a plateia. “Não havia nada de especial ali, não imaginava como tudo ia ficar grande”, diz Jim sobre seu papel de empresário, que foi crescendo aos poucos. “A gente foi assumindo a coisa aos poucos. Eu marquei uns shows com gente que confiava em mim o suficiente para aceitar uma banda sem conhecê-los muito.” Mas quando ele conseguiu os primeiros shows no continente com a banda — um show no Brøndby Pop Klub, na Dinamarca, seguido logo depois por uma residência no Star Club, em Hamburgo, onde os Beatles tinham aprimorado sua performance poucos anos antes —, eles começaram a confiar em Jim. O único dos quatro que ainda duvidava das suas perspectivas era quem, nominalmente, vinha na frente: o vocalista. Simpson lembra-se que Ozzy “ficava bastante consternado. Sua confiança era muito baixa, ele precisava de constante reafirmação”. Quando Simpson decidiu escrever um contrato de management profissional para que a banda assinasse, ele achou que isso poderia dar uma melhorada no ego de Ozzy. Na verdade, teve o efeito oposto, deixando todos com um pé atrás. Principalmente, Simpson agora sente, porque exigia conversar com seus pais, que viam essa coisa de grupo pop como “só uma brincadeira”; algo que eles logo deixariam de lado. “Fui conhecer os pais deles e acho que

todos pensavam que meu entusiasmo era exagerado”, conta Simpson. “Eu sabia que a banda ia conseguir. Não havia dúvidas na minha cabeça. Mas os pais e as mães deles estavam um pouco confusos por tudo aquilo, acho. O quê, nosso pequeno Tony? Como ele pode ser uma estrela?” O que realmente selou o acordo na cabeça deles — e o grande ponto de virada, musicalmente — foi a primeira música original que eles compuseram, em abril. Título: “Black Sabbath”. “No começo do Earth, ainda estávamos improvisando muito”, lembra-se Bill. Disso surgiria a base de seu primeiro material. “A primeira indicação do que começou a surgir desses improvisos”, disse Bill, veio do cover de uma música chamada “The warning”, originalmente do Retaliation, de Aynsley Dunbar, à qual o Earth tinha acrescentado uma extensa improvisação de guitarra, baixo e bateria. O que começou como uma jam longa foi tomando um novo formato monstruoso durante a residência no Star Club, onde eles deviam tocar quatro sets de 45 minutos por noite. “A gente costumava esticar as músicas porque tínhamos que fazer muitos sets todo dia, e a gente se cansava de tocar as mesmas seis músicas ou algo assim”, conta Geezer. “Para a jam depois de ‘Warning’, Tony fazia um solo enorme e a gente seguia, e eventualmente isso se tornou uma das nossas primeiras músicas.” A primeira a surgir, que eles deram um título, foi um bombástico rock meio Frankenstein que chamaram de “War pigs”. “Durava quase quarenta minutos. Então começamos a modelá-la e transformá-la em outras músicas também. A maioria das músicas dos primeiros dois discos do Sabbath saiu dessas jams no Star Club.” O momento definidor que transformou o Earth em Black Sabbath, no entanto, ocorreu uma manhã na sala de ensaio em Aston. “Da forma como me lembro”, disse Geezer, “foi que eu estava ouvindo Holst na época, a suíte Planetas, e adorei ‘Marte’.” Ele começou a cantarolar a dramática e pesada estrofe de abertura. “E eu estava tocando no baixo um dia e Tony mudou um pouquinho.” Ele cantarolou o riff de introdução do que se tornou “Black Sabbath”. “E assim foi. Parece que começou a se compor sozinha.” Foi mais do que um simples acidente. O riff distorcido que Tony criou pode ter começado como uma emulação da obra de Holst, mas o esqueleto do riff final — Mi, oitava de Mi, Si bemol — baseava-se no que os praticantes de magia negra conhecem como trítono, ou diabolus in musica, o intervalo mais venenoso na música, igualando a meia oitava, que perturbava tanto a ortodoxia da Igreja na Idade Média, que foi instantaneamente chamado de “intervalo do Diabo” e proibido em todos os lugares. Tony Iommi sempre afirmou que não sabia nada disso quando tocou pela primeira vez na guitarra com um efeito tão devastador aquele dia, mas admite que ele sentiu que “algo estava me levando a tocar assim”. O título “Black Sabbath” — que não aparece em nenhum lugar da letra e só foi acrescentado mais tarde — foi tirado de um filme homônimo de Mario Bava de 1963, também chamado de As três máscaras do terror, estrelado por Boris Karloff. A letra — uma das poucas em que Ozzy participou — descrevia uma experiência especialmente “negra” que Geezer tinha tido numa noite recente em seu apartamento, na cama. Ele estava, mais tarde

confessou, “estudando coisas de magia negra e ocultismo na época”. Não participava de rituais de ocultismo, mas dedicava-se à tendência central da época com seus vários aspectos de misticismo hippie, de religiões verdadeiras do Oriente aos mais esotéricos trabalhos do mais famoso mago inglês depois de Merlin — Aleister Crowley, cuja carreira teve um enorme renascimento no final dos anos 1960, com uma imagem solene do ocultista chegando até a capa do Sgt. Pepper, dos Beatles, no ano anterior. “Eu apenas tinha um mórbido interesse na coisa. Estava lendo todo livro que encontrava. Havia muitas revistas underground sobre isso, além do que eu costumava ir a Londres no fim de semana, num lugar chamado Middle Earth [no porão de uma mansão em Holborn]. E ali se encontravam os grupos ocultistas — não grupos de música, grupos de pessoas. E eles costumavam distribuir muita literatura e tinham sua própria revista. Havia uma chamada Madness & Magic, uma revista mensal que tratava de tudo sobre magia negra e eu costumava ler essas coisas.” Descrevendo-se como “um tipo de maníaco religioso quando era criança”, Geezer tinha crescido colecionando crucifixos, “imagens [sagradas] e medalhas — queria ser padre… Eu literalmente adorava Deus”. Em comparação com sua estrita educação católica, o tema do oculto “era realmente intrigante — fruto proibido, esse tipo de coisa, e como uma criança impressionável eu fiquei muito interessado nisso”. No entanto, quando ele acordou naquela noite e viu horrorizado o que parecia ser um tipo de aparição de pé na beirada de sua cama — “a figure in black which points at me” [uma figura de preto apontando para mim] da letra — “aquilo me gelou o sangue! Acordei de repente, e lá estava, tipo, essa silhueta escura parada na beira da minha cama. Eu não tinha usado drogas nem nada e não tinha bebido naqueles dias. Aquilo me deixou absolutamente aterrorizado. E naquela época eu tinha um apartamento de um dormitório, completamente pintado de preto e todas aquelas cruzes invertidas espalhadas pelo lugar, todos os pôsteres de Satã e esse tipo de coisa. E aquela figura… Por algum motivo achei que era o próprio demônio! E isso me deixou aterrorizado pra caralho. Foi como se aquela coisa estivesse dizendo para mim: ‘É hora de declarar sua lealdade ou parar de fazer merda!’. E a partir daquele momento eu me afastei de tudo aquilo”. Ele ficou tão apavorado que não conseguiu dormir o resto da noite. De manhã, tirou todas as cruzes e os pôsteres e mais tarde repintou todo o apartamento de laranja. Também começou a usar uma cruz. Quando, alguns dias depois, Tony transformou a interpretação de “Marte” com o baixo de Geezer em um épico do rock genuíno, as letras que ele e Ozzy tinham escrito sobre a aparição de Geezer se encaixaram perfeitamente; a nova música — a primeira que a banda compôs junta do zero — se tornou um aviso contra o satanismo e a adoração do demônio, algo de que eles seriam acusados, ironicamente, de defender, muitas vezes, por pais estressados e filhos loucos. Ninguém que ouvisse as guitarras inquietantes, sua base rítmica explosiva, seus vocais trêmulos, precisaria de uma explicação sobre o que eles estavam falando. Eles já sabiam. Como Geezer contou, no momento “toda a coisa de paz e amor tinha passado, a guerra do Vietnã estava acontecendo e muitos jovens estavam se interessando por

todo tipo de misticismo e ocultismo. Era uma coisa importante na época. Todo mundo estava interessado nisso, lendo sobre isso”. Eles podiam se conectar com aquilo. A certeza aconteceu mais tarde, naquele mesmo dia em que compuseram a música, quando tocaram ao vivo pela primeira vez em um pub perto de Lichfield chamado The Poky Hole. “A reação foi absolutamente incrível. Naqueles dias, quando tocávamos, todo mundo ficava no bar bebendo, não prestavam atenção de verdade. Mas nós tocamos a música e todos simplesmente ficaram parados… e ouvindo. Todo o lugar parecia estar em transe. Terminamos a música e todos simplesmente explodiram, ficaram loucos! Não conseguíamos acreditar. Tipo, que merda está acontecendo? E percebemos então que tínhamos algo muito bom nas mãos.” Pegando a reação à nova música deles como dica, começaram a tentar compor mais material com essa mesma veia melancólica. “Gostávamos de coisas totalmente diferentes, mesmo musicalmente. Eu gostava de Frank Zappa e Mothers; Ozzy adorava Beatles. Tony e Bill gostavam de outras coisas também. Mas uma ligação comum que tínhamos era que gostávamos de filme de terror e coisas de ficção científica. E isso se refletiu no tipo de música que iríamos fazer.” Algumas de suas primeiras tentativas — como o hiper-blues falado de “Wicked world” — eram boas, mas com muita base na era do Earth: ritmos piegas repetitivos reavivados pelo brilho da guitarra de Iommi. Algumas delas, no entanto, como a embrionária “War pigs”, rapidamente se transformaram em momentos ainda mais centrais do show. Para cimentar essa nova direção que encontraram, poucas semanas depois eles também tiveram que mudar o nome da banda — para Black Sabbath. Eles tinham tentado pensar em um novo nome para eles desde que descobriram que havia outra banda mais estabelecida no circuito de Midlands chamada Earth. Usar o nome da primeira música que eles compuseram foi uma escolha simbólica. Geezer: “‘Black Sabbath’ era tão diferente de todo o resto, sabíamos que era o que deveríamos fazer. Colocar também como o nome da banda mudou tudo para nós, da noite para o dia. Sempre adorei essa música. O único impasse foi todo o problema causado com a história de magia negra…”. A banda fez sua primeira apresentação como Black Sabbath durante um show voltando ao Star Club, naquele verão. Agora eles eram uma banda totalmente diferente daquela que tinha lutado para preencher quatro sets por noite, três meses antes. E não era só o nome. Com um número cada vez maior de músicas originais e uma confiança recém-descoberta no talento que ia se desenvolvendo, não era mais o caso de perguntar se eles mereciam estar ali, mas se o Star Club, agora já em processo de decadência, era um lugar grande o suficiente para eles. “Éramos como uns piratas fodidos, na época”, disse Ozzy. “A primeira ordem do dia quando você chegava ao Star Club era que precisava ter uma garota. A razão era que o lugar para dormir era uma merda, então era preciso encontrar alguém com um apartamento, sabe? E ela dava comida e quando ia trabalhar eu ficava mexendo nas gavetas ou tentava descobrir se ela tinha algum medidor de gás para sabotar ou algo assim. Foram dias divertidos. A gente

costumava fumar maconha e ficar doido o tempo todo, roubar caixas de cerveja dos caminhões de entrega.” Os outros ficavam de guarda enquanto Ozzy “conseguia coisas roubadas. Eu era o ladrão do grupo”. Em casa, Jim Simpson também estava roubando favores de onde conseguisse. Armado com uma fita cassete recentemente gravada com duas faixas originais — “The rebel” e “Song for Jim”, a última era um híbrido entre o tipo de blues psicodélico emblemático dos anos 1960 do Earth, repleto de backing vocals agudos, e o tipo de finais intermináveis barulhentos que se tornariam o som definitivo do Black Sabbath, as paradas de guitarra mais tarde reusadas em “War pigs”; a primeira uma faixa leve e pegajosa que poderia ter saído de um jazz de Charlie Christian dos anos 1940 —, Simpson usava suas conexões para conseguir dois shows para mostrar a executivos de gravadoras. No maior deles, o Marquee, em Londres, Ozzy entrou com a blusa de um pijama listrado e uma torneira amarrada no pescoço; Geezer com uma calça verde-limão com uma perna preta; Tony com uma jaqueta de camurça de segunda mão; e Bill sem camisa e suado. Nenhum dos executivos e agentes que Jim conseguiu arrastar quis contratá-los. Sem opções, Jim usou a fita demo para persuadir um produtor independente local chamado Tony Hall a vir a um show. Hall, que tinha sua própria agência, Tony Hall Enterprises, ficou impressionado o suficiente para oferecer seus serviços na tentativa de conseguir uma gravadora. “Eu achei que eles eram uma ótima banda de blues”, Hall contaria mais tarde, “quatro bons músicos que mereciam gravar. Eu teria tentado um acordo como Earth, [mas] eles foram para a Alemanha e voltaram como Black Sabbath.” Por enquanto, não importava como eles se chamavam, com as gravadoras de Londres mais focadas, nesse ano de 1969, em encontrar “os novos Beatles” do que contratar uma banda decididamente não comercial — leia-se: sem ter nenhum single óbvio — como o Black Sabbath. Hall se recusou a aceitar a derrota e ofereceu um “empréstimo” a Jim Simpson de quinhentas libras — e o trabalho de um jovem produtor que ele estava gerenciando, chamado Rodger Bain — para gravar um disco do Sabbath, que eles então “venderiam” para as majors. A banda ficou sabendo disso graças a uma ligação telefônica de Simpson a Iommi na manhã da partida para alguns shows na Dinamarca. “A gente estava saindo de Birmingham em uma velha caminhonete. O empresário, Jim Simpson, disse: ‘Oh, vocês precisam ir até este endereço e gravar umas músicas’. E a gente pensou, ah, tudo bem.” Ao chegar no Regent Sound Studios, um estúdio mono, com caixas de ovos no teto funcionando como isolamento, onde os Stones tinham gravado alguns de seus primeiros discos, na Tottenham Court Road de Londres, eles começaram a gravar seu show ao vivo em duas mesas de quatro canais — a única concessão do estúdio para a “moderna” tecnologia de gravação. Bain, um engenheiro experiente que assumiu a função de fazer esses diamantes brutos soarem razoavelmente convincentes, deu todas as instruções a eles — onde colocar os microfones, quando um take estava bom — baseando-se mais em sua experiência do que em qualquer conexão real com a música da banda. Mas foi Bain quem acrescentou um toque final notável à mixagem, dando um ar sinistro

ao disco, com a chuva e os sinos de igreja que abrem o álbum. “Nós entramos”, disse Ozzy, “tocamos e doze horas depois voltamos a subir na caminhonete, guardamos os equipamentos e seguimos viagem…” Enquanto o Sabbath estava perambulando pela Europa, Jim Simpson começou a rodar os selos de Londres de novo e, como contou, “recebeu outros catorze nãos. Eu estava muito entusiasmado — eles estavam loucamente entediados”. Tony Hall achou que tinha encontrado petróleo quando persuadiu o selo Fontana a contratar a banda — por um single. Subsidiária da Philips holandesa, a Fontana era especializada em discos inovadores de artistas sem credibilidade real como Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich, cuja “Legend of Xanadu” tinha chegado ao primeiro lugar no ano anterior, e The Troggs, cujo maior sucesso, “Wild thing”, tinha saído três anos antes. O melhor que a Fontana tinha conseguido no tempo do Sabbath era ter lançado “Je t’aime… moi non plus”, de Serge Gainsbourg e Jane Birkin, que chegou ao primeiro lugar, apesar de ser banida pela BBC. Sem interesse em lançar um disco completo do Sabbath, a Fontana sugeriu que o grupo gravasse um cover de uma música que tinha acabado de chegar ao Top 40 dos Estados Unidos chamada “Evil woman (Don’t you play your games with me)”, escrita e gravada por uma banda de Minneapolis chamada Crow. Tony e Geezer ficaram chocados com a sugestão, vendo isso como “vender-se”. Mas Jim os convenceu de que era mais um degrau na escada, e assim, naquele dia, eles incluíram, relutantes, a música no Regent Sound. Eles podem não ter gostado da música, mas o fato é que ter um acordo com a Fontana levou outra subsidiária da Philips — o selo recém-lançado Vertigo — a ouvir “Evil woman”. Impressionados com o som do disco — os sopros do original substituídos pela nova Gibson SG pesada de Iommi —, eles quiseram conhecer mais sobre essa banda britânica ainda desconhecida e acabaram descobrindo que eles tinham todo um disco já pronto. Quando Jim Simpson apareceu no escritório de Londres para tocar o disco, com sua costumeira amabilidade, a equipe barbuda e maconheira da Vertigo não conseguia acreditar em sua sorte. Lançado antes naquele ano, para competir diretamente com o recém-lançado selo Harvest, da EMI — montado especificamente para promover a próxima onda de grupos de rock “progressivos” e mais voltados para a gravação de discos —, a Vertigo já tinha lançado em 1969 os álbuns de estreia do Colosseum, Juicy Lucy, Manfred Mann e Rod Stewart. Todos tinham envolvido gastos substanciais. Com o disco do Sabbath já gravado e pago, a ideia de simplesmente distribuí-lo se encaixava muito bem nos objetivos modestos da Vertigo. Jim Simpson conseguiu um acordo. Ele saiu correndo da reunião para o telefone mais próximo e ligou para Tony Iommi com a boa notícia. A verdadeira surpresa aconteceu no Natal, quando Jim Simpson chamou-os até sua casa para ver a capa do novo disco. Ozzy achou que teria fotos deles na capa, “como os Beatles”. Mas ele deu uma boa olhada na agora famosa representação do Mapledurham Watermill — um moinho histórico da época do Domesday Book, situado nas margens do rio Tamisa em Oxfordshire, no qual os designers da Vertigo tinham posicionado sobre uma “figura de preto”.

Ozzy gritou de alegria. “Eu olhei a capa e adorei, com a mulher na frente, tudo preto no meio. Apesar de nunca ter lido aquele poema, achei matador, sabe?” O poema foi incluído no interior da capa, dentro de uma cruz invertida — outra coisa acrescentada no pacote pela gravadora, que a banda estava descobrindo naquele momento. Escrito especificamente pensando na capa, ele começa assim: “Still falls the rain, the veils of darkness shroud the blackened trees, which contorted by some unseen violence, shed their tired leaves…” [Ainda cai a chuva, o véu da escuridão cobre as árvores enegrecidas, que contorcidas por alguma violência invisível deixam cair suas folhas cansadas…]. E termina assim: “… by the lake a young girl waits, unseeing she believes herself unseen, she smiles, faintly at the distant tolling bell, and the still falling rain” [… perto do lago uma jovem espera, sem ver nada ela acredita ser invisível, ela sorri, fraca, para o sino tocando ao longe, e a chuva que continua a cair]. Então Jim colocou o LP na vitrola e eles ficaram ainda mais encantados quando começou com o som de vento e trovões, um sino de igreja triste no fundo, antes da guitarra de Tony entrar como um machado. Ozzy ficou doido: “Eu estava, tipo, uau! Pink Floyd, afinal!”. O que nenhum deles poderia imaginar era que o disco — uma surpresa quando ouviam pela primeira vez — estava destinado a se tornar um dos mais influentes álbuns de rock de todos os tempos. Apesar de ter recebido poucos elogios da crítica na época, Black Sabbath — como eles tinham decidido chamar o disco, seguindo a moda da época, à la Led Zeppelin e Deep Purple, os dois lançados naquele mesmo ano — seria citado, nas décadas seguintes, como a base de tudo que viria e seria conhecido como heavy metal. De artistas pioneiros como Metallica — “Sem Black Sabbath, não haveria Metallica”, como Lars Ulrich me disse uma vez — e Nirvana, que Kurt Cobain caracterizava como “um cruzamento entre Black Sabbath e Beatles”, a imitadores com estilo próprio como Marilyn Manson e Henry Rollins. Com o tempo, até estrelas de hip-hop procurando subir na escala de autenticidade como Ice T, Busta Rhymes e o falecido ODB (Ol Dirty Bastard) iriam elogiar Black Sabbath, no palco, em entrevistas e até em discos. O que o Sabbath conseguiu fazer em seu primeiro disco não era só pesado, era monumental; algo totalmente novo. Tão diferente do que tinha sido feito que se tornaria os Manuscritos do Mar Morto do rock pesado e do heavy metal. Assim como a monolítica faixa-título, havia outros momentos igualmente incríveis como “Behind the wall of sleep”, título tirado de um conto de H. P. Lovecraft que falava sobre Joe Slater, paciente de um hospital psiquiátrico que se levantava da cama para “soar through abysses of emptiness burning every obstacle that stood in his way” [pairar sobre abismos de vazio queimando todo obstáculo que estivesse no seu caminho]; seu riff tempestuoso tirado direto da veia. A banda mostrou sua verdadeira versatilidade no final, quando a bateria de Bill Ward ascendeu até uma vibração profunda da Costa Oeste antes de o baixo dominar com um solo chamado “Bassically” na futura versão norte-americana do disco, mas aqui no original apresentado mais opacamente como uma transição até o começo de outra faixa central do disco, “N.I.B.”. Praticamente um modelo para o que o rock pesado faria no começo dos

anos 1970, a música foi montada ao redor de um tipo de ritmo de blues pesado que era uma marca do Cream, contrapondo-se com longos solos improvisados. Conhecido durante anos como uma abreviação para “Nativity in Black”, na verdade “N.I.B.” era um título tipicamente provisório para uma música que falava sobre o amor do demônio por uma garota mortal, que a banda apelidou de “Nib” [ponta], um dos muitos apelidos que usavam, nem sempre de forma afetuosa, para o pobre Bill Ward — neste caso por causa da ponta de sua enorme barba. “Parecia a ponta de uma caneta, então a gente o chamava de ‘Nib’”, ri Geezer. “Eu só coloquei pontos para parecer mais misterioso…” A música em si não demonstra esse humor. “É nossa porrada contra músicas de amor. A gente odiava ouvir músicas de amor, então achei que deveria escrever uma música de amor satânico. A frase ‘I’ll give you the moon and the stars’ [Vou te dar a lua e as estrelas] era a maior forma de cantada, porque o demônio poderia realmente fazer isso.” A mais impressionante de todas, talvez, era “Sleeping village”, que começa com um minuto de um violão sinistro e o que parece uma harpa judaica metálica, enquanto Ozzy canta lamentando sobre um “Red sun rising in the sky…” [Sol vermelho subindo no céu…] e a vila que vai acordando sob raios tóxicos. Então o silêncio, e em seguida a faixa recomeça com uma das guitarras de Iommi liderando a banda num instrumental de três partes diferentes, do lúgubre ao final num estilo dervixe, antes de arrastar tudo de volta à transição com feedback para a próxima faixa, talvez a maior demonstração do poder de fogo do Sabbath, “The warning”. Tendo usado a versão deles da faixa de Aynsley Dunbar — tocada até a morte nos clubes por mais de um ano — como plataforma de lançamento de praticamente toda música de seu repertório, aqui, finalmente, na última faixa do disco de estreia, chegamos ao coração amargo do som essencial do Sabbath, como tinha sido criado em 1969. Mais lenta, infinitamente mais agourenta do que o original do Retaliation de dois anos antes, também era quase cinco vezes mais longa. Os anos 1960 foram a era dourada de artistas de rock pegando materiais existentes e reinventando como próprios — da versão de Joe Cocker para “With a little help from my friends” dos Beatles à versão levanta-poeira de Jimi Hendrix para “All along the watchtower” de Bob Dylan. Mas o que o Sabbath fez com “The warning” foi mais do que dar um novo sopro de vida a uma velha música; foi como reconfigurar todo o universo do rock pesado e do heavy metal: de compor sua própria introdução de quase quatro minutos, em “Sleeping village”, até chegar ao ponto em que a versão original desaparecia surgindo um novo horizonte cheio de nuvens, em que Tony, Geezer e Bill pareciam se revezar para um superar o outro nos solos improvisados. Ouvidos separadamente, os oito minutos finais de “The warning” poderiam ser um jazz improvisado nas mesmas linhas que Miles Davis também estava começando a explorar nas sessões que resultariam no álbum Bitches brew. Só que eles não eram a nata dos jazzistas de Nova York correndo para chegar à frente — eram “os quatro bostas de Birmigham”, como diria Ozzy, tocando o que vinha à cabeça sem que ninguém conseguisse pará-los, nem o produtor Rodger Bain, que desistiu de fazer o sinal de tempo depois da primeira meia hora, deixando que Tony solasse por mais dezoito minutos. Quando

terminou, a banda nem se cumprimentou. Eles simplesmente guardaram o equipamento e foram embora, como se tivessem ficado com vergonha da bagunça que tinham deixado no estúdio. Até os momentos mais leves do disco — como “The wizard”, um rhythm-and-blues psicodélico em staccato, ainda dos dias do Earth, com Ozzy tocando uma gaita que parece uma sirene, e uma letra de Geezer baseada em sua ultraindulgência em J. R. R. Tolkien, com Gandalf como o mago em questão; e “Evil woman”, que tinha sido um fracasso como single, mas foi incluída aqui para tentar tirar algum dinheiro da Fontana na improvável hipótese de alguém comprar o disco — ainda se parecem com algo diferente; algo, sim, mais pesado. Bain demorou o dia seguinte inteiro para editar e mixar o que eles tinham feito até chegar ao que se tornou o disco finalizado. Ele conseguiu fazer tudo tão bem que até a última explosão de ruído que encerrou o lado A também fechou o lado B. Se os quatro membros da banda tinham ficado espantados quando finalmente receberam o primeiro disco e o ouviram, tomaram um choque ainda maior depois. Lançado numa sextafeira, 13 de fevereiro de 1970 — um golpe de marketing que ninguém na época percebeu, mas que desde então foi comentado como se a data realmente fosse um presságio —, Black Sabbath entrou direto para as paradas do Reino Unido em 28o lugar. Ainda não havia aparecido nenhuma resenha sobre o disco, e só tinha sido ouvido na rádio britânica por cortesia daquele adepto do underground, John Peel, portanto quase ninguém ao sul de Birmingham tinha ouvido falar na banda. Mas com a força dos fãs em todos os lugares menos Londres numa época em que as vendas dos discos tinham, de repente, superado a dos singles, o Black Sabbath tinha quase por acidente se posicionado na vanguarda de uma plateia de rock emergente que só comprava bandas “voltadas a produzir discos”. O Led Zeppelin tinha desfrutado um sucesso parecido exatamente um ano antes, assim como aconteceria com o Uriah Heep alguns meses depois do disco do Sabbath. A imprensa musical da moda foi pega desprevenida — e nunca realmente perdoaria essas bandas por colocá-los nessa posição. Se os fãs que iam a seus shows na Midlands e em outras partes estavam na frente da mídia de Londres, deveria ser porque as próprias bandas não valiam nada. Assim era a lógica distorcida deles. Enquanto isso, o Black Sabbath continuaria a vender, e de repente os shows deles estavam ficando maiores. “Jim Simpson me ligou na noite anterior e me perguntou se eu tinha ouvido a notícia”, disse Ozzy. “Eu digo: ‘Que notícia?’. E ele: ‘O disco de vocês entrou nas paradas britânicas!’. Eu: ‘Vai se foder!’.” Ozzy ficou acordado a noite toda esperando para comprar as revistas de música que traziam as paradas nacionais. “Era uma quarta à noite, e a Melody Maker e a NME saíam na quinta e eu não consegui dormir porque tinha que ver a coisa impressa, e a partir das seis da manhã, a cada minuto eu falava: ‘Será que as revistas já chegaram?’. Quando finalmente chegaram, meus joelhos tremiam e eu me sentei na porta de casa e lá estava, na revista, ‘Black Sabbath, novidade…’. Não tinha palavras, não conseguia acreditar! E a partir daquele momento, minha vida decolou como um foguete!”

Geezer, que parece não ter lido as mesmas revistas de música que Ozzy, tem outra lembrança de como ficou sabendo que o disco tinha chegado ao Top 30: “Eu me lembro até hoje da primeira vez que ouvimos no rádio. Estávamos indo de carro para um show no Manchester Polytechnic e, naqueles dias, as paradas de discos costumavam aparecer na Radio One nos sábados à tarde, e a gente sempre costumava ouvir. Então estávamos na caminhonete e o apresentador fala: ‘E em 28o lugar desta semana, Black Sabbath!’. E a gente gritou: ‘O QUÊ?!?’. Todos quase morreram. Não conseguíamos acreditar! Ficamos chocados, ouvindo o rádio enquanto íamos para Manchester!”. Em poucas semanas, Black Sabbath tinha chegado ao oitavo lugar. Mas se a banda e seus seguidores ficaram encantados, a imprensa musical de Londres ficou confusa, em alguns casos até hostil. “A imprensa de Londres simplesmente nos odiou quando estouramos”, conta Geezer, “porque nunca tinham escrito nada sobre nós, não nos conheciam. Quando nosso disco, na primeira semana, entrou direto nas paradas, a imprensa de Londres ficou perdida, queriam saber, que merda era isso? E eles nos odiaram desde então.” Não totalmente. O International Times, na época a revista mais famosa de música e cultura, embora não tenha dado bola à “conversa fiada da Vertigo sobre o interesse da banda em magia negra”, como escreveu o resenhista Mark Williams, que chamou a banda com certa verdade de “hype, sem acrescentar nada à plasticidade inicial do produto final”, concluiu, no entanto, que “o Black Sabbath encontrou uma fórmula bastante simples com linhas melódicas diretas e contrapontos, acrescentou muito peso e fogo e executa tudo isso com excelência musical (a guitarra de Tommy Iommi merece menção especial) e garra compulsiva”. A banda gostou, mas fingiu que não gostou, não enquanto o sucesso continuou crescendo e os shows de cinco libras passaram a vinte libras por noite. Eles souberam que tinham conseguido, contou Geezer, quando apareceram para um show no The Boat Club, em Nottingham, em março, “e chegamos ali num carro em vez da caminhonete, e encontramos um pouco de haxixe no camarim. Foi, tipo: ‘Oba! Isto sim que é vida!’”. No verão, os shows de vinte libras por noite tinham chegado a cem. Isso foi conseguido sem singles, sem um interesse sustentado da imprensa musical, pouquíssima exposição no rádio e nenhuma aparição na TV, só com uma fina camada de autoestima entre eles. A velocidade da ascensão foi tão incrível que os deixou ansiosos. Quando assumiram o nome Black Sabbath e sua identidade musical, a reação aos seus primeiros shows sempre tinha sido positiva. Mas não tanto que os preparasse para a velocidade com que ficariam conhecidos depois do lançamento do disco de estreia. Como contou Bill: “Fiquei surpreso, pois estava acostumado a viver nessa mentalidade de ‘nada vai dar certo’, sabe? Estava acostumado a viver na linha de pobreza, como todos. Foi maravilhoso, mas totalmente inesperado”. “Foi absolutamente incrível”, disse Tony, ainda sorrindo com a lembrança, tantas décadas depois. “Todo mundo ficou tão animado com tudo. Eu pessoalmente fiquei muito louco com tudo, sabe, porque foi uma conquista tão importante, algo que a gente nunca pensou que iria acontecer. E você não pode se esquecer que naquela época todo mundo nos odiava,

então não aparecíamos na imprensa. Não sei por quê. Provavelmente porque éramos diferentes na época, acho. E, talvez, hum… talvez não fôssemos sofisticados o suficiente, não sei.”

Três Os que trazem a guerra O NOM E BLACK SABBATH pode não ter significado nada antes de o disco homônimo explodir como um convidado inesperado batendo na porta do Top 10, mas agora, no entanto, na primavera de 1970, o resto do mundo estava correndo atrás do tempo perdido. Em poucas semanas, Jim Simpson tinha sido contatado pelo então vice-presidente executivo da Warner Bros. Records, Joe Smith, para conversar sobre o lançamento do disco Black Sabbath na América do Norte. Smith, um ex-chefe de promoções de Nova York muito falante, tinha estado à frente das recentes tentativas da empresa de deixar seu catálogo mais contemporâneo. Como um ramo musical da Warner Bros. Pictures, a Warner Bros. Records tinha desfrutado de um considerável sucesso nos Estados Unidos no começo dos anos 1960 com bandas como Petula Clark, Everly Brothers e Peter, Paul & Mary. No entanto, só quando Smith se tornou chefe de A&R, em 1967, o selo começou a lançar a nova safra de artistas da “geração cabeluda” voltada para discos. Seu primeiro sucesso foi contratar The Grateful Dead, cujo primeiro álbum, homônimo, chegou a disco de ouro. Mas as relações de Smith com o Dead nunca foram tranquilas. Quando, logo depois de se tornar vice-presidente da empresa, Smith fez um discurso numa festa para a banda em São Francisco, no qual anunciava “que era uma honra poder apresentar The Grateful Dead e sua música ao mundo”, o líder do Dead, Jerry Garcia, brincou, sarcástico: “Só quero dizer que é uma honra para o The Grateful Dead apresentar a Warner Bros. Records ao mundo”. Quando o segundo disco do Dead, Anthem of the sun, consumiu mais de 100 mil dólares e seis meses para ser feito, depois não conseguiu entrar nas paradas dos Estados Unidos, Smith lavou as mãos. Quando seu próximo grande projeto, Van Morrison, cujo primeiro disco para a Warner, Astral weeks, gravado em apenas três dias, foi aclamado como um clássico e vendeu centenas de milhares de cópias, Smith sentiu que sabia como avançar: bandas baratas do Reino Unido procurando fazer sucesso nos Estados Unidos e dispostas a trabalhar duro para conseguir. Uma ideia que foi reforçada quando o disco seguinte de Morrison, Moondance, gravado também de forma relativamente rápida e barata, chegou ao Top 30 dos Estados Unidos e terminou vendendo mais 3 milhões de cópias. Foi enquanto se deleitava com o sucesso crítico e comercial de Moondance, em março de 1970, que Smith, folheando a revista britânica Music Week, viu as paradas e encontrou um grupo que nunca tinha ouvido falar chegando ao Top 10: Black Sabbath. Ele pegou o telefone e começou a fazer algumas ligações. Ao descobrir que a banda não tinha contrato nos Estados Unidos, nem um empresário peso-pesado por trás, Smith pulou em cima, oferecendo a Simpson um acordo totalmente favorável à Warner: quer dizer, um modesto adiantamento em dinheiro com um “contrato-padrão” de royalties (raramente mais do que uns poucos centavos por venda de disco). O único pedido de Smith, em termos musicais, foi que “Evil woman”

fosse omitida da versão norte-americana do disco, pois era uma música muito conhecida e, Smith estava certo, pouco representativa do som do Sabbath. No lugar entrou uma faixa gravada em Londres na sessão original, mas que tinha sido deixada de fora, “Wicked world”. Uma das muitas músicas que a banda tinha composto enquanto estavam “deitados no chão do estúdio fumando maconha e ouvindo Led Zeppelin”, de acordo com Geezer, eles ficaram muito felizes por substituir no disco norte-americano “Evil woman”, que odiavam. A única outra mudança na versão da Warner Bros. de Black Sabbath foi na forma como as faixas eram listadas no selo e na capa. Preocupado com a possibilidade de algum single ser lançado antes do disco, Smith teve a ideia de dividir as faixas mais longas, no título pelo menos, para parecerem mais facilmente acessíveis para a rádio norte-americana — e fazer com que potenciais compradores sentissem que estavam recebendo mais pelo seu dinheiro. Novamente a banda, feliz apenas por ter um disco lançado nos Estados Unidos, aceitou tudo, apesar de a escolha de títulos ter refletido pouco a seriedade do pedido de Smith. Assim, “Behind the wall of sleep” foi listada como duas faixas; sua versão acústica bruxuleante recebeu o nome de “Wasp”. A introdução de quarenta segundos de Geezer em “N.I.B.” se tornou “Bassically”. Da mesma forma, as faixas centrais do lado B, “Sleeping village” e “The warning”, agora apareciam unidas pela recém-criada introdução “A bit of finger”. “Ainda estávamos vivendo na caminhonete, então não importou muito na época”, lembrase Ozzy. Quando, no entanto, Black Sabbath foi lançado nos Estados Unidos em junho de 1970 e começou a subir nas paradas quase instantaneamente, Jim ficou louco para contar as novidades aos garotos. “Ficamos totalmente embasbacados!” Não tanto quanto o resto da indústria musical britânica em Londres, cujos principais membros estavam agora começando a levar a sério o nome Black Sabbath. “Ninguém tinha ideia de quem eles eram”, o futuro empresário, Don Arden, iria me contar anos mais tarde. O autointitulado Al Capone do Pop, como a manchete do mais difamatório tabloide da Grã-Bretanha, o News of the World, o descreveu em 1969, era então o mais conhecido empreendedor no mercado de Londres. Vindo dos musicais de teatro de Manchester e fanático por fitness, Arden — que se formou nos anos 1950 e se tornou um promotor de eventos, conseguindo organizar os shows das novas bandas de rock ‘n’ roll dos Estados Unidos como Bill Haley e Jerry Lee Lewis — tinha rapidamente expandido seu negócio nos anos 1960 e se tornado empresário, agente e, eventualmente, até chefe de gravadora com muitos artistas internacionais, começando com Little Richard e Gene Vincent, e passado a supervisionar a carreira dos The Animal, Nashville Teens, Amen Corner, Small Faces e The Move. O modus operandi de Don, ele me explicou, era “subir no primeiro round e dar uma surra no outro cara”. Isso terminou em algumas aventuras infames que, desde então, se tornaram parte do folclore do rock, como quando ele pendurou o empresário pop Robert Stigwood de uma varanda, ameaçando derrubá-lo por ousar tentar roubar o Small Faces dele; passando por ocasiões menos conhecidas, mas igualmente perturbadoras, como a vez em que segurou o ex-empresário do Move, Clifford Davis, com uma mão enquanto apagava seu

charuto no rosto dele com a outra. Como quando Don avisou ao repórter investigativo Roger Cook, que o enfrentou num documentário para a rádio de 1979: “Eu derrubo você com uma mão amarrada na bunda”. Quando o Black Sabbath entrou no radar de Arden, em 1970, Don estava no meio da “persuasão” da Capitol Records para gastar fortunas no marketing e promoção do disco de estreia, Scorch, de outra de suas bandas estáveis, chamada Judas Jump. Formada por exmembros da Amen Corner e The Herd, com o mesmo tipo de mistura de música universitária e rock progressivo que estava indo bem com bandas como Deep Purple e Jethro Tull. Até então, no entanto, nenhum charuto. Quando Don viu outro grupo com quase o mesmo modelo musical, o Black Sabbath, pular nas paradas sem nenhuma promoção, ele olhou com uma inveja frustrada. Quando a banda voltou a tocar em Londres, no Marquee, em maio, ele estava ali, assim como vários outros figurões do mercado musical. Seguindo seu lema de “chegar no primeiro round”, Don se moveu rápido, falando abertamente a todos que podiam ouvir que “a banda era uma completa perda de tempo, eles não tinham nenhuma chance”, enquanto se posicionava perto da entrada do camarim para garantir que seria o primeiro a cumprimentálos quando eles saíssem do palco aquela noite. Ele me contou: “Ozzy parecia um louco genuíno, nunca parava de se mexer, nunca parava de se comunicar com a plateia, incitando todo mundo. Ele pode não ser o melhor vocalista do mundo, mas como artista tinha tudo. Decidi naquele momento que o Black Sabbath seria minha próxima contratação”. No pequeno camarim do Marquee, Don se apresentou anunciando: “Vocês são superestrelas e eu vou ganhar um milhão de dólares para vocês”. Mas a banda olhou incrédula. “Eles eram apenas garotos pobres que nunca tinham visto uma nota de dez libras, muito menos um milhão de dólares, e eu os assustei de verdade.” Mesmo assim, Don insistiu que se reunissem com ele em seu escritório no dia seguinte. Ali, esperando para mostrar o escritório de Don, estava sua filha de dezoito anos, Sharon, uma jovem que, apesar de ninguém imaginar, teria um profundo e duradouro impacto na vida e na carreira de todos eles. Na gíria do show business, Sharon Arden tinha nascido “com a mala na mão” — viajava desde cedo. A filha mais nova de profissionais do show business — sua mãe, Hope, também conhecida como Paddles, tinha sido dançarina na Irlanda antes da guerra, com o nome artístico de Paddy O’Shea; seu pai, Don (nome verdadeiro: Harry Levy), na época estrelava o programa de TV Black & White Minstrels —, suas primeiras lembranças envolviam vários hotéis e estações de trem, com os pais indo de um show a outro. Nascida em 1952, Sharon era mimada pelo pai. Mas, apesar de seu irmão mais velho, David, ter passado a vida toda trabalhando com o pai, Sharon era muito parecida com Don para receber ordens por muito tempo. Educada em colégios particulares, mais tarde entrando na escola de artes Italia Conte, ela queria ser dançarina, como a mãe. Mas, assim como o cérebro e o temperamento, Sharon também tinha herdado as pernas curtas do pai, e na puberdade viu seus sonhos desaparecerem enquanto se tornava uma comedora compulsiva, ganhando o peso que ela passaria o resto de sua vida lutando para perder. “Bolo, fritura, qualquer coisa. Sempre que sentia um pouco de

medo, eu comia”, ela se lembra. Don, cuja carreira como artista “tinha tido altos e baixos como uma tampa de privada” — era a atração principal do Palladium de Londres num ano, abria uma pousada para artistas de variedade viajantes no seguinte —, acreditava que “dinheiro cria dinheiro”. Não bastava ser bem-sucedido, era preciso também que os outros notassem o seu sucesso. Quando ele se tornou o empreendedor mais famoso do mercado musical — um tipo de Simon Cowell dos anos 1960, mas que gostava de levar armas a reuniões —, passou a insistir que ele e Hope estivessem sempre com as roupas e as joias mais caras, que seus filhos chegassem e saíssem da escola em um dos três Rolls-Royces da família, e que eles só comessem nos restaurantes mais exclusivos. Não era incomum que gastasse vários milhares de libras em uma extravagância — talvez uma peça de mobiliário antigo ou um quadro — e desse tudo que seus filhos quisessem. David, com dezessete anos, tinha a permissão de organizar festas extravagantes em sua casa para todos os seus amigos menos afortunados e tinha uma conta para jogar com um bookmaker. Sharon também convidava seus amigos de escola para a mansão da família, onde ela fazia questão de ser sempre a garota mais bem vestida e mais na moda. Depois da escola e de algumas poucas tentativas de conseguir “um emprego de verdade”, ela seguiu David e foi trabalhar com o pai, começando como recepcionista no escritório de Mayfair. Ela tinha dezoito anos, era aparentemente inteligente e falante, mas no íntimo insegura e fácil de magoar. Seu primeiro encontro sexual — com o jovem e bonito guitarrista de uma das bandas de Don — a engravidara. A mãe, furiosa, mandou que ela “se livrasse daquilo”. Dando o nome de uma clínica local de aborto, ela a mandou sozinha para lá no dia seguinte. “Eu estava aterrorizada”, disse Sharon. “A recepção estava cheia de outras jovens, todas estávamos aterrorizadas, ficávamos olhando uma para a outra e ninguém conseguia abrir a boca. Eu me arrastei para lá e foi horrível. Foi a pior coisa que já fiz.” Jogando-se de cabeça no novo emprego no escritório do pai, ela tinha ido com ele ao show do Black Sabbath no Marquee. “Eu pensei: ‘Que merda é essa?’. Era diferente de tudo.” Quando a banda apareceu em Curzon Street no dia seguinte, ela praticamente se escondeu deles. “Eu sabia que eles eram bons porque tinha visto o show no Marquee, mas pensei que, pessoalmente, eram uns hippies fedidos”, ela me contou. “Lembro que todos se sentaram no chão fumando e tinham cabelo comprido. Eu estava mais acostumada ao tipo de artista norteamericano bem cuidado com quem meu pai se relacionava. Esses caras me pareciam uns doidos! A única coisa que me chamou a atenção em Ozzy foi que ele parecia um doido varrido, eu realmente achei que ele fosse lunático ou algo assim.” No entanto, alguns meses depois, Sharon conheceu Ozzy melhor, quando se encontraram na festa de Ano-Novo, em Londres, na casa de um dos novos empresários do Sabbath, Patrick Meehan Junior. Ainda cautelosa com esse bandidinho de roupa estranha, ela se surpreendeu ao descobrir que ele era tímido e, na verdade, muito engraçado. Depois de tomar muito champanhe e de desfrutarem a companhia um do outro, houve uma clara química sexual entre

eles. Só havia um problema: para o ingênuo nativo de Birmingham, ainda com um salário semanal, apesar do estrondoso sucesso da banda, uma garota como Sharon — filha nada menos do que do assustador Don Arden — estava muito acima de suas possibilidades e, mesmo bêbado, ele sabia disso. Para a obesa Sharon, cuja necessidade de aprovação do sexo oposto era ainda mais forte do que a de Ozzy, havia um motivo mais claro pelo qual eles não deveriam ficar juntos: ela sabia que Ozzy tinha uma noiva em Birmingham chamada Thelma Mayfair. Ozzy a conhecera num clube de Birmingham onde ela trabalhava como atendente do vestiário, e eles tinham ficado juntos desde então e iam se casar naquele mesmo ano. Pior ainda, Thelma já tinha um filho de cinco anos, Elliot, de um casamento anterior, e Sharon não quis se meter nesse campo minado. Convencida de que Ozzy a via puramente como algo passageiro, ela não ia seguir com isso, não importava o quanto ele a fizesse rir. Demoraria outros três anos para o caminho deles se cruzar de novo, e nesse momento suas vidas tinham mudado drasticamente. O que nem Don nem Sharon Arden sabiam no verão de 1970 era que dois dos assistentes mais confiáveis de Don, Patrick Meehan e Wilf Pine, estavam conspirando para roubar o Black Sabbath não só de Jim Simpson, mas do próprio Don. Este nunca os perdoaria por isso — nem a si mesmo por não ter visto a tempo. E Meehan ou Pine tampouco facilitaram sua vida. Tendo aprendido com o mestre, os dois fizeram suas jogadas para controlar o Sabbath o mais escondido possível. Meehan foi a primeiro a sair, anunciando sua “aposentadoria” do mercado. Como Patrick já tinha cinquenta anos — ancião pelos padrões do mercado musical dos anos 1970 —, Don não ficou surpreso. Quando, apenas algumas semanas depois, no entanto, Wilf Pine também anunciou sua saída, as suspeitas de Don começaram a crescer. Wilf Pine “tinha alguns bons rapazes trabalhando para ele — personagens como Canadian Dave, Jinksy e Big Arnie”. Don havia cuidado deles por anos, colocando-os nos melhores quartos de seu antigo escritório em Denmark Street, pagado um salário nos bons e nos maus momentos. Onde eles estariam se não fosse por Don? E por que fazer isso agora, quando as coisas estavam indo tão bem? Ele logo teve sua resposta. Enquanto isso, os quatro membros do Black Sabbath estavam passando por seus próprios problemas. Lançado na primeira semana de junho, o disco Black Sabbath repetiu seu incrível sucesso na Grã-Bretanha, indo direto para o Top 30 dos Estados Unidos, onde ficou por vários meses, chegando ao 23o lugar. Joe Smith da Warner Bros. ficou extasiado e de imediato fez com que a banda assinasse com o maior agente dos Estados Unidos, Frank Barsalona, que recentemente tinha supervisionado o incrível pioneirismo do Led Zeppelin. Dezesseis shows foram rapidamente organizados, começando com três aparições consecutivas em julho no prestigioso Fillmore West, em São Francisco, o mesmo lugar onde o Zeppelin tinha deixado sua marca no início de turnê no ano anterior. A banda já estava pronta para ir ao aeroporto de Heathrow em Londres quando Jim Simpson recebeu uma ligação tarde da noite do estressado Joe Smith. A turnê norte-americana estava cancelada. Não por causa de falta de venda de

ingressos, como poderia ter sido esperado — na verdade, as entradas de todas as três datas do Fillmore haviam se esgotado assim que começaram as vendas —, mas porque a Warner Bros. temia um desastre de relações-públicas depois de notarem que os shows do Sabbath iriam coincidir com o início do julgamento de um satanista real chamado Charles Manson. No final, condenado pelos múltiplos assassinatos da atriz Sharon Tate, esposa de Roman Polanksi, e vários outros, em duas noites de agosto de 1969, Manson e seus seguidores psicóticos tinham ganhado várias manchetes em todo o mundo, não só pelos assassinatos aparentemente desmotivados, mas pelo modo abominável como tinham sido cometidos. Tate, então grávida de oito meses e meio, foi esfaqueada no estômago dezesseis vezes, antes de seu sangue ser esfregado na porta da frente de sua casa para escrever a palavra “Pig” [porco]. Quando Manson apareceu no primeiro dia do julgamento, em 24 de julho, tendo marcado um X em sua testa com uma faca, isso garantiu mais manchetes, especulando sobre suas intenções ocultas. Quando foi descoberto que Manson tinha embarcado no assassinato de suas vítimas inocentes depois de receber “sinais secretos” da música “Helter skelter”, dos Beatles, toda a área de música de rock oculto ficou tão marcada com o novo significado que a ideia de lançar uma turnê norte-americana de uma banda chamada Black Sabbath, cujo ponto alto do show era uma música chamada “War pigs”, foi considerada de extremo mau gosto, para dizer o mínimo. Quando Manson se levantou no julgamento e afirmou: “Por que me culpar? Eu não compus a música”, isso foi o ponto final para a Warner Bros. A turnê do Sabbath estava cancelada — ao menos por aquele momento. O que não podia ser adiada era a Black Sabbath Parade, planejada para acontecer em Folsom Street, em São Francisco, na mesma semana em que a banda deveria aparecer no Fillmore West, e organizada ostensivamente por Anton LaVey, chefe da Igreja de Satã, com o apoio da equipe de promoções da Warner Bros. antes da decisão de cancelar os shows. LaVey, com a cabeça raspada, chegou caracterizado como o papa negro, vestindo um longo manto preto, um crucifixo invertido pendurado no pescoço e um cetro comprido na mão, olhando solene do alto da plataforma principal enquanto o resto dos doidos que se juntaram embaixo dava um show próprio: uma mistura de drag queens vestidas com glamour e freaks com roupas coloridas, com vários transeuntes rindo, nenhum deles parecia entender o que estava acontecendo. Havia também grupos de negros que podem ter compreendido errado o nome do grupo, parados ao redor, parecendo totalmente fora de seu ambiente debaixo de uma faixa branca onde estava escrito: “Warner Bros. Records Welcomes Black Sabbath — The Dawn of the Aquarius” [Warner Bros. Records dá as boas-vindas ao Black Sabbath — O Nascimento da Era de Aquário]. A parada saiu caminhando, liderada por um Rolls-Royce branco, envolvido por um pano preto, e seguido por vários carros alegóricos representando cenas astrológicas, estranhas limusines estilo Kennedy cheias de mais drag queens e várias outras apresentações bizarras, de banda mariachi mexicana até lobisomem vestido de vermelho. Havia um caminhão aberto com uma banda tocando versões horríveis das canções do Sabbath. A cena, interessante mas vergonhosa, foi mostrada pela TV local e alguns cortes apareceram

no noticiário noturno de vários estados. Quando a banda, ainda em Birmingham, viu as fotos, mais tarde, o espanto foi geral. “Eu pensei: ‘Que estúpido’”, disse Geezer. “Só me pareceu algo bizarro. Ridículo.” Ozzy levou a coisa mais a sério. “Eu me lembro de pensar: ‘Isso não pode ser feito para nós, cara’. Mas era a Black Sabbath Parade e aconteceu em certo dia astrológico ou alguma merda assim. Quero dizer, fiquei com medo, não saí do meu quarto por semanas. Foi tipo baratas e pizza por uns seis meses!” No entanto, Tony Iommi tinha coisas mais sérias para pensar. Com a banda forçada a cancelar a estrada enquanto as datas nos Estados Unidos eram reorganizadas, ele ficou espantado quando o novo single deles na Grã-Bretanha, “Paranoid”, de repente começou a subir nas paradas. Gravado em cinco dias durante junho, no Regent Sound, com Rodger Bain novamente atrás da cabine de controle, o plano tinha sido lançar o segundo disco do Sabbath depois que a banda tivesse voltado dos Estados Unidos, em setembro. Lançando o single em 29 de agosto, com mais esperança do que expectativa, a Vertigo ficou tão espantada quanto a banda quando ele chegou ao quarto lugar. De repente, as coisas estavam indo muito rápido de novo. Mas enquanto o resto da banda estava simplesmente feliz por aparecer no Top of the Pops, então o programa de música mais popular na TV — “Seu single está no alto das paradas!”, Geezer ficou encantado quando ouviu isso do famoso apresentador do programa, Jimmy Savile —, Tony Iommi já estava olhando para o futuro, e sentia-se especialmente suscetível às aproximações da recente equipe de empresários formada por Patrick Meehan e Wilf Pine. Com o filho de Patrick, Patrick Junior, que logo assumiria o controle do dia a dia da banda, e com a companhia chamada World Wide Artists — que parecia ter sido escolhida para fazer a operação de Jim Simpson parecer ainda mais paroquial e pequena —, inicialmente Tony reagiu cauteloso às ligações telefônicas que começaram a bombardeá-lo. Mas sua atitude mudou rápido quando foi apresentado, por Simpson, a uma lista de datas de turnê para setembro que incluía buracos como o Spa Hall, Bridlington e o clube Greyhound, em Croydon. Com o segundo disco do Sabbath pronto para ser lançado na Grã-Bretanha no mesmo mês, Tony sentiu que a banda deveria voar mais alto. Os rapazes da World Wide Artists concordavam, prometendo acertar a situação assim que a banda assinasse um contrato de management com eles. Exatamente duas semanas antes de o segundo disco ser lançado, Jim Simpson recebeu uma carta de um advogado informando que ele não representava mais o Black Sabbath, nem tinha mais permissão de contatá-los diretamente. Mesmo sendo experiente no “jogo do negócio da música”, como ele se intitula, ficou devastado com a notícia. “O que realmente me deixou mal foi que a carta dizia que eles estavam saindo porque eu não tinha feito meu trabalho direito. Mas quando eles me deixaram, tinham um disco nas paradas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e um single no Top 5 do Reino Unido. E eu não tinha feito bem meu trabalho?” Jim não foi o único espantado com os últimos acontecimentos. Quando Don Arden — ainda tentando conseguir chegar ao grupo por intermédio do amigo mútuo Carl Wayne, antes parte do grupo favorito de Brum, The Vikings, agora no The Move, contratado de Arden —

descobriu que foram dois de seus recentes empregados que tinham conspirado em suas costas para roubar o Sabbath, ele ficou furioso. Além das ameaças de vingança contra os dois Meehans, pai e filho, ele também ofereceu assistência financeira a Simpson e o encorajou a processá-los por danos. Com o apoio de Don, Jim fez exatamente isso, mas o resultado foi desnecessariamente prolongado e resultou, depois de vários anos, numa pequena multa de 35 mil libras. Jim balança a cabeça e suspira. “Oito mil libras nos foram pagas no dia — Legal Aid levou 6 mil, [meu advogado] ficou com mil e eu fiquei com mil. Demorou catorze anos para receber tudo. Eu fiz o que podia, [mas] custa caro forçar um julgamento.” Quando a questão foi finalmente resolvida, o Black Sabbath já tinha se separado de Ozzy havia cinco anos, e a carreira deles como banda de primeiro escalão era considerada encerrada. Mesmo assim, Jim afirma que não tem ódio dos quatro jovens “oportunistas” que ele ajudou quando mais precisavam. “Eu gostava do Ozzy e ainda gosto. Ele é muito honesto, leal, bastante direto e foi o único que não queria me deixar naquele momento. Já passei muito tempo com o Ozzy, já o vi algumas vezes e ele é absolutamente brilhante. Eu me encontrei com Tony algumas vezes e ele foi bem formal, mas amigável. Nós dois fomos muito dignos, educados e agradáveis um com o outro — não há motivo para não agir assim depois de todos esses anos. Eu me encontrei com Geezer no House of Fraser, em Birmingham, e ele fugiu de mim. Nunca mais encontrei o Bill.” Estabelecendo um padrão para a forma como eles veriam, durante sua carreira, todos esses “momentos estranhos”, como Tony os chama, o Black Sabbath simplesmente continuou como se nada tivesse acontecido. Mas foi aquele segundo disco — composto e gravado enquanto ainda estavam sob influência de Jim Simpson — que se tornaria o primeiro clássico da carreira deles. Com um disco de sucesso agora debaixo do braço, Jim tinha conseguido que a Vertigo desse um orçamento significativo para o próximo álbum. O resultado foi que eles se mudaram para o Rockfield Studios, em Monmouth, sul de Gales, para uma semana de ensaios intensos, com o produtor Rodger Bain. “O prédio era um celeiro velho. Todo o teto na verdade se movia.” Voltando ao Regent Sound, em Londres, para organizar as faixas básicas, eles então tiveram o luxo de fazer novas gravações no Basing Street Studios, o recém-criado estúdio de dezesseis canais da Island Records em Notting Hill Gate — o mesmo estúdio onde o Led Zeppelin tinha acabado de dar os toques finais no que seria seu quarto disco —, em tempo de completar os overdubs e a mixagem final. Eles começaram com a faixa que abriria o lado A, e que originalmente seria a faixa-título do disco, “War pigs”. Um dos primeiros monstros a surgir totalmente formado do pântano primordial de suas jams de quarenta minutos no palco do Star Club, no qual tantos outros primeiros clássicos também ganharam vida própria, “War pigs” era poderosa no palco. Com mais de sete minutos, também era uma declaração monumental para abrir o disco. “Como muitas faixas de Paranoid, ela já existia na época do primeiro disco”, conta Geezer. “Mas só gravamos para o segundo porque não tivemos tempo.” Em termos de letra, era uma genuína

canção de protesto antiguerra que dialogava diretamente com uma geração de jovens norteamericanos que enfrentava o recrutamento para a guerra do Vietnã, com suas linhas incendiárias sobre corpos queimando em campos tomados por balas, “As the war machine keeps turning / Death and hatred to mankind / Poisoning their brainwashed minds…” [Quando a máquina de guerra fica girando / Morte e ódio para a humanidade / Envenenando suas mentes doutrinadas…]. “Toda a ‘War pigs’ veio de quando tocamos nas bases militares norteamericanas na Alemanha”, explicou Geezer. “Eram como campos intermediários. Eles costumavam vir do Vietnã e passar umas duas semanas nessas bases na Alemanha antes de retornarem aos Estados Unidos, sabe, só para voltar um pouco à realidade. E eu costumava conversar com eles, e eles me contavam essas histórias horríveis sobre o Vietnã e a heroína e como as pessoas usavam drogas para fugir de tudo aquilo, de tão horrível que era. Foi daí que saiu a letra da música ‘War pigs’.” A maioria das outras faixas veio da mesma fonte obscura. Igualmente titânica era “Iron man”, que até chegar ao disco tinha sido trabalhada durante meses sob o título de “Iron bloke”, até que Ozzy disse que o riff lento e forte “parecia um cara de ferro caminhando”. Mas isso era desvalorizar seu considerável poderio. Destinada, como boa parte do disco, a se tornar uma pedra angular do show do Sabbath e de Ozzy durante as próximas décadas, “Iron man” veio direto da mente devoradora de quadrinhos e obcecada por ficção científica de Geezer e, ele mais tarde afirmou, era destinada a ser um aviso à humanidade sobre os perigos de deixar a tecnologia sair do controle humano, mas deve ter sido mais provavelmente o produto de uma doideira de fim de noite fumando maconha e fantasiando sobre a vida interior do original Tony Stark e seu terno de aço. Fumar maconha era ótimo para escrever letras, disse Geezer. Uma pena que nem todo mundo entendeu a piada. “Até onde sei, todas as letras que já escrevemos foram sempre mal interpretadas.” Também nesse molde estava “Fairies wear boots”, um riff pesado adocicado por uma linda melodia dolorosa, que Geezer mais tarde afirmou que era baseada num incidente em Birmingham, quando uma gangue de skinheads atacou a banda. Uma história desmentida pela linha final da letra, na qual o protagonista pede ajuda ao médico, mas ouve que é tarde, ele já foi longe demais: “Cos smokin’ and trippin’ is all that you do” [Porque fumar e viajar é tudo que você faz]. Mais afetadas eram as faixas realmente sérias, como “Hand of doom”, uma representação tão precisa e horrível do vício da heroína quanto qualquer coisa escrita por Mick Jagger ou Lou Reed. “First it was the bomb / Vietnam napalm / Disillusioning / You push the needle in…” [Primeiro foi a bomba / Napalm no Vietnã / Desiludido / Você enfia a agulha…]. Musicalmente, é tão importante quanto “War pigs”, tão comprida e explosiva, mas com mais ousadia ainda na forma como passa de terrivelmente lenta a rápida, até voltar ao incêndio elétrico de estática pulsante. Da mesma forma “Electric funeral” poderia fazer os pelos de um morto se eriçarem: a história roboticamente imparcial de um mundo pós-apocalíptico feito de seres asfixiados por radiação tentando aderir à sua humanidade sem conseguir. Se “War pigs” falava diretamente contra a guerra norte-americana no Vietnã, “Electric funeral” era uma

mensagem do túmulo para todos os governos do mundo: a guerra nuclear não era mais uma ameaça, era uma profecia. Ironicamente, no entanto, as duas faixas que mais distinguem o segundo disco do Black Sabbath da linha de excessos de outros discos conscientes de rock pesado lançados em 1970 foram duas músicas bem diferentes do som pesado que marcava a banda nos primeiros e melhores anos: “Paranoid”, seguida no lado A por “Planet caravan”. A segunda era um capricho de brilho fugaz onde “stars shine like eyes” [estrelas brilham como olhos] e “black night sighs” [a noite escura suspira], uma surpresa que mostra os toques jazzistas da guitarra de Iommi e até um piano. De acordo com Tony: “Os outros ficaram pensando: ‘Bom, onde enfiamos isso?’. Tentei explicar: ‘É bom colocá-la, porque então faz com as faixas pesadas pareçam [ainda mais] pesadas’. E dá um toque de força ao disco…”. Bastante. A primeira foi um sucesso que quase não entrou. “Paranoid” foi a última faixa a ser gravada para o disco, “um pouco sem sentido”, disse Tony; “ficamos espantados quando [Rodger Bain] falou para gravá-la”. O produtor lembrou-se: “Eles disseram: ‘Você está de brincadeira. A gente só está zoando. Acabamos de inventar’. E eu falei: ‘Bom, é excelente, vamos gravar!’.” Geezer, de todos, era quem estava mais contra. “Eu disse para o Tony: ‘É muito parecido com Zeppelin, não podemos fazer isso’. Achei parecida com ‘Communication breakdown’. Achei que era tão parecida que nunca poderíamos negar. Mas todo o resto não pensava assim. Para mim, [‘Paranoid’] parece um remake de ‘Communication breakdown’, e eu não queria gravar.” Geezer já tinha deixado passar uma, ele sentia, quando a penúltima faixa do lado B foi “Rat salad”, uma mostra instrumental curta de Bill Ward que em todo aspecto ecoava “Moby Dick”, a faixa igualmente curta e feroz de bateria de John Bonham que tinha saído na penúltima faixa do lado B do Led Zeppelin II, disco lançado naquele ano. “Era a nossa banda favorita na época. Era tudo o que ouvíamos”, contou Geezer. “E eu conhecia Plant e Bonham de Birmingham, e tínhamos ficado felizes por eles estarem fazendo sucesso. Mas a gente costumava ficar chapado juntos, sabe, deitados no chão, fumando maconha e ouvindo Zeppelin.” Tony, no entanto, sabendo como o Zeppelin tinha o estranho hábito de “pegar emprestado” os melhores materiais dos outros, não via nenhum problema. Ele também era amigo de Bonham e de Plant, sendo próximo do jovem baterista demolidor, mas pouco conhecia Jimmy Page ou John Paul Jones, outros nomes ilustres no circuito de músicos de estúdio de Londres — um mundo distante do guitarrista com pouco relacionamento social naqueles dias. (Iommi só ficaria amigo de Page muito tempo depois dos dias de glória das suas bandas.) Gravada em apenas dois takes com Ozzy gritando as letras rabiscadas apressadamente por Geezer — a palavra “paranoid” nem era mencionada na música —, não se tornou apenas o primeiro e único single doméstico do Sabbath a chegar às paradas, mas também o hino da banda, da mesma forma que “Whole lotta love” tinha se tornado o do Zeppelin, ou “All right now” o do Free, naquele mesmo verão. Tanto que, quando a Warner Bros. nos Estados Unidos foi contra o título proposto do disco — “War pigs”, repetindo o que

a banda sentia que era a melhor música ali — com os mesmos argumentos pelos quais tinham cancelado a primeira turnê nos Estados Unidos, temendo problemas dessa vez com as lojas de discos, sensíveis com qualquer coisa se referindo à guerra do Vietnã, que já havia levado a situações complicadas em 1969, de forma crítica ou controversa, a banda mudou o título para Paranoid. De acordo com Tony: “Acho que nenhum de nós sabia exatamente o que significava ‘paranoid’. Mas era uma palavra que você ouvia muito na época e meio que resumia a era de outras formas também”. Era muito tarde para mudar a capa do disco — uma figura embaçada estranha com uma malha rosa, carregando um escudo e uma espada, que supostamente representava um “war pig” —, mas eles foram recompensados com o primeiro disco a chegar ao topo das paradas britânicas. Lançado no mesmo dia em que se divulgou a morte de Jimi Hendrix, mais uma vez foi negado ao Black Sabbath o espaço nas revistas musicais que era dado ao Led Zeppelin, visto agora como o mais próximo rival, cujo segundo disco, também lançado naquele ano, um pouco antes, havia chegado ao primeiro lugar. Como Rob Partridge notou no Record Mirror, “o disco Paranoid do Black Sabbath chegou às lojas há algumas semanas. Nenhum sensacionalismo. O lançamento foi tão silencioso como tinha sido o disco de estreia”. “A gente nunca teve boa cobertura da imprensa, nem quando chegamos ao primeiro lugar nas paradas”, lamentou Ozzy. “A gente pensava: bom, se eles não vão nos tratar bem agora, então nunca nos tratarão. E não trataram mesmo…” Na verdade, agora o nome Black Sabbath se tornou sinônimo entre os chamados jornalistas de música sérios de tudo que eles consideravam “errado” na última geração de bandas de rock pesado britânicas, incluindo o Led Zeppelin, que escondia sua raiva simplesmente recusando-se a cooperar com a imprensa musical. “Acho que o Zeppelin ficou feliz com a nossa presença”, brinca Tony, “porque a gente recebia as pancadas.” Na mesma semana em que o disco Paranoid foi lançado na Grã-Bretanha, a Rolling Stone nos Estados Unidos publicou sua atrasada resenha de Black Sabbath. Escrito pelo famoso jornalista de rock Lester Bangs — que, convenientemente, iria mais tarde louvar a banda pelas mesmas “virtudes elementares” que ele atacou na época —, resumia a visão predominante, descrevendo o disco como “uma besteira — apesar dos títulos obscuros das músicas e algumas letras ocas que parecem o Vanilla Fudge prestando homenagem a Aleister Crowley, o disco não tem nada a ver com espiritualismo, ocultismo ou algo parecido, a não ser recitações duras de clichês do Cream que parecem que os músicos aprenderam de algum livro, repetindo muitas vezes”, antes de dar o golpe de misericórdia: “Exatamente como o Cream! Mas piorado”. Seria a primeira e última resenha na Rolling Stone, que depois se recusou a até reconhecer a existência deles, exceto de forma sarcástica, por anos. Mas se a banda não se sentia muito estrela na época — Geezer lembra-se de sair caminhando do hotel deles em Shepherd’s Bush para ir aos estúdios da BBC, na mesma rua

onde estavam, quando apareceram no Top of the Pops, e ficar espantado ao ver Engelbert Humperdinck aparecer em um Rolls-Royce com motorista. Também apareceram no programa Cliff Richard e Cilla Black. “Sempre me lembro, eu peguei o autógrafo de Cilla Black”, me contou rindo —, as coisas começaram a mudar quando eles finalmente chegaram aos Estados Unidos pela primeira vez, na última semana de outubro de 1970. Com a nova estrutura de agenciamento, e Joe Smith da Warner Bos. insistindo que todos os pôsteres para os shows trouxessem a promessa: “Mais barulhento que o Led Zeppelin”, eles começaram com dois shows para esquentar no Glassboro State College, em Nova Jersey, e na University of Miami, na Flórida, abrindo para o Canned Heat. Poucas pessoas nos dois shows conheciam o disco Black Sabbath, muito menos as cinco músicas que eles tocaram do Paranoid. Mas na noite seguinte — segunda-feira, 1o de novembro de 1970 — eles voaram até Staten Island para um show importante em que se apresentariam para Joe Smith e o resto dos executivos da Warner no Ritz Theater, em Ungano. Não foi um bom show. Ungano foi “o menor lugar que já toquei em toda a minha vida”, reclamou Geezer. Um clube de porão pequeno, muito longe de Nova York: “Foi o menor buraco que já vi”, lembrase Tony. “Pensei: que porra, isso é a América? Uma boate fedida! Uma latrina subterrânea! É isso?” No entanto, era muito tarde para ir embora, e, apesar de uma sucessão de problemas de energia no meio do set — “Nossos roadies não sabiam nada sobre as diferenças entre os sistemas elétricos inglês e norte-americano”, lembra-se Ozzy —, a banda fez o show e esperava que não tivesse perdido a chance. No final, entretanto, as notícias sobre a mais recente sensação do rock pesado britânico começaram a se espalhar. O Sabbath pode não ter tido a melhor cobertura da mídia impressa por trás deles, mas tiveram todo o apoio de uma rede ainda maior nos Estados Unidos, com o boca a boca de groupies e fãs. De repente, eles não podiam se dar mal. “O Zeppelin já tinha estado ali e isso meio que abriu as portas para nós”, contou Geezer. “Mas foi como se eles nunca tivessem visto ninguém como nós antes. Simplesmente ficaram malucos!” Vários shows melhores foram rapidamente acrescentados ao itinerário. No dia 10 de novembro, eles abriram para o Faces no Fillmore East, onde, de acordo com Tony, foram tão bem que a atração principal “se ferrou! Quando entramos, a multidão ficou absolutamente doida! Então Rod Stewart entrou e começaram a jogar coisas nele. Foi simplesmente incrível. E a partir daí nos tornamos a banda underground nos Estados Unidos”. Entre 11 e 15 de novembro, eles completaram uma residência de cinco noites (fazendo dois shows por noite) abrindo para o Alice Cooper no Whisky a Go Go, em Los Angeles. Eles continuaram com quatro noites no Fillmore West, em São Francisco, abrindo para a James Gang. Quando chegaram a Detroit, em 25 de novembro, no entanto, conseguiram ser a atração principal em dois shows, no East Town Theater, com abertura do Savoy Brown e do Quatermass. Isso, de acordo com Bill, foi “o momento de mudança” nos Estados Unidos. Puto pela falta de reação à abertura do show, Ozzy começou a xingar a plateia. Então Bill perdeu a cabeça e jogou parte da bateria na plateia e foi embora. O resto da banda o seguiu. “E isso

causou furor entre a audiência, sabe? Eles ficaram pensando: ‘Que merda é essa?’. Depois de um tempo, a gente voltou ao palco, começou a tocar de novo, muito alto, e gradualmente tudo foi mudando. Quando acabou, a gente voltou e tocou sete bis aquela noite. Notícias do show em East Town Theater começaram a se espalhar como fogo selvagem pelo país. Quando voltamos ali, estávamos tocando em arenas.” A turnê terminou em 27 de novembro, quando eles voltaram a ser a atração principal, dessa vez em um clube em Nova Jersey chamado Sunshine, com a abertura da banda local Steel Mill, liderada pelo então jovem Bruce Springsteen. O disco Paranoid seria lançado nos Estados Unidos em 1o de janeiro de 1972. Já era primeiro lugar no Reino Unido, e rapidamente se tornou o primeiro disco do Sabbath a entrar no Top 20 dos Estados Unidos, chegando ao 12o lugar. Em poucas semanas, eles estavam de volta para a segunda turnê, tocando entre 19 e 20 de fevereiro, com dois shows esgotados como atração principal no Fillmore East. Duas noites depois eles tocaram na enorme arena Forum, em Los Angeles, com a abertura do Grand Funk Railroad. Nesse momento, o nome Black Sabbath tinha se tornado sinônimo de algo novo e importante, apesar de ainda ser decididamente desagradável para a mídia tradicional como a Rolling Stone. A banda pareceu não notar. Eles estavam preocupados com muitas coisas. “Eu não sabia o prestígio de lugares como o Forum”, admitiu Bill. “Só pensei, lá vamos nós, será um bom show…” Para Ozzy, os Estados Unidos eram como um vasto playground de aventuras onde ele esperava ver Machine Gun Kelly andando na rua. “Lembro quando entrei em um avião para os Estados Unidos, a gente fez nossa primeira viagem com Stevie Winwood e o Traffic, e foi, tipo, uau! Achei que todas as grandes estrelas de rock voassem no mesmo avião. Achei que era o Rock Star Express, sabe? E então me lembro de voar por umas seis horas e pensar: ‘Caralho, esta porra precisa parar para reabastecer em algum momento!’. Fiquei espantado por aquela coisa conseguir voar tanto tempo sem parar para reabastecer. Lembro de sair no aeroporto, e era uma tarde quente, muito úmida. E uma limusine passou pela gente com umas doze portas, uma coisa amarela grande. E a gente pensou: ‘Porra, cara, os carros aqui são grandes!’.” Os Estados Unidos também foram o lugar onde, apesar de seu casamento com Thelma, “tive minha primeira experiência com peitos de silicone”. Eles estavam de volta a Nova York em fevereiro de 1971 para dois shows como atração principal de Fillmore East, com a abertura do J. Geils Band. “Fomos para o hotel, um buraco na 8th com a 48th Street. Mas foi a primeira vez que ficamos em quartos separados. E o gerente tinha um monte de putas por aí e eram horrorosas, juro por Deus. Mas a gente as levou para dentro e transou com elas. Lembro de bater na porta do quarto de Tony, ao lado, e falar: ‘Puta merda, Tony, você precisa ver esta coisa que está na minha cama, parece o ganhador da corrida de Kelso’”, gargalhou, referindose a um dos mais famosos cavalos de corrida da Grã-Bretanha. “Tony disse: ‘Você acha que está mal, veja a porra que está no meu quarto!’. E elas tinham uns peitos gigantes! Mas era o que tínhamos, então tudo bem. Éramos, tipo, violar e pilhar por onde passávamos.” Mais tarde, Ozzy brincaria: “Os roadies das outras bandas conseguiam groupies

melhores do que a gente. Elas eram tão ruins que era preciso colocar um saco na cabeça delas. As realmente ruins a gente chamava de Dois Sacos. Um saco para a cabeça dela, para não vêla, e um saco para a sua cabeça — caso alguém entrasse no quarto, não saberiam que era você”. Mas essa era somente parte de sua conhecida palhaçada, para livrar-se de Thelma e outras esposas. “Quero dizer, a coisa toda na Inglaterra, naqueles dias, se você queria trepar com uma garota, era preciso comprar vinho e convidá-la para jantar e depois levá-la para ver um cinema, e assim talvez conseguisse transar com ela umas três semanas depois de pedi-la em casamento. Esqueça, baby, elas não têm tempo para isso nos Estados Unidos. É, tipo, as garotas vinham até você e diziam: ‘Quero dar uma com você’, e eu pensava: ‘Que porra quer dizer isso?’. Como um bobão, eu falava: ‘Oh, sim, eu também’. Não percebia o que queriam dizer. Significava que queriam transar com você. E as garotas apareciam do nada e diziam isso para você!” Com mais de 25 datas que iriam terminar com um show como atração principal no Spectrum Theater, na Filadélfia, em 2 de abril, com abertura de Humble Pie e Mountain, para Bill “tudo sobre a segunda turnê norte-americana foi incrível, e foi quando percebi que estávamos no meio de algo grande”. As coisas só foram crescendo até que eles chegaram a Los Angeles e descobriram que iriam ser a atração principal de duas noites no Inglewood Forum para 15 mil pessoas. “Ficamos totalmente espantados com a coisa toda”, disse Tony. “Não acho que a gente sabia exatamente o que estava fazendo. Parecia que as coisas estavam acontecendo ao nosso redor tão rápido e não sabíamos o que realmente estava acontecendo. Não percebemos como estávamos ficando grandes e poderosos. Estávamos só saindo para tocar, sabe?” Havia também a imagem “oculta” da banda que era preciso manter. Como Tony apontou: “Nós atraíamos uma quantidade incrível de doidos, de satanistas a vítimas de ácido — você pode citar qualquer um, eles estavam com a gente”. Ozzy fazia uma careta: “Eu ficava com medo. Havia um monte de pessoas que vinham até nós e diziam: ‘Cara, a gente sabe que vocês sabem que nós sabemos que vocês sabem’. E a gente dizia: ‘Certo, bom, continuem sabendo, cara’. Havia todo tipo de satanista que você poderia imaginar, todo tipo de louco por Jesus…”. Esses eram os dias antes dos cartões magnéticos, quando quase qualquer um poderia andar pelos bastidores ou no hotel da banda à noite. No começo, a banda achava tudo engraçado. Tony lembra-se rindo de um show na turnê onde “tínhamos três mulheres vestidas de preto, e elas estavam na frente. Aparentemente eram bruxas, ou nos disseram que eram bruxas. E quando subimos no palco com cruzes, elas saíram correndo! Então nunca mais as vimos…”. Em outro show da turnê, eles receberam a visita do chefe do Hell’s Angels norteamericano: “Não consigo me lembrar onde foi”, contou Geezer, “mas foi como se o porra do presidente dos Estados Unidos viesse para o show. Uns cinquenta guarda-costas entraram, todas aquelas motos. Direto para o camarim, expulsaram todos os seguranças — que falavam: ‘Sim, senhor; não, senhor’. Então ele nos contou quem era, disse que era de alguma divisão do

Hell’s Angels e que dava sua aprovação. E vocês vão ficar bem, onde forem — o que isso quisesse dizer. E foi isso. Quero dizer, parece um sonho agora. Eles ficaram e assistiram ao show, depois foram embora, tudo como uma grande cavalaria”. Ele ri, nervoso. “Acho que foi a forma de falarem: ‘O Hell’s Angels gosta do Black Sabbath — é oficial’.” Os Estados Unidos também foram o lugar onde “descobrimos o velho pó”. Todos têm lembranças diferentes de como a coisa começou, mas o resultado foi o mesmo, com maior ou menor extensão em cada caso: vício quase imediato. De acordo com Tony, a primeira vez que ele cheirou cocaína foi antes de um show no Madison Square Garden em 1971. “Alguém me disse — acho que algum cara da equipe: ‘Você gostaria de algo para ajudar com o show?’, sabe? E eu nunca tinha cheirado, mas ele disse: ‘Oh, cara, só experimente um pouco, vai te levantar e ajudar na concentração’ e todas essas coisas. De todo modo, eu pensei, ah, não. Mas o cara continuou: ‘Vamos lá, vamos lá!’. Então cheirei, subi ao palco e fiquei convencido de que tinha sido brilhante, sabe? Então, a partir daí foi: ‘Vamos experimentar de novo no próximo show’, e então outro, e meio que foi em todos a partir daí, sabe?” Para Bill, tinha acontecido durante essas duas noites em Los Angeles. “Ozzy e eu éramos os piores em termos de abuso de drogas. Descobri a cocaína na noite em que tocamos no Forum. Viciei imediatamente na droga. Estava usando speed, tipo pílulas e coisas assim, desde que tinha dezesseis anos. E estava fumando maconha mais ou menos com a mesma idade. Mas as drogas realmente pesadas vieram quando chegamos aos Estados Unidos em 1971.” Ozzy afirma que conheceu a cocaína algumas noites depois dos shows do Forum, depois de ser apresentado, quando a banda abriu para o Mountain no Denver Coliseum. “Foi Leslie West, o guitarrista do Mountain. Ele nos deu uma pedra enorme e eu disse: ‘Ah, não. Isso é cocaína? Não quero tocar nessa coisa. Tirando maconha e cerveja, não quero tocar nisso’. Mas aí ele falou: ‘Experimente uma vez’. Então aceitei e foi tipo…” Ele fungou alto… “e bam! ‘Ah, não é tão ruim…’ E eu pulei a noite toda!” Bill suspirou. “Ozzy e eu, a gente se meteu em todo tipo de encrenca. A gente perdia a cabeça.” Eles ficaram dessa forma pelos anos seguintes. “Quando descobrimos o maravilhoso pó branco”, disse Ozzy, “nunca mais olhamos para trás.” Até ser tarde demais.

Quatro Papa na ponta de uma corda OS TRÊS ANOS SEGUINTES voaram sob uma nevasca de maconha, cocaína, álcool, sexo e a melhor música que o Black Sabbath poderia produzir. A música da qual eles vivem desde então. Eles também ganharam dinheiro — vários milhões de dólares — mas nenhum deles iria ver muito desse dinheiro. Não antes de que seus melhores dias tivessem ficado para trás, e o nome Black Sabbath só viveria na fumaça de um passado despedaçado. Voltando dos Estados Unidos, em abril de 1971, como verdadeiras estrelas de rock, cegos pelo sucesso, saciados de sexo e drogas e da estressante adulação de uma geração de baby boomers do pós-guerra, a única coisa que os quatro membros do Sabbath queriam agora era fazer tudo de novo. Só que melhor, se fosse possível. Por um tempo, parecia que era. Os trabalhos do terceiro disco do Sabbath, Master of reality, tinham começado no Basing Street Studios no início de fevereiro, novamente com Rodger Bain nos controles. Mas a banda não tinha mais materiais sobrando dos seus dias de clube. O que eles tinham, no lugar, era a enorme confiança que dois discos de sucesso internacional podem dar. Na Grã-Bretanha, onde eles completaram sua primeira turnê como atração principal em lugares grandes, em janeiro, eles até já tinham conseguido um single no Top 5 e eram reconhecidos como uma força da natureza até por aqueles que só os conheciam de nome ou só os tinham visto na televisão. “Eu sentia que estava envolvido em algo muito grande agora”, disse Bill. “Tinha aceitado o fato de que estávamos fazendo discos de sucesso e que íamos tocar para plateias que eram as maiores que já tínhamos conseguido. E, sim, para mim isso foi realmente rápido. A partir do primeiro disco, ficamos quase três anos na estrada sem parar.” No final de janeiro, eles tinham sido a atração principal do festival Myponga, em Adelaide, Austrália. Realizado nas colinas ao redor da pequena cidade produtora de laticínios da qual tirou seu nome, Myponga foi o primeiro festival de rock ao ar livre da Austrália, apelidado de “Woodstock australiano”. O Sabbath foi a atração principal de grandes estrelas domésticas como Daddy Cool, Billy Thorpe & The Aztecs, e uma banda jovem com um monte de barbudos chamada Fraternity, liderada pelo futuro vocalista do AC/DC, Bon Scott, que anos depois ficaria amigo de Ozzy. De acordo com uma resenha no Sunday Mail local, a aparição do Sabbath foi marcada pelo que eles caracterizaram de “10 mil fãs de rock pesado… Acampados na grama cheia de lixo para uma noite de amor, paz, rock esganiçado e álcool, álcool e mais álcool”. Acrescenta: “Havia umas 2.500 garotas no festival e aparentemente nenhum sutiã entre elas”. Não que isso impedisse Ozzy, que estava desenvolvendo o hábito de sempre ver o lado merda da vida, de reclamar quando voltou: “A gente voou, destruiu o hotel, jogou quatro carros no oceano”. O que nem Ozzy sabia era que Tony Iommi e Patrick Meehan Junior estavam no quarto ao lado tentando um ménage com uma

das dezenas de fãs que tinham aparecido depois que Tony reclamou que estava “solitário” durante uma entrevista na rádio local. Quando a garota desmaiou, Meehan ficou doido. “Ela morreu!” Totalmente chapado, Tony concordou. “Cristo, ela morreu. Ela morreu! A gente precisa se livrar dela!” Deviam jogar seu corpo da varanda e dizer que ela tinha caído, ele disse ao guitarrista em pânico. Estavam tentando arrastar seu corpo inerte até a janela quando ela acordou. “Poderíamos facilmente ter jogado a garota para fora, e eu teria me tornado um assassino aos 22 anos”, ele se lembraria mais tarde. Estava totalmente careta quando a banda subiu no palco aquela noite. Ozzy, porém, nem tanto, pois quase não conseguia lembrar do show no dia seguinte, ele disse. Assim como no voo de volta a Londres, quando o avião aterrissou em Perth para reabastecer, Ozzy ficou sentado encostado em uma parede ao ar livre por meia hora, onde “fiquei queimado de sol como um filho da puta. Depois tive que ficar sentado por 36 horas em um daqueles velhos 727 na econômica, fritando”. Como sempre, os outros só riram dele. Aí voltaram a fazer o que Tony mandava. Chegando em Basing Street no dia seguinte sem nenhum material finalizado, mas cheio de ideias para novos riffs “estranhos”, Tony Iommi começou facilitando as coisas para si mesmo. Uma estrela agora, ele começou a moldar o som do Sabbath ainda com sua imagem monossilábica e de cara fechada. Noites infinitas na estrada nos últimos anos tinham criado uma dor constante em seus dedos despedaçados. Ele agora afinou sua guitarra mais grave, uns três semitons, reduzindo a tensão das cordas e facilitando a forma como dobrava as notas em seus riffs. Com Geezer também forçado a modificar a afinação do baixo para seguir a guitarra de Tony, o som do Sabbath mergulhou ainda mais na escuridão. Sem usar nem reverb, deixando o som tão seco quanto velhos ossos tirados de alguma escavação no deserto, a força brutal da música final alarmaria tanto os críticos que eles puniram o Sabbath nas revistas por serem tão abertamente agressivos, propositadamente irracionais, estranhos e insolentes. Vinte anos depois, grupos como Smashing Pumpkins, Soundgarden e, em particular, Nirvana iriam escavar o mesmo som profundo para delinear seu próprio “cenário de terra arrasada” em uma cena musical ainda mais elaboradamente previsível do que a de rock pesado do começo dos anos 1970 — e seriam recompensados com elogios da crítica, criando todo um novo gênero que chamaram de “grunge”. Em 1971, no entanto, o Sabbath e seu novo som pesado foram simplesmente rejeitados como lentos, ofensivos, sem salvação. Para a banda, no entanto, foi uma época musical espetacular. A capacidade de incorporar mais riffs puros e mais mudanças inesperadas em uma música do que a maioria das bandas incluiria em todo um disco tornou-se um componente autoral da obra de Iommi. No geral, isso se dava a partir de uma combinação de influências, de sua inicial paixão pelo jazz à obrigação da banda de desenvolver longos e extensos solos para preencher os espaços intermináveis nos shows do Star Club. E, claro, as coisas estavam seguindo por esse caminho — as extensas “jams livres” — de Hendrix e Cream ao Zeppelin e Pink Floyd, e de volta à forma virtuosa mais consciente do Deep Purple, Yes e matadores de dragões gigantescos como Vanilla Fudge e Iron Butterfly. No entanto, nenhum deles, incluindo Jimmy Page, o vizinho musical deles na

época, foi tão deliberadamente — alguns poderiam dizer perversamente — na direção dos riffs sombrios como Tony Iommi. Anos depois, quando as relações entre os dois estavam no ponto mais baixo, Ozzy ainda se referia a seu antigo guitarrista-mestre como Rei dos Riffs. Para Tony, no entanto, não havia outra escolha a não ser tocar assim. “Era algo que simplesmente parecia se encaixar com a gente. Parecia algo fácil para nós, mudar o tempo bem no meio de tudo. Onde a maioria das pessoas dizia: ‘Isso não vai funcionar, vocês não podem fazer isso!’, a gente fazia a coisa funcionar. Parecia apenas a coisa natural a ser feita. Tornou-se algo normal — direto, acelerado ou mudando para um riff diferente — e as coisas funcionavam. Às vezes, a gente criava com jams, outras vezes eu criava as coisas em casa. Acho que por volta do terceiro disco comecei a compor em casa. Porque eu precisava tentar ter algo pronto que pudesse tocar para os outros quando chegássemos aos ensaios. Em vez de esperar e todo mundo ficar olhando para onde você está indo, ‘Certo então, o que você vai criar?’. O que acontece com frequência, sabe?” No entanto, quando o riff já tinha sido criado, o resto dependia da química. “Cada um era tão importante quanto o outro — era isso que criava o som. O som de Geezer, a forma como ele tocava, o estilo, combinava perfeitamente com o meu som e estilo. E a forma como Bill tocava também. Ele era um músico pouco ortodoxo, mas tudo isso combinava bem. E então a forma como Ozzy complementava com sua voz incomum e seu jeito, quero dizer, a coisa realmente combinava bem. Realmente as coisas aconteciam.” Com o disco terminado no começo de abril, poucos dias depois do show deles no Philadelphia Spectrum, e com tanto o Paranoid quanto o Black Sabbath a caminho de ganhar o disco de ouro nos Estados Unidos por uma venda combinada de mais de um milhão de cópias, por enquanto o Sabbath não estava mais tentando agradar os críticos, nem seus empresários ou os executivos da gravadora. Eles simplesmente seguiam em frente. O resultado foi outro futuro clássico. Da “tosse” persistente que irrompe no riff bocejante e espasmódico de “Sweet leaf”, do lado A, para o final do lado B com o choque elétrico do encerramento de “Into the void”, o disco gira em uma obliteração pesada e ecoante. Apesar de nunca alcançar a altura de seu estonteante predecessor, Master of reality se juntou aos dois primeiros discos do Sabbath na formação do modelo para toda banda de rock pesado que tentou segui-los. O resto do disco estava carregado de monstruosidades metálicas igualmente incontidas. Faixas como a brincalhona “After forever”, com suas frases de irreverência religiosa chocantes na época, escritas direto do coração de um estudante de escola católica, Geezer: “Would you like to see the Pope / On the end of a rope / Do you think he’s a fool?” [Você gostaria de ver o papa / Na ponta de uma corda / Você acha que ele é um estúpido?]. E outra pedra angular musical eterna em “Children of the grave”, um brilho de esperança em um mundo onde as chances estão todas contra você, com um aviso final aos “children of today” [filhos do hoje] para que sejam corajosos o suficiente para espalhar amor, senão se tornarão “children of the grave” [filhos da sepultura]… O som pesado, como uma máquina que acompanha aqueles sermões, e a voz quase monótona de Ozzy significavam que o Sabbath iria

ser comparado desfavoravelmente com a nova sensibilidade “de volta ao jardim” de 1971 e os novos queridinhos da crítica, como Joni Mitchell, Crosby, Stills and Nash, The Band e James Taylor, para nomear alguns dos mais famosos. Perto deles, o Black Sabbath parecia totalmente estúpido, sem educação e realmente indesejado. Nem mesmo quando Tony Iommi insistiu em incluir momentos de desvio como “Embryo”, uma estranha faixa instrumental com som medieval, com Tony tocando com os dedos de couro uma música muito antiga na qual, segundos antes, estavam balançando a cabeça juntos ao som do riff de “Children of the grave”. Ou “Orchid”, outra das músicas instrumentais tradicionais de Tony, sua forma de criar raros espaços de respiração antes da lenta e primitiva “Lord of this world” começar a ganhar vida, Ozzy atacando seu “evil possessor” [possuidor maligno] que se torna “your confessor” [seu confessor] por escolher “evil ways” [caminhos malignos] em vez do amor. Aquela palavra de novo. Até o Led Zeppelin, ainda atacado como também sendo um rock pesado secundário, era considerado uma banda com mais cultura e até com certo charme comparado com o Black Sabbath. Foi uma das razões pelas quais, só cinco anos depois, quando a nova onda de punks estourou na Grã-Bretanha de forma súbita, uma das poucas bandas de rock “da velha onda” que sobreviveu na imaginação de pessoas como Johnny Rotten e Rat Scabies era o Black Sabbath. Mesmo com faixas como “Solitude” — a “Planet caravan” deste disco, com melodias tranquilas e vocais mais lentos — não havia nada de flores ou hippies na banda, nem para seus fãs na época, nem para os punks destruidores que os seguiram, livrando o Sabbath dos fortes ataques lançados contra seus contemporâneos. Quando o Sabbath cantava sobre a eficácia de um baseado, como em “Sweet leaf”, eles não falavam de lindos mundos cheios de filhos das flores, mas visões da vida entre correntes em que a única forma de escapar era por meio de uma nuvem de maconha barata. “My life was empty, always on a down” [Minha vida era vazia, sempre deprimido], Ozzy grita, “until you took me, showed me around…” [até você me levar, me mostrar o mundo…]. Se os Beatles tinham estabelecido o padrão para a música pop de expansão da mente, o Sabbath agora fazia o mesmo para a subclasse do rock, criando um som bastante descompromissado, que, quando examinado de perto, apresentava letras pesadas que refletiam as verdadeiras raízes operárias “no future” da banda. Não que parecesse assim de dentro do olho do furacão. “Nossa música parecia totalmente natural para mim”, conta Bill. “Não estava consciente que havia alguma imagem se formando. Acho que era ingenuidade da minha parte, e também possivelmente da parte de todo o resto. Mas, nos primeiros dias, a composição era tão natural e quase instantânea, que parecia muito bom e completo para mim. Parecia simplesmente, tipo, isso é ótimo.” Mantendo o hábito dos primeiros dois discos, a Warner Bros. lançou a versão nos Estados Unidos de Master of reality com uma lista desnecessariamente mais longa de faixas, transformando suas oito faixas em doze, ao dar à introdução de “After forever” e “Lord of the world” títulos próprios (respectivamente), “The elegy” e “Step up”, decidindo que a coda de

“Children of the grave” também deveria ter seu próprio título (“The haunting”) e dividindo “Into the void” em dois segmentos, a primeira parte chamada “Deathmask”. Não ajudou em nada e teve consequências desagradáveis. Apesar de ter satisfeito o desejo de Joe Smith de tentar tornar os discos do Sabbath mais atraentes às rádios, também teve o efeito negativo de fazer com que parecessem mais bidimensionais, como se ficção científica e horror em quadrinhos fosse o melhor que pudessem aspirar. Como os anos 1970 foi o auge da rádio FM nos Estados Unidos, que se especializava em tocar longas faixas de discos, não ajudou em nada para fortalecer a credibilidade underground da banda. As primeiras prensagens nos Estados Unidos também mostraram como o planejamento era malfeito quando o título apareceu no plural: Masters of reality. O erro foi logo percebido e aquelas prensagens foram tiradas de circulação. Mas isso só aumentou a percepção sobre a banda que iria persistir por toda a sua carreira: que eles eram o menor dos golias do triunvirato do rock pesado britânico, sempre colocados em último lugar depois de Led Zeppelin e Deep Purple. Até os poucos amigos que a banda tinha nos meios de música desertaram, no auge de seu incrível sucesso. Uma mudança liderada por John Peel, cuja tendência a abandonar artistas quando eles entravam no mainstream mais tarde seria parte de sua lenda pessoal, mas cujas súbitas mudanças eram vistas pelos artistas que ele tinha defendido no começo dos anos 1970 — Marc Bolan and T. Rex tinha sido o primeiro, Black Sabbath agora era o mais recente — como traições inexplicáveis. “A gente se dava muito bem com o John no começo, mas algo parece que o deixou chateado”, contou Tony para o Record Mirror em 1971. “É muito difícil dizer o que essas pessoas querem.” Na verdade, Peel estava expressando um preconceito comum que a maioria dos críticos independentes na época tinha por discos em vez de singles. Ao ter um sucesso gigantesco com o single “Paranoid”, o Sabbath tinha agravado seu “erro” anterior de ficarem famosos sem qualquer apoio da imprensa musical britânica — eles tinham cometido o maior, e mais odioso, crime que era ter um single de sucesso. Em vez de ser algo a celebrar, como aconteceria com o advento da MTV nos anos 1980, uma década antes, Tony Iommi precisou defender a banda contra o próprio sucesso. “O single foi apenas uma faixa tirada do disco pela gravadora porque achavam que iria vender e era representativo de algo que fizemos”, ele protestou no Record Mirror. “Não gravamos singles, e a decisão de lançálos é da gravadora.” Internamente, a banda falou que não importava. Mas quando Master of reality foi lançado na Grã-Bretanha em julho — sem um single antes, de propósito — e só chegou ao quinto lugar, eles começaram a duvidar de verdade. Nos Estados Unidos, a crítica agora estava dividida entre os guardiões do rock-como-poesia-e-arte — exemplificados pelo Monte Rushmore dos críticos de música norte-americanos, Robert Cristgau, que descreveu o disco no The Village Voice como “tonto e decadente… uma exploração amoral e lerda” — e jornalistas menores, como Metal Mike Stone, que resenhou o disco para a revista underground de São Francisco, Rags, de vida curta mas ultrarreverenciada, concluindo: “Se você gosta de rock and roll barulhento e cru, seja o Kinks do início ou o Velvet Underground ou o Stooges,

definitivamente vale a pena ouvir este disco”. Mas as resenhas na imprensa tinham menos importância nos Estados Unidos do que o rádio, e o rádio contava menos do que o boca a boca, que realmente fazia a diferença para o rock pesado no começo dos anos 1970. Quando Master of reality foi lançado nos Estados Unidos, em setembro de 1971, o Black Sabbath tinha mais boca a boca do que qualquer outra banda, exceto o Led Zeppelin, e o disco chegou ao Top 10, equilibrando-se na oitava posição por várias semanas — lugar que nenhum outro disco deles alcançaria ali. A terceira turnê do Sabbath tinha começado em 2 de julho de 1971, com um enorme show ao ar livre no Michigan State Fairgrounds, em Detroit. Com o disco chegando a ouro só com os pedidos de pré-lançamento, essa foi a mais longa turnê nos Estados Unidos: 57 shows com a abertura de, entre outros, Yes, Humble Pie, Poco e Black Oak Arkansas. A única banda para a qual eles abriam agora era o Led Zeppelin, com quem tocaram no mesmo show no Onondaga War Memorial Auditorium, em Syracuse, no dia 10 de setembro, e novamente na noite seguinte, em Rochester, no Community War Memorial Auditorium. Como resultado, Master of reality se tornou o maior sucesso nas paradas até aquele momento. Na verdade, todos os três discos do Sabbath estavam nas paradas ao mesmo tempo durante toda a turnê norte-americana daquele ano. A pedido de Patrick Meehan, eles imitaram novamente o Led Zeppelin, que tinha decidido não cooperar com a imprensa, recusando entrevistas, e Tony e a banda decidiram que a imprensa poderia ir se foder. Quando a Rolling Stone finalmente se dignou a entrevistá-los, para uma matéria publicada em outubro de 1971, a banda simplesmente tirou um sarro. Geezer afirmou ser o sétimo filho de um sétimo filho, com a capacidade de ver o demônio, enquanto que Ozzy previu que seria o primeiro membro da banda a morrer. “Serei eu, com certeza”, ele insistia. “Vou morrer antes dos quarenta, sei disso…” Enquanto isso, na estrada, as coisas iam ficando cada vez mais estranhas. Depois de um show em Los Angeles, o lendário produtor Kim Fowley disse a Ozzy que ele deveria ir ao México, comprar um cadáver e depois esfaqueá-lo no palco. Até a plateia agora estava ficando descontrolada. Como Ozzy, espantado, contou a um repórter da Creem: “Depois de um show nos Estados Unidos, havia umas mil seringas no chão! Fiquei espantado, me senti mal, realmente me senti mal ao pensar que tinha tocado para pessoas que estavam a um passo do buraco…”. Mal ou não, eles tinham começado a conviver com essas coisas. “Todos recebemos cartas estranhas, todo tipo de coisa com sangue. Você imagina qualquer coisa, a gente já viu.” Quando chegaram a Memphis e descobriram que alguém tinha pintado cruzes enormes com sangue fresco na porta do camarim deles e trancado, eles simplesmente chutaram até abrir e mandaram um roadie lavar tudo. “A gente se acostumou com aquilo”, Tony contou dando de ombros, “não sabíamos que era sangue no princípio, achávamos que era tinta.” Quando a turnê finalmente terminou, em 28 de outubro, eles tinham duas semanas de descanso antes do começo de uma turnê de trinta shows no Reino Unido e na Europa que atravessaria o Natal e o Ano-Novo. Mas no momento sérios problemas estavam começando a aparecer, e as primeiras doze datas foram canceladas quando contaram que três membros da

banda — Tony, Geezer e Bill — haviam ficado “doentes”. Uma nota foi divulgada para afirmar que a banda estava sofrendo de “exaustão nervosa”, com especial menção às pedras na vesícula de Geezer. Mas como Bill Ward contaria depois: “Foi uma grande festa para a gente, sem dúvida. Foi como simplesmente ficar chapado e se divertir. Estávamos ficando doidos, festejando, sabe, 24 horas por dia, na verdade”. A esse respeito, contou Bill: “O disco Master of reality foi um ponto de virada”. Qualquer ideia de que o Natal em casa, em Birmingham, poderia ajudá-los a se recuperar foi dispersada rapidamente quando eles voltaram aos velhos lugares de antes, como o Henry’s e o Mothers, como verdadeiros heróis conquistadores que todo mundo agora achava que eram. Cinco dias depois que a reagendada turnê britânica terminou no St George’s Hall lotado, em Bradford, em fevereiro de 1972, eles começaram outra turnê norte-americana: 31 shows em apenas 33 dias que deixaria a sanidade deles pendurada por um fio, como passageiros de um navio afundando se agarram ao bote salva-vidas. “Nos Estados Unidos, a gente perdia a cabeça!”, reclamava Ozzy. “A gente ficava acordado durante dias! Eu e Bill éramos os piores, éramos o Comando das Drogas — nunca entre pela porta se você pode atravessar a janela de vidro!” Colocar fogo em Bill se tornou outro passatempo da turnê. “A gente esperava ele desmaiar e colocava fósforos entre seus dedos dos pés e das mãos.” Muito bêbado e chapado para se importar, Bill nem abria o olho. Quando eles colocaram fogo em sua barba, ele apenas inalou a fumaça e afirmou que era “da boa”. No entanto, Tony foi longe demais uma noite quando esguichou um pouco de fluido de isqueiro nas pernas de Bill antes de colocar fogo. Bill não conseguiu apagar as chamas e terminou sendo levado ao hospital. “A gente pensou: ‘Oh, merda, fomos longe demais dessa vez’”, riu Tony. “Mas não, ele estava mais preocupado por termos arruinado seu novo jeans”, concorda Ozzy. “Desde que tivesse sua sidra e suas drogas, Bill estava bem. Ele era um cara muito tranquilo, sempre cercado por parasitas. Um dia a casa de Bill [na Inglaterra] estava tão cheia de gente que ele se mudou para um galpão no jardim com uma lanterna. Lembro que uma vez perguntei se ele tinha trazido toda sua bagagem para o aeroporto e ele disse: ‘Trouxe!’, e mostrou quatro frascos de sidra! Este era o Bill…” Quando a banda ficou no Edgewater Inn, em Seattle — famoso por ter sido construído sobre a beira da água, sendo um ponto ideal para pescar da janela do quarto, e cena do infame episódio com o tubarão do Led Zeppelin, já contada muitas vezes, e, entre os mais famosos, por Frank Zappa, em seu disco Live at fillmore east, de 1971, na faixa “The mud shark” —, onde o baterista do Zeppelin, John Bonham e o tour manager Richard Cole supostamente tinham amarrado uma groupie e forçado o focinho de um tubarão morto em sua vagina, Ozzy pegou o tubarão que pescou e simplesmente o colocou na banheira, depois encheu com água. Quando, como era de esperar, ele voltou depois do show e encontrou o tubarão morto, começou a estripá-lo com uma faca, deixando sangue e tripas de peixe por toda a parede. Tony, que também tinha pescado um tubarão, enquanto isso conseguiu arremessá-lo pela janela do quarto do Bill, onde caiu sobre a cama. “Ele ficou muito surpreso”, disse Tony com toda

sua cara de pau. “Não de forma muito agradável…” A banda ganhou um longo fim de semana “de folga” no final da turnê nos Estados Unidos, uma ponte de três dias antes de voar ao Japão para dois shows no mesmo lugar, o Koseinenkin Concert Hall, em Osaka, onde o Deep Purple faria sua estreia japonesa apenas três meses depois, gravando os shows para lançar como o disco duplo Made in Japan. O Sabbath poderia ter ganhado do Purple. Exceto porque eles tiveram negados seus vistos de entrada, por causa das várias condenações criminais: Ozzy por roubo. Tony e Bill por posse de drogas. O mesmo problema ocorreria no ano seguinte, antes que, frustrado, Patrick Meehan conseguisse persuadir a Warner Bros. em Tóquio a contratar advogados influentes o bastante para conseguir vistos temporários para a banda. Na verdade, essa parada ajudou. O Sabbath estava agora em pedaços, a cabeça girando, os ossos quebrados: fodidos. Os shows japoneses foram cancelados, assim como as datas na Austrália, enquanto a banda voava de volta a Londres, e depois seguia para casa em limusines com choferes até Birmingham. Geezer tinha sido o primeiro a desmontar, reclamando de cansaço extremo, conforme um show se seguia ao outro. “O problema era que naqueles dias não era, oh, descansem umas semanas até se sentirem melhor”, ele reclamaria. “Era: ‘Aqui, cheire uma carreira disso ou fume aquilo. Tome estas pílulas, elas vão ajudá-lo a continuar’. Não tinha a ver com se sentir melhor, era só para mantê-lo na estrada. Até que de repente, um dia, eu sabia que não podia aguentar mais — e simplesmente tinha de parar. Os outros não ficaram felizes, mas eu não podia fazer nada. Pensei, estou desmontando, sabe?” Quando Bill foi diagnosticado com hepatite B, eles sabiam que estavam com problemas. “Ainda tínhamos 22, 23 anos”, Bill me contou, “mas já éramos bem veteranos, sabe? Aí eu peguei hepatite e cheguei bem perto de morrer. O nível de álcool no meu corpo era tão alto que fiquei amarelo por uns três meses. Estava muito mal…” A hepatite B não é uma infecção que pode ser contraída por contato casual, mas um vírus sério quase sempre contraído por uso de seringas infectadas — ou “agulhas sujas”, na linguagem coloquial — para injetar drogas. Ou, como Bill disse em uma entrevista para a Rádio BBC de Birmingham, em julho de 2011: “Peguei hepatite B por causa do abuso de narcóticos e de álcool”. Até então, ele contou: “Pensei que era invencível… Não me senti tão invencível depois disso”. Apesar dos avisos dos médicos, no entanto, assim que a icterícia diminuiu, ele continuou a fazer o mesmo de antes. Era 1972 e era simplesmente “o que se fazia”. Ele parou, riu e acrescentou: “Tenho muita sorte de estar vivo, para ser honesto”. Em poucas semanas, no entanto, o Black Sabbath estava de volta ao trabalho em seu próximo disco. Ou, pelo menos, Tony estava. Pela primeira vez, eles tiveram tempo para compor novo material. O tempo de ensaio foi agendado localmente e pela primeira vez desde que Tony voltou do Jethro Tull, estabelecendo as regras de funcionamento, a banda teve que prestar muita atenção ao que estava fazendo. Chega de discos gravados na correria, entre as turnês. Era um momento importante, eles tinham que manter o nível, e como o marcante quarto

disco do Zeppelin, lançado seis meses antes, esperava-se muito do próximo disco do Sabbath. Só havia um problema: um pub situado a menos de um quilômetro e meio do estúdio de ensaio em Birmingham. Na maioria dos dias, depois de se arrastarem por umas faixas “para esquentar”, principalmente jams soltas, Tony passava a trabalhar em alguns de seus famosos riffs enquanto os outros o abandonavam — pegando a estrada até o pub. Horas depois eles voltavam e perguntavam: “Já tem alguma coisa?”. Tony começou a ficar puto. Uma semana nessa rotina e ele explodiu. Quando Patrick Meehan sugeriu que gravassem o próximo disco em Los Angeles, em parte por um esquema para evitar pagar impostos, e em parte porque era mais barato alugar estúdios em Los Angeles do que em Londres, Tony gostou da ideia. Os outros conseguiram sair do pub a tempo para segui-lo. Já se passara um ano desde que tinham gravado Master of reality — uma era em termos de rock nos anos 1970, quando os artistas eram contratados, no geral, para lançar dois discos por ano. Mas a maioria dos artistas de rock não era tão grande quanto o Black Sabbath, ainda ignorado pelos críticos, mas cada vez mais adorado por um público desconfiado que tinha começado a ver a sua exclusão da mídia central como uma insígnia de honra. Eles também eram ricos — ou achavam que eram. “Enquanto tínhamos umas libras no bolso e um carro novo para ficar dirigindo por Birmingham e transar com umas putas, estava tudo bem”, lembra-se Ozzy. “A gente nunca percebeu o potencial de quanto estávamos ganhando e qual era o acordo, porque nossos empresários sempre nos mantinham controlados.” Até que ficou claro para Ozzy quando ele foi até Patrick Meehan e pediu dinheiro para comprar sua primeira casa, uma propriedade luxuosa em Welford-on-Avon, que valia na época 15 mil libras. Ele estava morando com Thelma em um apartamento no centro de Birmingham. A primeira filha do casal, que se chamaria Jessica, estava a caminho e “eu só queria comprar uma casa. Eu nunca tinha vivido numa casa isolada. Então fui até essa linda vila perto de Stratford, era uma verdadeira casa de campo estilo Tudor, liguei e falei: ‘Patrick, posso comprar?’. Ele respondeu: ‘Não, é muito dinheiro’. Terminei comprando uma casa um pouco mais no fim da rua por 20 mil libras. Mas eu não sabia quanto se ganhava com a porra de um disco. De não ter nada até chegar ao adiantamento de royalties do primeiro disco, que foram 105 libras, pensei: ‘Porra, cara, cem libras!’. Nunca pensei que ganharia cem libras. Então, no final da primeira turnê norte-americana, que fizemos acho que em dois meses, dois shows por dia, ele nos deu um cheque de mil libras e nós pensamos: ‘Nossa, cara, a gente é foda, porra!’. E pensamos que era isso, sabe? Nunca pensamos no quanto ele estava ganhando”. Em 1971, “a coisa toda [tinha] mudado para nós”, lembra-se Tony. Quando eles fizeram sucesso nos Estados Unidos: “Estávamos viajando em aviões privados para todos os lados. Quando queríamos algo a gente só ligava [para o Meehan]. ‘Quero comprar um carro novo.’ E ele falava: ‘Oh, tudo bem, que carro?’. No meu caso, um Lamborghini. ‘Onde está?’ Eu dizia onde estava. ‘Quanto custa?’ Eu dizia quanto custava. ‘Vou enviar um cheque para eles e mando entregarem o carro.’ E era isso. Se eu queria comprar uma casa. ‘Onde está a casa? Quanto custa?’ E eu tinha a casa. Era assim que vivíamos”.

Geezer ainda estava levando sua roupa para a mãe lavar quando ele conseguiu tirar sua carta de habilitação — e comprou um Rolls-Royce. Ou ligou para Patrick e pediu que “mandasse um cheque”. Bill também comprou um Rolls-Royce, enchendo o banco de trás com caixas de sidra. Ozzy, agora marido e pai — embora no geral à distância —, também mudou sua jovem família para uma casa. A única coisa que nenhum deles via era dinheiro vivo. Havia salários depositados em uma conta bancária para eles todos os meses e, como conta Tony, “de onde vínhamos, ter umas centenas de libras no banco era algo espetacular”. Ou como diz Ozzy: “Ele estava metendo a mão na gente, e não tínhamos ideia”. Eles estavam simplesmente felizes porque “éramos estrelas e não tínhamos problemas para conseguir transar”. Em junho de 1972 eles estavam morando em Los Angeles, dividindo uma mansão em Bel Air que rapidamente se tornou famosa. Alugada de John Dupont, milionário rebento da família Dupont, que era dona da corporação multinacional de químicos (uma das mais importantes no desenvolvimento de armas químicas e atômicas, uma ironia que Geezer, o autor de “War pigs” e outras diatribes antinucleares, não percebeu, pois estava muito ocupado cheirando colheradas de cocaína), a casa tinha um enorme salão de frente para uma piscina, que a banda usava para tocar e compor. Meehan também montou seu escritório ali, junto com duas garotas au pair francesas, incluídas no contrato de aluguel. A gravação, enquanto isso, acontecia no estúdio Record Plant, ali perto, um dos melhores estúdios com equipamentos de primeira que oferecia aos músicos o tipo de vibração tranquila para eles trabalharem melhor. Dessa forma, o Record Plant tinha na época se tornado o estúdio favorito de bandas de rock pesado. O ambiente perfeito, decidiu o Sabbath, para produzir o disco eles mesmos. Decidiram chamá-lo simplesmente Black Sabbath Vol. 4, outra ideia inspirada bastante pelo fato de que o Zeppelin se recusava a dar título a seus discos (um hábito que eles então mudaram nos seguintes). Nada mais de Rodger Bain para responder — ou procurar ajuda —, este seria o trabalho da própria banda, uma situação que muito contribuiu para fazer das sessões as mais longas que a banda já gastou em um disco (mais de dois meses, no final) e também as mais agitadas. O que também ajudou o processo foi a enorme quantidade de cocaína que a banda estava agora consumindo. “A gente estava fodido de verdade”, Ozzy se lembra, “os traficantes vinham todo dia com cocaína, a porra do Demerol, morfina, tudo entrava na porra da casa.” Iommi: “Tornou-se um ritual. Sempre que fazíamos um disco, a gente fumava um monte, depois cheirava um pouco de coca ou qualquer outra coisa, e só aí começávamos. Eu nunca queria sair do estúdio. É por isso que gostamos tanto de fazer Vol. 4, porque tínhamos uma casa e havia um clima muito bom. Mas ficou um pouco insano…”. A cocaína era entregue numa caixa selada, grande como um alto-falante, e cheia de ampolas da droga lacradas com cera. A cera era cuidadosamente retirada e revelava a cocaína mais forte e pura que se podia conseguir nos Estados Unidos. A banda começava a babar de expectativa quando as enormes pilhas de pó branco eram espalhadas em uma das grandes mesas de jantar da mansão, de onde a banda pegava o quanto quisesse, que sempre significava muito. Logo a notícia se espalhou, e a mansão do Sabbath em

Bel Aire se tornou um dos lugares da moda em Los Angeles naquele verão. Multidões de traficantes e groupies se juntavam na casa noite e dia. Havia tanta gente que a banda obrigava as garotas a fazerem fila na grama. Ir ao estúdio e realmente trabalhar era “a parte chata”, conta Geezer. Não para Tony Iommi, no entanto, que agora tinha começado a passar mais tempo no estúdio, enquanto as noites de cocaína giravam como as luzes de um trem. “Você sempre lia sobre bandas como o Deep Purple ou o Faces que iam jogar futebol juntas, mas a gente levava a música muito mais a sério do que isso. Ou eu levava, pelo menos. Quando eu entrava no estúdio, era isso, não saía enquanto não terminasse.” Uma noite, Ozzy ficou tão chapado que acidentalmente se sentou no botão do alarme, conectado com a delegacia de polícia local. Quando dois carros chegaram e policiais armados começaram a bater na porta da frente, a banda entrou em pânico e começou a tentar jogar vários quilos de maconha e dezenas de ampolas de cocaína pelos vários banheiros da mansão. “Foi uma correria louca”, lembra-se Geezer. “A gente deve ter jogado pelas privadas uns 10 mil dólares de cocaína [e] maconha.” Convencido de que iam ser presos, quando finalmente eles mandaram uma das au pair atender a porta e descobriram que os policiais estavam simplesmente respondendo a um falso alarme, houve outra corrida louca para ver se eles conseguiam destapar um dos banheiros e recuperar a droga. Era tarde demais. Geezer afirma que foi também na casa em Los Angeles que eles experimentaram LSD. “Eu tinha tomado ácido na Inglaterra, mas sem saber; realmente não conhecia o que era na Inglaterra. E odiei, cara. Nunca mais quis tomar. Eu tive uma experiência realmente horrível com aquilo, realmente ruim. Quase me matei. A namorada que tinha na época teve que literalmente se deitar sobre mim para evitar que eu pulasse da janela e me matasse, de tão ruim que eu estava. Jurei nunca mais tomar. Aí fomos para a Califórnia e estávamos na casa de uma garota, um lugar enorme na praia, em Laguna. E ela nos deu essa coisa, psilocybin. Nunca tinha ouvido falar, não sabia que era outro nome para ácido e simplesmente tomei — eu, Ozzy e essas garotas. Foi louco. Ozzy foi nadar — pelo menos ele achava que estava nadando no oceano, mas ele ainda estava na praia, debatendo-se na areia.” Ozzy balançou a cabeça: “Naquela época, nos Estados Unidos, as pessoas gostavam de batizar suas bebidas com ácido. Eu não me importava. Costumava engolir muitos comprimidos de ácido de uma vez. O final disso chegou quando voltamos à Inglaterra. Eu tomei uns dez comprimidos de ácido e fui dar uma caminhada pelo campo. Terminei parado ali conversando com um cavalo por quase uma hora. No final, o cavalo se virou e mandou que eu fosse me foder. Foi o meu limite…”. Apesar ou até por causa do caos ao redor de sua criação, Vol. 4 se tornou outro clássico absoluto do Black Sabbath. Abrindo com um épico de oito minutos “Wheels of confusion”, o que se destacava era a guitarra de Iommi, um pouco mais leve que o som pesado de Master of reality. Tentando provar que os críticos da banda estavam errados, desesperados para, de alguma forma, alavancar sua credibilidade musical para alguma estratosfera estelar que o Led Zeppelin tinha alcançado, a ênfase estava na versatilidade, musicalidade, técnica. Tony se sentou para tocar piano enquanto Geezer operava o mellotron em “Changes”, a balada mais

sofisticada deles, e a primeira canção de amor que compuseram. Poderia ter sido um single norte-americano, também, se eles tivessem seguido o conselho da equipe de promoção de rádio da Warner Bros., mas Tony ainda não tinha chegado a tanto. Mantendo sua política de não lançar mais de um single por disco, eles decidiram lançar “Tomorrow’s dream” como single, um rock imperturbável que poderia ter sido uma sobra de Master of reality e, por isso, uma das faixas menos excepcionais do novo disco. Apesar disso, era uma excelente música. Com seu ritmo feroz e dançante, um riff afiadíssimo, “Supernaut” era tipo uma versão white metal de “Theme from shaft”, de Isaac Hayes, um enorme sucesso no ano anterior, a voz de Ozzy parecia mercúrio jogado sobre a colher de prata das guitarras e bateria, a letra de Geezer, que ele afirma quase não se lembrar como escreveu, fala da nova era de devassidão em que a banda tinha embarcado agora, de querer “touch the sun” [tocar o sol] e a “need to fly” [necessidade de voar]. Não havia nem um solo de guitarra, só um pouco de percussão que vai crescendo no meio, antes de finalmente permitir que o riff distorcido volte pela porta do fundo. O assunto principal — a inspiração deles para o disco, eles iriam agradecer, não muito sutilmente, nas notas de capa com as palavras: “Gostaríamos de agradecer à grande COCACola de Los Angeles” — foi tratado ainda mais diretamente em “Snowblind”, com Ozzy cantando sobre seus sonhos de ser “flaked with snow” [coberto pela neve] enquanto a banda descia a mão no ritmo pesado, atacando o riff como uma gilete dividindo carreiras brancas sobre um gigantesco espelho quebrado. Novamente o melodrama é expandido com o surpreendente acréscimo de um quarteto de cordas no último minuto, mais ou menos, enquanto Iommi vai abrindo caminho através de um solo de guitarra frenético. Até nos momentos mais leves que Tony sempre insistia em incluir, para contrastar com a escuridão fosca das partes pesadas, eram de alguma forma mais malévolos. Dos dois interlúdios instrumentais, o primeiro, “FX”, era simplesmente Tony, com muita coca e fumo, de pé nu na sala de controle do estúdio, brincando distraído com sua guitarra, como se estivesse mandando sinais para o espaço, que na verdade era exatamente o que estava fazendo, daí seu título. “Ele tirou toda a roupa no estúdio”, lembra-se Geezer, “e estava batendo nas cordas da guitarra com as cruzes que usava no pescoço.” A segunda faixa, “Laguna sunrise”, veio totalmente formada de sua imaginação infantil, instrumental acústica rica, quase em estilo flamenco, acompanhada de uma seção de cordas romântica, ascendente e alegre. Era música para ficar olhando o nascer do sol californiano — mas só depois de ter ficado a noite toda acordado com a lua e as estrelas. Havia também outro hit que nunca foi reconhecido, na surpreendentemente curta e pegajosa “St. Vitus dance”, sua irresistível harmonia contraposta somente pelos acordes brutais com os quais Tony marca cada verso. A verdadeira voz de Black Sabbath Vol. 4, no entanto, foi capturada em sua última faixa, “Under the sun”. Um suporte perfeitamente executado para “Wheels of confusion”, outra faixa viajante, longa, intricada, e tão difícil de segurar como a cauda de um grande tubarão branco. Passando por três seções musicais bem discerníveis, foram faixas como “Under the sun” que

se tornariam o guia sonoro para aquelas bandas que seguiriam o Sabbath nos anos seguintes; grupos como Iron Maiden e Metallica, cujas carreiras poderiam praticamente ser traçadas a partir dos dois minutos e meio finais de “Under the sun”; conceituada, dolorosa, quase repelente em seu insistente magnetismo; autoenvolvente e desesperadamente séria; épica até seus últimos inglórios acordes pesados. As mixagens finais de Vol. 4 aconteceram em Londres, mas só Tony estava lá para supervisioná-las. Ozzy tinha voltado para Thelma e sua família em Birmingham, Geezer tinha se retirado para sua nova casa no campo e Bill estava, como ele conta, “levando um estilo de vida Sid e Nancy”, com sua nova namorada, que tinha viajado com ele de Los Angeles, “vivendo em hotéis [e] chapado o tempo todo”. Ele acrescentou: “Foi o primeiro disco no qual quase fui chutado da banda”. Uma coisa era Bill estar doidão o tempo todo com sidra, maconha e cocaína; outra bem diferente era levantar alguma objeção à música “mais sofisticada”, como Tony a via, que se apresentava nesse novo disco. Quando ele sugeriu que esquecessem os mellotrons e os quartetos de corda e “fizessem umas jams de blues”, Tony virou as costas para ele. Depois disso, “houve um tipo de frio assustador no estúdio e percebi que estava em perigo”. As resenhas das revistas de música britânicas sobre o novo disco, quando foi lançado em setembro, foram de novo universalmente contra — Max Bell o descreveu na Let It Rock como “uma chatice monumental”. Nos Estados Unidos, no entanto, os críticos pareciam começar a gostar deles, finalmente. Até Lester Bangs, que tinha detonado seus dois primeiros discos, agora realizou uma reviravolta desavergonhada, descrevendo o Sabbath na Creem como “moralistas” e comparando suas letras às de Bob Dylan e aos livros de William Burroughs. “Vimos os Stooges tomarem a noite ferozes e depois caírem de cara e Alice Cooper está atualmente explorando tudo que tem direito, transformando os shows em um circo”, ele escreveu na Creem. “Mas só um banda lidou com a coisa honestamente em termos significativos para a maioria da plateia, não só combatendo com uma estrutura mítica que é tanto pessoal quanto universal, mas na verdade conseguindo prosperar também. Esta banda é o Black Sabbath.” Paradoxalmente, no entanto, bem quando a mídia estava girando a seu favor, o Sabbath experimentou o primeiro problema sério em sua carreira, com Vol. 4 chegando apenas ao 13o lugar nas paradas norte-americanas — a colocação mais baixa desde o primeiro disco. Na Grã-Bretanha, foi a mesma história, chegando ao oitavo lugar, o mesmo que Black Sabbath havia chegado em 1970. Hoje, ironicamente, é um dos discos do Sabbath que a maioria dos críticos cita como o favorito, mas na época Tony Iommi viu o Vol. 4 como um fracasso. Iommi culpou as pressões que a banda estava sofrendo para criar uma sequência de seus maiores sucessos nos Estados Unidos. Ele também culpou o resto da banda por, como ele dizia, “ter deixado tudo nas costas dele”. Estava determinado a garantir que o disco seguinte deles seria diferente. Nada disso impediu que os fãs invadissem a última turnê norte-americana deles, onde a

reputação do Sabbath como monolíticos mercadores da destruição precedia sua chegada. No começo da turnê americana de Black Sabbath Vol. 4, na primeira semana de julho, eles tinham um traficante de coca próprio, viajando com eles. “Ele simplesmente apareceu”, contou Ozzy, “e tinha uma mala cheia de uma porrada de quilos dessa merda. Então, um dia eu estava no quarto dele, abri sua mala e havia sacos de coca em barra, em pó, diferentes tipos. E eu peguei um dos sacos e havia um revólver embaixo! Pensei: ‘Isso não me cheira bem!’.” Foi também nessa turnê, de acordo com Ozzy, que “as groupies sabiam mais sobre nosso itinerário do que a gente”. Uma manhã, ele foi despertado por uma voz no telefone dizendo: “Sou a Rainha do Boquete. E quem é você?”. Cauteloso, Ozzy disse que era Geezer e deu o número do quarto dele. Dez minutos depois, Geezer estava no telefone com Ozzy reclamando amargamente que tinha uma garota louca em seu quarto e que não conseguia mandá-la embora. Quando parou de rir, Ozzy chamou Tony e Bill, e foram com ele até o quarto de Geezer. “Então fomos até lá e dissemos: ‘Por favor, vá embora’, e ela dizia: ‘Não! Por quê? Faço os melhores boquetes do oeste. Não acreditam em mim?’. Não queríamos machucá-la, não sabíamos o que falar ou fazer, então finalmente todos ameaçamos mijar nela, se não fosse embora, aí ela saiu.” Ozzy parecia triste ao contar isso. “Shows, bares, hotéis, entrevistas de rádio… estavam em todo lugar onde íamos. Nós sofremos os resultados também. A gente pegou gonorreia, chato — todo tipo de doença. Depois tínhamos que nos curar, com enormes e dolorosas injeções de penicilina na bunda…” Havia muitas outras turnês norte-americanas, e muitas outras dores de vários tipos, mas os shows de 1972 foram os últimos antes que uma combinação de problemas com dinheiro e drogas acabasse roubando a fagulha original da banda. De todas as desventuras na estrada norte-americana, eles nunca mais voltariam a ser tão inocentes de novo. Os críticos agora chamam o Sabbath de “música depressiva”; a trilha sonora perfeita para a geração de sedativos e vinho tinto de futuros recrutas do Vietnã que iam aos shows da banda no começo dos anos 1970. Era uma imagem que sua plateia cada vez mais volátil parecia fazer questão de manter. No palco do Hollywood Bowl, em 1972, Iommi, cujo equipamento estava falhando, ficou tão irado com o mau funcionamento que avançou e chutou um grande gabinete de altofalantes. “Quando eu saí, havia um cara atrás de mim, que não percebi em momento algum, com uma adaga enorme! Ele ia me esfaquear! Tinha conseguido passar pela segurança e estava todo de preto. E era um desses satanistas ou loucos religiosos ou sei lá o quê, e ia me enfiar a porra da faca. E eu não percebi em momento algum. Eu me afastei e eles pularam sobre o cara e ele estava no chão, mesmo assim não percebi nada! E entrei no camarim [depois] e eles disseram: ‘Puta merda!’, e eu disse: ‘O que foi?’. Eu me senti desconfortável com a coisa, mas acho que naqueles dias a gente usava tantas drogas que as coisas pareciam fluir, sabe? ‘Oh, alguém veio me esfaquear? Puta merda! Vamos cheirar outra carreira!’” Mais risadas no fundo do poço. A banda tentaria racionalizar os efeitos que sua música causava nas pessoas. Conversando com Mike Saunders da revista Circular uma semana antes do lançamento do

novo disco, Geezer afirmou: “As pessoas sentem coisas ruins, mas ninguém canta sobre o que é assustador e mau. Quero dizer, o mundo é uma porra de uma zona. De todas as formas, todo mundo canta sobre as coisas boas… Tentamos aliviar toda a tensão nas pessoas que nos ouvem. Para tirar tudo de seus corpos — todo o mal e essas coisas”. Os malfeitores parecia que iam ficar. Outra vez, Tony lembrou-se, sem demonstrar emoção: “Tínhamos todos esses satanistas e bruxas, sei lá o que mais, que apareciam, e todos vinham no hotel. Tínhamos sempre um andar inteiro, naquela época, reservado para a banda. E a gente voltava para o hotel e, puta merda, havia umas vinte pessoas sentadas no corredor, todas de preto [e] segurando velas pretas, todas sentadas cantando. E estavam todas na frente dos nossos quartos, sabe, e a gente pensou: ‘Puta merda!’. Mesmo assim, a gente se despediu e cada um foi para seu quarto — sabe, passamos por cima deles, pisamos neles e fechamos as portas — e aí cada um ligou para o outro. ‘O que vamos fazer com essa gente aí fora?’ Então sincronizamos nossos relógios e saímos todos ao mesmo tempo, sopramos as velas e cantamos parabéns para eles. E eles ficaram tão putos que foram embora! Saíram muito rápido! Mas era isso ou chamar a segurança”. Os eternos deslocados, muito nervosos e tensos com esse jeito das classes pouco educadas inglesas — sem nunca saber qual faca usar em quais costas —, sem conseguir fazer amigos, eles simplesmente usavam mais drogas para conseguir suportar toda essa chatice. Tony: “A gente simplesmente não era esse tipo de banda — sabe, oh, vamos jantar com a porra do presidente da [gravadora] tal e tal. E, claro, a gente terminava tendo que fazer essas coisas e na maioria das vezes não queria ir. Então a gente ia e usava drogas. E, claro, todo o resto usava também, algo que a gente não sabia na época, mas eles também estavam chapados! A gente [conheceu] todo tipo de gente e depois descobrimos que todos chapavam, era inacreditável”. Eles se sentiam bem mais em casa soltando fogos de artifício em corredores de hotéis, ou simplesmente bebendo e se drogando até desmaiarem. Apesar disso, mesmo entre os quatro membros, começavam a aparecer algumas divisões. Em seus dias de dividir quartos, Bill e Geezer tinham ocupado um quarto, enquanto Tony e Ozzy ocupavam outro. Agora todos tinham dinheiro para pagar por suítes separadas, eram Bill e Ozzy — os mais chapados do grupo — que andavam mais juntos. Enquanto Tony e Geezer, os principais compositores da banda, formavam sua própria aliança. Ozzy: “Era porque eu e Bill estávamos sempre chapados e bêbados, éramos uns porras de uns piratas invadindo os lugares, fazendo as coisas mais doidas”. Tony e Geezer, ele disse, “usavam suas próprias drogas, bebiam seu álcool, mas em lugares privados. Quero dizer, daria para escrever um livro sobre os episódios de Ozzy Osbourne e Bill Ward. Ele me salvou de afogamentos milhares de vezes”, ele brinca, referindo-se à última loucura na turnê: engolir muitos “vermelhos” — um barbitúrico pesado chamado Seconal, popular na época. “Eram coisas maravilhosas”, ele acrescentava sarcástico. “Era só tomar uns vermelhos e…”, sua cabeça caía fingindo estar inconsciente. “Era esperar pela pancada [da cabeça]. Você estava

bebendo então alguém falava: ‘Vai um vermelho?’. E, claro, você respondia: ‘Oh, ótimo!’. Então trinta minutos depois você estava dormindo doze horas direto. Eu estava tomando quatro ou seis dessas porras de uma vez. Grandes pílulas de cem miligramas.” Metrospan, um antidepressivo popular na época, foi outra pílula que Ozzy começou a tomar muito, sempre que ficava de mau humor, o que normalmente acontecia depois do show, toda noite. “Eles realmente significavam uma porrada na cabeça”, ele explicou a um jornalista norte-americano. “Um médico me deu para depressão faz alguns dias. [Mas] elas me deixam louco.” Ele continuou, taciturno. “Eu vou ficar bem enquanto tiver minha esposa, meus filhos e meu grupo. Mas às vezes começo a pensar se minha família vai esperar por mim. Me pergunto se ela não vai terminar puta enquanto estou por aí, gravando e todo o resto. Não sei o que faria sem ela.” Novamente, isso tudo era só uma cortina de fumaça para que as esposas em casa lessem e ficassem com pena deles. Ozzy e o Black Sabbath sabiam exatamente o que estavam fazendo sem suas esposas e famílias. Como Ozzy contaria mais tarde: “Eu me lembro de uma ocasião, estávamos em Virginia Beach. Tinha acabado de falar com minha esposa [Thelma], desliguei o telefone e alguém bateu na porta. Era uma linda garota que entrou e eu pensei: ‘Porra, hoje me dei bem!’. Eu a levo para a cama e a gente transa. Ela vai embora. Bam-bam-bam na porta de novo. Achei que ela tinha esquecido algo… É uma garota diferente na porta. Linda pra caralho! Juro que parecia um anjo. E eu trepo com essa também. Ela vai embora. Bam-bam-bam, e penso: ‘Não posso acreditar nisso’. Três — cinco garotas entram e trepo [com elas]. De onde estão saindo essas garotas? Começo a andar pelos corredores e penso: ‘Mas que porra?’”. Ele continua: “Quando você é jovem e vem de Aston para os Estados Unidos e vê todas essas gostosas querendo trepar, parece um touro no pasto. Transforma-se num lunático — eu estava fazendo todas as perversões… todo tipo de doideira estava acontecendo na minha vida sexual. É bizarro, era selvagem”. O grande passatempo fora do palco, no entanto, era a cocaína. “Sabe”, conta Ozzy, “a cocaína é uma substância incrível. Você nunca está sozinho com um saco de coca. Dá para ir a uma porra de uma ilha deserta com um pouco de coca e garanto que umas dez pessoas vão bater na sua porta antes do final da noite. Garanto. Pessoas que você não conhece mas que no final da noite são todos seus amigos e na manhã seguinte você vai olhar e perguntar: ‘Merda, quem é você?’.” No final da turnê norte-americana de 1972, ele disse, a banda estava recebendo a coca “pelo correio, porque era difícil conseguir aqui [na Inglaterra]. A coisa aqui era mais anfetamina... Então a gente pedia para mandarem pelo correio”. Ele para, depois acrescenta, melancólico: “Nessa época, não importava mais em que país estávamos ou o que deveríamos estar fazendo como banda, era tudo meio borrado, na verdade. Olho para trás agora e penso naqueles dias como os melhores que tivemos. É engraçado, no entanto, com que rapidez isso passou e de repente eles se transformaram nos piores. E não havia nada que poderíamos ter feito para evitar isso. Estávamos totalmente fodidos…”.

Cinco Matando-se para viver DEZESSETE DE M ARÇO DE 1973. Rainbow Theatre, no Finsbury Park de Londres; o 24o de 25 shows por toda a Grã-Bretanha e Europa que o Black Sabbath tinha completado num período de 32 dias. Todo mundo está exausto, física e emocionalmente. Todo mundo está se apoiando em speed, coca, maconha, ácido — qualquer coisa que consigam encontrar para seguir em frente. Este é o segundo dos dois shows que iam fazer no Rainbow. A última noite em Londres, vai ter uma festa depois. Mas havia uma festa após cada show naqueles dias. No dia seguinte, todos estão desmaiados, em pequenos assentos de um pequeno avião voando baixo ao norte de Newcastle, para a próxima parada no City Hall. No momento, entretanto, Ozzy só se lembra das luzes do Rainbow e do que aquilo fez com sua cabeça. Segurando o pedestal do microfone com as duas mãos, para não cair, ele grita para a escuridão. “Vocês estão doidos?” A multidão responde com um fraco “Yeeaaahhhh…”. Ele tenta de novo. “Eu disse: vocês estão doidos?” Mesma resposta, só um pouco mais alto. Ainda não era o suficiente, no entanto. “VOCÊS ESTÃO DOIDOS?”, ele grita com toda a força. Dessa vez o lugar vem abaixo. “Ótimo!”, ele conta. “Porque eu também estou!” Nesse mesmo momento, Tony começa a tocar em sua guitarra o poderoso riff de “Snowblind”. Geezer e Bill entram quando o prédio parece tremer. Essa é a experiência do Black Sabbath em sua apoteose: escuro, voltado para si, cego por qualquer ponto pequeno de luz, tão sufocante e abrangente como uma gigantesca teia de aranha na qual a plateia está colada como moscas perdidas. Isso é 1973, cara. Não toda aquela coisa glam que você vê na TV, mas a verdadeira casca esvaziada que o rock — pesado, cruel, imparável — finalmente se tornou, agora que os Beatles tinham acabado e os Stones eram passado. A visão esplêndida do baixo-ventre podre da chamada música civilizada, da chamada cultura moderna dos cabeludos. O ponto alto do que há de mais baixo, baby… O que ninguém sabe ainda é que esse será o último show do Black Sabbath por quase um ano. Não haverá nenhum grande discurso com repercussões em manchetes de jornais, como o que Bowie vai fazer no palco uns três meses depois, nenhuma saída melodramática entre gritos angustiados de mais-mais-mais. Haverá simplesmente uma ligação telefônica, feita alguns dias mais tarde, depois que o último fã tiver ido para casa levando o programa da turnê, cancelando o que deveria ter sido a próxima turnê americana da banda. Os promotores vão ficar furiosos, a gravadora vai entrar em pânico pensando em como prolongar a vida do

Vol. 4, que já ganhou ouro, mas que seria uma aposta certa para chegar a platina depois de outra turnê de três meses. Mas não será assim. Uma aparição num festival na Alemanha agendada para julho também é cancelada. Oito meses na estrada em todo o mundo quase mataram os quatro. Agora tudo que Tony Iommi quer é voltar ao estúdio e produzir a obra de arte que vai, finalmente — ele está determinado a isso — provar que o Black Sabbath é tão importante, tão profundo e merecedor da atenção da imprensa quanto bandas que vendem até menos que eles, como Stones e Deep Purple, como qualquer outra banda, com a única exceção do Led Zeppelin, que nesse momento é maior do que todo mundo. Os outros querem isso também, mas não tanto quanto Tony. Os outros ainda sentem que seu lugar, no final, é no fundo da classe, zoando com o professor. Tony pensa diferente. Tony quer que o Black Sabbath tenha seu próprio lugar abençoado no panteão, que o nome Tony Iommi seja colocado ali, onde é seu lugar, ele tem certeza, junto com o de Jimmy Page e Ritchie Blackmore; Jeff Beck e Eric Clapton. Como ele reclamou com Keith Altham em uma entrevista para a NME naquele ano: “Em termos de quantidade de gente nos shows e venda de discos, podemos nos comparar com grupos como Zeppelin e Who, apesar de que não recebemos quase nenhum reconhecimento pelo fato”. Ele não era só um guitarrista de rock pesado, disse. Havia mais coisas que gostava também. “Tenho umas fitas do Deep Purple no carro, mas prefiro ouvir coisas como Peter Paul and Mary, Sinatra, Moody Blues e Carpenters.” Ele era um artista e deveria ser tratado assim. “Quero me mudar para uma casa maior”, disse. Para ficar completamente distante das pessoas e poder trabalhar, criar. “Quero dizer, tenho uma casa grande com piscina agora, mas quero uma com quadra de tênis e um estúdio, assim tenho tudo na casa e não preciso sair para nada…” Sua vida pessoal seguiu um arco similar. Mais cedo, naquele mesmo ano, ele tinha conhecido Susan Snowdon, uma amiga “elegante” de Patrick Meehan por quem Tony se apaixonou. Susan tinha se apresentado como uma aspirante a cantora; Tony tinha se oferecido para compor para ela. Mas a primeira vez que eles se encontraram ficou claro que Susan não sabia cantar — e Tony não tinha composto nada para ela. Em vez disso, eles foram jantar e Tony ficou encantado com o ar de confiança e o charme fácil dela. Viviam em mundos distantes; os opostos que se atraem. Mas ficou claro, desde o dia em que se casaram, em novembro de 1973, que estavam destinados a permanecer estranhos durante todos os oito anos que passariam juntos. O pai de Susan convidou os recém-casados para morar em sua mansão de duzentos aposentos cercada de várias centenas de acres entre Birmingham e Londres, e Tony tinha sua casa com “tudo”, incluindo seu próprio estúdio, e não precisava sair — nunca. Susan ficou chocada, no entanto, quando percebeu que ele dizia isso literalmente. Entre as turnês, enquanto o resto da banda levava suas esposas e namoradas para longas férias, Tony ficava para trás trabalhando sozinho em seu novo estúdio, cheirando cocaína e compondo a noite toda. Talvez Susan deveria ter percebido os sinais desde o começo quando Tony escolheu John Bonham, famoso por sua impetuosidade, como padrinho de seu casamento, e o

baterista quase destruiu a recepção quando ficou claro que depois do brinde de champanhe só havia suco de maçã para beber. Tony tinha visões de “antiguidades explodindo contra as paredes” antes que sua mãe salvasse o dia convidando Bonham e o igualmente sedento Ozzy para ir beber em sua casa. Mais do que tudo, Tony Iommi queria a única coisa que o dinheiro não poderia comprar: respeito. E ele agora estava disposto a fazer quase qualquer coisa para conseguir — mesmo que significasse cancelar turnês e arrastar a banda de volta ao estúdio durante semanas. Qualquer coisa para colocar o Black Sabbath onde ele deveria estar: no topo. Eles tinham pensado em lançar um disco ao vivo, à la Deep Purple, cujo duplo ao vivo, Made in Japan, lançado em dezembro de 1972, tinha sido um sucesso internacional impressionante — e havia custado praticamente nada para ser produzido; uma ideia que deixou todos animados, principalmente Patrick Meehan. Mas quando Tony ouviu as fitas dos shows de Londres e Manchester ao término da turnê, ficou horrorizado. Este era o Sabbath da velha escola, pesado como uma bota com pregos correndo pela neve, insolente, alto e autoritário. Excitante para a plateia que estava lá para esse tipo de show, mas absolutamente enervante em disco, esgotante como a ressaca de cocaína, e sem relação com o lugar onde Tony queria colocar o Sabbath nesse momento. Ele engavetou a ideia. Agora era a vez de Meehan ficar alarmado, vendo potenciais milhões de dólares desaparecendo no espaço de uma ligação telefônica. Ele acabaria se vingando, e isso teria um custo para a banda, mas por enquanto era Tony Iommi quem mandava musicalmente, e por isso o Black Sabbath acabou voltando a Los Angeles, no verão de 1973, para trabalhar em seu quinto disco. A banda voltou à mesma mansão em Bel Air onde tinha composto Vol. 4, imediatamente ligou para os mesmos traficantes e groupies que tinham inspirado o trabalho deles no ano anterior. Mas enquanto o resto da banda pensava que eles iam simplesmente fazer o que seria o Vol. 5, Tony tinha outras ideias, muito maiores. Ao contrário dos discos anteriores do Sabbath, a maioria dos quais tinha sido gravado na correria, entre turnês, dessa vez as coisas seriam marcadamente diferentes, decidiu Tony. Em vez de simplesmente evocar um clima e seguir com ele como se fosse uma jam ao vivo, eles iriam tirar algum tempo para pensar no que tinham e como poderiam melhorar; depois iam se preocupar se iriam ou não conseguir reproduzir a coisa ao vivo e construir algo que os fãs e os críticos poderiam ver como algo diferente. Assim o Black Sabbath não trabalharia mais sob a imagem de uma banda de rock pesado e barulhento, modificando-se para algo mais divertido e inteligente, algo em que a música realmente viria em primeiro lugar, a imagem ficaria de lado, em que poderia ser permitido se reabilitar em algo mais seguindo a linha das novas bandas, como o Yes, cujo ousado novo disco duplo, Tales from topographic oceans, traria só uma faixa de cada lado, e o Pink Floyd, que tinha deixado sua imagem anterior de profetas psicodélicos de lado para se metamorfosear em um Golias do rock progressivo com o lançamento, naquele mesmo ano, de The dark side of the moon. Discos conceituais agora eram a regra para artistas de rock que queriam ser levados a sério. Tony ouviu o disco duplo do The Who, Quadrophenia, e sentiu

que o Sabbath estava sendo deixado de lado, empurrado para fora da estrada pelos novos conhecedores que tinham chegado no começo dos anos 1970 e que consideravam David Bowie e Roxy Music como a vanguarda, e bandas como Mott The Hoople e The Sensational Alex Harvey Band como muito diferentes, mais estilosas e provocadoras, formas mais genuinamente desafiadoras de rock pesado do que qualquer coisa que o ainda brutalizado Sabbath poderia criar. Havia também pressões comerciais a serem consideradas. Não obstante toda a satisfação com a forma como Vol. 4 tinha saído — o primeiro dos discos do Sabbath que não foi feito com orçamento curto —, tinha sido, essencialmente, mais do mesmo, em termos musicais, apesar do brilho mais polido. Algo que seu desempenho vacilante nas paradas mundiais tinha deixado mais claro. Embora tenha ganhado disco de ouro nos Estados Unidos, Vol. 4 só chegou ao 13o lugar das paradas, menos que Paranoid ou Master of reality. Foi a mesma história na Inglaterra, onde ficou parado em oitavo lugar. De repente, a trajetória anterior de crescimento de vendas tinha terminado. Eles ainda vendiam entradas para os shows, suas turnês estavam lotadas, mas sua base de fãs tinha dado uma clara indicação de que já havia discos suficientes do Sabbath e que provavelmente não eram necessários outros. Enquanto isso, bandas que já tinham aberto shows para o Sabbath em turnês, como o Yes, estavam vendendo mais que o dobro de discos. Até o Deep Purple, que sempre tinha ficado atrás do Sabbath em termos de vendas mundiais, agora também tinha superado a banda. Em apenas quatro anos, o Black Sabbath havia passado de a maior banda — estrelas instantâneas nas paradas dos dois lados do Atlântico, aparentemente sem precisar se esforçar — a perdedores. Ao contrário do Purple ou do Zeppelin, o Sabbath tinha estagnado musicalmente. Se você tinha dois discos do Sabbath, tinha todos. Com o advento dos gigantes do rock progressivo, como o Yes, e o crescimento da popularidade de deuses glams, como Bowie e Roxy Music, o Sabbath era visto cada vez mais como um mágico de apenas um truque. Uma banda pesada somente para fãs de música pesada. Com as cabeças cheias de álcool e coca, Ozzy, Geezer e Bill podem nem ter notado isso, mas no verão de 1973, com o guitarrista lutando para criar algo que fosse realmente novo e surpreendente, Tony Iommi estava consciente de que seria agora ou nunca para o Black Sabbath. O problema era que Tony não conseguia gerenciar isso, não importava quanta coca ele metesse pelo nariz em seus turnos, agora rotineiros, de 36 horas no Record Plant. “Tinha se tornado um ritual, sabe: ‘Oh, o.k., estamos no estúdio, traga um pouco de coca’. Meio que era parte do que a gente fazia. Sempre que fazíamos um disco, a gente fumava um monte, depois cheirava um pouco de coca e aí começávamos, sabe? A gente passava a porra da noite toda escrevendo material, e eu nunca queria sair do estúdio. Eu ficava a noite toda, sempre.” Dessa vez, no entanto, não importava quanto tempo ou com que intensidade ele tentasse, Tony simplesmente não conseguia transformar em algo concreto a música que ele estava ouvindo em sua cabeça. O glorioso som de uma banda renascida escapava dele sempre que focava seus olhos e pegava a guitarra para tocar. Ele se lembra: “A gente pensou em voltar a

Los Angeles, entrar no mesmo estúdio. Fazer tudo de novo, entrar na casa e ensaiar ali e compor. E, claro, foi o que fizemos, mas não conseguíamos pensar em nada, por isso nada acontecia. A gente estava seco. Nada estava acontecendo… As coisas começavam a desabar e estávamos detonados. ‘Oh, é isso, sabe, não conseguimos pensar em nada…’”. Ele começou a ficar furioso, depois desesperado. Um dia, num ataque de raiva, foi até um cabeleireiro em Hollywood Boulevard e mandou que cortasse o cabelo dele — curto. Quando voltou à mansão de Bel Air, também raspou o bigode. Ele ficou irreconhecível até para sua própria banda; até para si mesmo. Mas as coisas não se resolveriam no estúdio. Chegando tarde em casa depois de outra longa tentativa no estúdio, encontrou Ozzy e Geezer bêbados, brigando no chão. Finalmente, em junho, ele jogou a toalha e mandou a banda de volta à Inglaterra, onde eles dariam uma parada — para tentar restabelecer algum sentido de normalidade — antes de recomeçar. Ironicamente, o lugar onde o Sabbath decidiu conseguir uma ideia mais clara do que precisavam fazer era ainda mais estranho do que a atmosfera demente que achavam estar deixando para trás em Los Angeles. O Castelo Clearwell, uma construção neogótica do século XVIII na Floresta de Dean, em Gloucestershire, tinha sido construído pelo parlamentar Thomas Wyndham em 1728 para substituir uma casa mais antiga que antes ocupava o mesmo lugar. Feita com pedras locais, com muralhas e um portão ornamentado formado por duas enormes torres, tinha sido restaurado para voltar a seu estado glorioso nos anos 1950 pelo filho do ex-jardineiro, Frank Yeates. Quando Yeates morreu, em 1973, deixou uma recém-construída sala de ensaio e um estúdio de gravação no porão. Tendo notado a quantidade crescente de grandes propriedades no campo agora ocupadas quase de graça por uma nova geração de artistas de rock, ele decidiu ganhar dinheiro com a tendência, e o resto da década veria o porão escuro e atmosférico do Castelo de Clearwell se tornar o lar temporário de vários artistas de alto nível, incluindo Mott The Hoople, Bad Company, Deep Purple e Led Zeppelin. A primeira banda a alugar a propriedade para esses objetivos — um tanto quanto adequado, por causa do aspecto subterrâneo do lugar — foi o Black Sabbath. “A gente tinha que ensaiar no porão de todos os lugares”, lembra-se Geezer, rindo. O que eles não descobriram antes de dormirem na primeira noite foi que o castelo tinha a reputação de ser assombrado por uma maliciosa fantasma mulher cujo modus operandi era aparentemente entrar em quartos trancados e deixá-los bagunçados, como se um forte vento tivesse soprado por ali. Também diziam que ela cantava músicas de ninar para seu filhinho fantasma no andar de cima à noite, enquanto brincava com uma caixinha de música. A banda não ficou sabendo de nada disso, para que não se desencorajassem de alugar o lugar. Mas certamente sentiram o clima. Nos primeiros dias que estavam ali, ensaiando novo material no antigo porão, eles viram uma figura com uma longa capa preta passar correndo pela porta. Preocupados com tantas experiências prévias de fãs com capas pretas quase atacando a banda,

Tony parou de tocar e, com um roadie, correu atrás da figura. “Eles viram como ele entrou em outra porta no final do corredor”, disse Geezer. “Estavam gritando para ele, porque acharam que era algum lunático que tinha entrado no castelo. Entraram na sala onde ele tinha ido e não havia ninguém ali; tinha desaparecido totalmente.” Perguntado se havia algum outro visitante que poderia estar no castelo, o dono contou: “Ah, é só um fantasma”. O castelo estava cheio de fantasmas, ele contou. Com todo mundo agora usando tanta cocaína, parecia que já tinham um milhão de fantasmas dentro de suas cabeças sempre que tocavam, portanto a banda deu de ombros, como sempre. Tony havia muito estava convencido de seu próprio poder oculto. “A banda se comunica num nível de muita proximimidade”, ele disse em tom solene a um entrevistador. “Tipo, temos o que poderia se chamar quase um terceiro olho. Podemos sentir o que vai acontecer um com o outro. Tivemos experiências reais. Uma que me lembro — Geezer estava dormindo e ele deve ter feito uma viagem astral. Eu estava preso no elevador. Ele sonhou isso e quando o acordei, ele disse: ‘Ainda bem que é você porque acabei de sonhar que você estava preso no elevador’. Essas coisas acontecem com frequência. Elas costumavam me assustar no começo, mas já me acostumei.” Desesperada para cumprir com as exigências de Tony por algo novo — qualquer coisa — para acrescentar ao som do Sabbath, a banda tentou de tudo no sentido de encontrar sons e texturas diferentes para utilizar no novo disco. Com tanta cocaína, paranoicos com fantasmas e pesadelos, intimidados com o crescente perfeccionismo de Tony, isso tudo geralmente resultava em mais tempo perdido. “A gente passava o dia todo peidando e terminava sem nada utilizável”, reclamava Tony. Aos poucos, no entanto, as coisas começaram a acontecer. “A gente terminou fazendo coisas, montando todos esses trechos e conseguiu essas ideias brilhantes”, disse Tony, “tentando coisas sem piano, com piano, depois colocando o microfone nas cordas do piano para ouvir sons diferentes.” Em um ponto, Bill pegou uma bigorna que encontrou enquanto caminhava nos arredores do castelo e se gravou jogando-a num barril de água. Tony também trouxe instrumentos incomuns que ele sentia que iam bem com o ambiente permanente de meia-noite do castelo: violinos, violoncelos, até gaita de foles para o que se tornaria o grande épico do disco, seu momento próprio de “Stairway to heaven”, chamado “Spiral architect”. Por toda a intensidade da nova postura autoconsciente, haveria um toque mais leve no novo material também. Com Tony agora com o controle total da produção, o som do Sabbath se tornou muito menos voltado para riffs agressivos e ritmos brutais, e passou a ter mais a ver com um estilo agradável que poderia enfeitar até os riffs mais gigantescos como a faixa pesopesado que se tornou o título do disco, “Sabbath bloody Sabbath”, com suas mudanças inesperadas, jazzísticas, guitarras e violões vigorosos e o pulsante baixo de Geezer, deixandoa tão boa — possivelmente ainda melhor — quanto os clássicos como “War pigs” e “Iron man”. Quando eles acertaram a mão com a faixa-título, que iria abrir o disco, o resto das

músicas foi sendo criado rapidamente. Então, quando a música seguinte do lado A, “A national acrobat”, começa a modificar o som para um território mais malévolo, reconhecidamente Sabbath, mesmo então a mudança é tão tranquila, tão cheia de espaços e tempo, que Iommi realmente consegue liderar a banda para uma nova galáxia sonora. Em termos de letra, a banda também está se divertindo mais. Ozzy cantando “When worlds collide I’m trapped inside my embryonic cell” [Quando os mundos colidem estou preso dentro da minha célula embrionária] poderia soar como algo tirado direto da mente de Geezer Butler, obcecada por H. G. Wells, mas na verdade “A national acrobat”, ele me contou, “tem a ver com masturbação, ninguém entendeu”. Ou, mais especificamente, é uma música sobre masturbação contada do ponto de vista coletivo do esperma. Na realidade, o único momento caído do disco é a agora aparentemente obrigatória instrumental acústica, chamada “Fluff”. Inspirada em Alan “Fluff” Freeman, que se tornou a voz do rock na Radio One nos anos 1970 e era, na verdade, o único DJ na Grã-Bretanha a ainda tocar regularmente faixas do Sabbath na rádio, seus programas de sábado à tarde eram famosos por suas cartas: “Caro Fluff, mais Sabbs, mais ELP…”. A novidade de tais momentos, no entanto, já havia começado a passar. Tony insistia que o Sabbath deveria continuar com esses instrumentais, como parte de sua tentativa de demonstrar como eles eram mais do que uma banda de metal pesado. Utilizando guitarras e violões, com piano e cravo, acabou ficando muito açucarada. O resto do novo material, no entanto, realmente fez o Sabbath alcançar novas alturas. “Sabbra Cadabra” era rock ‘n’ roll puro e forte, sua letra, “Lovely lady make love all night long” [Adorável garota que faz amor a noite toda], criada no ato por Ozzy, baseada na desajeitada dublagem em inglês de uns filmes pornôs alemães aos quais a banda tinha assistido. Geezer colocou-as na letra e Rick Wakeman do Yes foi convidado para acrescentar um alegre piano honky-tonk e sintetizadores estilo catedral; os vocais e as guitarras passaram por um processador, dando um brilho futurista. Rick, contou Iommi, “era selvagem na época”. Certamente, selvagem demais para o Yes, que tinha aberto para o Sabbath nos Estados Unidos alguns anos antes. “Rick costumava viajar com a gente, e não com o Yes, por algum motivo”, ele acrescentou maliciosamente. Quando Wakeman, que preferia cerveja e curry, deixou o Yes, que elogiava o arroz integral e ficava lendo sânscrito, naquele mesmo ano, houve alguma discussão sobre trazê-lo como membro do Sabbath. Mas Rick já estava cansado agora dos excessos do estilo de vida rock ‘n’ roll. Quando, alguns meses depois, ele sofreu o primeiro dos três ataques cardíacos que teria, sua decisão de não se juntar ao Sabbath, bem quando seus integrantes também estavam chegando ao ponto mais baixo de seus próprios “problemas de saúde”, pareceu algo prudente. As quatro faixas do lado B de Sabbath bloody Sabbath também eram musicalmente inspiradas, alegres em termos de letra, apesar de menos articuladas. Na estimulante “Killing yourself to live”, eles deram uma dica autobiográfica de que nem tudo andava bem por trás do palco, o baixo mastigado e a bateria pura criando uma cama para os vocais sintetizados e para

a guitarra, que emprestava um ar de drama verdadeiro, Ozzy mandando seu pedido sobre a ponte perdida no espaço, “Smoke it… Get high!” [Fume… Fique chapado!]. É o mesmo sentimento de bem-estar artificial no meio da depressão autoadministrada em “Looking for today”, os dias de riffs carniceiros deixados para trás quando a banda escolhe um novo caminho que não tem a ver nem com rock genérico — não com esses sons de flauta e órgão piscando como velas no escuro —, mas é tão pegajoso que poderia ter vindo do período intermediário dos Beatles, se estivessem usando drogas mais pesadas na época. O clássico ar de mistério antigo do Sabbath não tinha sido perdido, só renovado para os anos 1970. Em “Who are you”, os sintetizadores cortantes novamente, emprestam uma atmosfera de paranoia insone quando Ozzy grita: “Please I beg you tell me, in the name of hell, who are you?” [Por favor, eu imploro que me diga, em nome do inferno, quem é você?] antes que o piano ascendente que lembra bolero complete a monstruosidade demente. O outro ponto alto de Sabbath bloody Sabbath, no entanto — a base gótica para a tremenda abertura —, é seu final: “Spiral architect”. Mais tipo The Who do que Led Zeppelin, indo de um violão romântico e cordas pálidas, num momento — chamada quase como um pedido de desculpas na capa de The Phantom Fiddlers —, a um rock épico com R maiúsculo no momento seguinte. E, no meio, os típicos futurismos oblíquos de Geezer, com a mensagem final universal: “I look upon my earth and feel the warmth and know that it’s good…” [Eu olho sobre minha terra e sinto o calor e sei que é bom…], o som de aplausos no final emprestando um nível extra de grandiosidade divertida. Eles sabiam o que estavam fazendo ou estavam inventando tudo na hora? Não importava. Como Geezer se lembraria: “Era uma nova era para a gente. Nos sentimos realmente abertos nesse disco. Havia uma grande atmosfera, muita diversão, ótima coca!”. Era, ele conta, “como a Parte Dois da vida… Pouco antes de entrarmos numa depressão terrível. Estávamos exaustos de tanta turnê. Não estávamos nos dando tão bem. Então Tony criou o riff de ‘Sabbath bloody Sabbath’ e todo mundo ganhou vida”. Foi uma falsa aurora. Como Ozzy iria me contar mais tarde: “Sabbath bloody Sabbath foi nosso disco final, para mim. Quando começamos, atirávamos para todo lado. Veja, nossa ideia de fazer um bom disco era ir a algum lugar diferente. Pensávamos que, se viajássemos para algum lugar novo, isso meio que seria uma nova aventura. Então, íamos e nos primeiros dias ficávamos fazendo um pouco de jams, mas depois a gente voltava ao de sempre. Ficávamos presos em nossas próprias cabeças. Alguém chegava com um pouco de pó e a gente ficava ali falando merda por três semanas, sabe?”. Os sinais de estresse já estavam aparecendo na época em que Sabbath bloody Sabbath foi lançado na Grã-Bretanha, em 3 de dezembro. Tornou-se o melhor disco do Sabbath nas paradas desde Paranoid, três anos antes, chegando ao quarto lugar. Nos Estados Unidos, onde foi lançado um mês depois, também reverteu a tendência de queda nas paradas, chegando ao 11o lugar. O que não fez, para Tony Iommi, pelo menos, foi esmagar os que duvidavam e negavam a banda, que ele sentia agora terem assumido como missão trucidar injustamente tudo

que o Sabbath fizesse. Nos Estados Unidos, onde a Rolling Stone resenhou o disco em fevereiro, Tony ficou surpreso por ler algo favorável sobre um disco deles, finalmente. “A maior contribuição do Black Sabbath foi capturar tão bem a essência de uma cultura setentista através de sua música”, escreveu Gordon Fletcher. “Eles se relacionam com essa década impessoal e mecânica tanto quanto os bluesmen do Delta e seus seguidores em Chicago se relacionavam com o seu tempo — sintetizando sentimentos coletivos e dando esperança a seus contemporâneos quando revelam o distanciamento que une todos eles. Nesse sentido remoto, mas real, o Black Sabbath poderia bem ser considerado os verdadeiros bluesmen dos anos 1970.” Mas esse elogio parecia tímido e atrasado, comparado com a selvageria que a banda tinha recebido da imprensa musical britânica. Quando o principal crítico da Melody Maker, Allan Jones, escreveu uma nota sobre a banda, ele a usou como saco de pancadas para treinar sua destreza verbal. “Musicalmente, o Black Sabbath é uma piada irlandesa”, ele começou, acrescentando que no palco eles “pareciam as groupies do Mott the Hoople mascaradas como cossacos gays”, chegando até a zombar do sotaque Black Country deles: “Aquele sotaque cômico que afeta os infelizes que nasceram na vizinhança colorida de Birmingham”. Como Tony disse: “Você só se lembra das críticas”. No caso de Jones, isso é especialmente verdade, e Tony conseguiria se vingar alguns anos depois. Por enquanto, apesar de apresentar o que ele estava convencido que era “um dos melhores discos já feitos”, Tony sentia que o Sabbath tinha sido condenado sem um julgamento justo, pervertendo a causa da justiça musical, e ele, trancado em seus vários quartos de hotel, cheirando outro grama de coca, ficou louco por vingança. Algo teria que acontecer ou alguém teria de pagar. No final, seria a banda que teria de pagar; a carreira deles que iria sofrer. Pois, se pensavam antes que fantasmas os estavam assombrando, eles agora descobririam que o mal se disfarça de várias formas, até como alguém com um sorriso e uma mão que ajuda. Ou talvez um canudo, ou uma nota de dólar enrolada… O Black Sabbath fez só 52 shows em sete países entre dezembro de 1973 e novembro de 1974. O ponto alto nos Estados Unidos, onde Sabbath bloody Sabbath já tinha ganhado disco de ouro, foi tocar como atração principal no primeiro California Jam, para quase 200 mil pessoas, na pista de corrida em Ontario, ao leste de Los Angeles. (E onde a banda conheceu o recém-contratado baixista do Deep Purple, Glenn Hughes, alguém que teria um papel na história do Black Sabbath uma década depois, quando as duas bandas estavam com sérios problemas. “Fizemos o show, do qual não me lembro muito, mas lembro mais que passei o resto da noite ficando louco no hotel com Ozzy e Bill”, conta Hughes agora, “muitos sacos de coca e tudo que estivesse à mão, por vários dias. Eu e Ozzy somos muito parecidos. Nós dois gostamos de ficar loucos toda noite e a noite toda.”) Também havia uma turnê de catorze dias no Reino Unido com as últimas sensações norteamericanas, o Black Oak Arkansas a reboque, cujo líder, o infatigável “Big” Jim Dandy,

rivalizava até com Ozzy quando se tratava de loucura dentro e fora do palco. (Três anos antes, ele tinha recebido uma sentença suspensa de 26 anos por furto e agora vivia cada dia como se fosse o último.) Em novembro, houve uma turnê de sete dias triunfantes pela Austrália, onde o show de abertura foi dos novatos AC/DC, e outro sobrevivente britânico do final dos anos 1960, agora renascido como um sucesso do rock pesado, chamado Status Quo. Poderia ter mais, no entanto a banda não estava em forma para ficar meses sem fim na estrada. E 1974 também foi o ano em que o mundo todo caiu sobre suas cabeças. O ano em que eles descobriram a verdade sobre para onde estava indo o dinheiro deles — e para onde não estava indo. O ano em que sua empresa de management, a World Wide Artists, foi colocada contra a parede. De acordo com Ozzy, as dúvidas tinham começado a aparecer durante as sessões do Sabbath bloody Sabbath. “De repente me ocorreu, quando fui ao escritório [em Londres] um dia e [Patrick Meehan] tinha um quarteirão inteiro de escritórios e Rolls-Royces para dias diferentes e toda essa merda e agências diferentes e sei lá mais o quê. E não é preciso ser um gênio para pensar: ‘Espera lá, ele tem quatro Rolls-Royces agora e eu ainda ando com um VW’, ou algo assim.” Para Tony: “A situação com Patrick” já tinha se tornado “impossível” muito antes de começarem a questionar seus acordos de negócios. “A gente nunca conseguia encontrá-lo quando as contas precisavam ser pagas e, tirando uma garota no escritório, nunca havia ninguém com quem pudéssemos conversar sobre nada. Era um pesadelo e, no final, fiquei sem outra opção que não fosse ir até lá e tentar recuperar os pedaços.” Ozzy foi mais direto. “Sabe, ele nos conseguia coca — o que a gente quisesse. Se quiséssemos dinheiro, ele nos dava. Ele não dava tipo umas vinte ou cinquenta libras, se você quisesse tipo mil ou cinco mil libras, ele também nos dava, sabe? Mas ele sempre tinha o controle. Porém quando a casa caiu, quem tomou a porrada fomos nós. Não ele, o cara salvou o próprio rabo.” A banda havia muito suspeitava que as coisas não estavam como pensavam que deveria estar, ele disse, mas tinha medo de questionar abertamente a forma como seus negócios eram feitos. “Continuou assim, mas era tipo: ‘Não sei o que estou fazendo, então se eu abrir a caixa de pandora e soltar algo que realmente não sei como controlar nesse nível, como posso esperar controlar quando abrir a tampa e tudo sair voando?’.” A resposta, que eles descobriram no verão de 1974, era que eles não teriam controle nenhum sobre o que aconteceria depois. “Era tipo quanto mais você descobrisse, menos você queria saber”, disse Geezer. “Foi horrível.” O Sabbath tinha sido enganado da mesma forma que inúmeras outras bandas na indústria musical dos anos 1960. “Da forma como ele tinha nos amarrado em seus contratos, acabamos tendo que pagar para nos livrar dele. Não tínhamos advogados ou algo assim quando assinamos os contratos, porque não sabíamos de nada.” A banda gastou uma fortuna em questões legais só para descobrir que, na verdade, eles não tinham nenhum dinheiro próprio. Os carros que dirigiam, as casas onde moravam, tudo era propriedade da empresa de management. A pior parte de todas, mais dolorosa e potencialmente fatal, é que eles não eram donos de sua própria música.

“A gente nunca sentou e conversou, certo, temos este problema”, conta Ozzy. “O que você acha que devemos fazer? Você começava, tipo, talvez, e então alguém dizia: ‘Puta merda, sabe o que aconteceu comigo esta manhã…?’. E tudo terminava. ‘Você tem algum pó?’ E então fodia toda a reunião. Não estou culpando [o resto da banda] e não estou me culpando, era assim que todos éramos. A gente nunca soube como lidar com o problema, porque não tínhamos tanto conhecimento. A gente não teve a capacidade de lidar com isso, não conhecíamos nada de leis. Não sabíamos que um contrato era uma obrigação. A gente só pensava que era um pedaço de papel que nos permitia fazer a porra de um disco.” “Foi por isso que chamamos o disco seguinte de Sabotage”, conta Geezer. “Acho que ele pegou todo o dinheiro e comprou uma rede de hotéis. Estávamos sem um centavo, totalmente quebrados. Se a banda tivesse terminado aí, estaríamos totalmente destituídos, mas ainda bem que a gente continuou e conseguiu ganhar uma grana na turnê. Acho que conseguimos nos livrar totalmente dele no final do disco Sabotage.” Na verdade, demoraria anos até o Black Sabbath se livrar das garras legais de seus contratos com a WWA; uma situação que teria reflexos na carreira deles durante as décadas de 1980 e 1990, pois Meehan e companhia continuariam a ganhar dinheiro através de uma série de discos de compilações de baixa qualidade do material mais reconhecível do Sabbath, administrando mal o catálogo deles num momento em que isso estava se tornando a fonte para a qual as futuras perspectivas de todas as bandas de rock dos anos 1970 estavam fluindo — como seus velhos heróis, o Led Zeppelin, que, ao contrário, administrava seu catálogo do período tão bem que acabou redimindo sua reputação entre os críticos. O ouro precioso da carga do Black Sabbath, no entanto, seria tão maltratado no mercado que quase destruiu as perspectivas a longo prazo da banda. Ironicamente, o famoso salvador deles seria um dos mais infames empresários gangsteres no mercado musical: Don Arden. Para qualquer outro grande artista de rock do período numa situação similar, isso poderia ter significado sair da frigideira e ir direto para o fogo. Mas Tony tinha ficado amigo de Don, apesar de recusar sua oferta original de management em 1970. Arden, por sua vez, não aceitava muito bem ser recusado por alguém. Ele tinha feito uma exceção, no entanto, para o Sabbath. Por um lado, eles ainda eram uma das bandas de rock que mais vendiam no mundo, principalmente nos Estados Unidos, onde os artistas anteriores de Arden nunca fizeram muito sucesso. “Os Estados Unidos sempre foram o sonho”, ele me contou. “Enquanto não chegasse lá, não poderia descansar.” Então estava a satisfação de conseguir, como ele relata, “recuperar o que era meu de direito”, de Patrick Meehan, que ele odiava. Quando, no começo de 1975, Tony Iommi veio ver Don, pedindo ajuda para resolver os acordos desastrosos do Sabbath com Meehan e a World Wide Artists, não precisou pedir duas vezes. Encorajado por Sharon, Don concordou em cuidar da banda. Do ponto de vista dos negócios, parecia um momento triunfante para Tony e o Sabbath. Agora com cinquenta, Don Arden estava chegando ao ápice de sua longa carreira no mercado

musical. Em meados dos anos 1970, ele era o empresário do Wizzard de Roy Wood, que tinha conseguido colocar dois singles em primeiro lugar das paradas no ano anterior; e a Electric Light Orchestra de Jeff Lynne, que também tinha conseguido uma série de singles de sucesso e agora tinha acabado de conseguir estourar nos Estados Unidos com Eldorado, o primeiro dos seis discos a chegar ao Top 10 dos Estados Unidos. Ele também estava, astutamente, no processo de montar sua própria gravadora, a Jet Records, cujo primeiro lançamento, o single “No, honestly” de Lynsey de Paul, tinha chegado ao Top 5 das paradas britânicas. O Sabbath, no entanto, seria outra coisa, ele decidiu. “Minha prioridade número um era conseguir algum dinheiro para eles. Isso significava ir até a gravadora — Vertigo no Reino Unido, Warner Brothers nos Estados Unidos — e fazer com que entendessem que a banda ainda era viável e agora estava em boas mãos. Falei às duas gravadoras para esquecerem a bagunça anterior, deixar tudo comigo. Isso era exatamente o que eles queriam ouvir, e recebi um bom adiantamento, que usei para colocar a banda de volta no estúdio e fazer outro disco.” Don corretamente identificou a necessidade da banda de “parar de se preocupar com dinheiro e começar a pensar de novo em música”. Ele também percebeu que eles só podiam contar com o dinheiro que viesse dos trabalhos futuros. “Queria algo novo do qual eles realmente pudessem receber royalties.” E, por extensão, claro, que Don pudesse ganhar dinheiro também. Parecia um plano bastante simples. Mas mesmo com a formidável figura de Don Arden por trás deles, a briga com Meehan continuaria a jogar uma sombra profunda sobre o Sabbath nos anos 1970. Depois de meses e anos de litígio entre os dois lados, a banda foi forçada a fazer um acordo; o final foi que eles tiveram que concordar em pagar a Meehan uma soma não especificada pela ruptura de contrato, assim como concordar em desistir de seus direitos sobre o catálogo lançado enquanto Patrick era o empresário; a maior parte do melhor trabalho que eles produziriam. Falando comigo sobre isso mais de vinte anos depois, Ozzy tentou ser filosófico. “A beleza da coisa do management é que depois que você assina o yin-yang [contrato] eles podem ficar sentados por dez anos e lutar com ações legais e civis. Mas você [o artista] não tem dez anos para perder. Em dez anos sua carreira terminou, sabe? A arma está sempre contra sua cabeça, então você acaba fazendo um acordo só para se livrar disso, e o que aconteceu com o Sabbath foi que, em vez de os empresários nos roubarem, os merdas dos advogados agora estavam cobrando por tudo, das porras das gorjetas no aeroporto à porra dos dez centavos por uma cagada num banheiro público — tudo era cobrado!” Não tinha a ver só com dinheiro, no entanto. O Sabbath agora começava a perder de vista a coisa mais importante de todas, a única coisa que poderia tê-los salvado: a música. O disco seguinte do Sabbath, Sabotage, lançado em novembro de 1975, seria o último da era Ozzy com alguma importância. Gravado no Morgan Studios, em Londres, em fevereiro e março, foi um caso de mesmas drogas, mas expectativas bem diferentes. Qualquer pensamento sobre qual poderia ser o legado deles, o que os críticos poderiam pensar ou por onde andava o Sabbath

agora no panteão do rock, tudo agora estava subordinado pela extrema necessidade de simplesmente ganhar dinheiro. Havia muitos momentos bons, quase todos alimentados pela raiva completa. A faixa de abertura, “Hole in the sky”, tem o tipo de riff de porta batida que não estaria deslocado em Paranoid, com Ozzy gritando e reclamando sobre passar num buraco no céu, “seeing nowhere through the eyes of a lie” [não vendo lugar nenhum pelos olhos de uma mentira]. A raiva da canção é enfatizada por seu final abrupto seguindo imediatamente para o que parece ser o primeiro de outro dos passeios acústicos de Tony, “Don’t start (too late)”, porém que também morre cedo, sobreposto pela feroz e atordoada introdução de “Symptom of the Universe”, outra das melhores faixas do disco mas que, novamente, é muito distante da considerada finesse de Sabbath bloody Sabbath, sendo positivamente “neandertal”. Um ano depois, grupos como Sex Pistols e The Damned transformariam esses riffs raivosos e as batidas agressivas em virtudes, e seriam creditadas por inventar um novo gênero: o punk rock. Mas isso era Black Sabbath e, naquele ano de 1975, que de outra forma poderia ser apático, uma época de “rock” fraquinho, quando todo mundo, de Rod Stewart a David Bowie, estava flertando com a disco, o que eles fizeram parecia desnecessariamente perturbador, antitudo, automutilatório. Então, bem quando as coisas pareciam estar ficando descontroladas, em dois minutos Tony leva a banda para o tipo de movimento que se escutava antes, para onde eles achavam que estavam indo com Sabbath bloody Sabbath, antes de toda a merda chegar ao ventilador: uma seção acústica percussiva maravilhosa, jazzística e espacial, mas também propulsora e estranha, uma mistura de ódio-amor, a voz de Ozzy falhando ao cantar sobre “love’s creation” [a criação do amor] e “riding through the sunshine” [viajando pelo nascer do sol], enquanto parece soar como se estivesse se preparando para jogar terra sobre um caixão. As faixas seguintes seguem bem, indo de riffs duros e diretos para melodramas estilo “O corvo” de Edgar Allan Poe. Os títulos em si já são suficientes para induzir a um sentido de claustrofobia, paranoia e obsessão que não pode ser explicado totalmente pela psicose da coca. Os quase dez minutos da arrastada “Megalomania”, com a investida de um mellotron e guitarras robóticas assassinas; os ritmos de arquear as costas de “Thrill of it all”, e seu título sarcástico, vangloriando-se como um zumbi enrugando seus lábios roxos quando Ozzy sorri: “Won’t you help me Mr. Jesus… When you see this world we live in, do you still believe in Man?” [Não vai me ajudar, Sr. Jesus… Quando você vê este mundo no qual vivemos, ainda acredita no Homem?]; o som do cântico de monges sobre a introdução da instrumental “Supertzar”, a única faixa forçada em um disco quase duplo sobre seu significado pesado, o tipo de coisa estilo filme de terror B que bandas de metal como Slayer e Megadeth poderiam alcançar em seus momentos mais chapados, mas que Tony, em seu isolamento induzido pela cocaína, gostava tanto que se tornou a música de introdução dos shows do Sabbath por vários anos. O outro momento menos inspirado é a faixa lançada como single solitário do disco, com o título sombrio “Am I going insane (Radio)”. Compreensivelmente, os cínicos assumiram que era a banda sendo cínica ao acrescentar a palavra “radio” entre parênteses. Na verdade, foi só

outra de suas piadas bobas, como “N.I.B.” tinha sido anos antes: radio era a simplificação de “radio rental”, gíria rimando com “mental”. Não que isso tivesse importância a longo prazo. O Sabbath, que só tinha lançado um single por disco desde “Paranoid”, nunca tinha tido outro sucesso. “Am I going insane (Radio)”, com seu riff de segunda mão e vocal dolorido, manteve essa façanha. A faixa final do disco, no entanto, ‘The writ’, era de um nível diferente, muito mais alto. Inspirado pelo fato de que Patrick Meehan tinha iniciado outro processo enquanto eles estavam no estúdio, “The writ” se tornou outra forma de liberar a bílis, um épico de quase nove minutos, montado em cima de um riff fumegante, a dança de guerra da banda, enquanto Ozzy grita “vultures sucking gold from you” [abutres sugando seu ouro], imaginando de forma autocompassiva: “Will they still suck now you’re through?” [Eles ainda vão sugar agora que você está acabado?]. “Estávamos sendo atacados por todos os lados”, conta um exausto Iommi quando tudo terminou, “foi um período terrível para a gente.” Havia uma coda final, brincalhona, um pouco de besteira boba que contradiz a seriedade de tudo que estava se passando, que eles desnecessariamente deram o título de “Blow on a jug” (Ozzy e Bill zoando no estúdio, ah, sim) e que teria sido melhor deixar de fora. Mas todo o resto de Sabotage, dos títulos ao conteúdo, de sua capa horrível com a banda parada de costas para um espelho enorme, parecia autoprofetizar a destruição iminente do Sabbath. Mais uma vez, a imprensa musical britânica meteu a faca. “Isto não é um psicodrama”, escreveu Mick Farren no NME, “é um trem fantasma. Tem o mesmo denominador comum barato, cociente de emoção dúbio enquanto falta totalmente o tipo de inocência brega que poderia resgatar seu charme. Também é bastante bem-sucedido e provavelmente pode causar danos cerebrais. Dá para tirar o disco agora?” Para manter o dinheiro entrando, Don fez o Sabbath voltar à estrada antes mesmo do lançamento do disco, e na segunda parte de 1975 eles fizeram turnês de forma contínua entre Estados Unidos, Grã-Bretanha e Europa. Quando Sabotage foi lançado no final do verão, conseguiu manter a banda no Top 10 da Inglaterra, onde chegou ao sétimo lugar. Mas nos Estados Unidos foi o disco menos bem-sucedido até aquela data, chegando apenas ao 28o lugar. No entanto, eles ainda iam muito bem ao vivo, e quando voltaram para suas últimas datas em Nova York — no Madison Square Garden em 3 de dezembro e no War Memorial em Syracuse uma semana depois, com abertura, respectivamente, de Aerosmith e Kiss —, lotaram as duas casas. Atrás do palco, no entanto, as coisas continuavam a ir mal. Justo quando o Sabbath sentiu que tinha começado a se livrar da bagunça em que tinham se metido depois da ruptura com Patrick Meehan, o antigo empresário deu outro golpe, autorizando o lançamento, em dezembro, de um disco duplo de compilação chamado We sold our souls for rock ‘n’ roll. Com todos os maiores sucessos de seus cinco primeiros discos, e lançado para coincidir com o Natal, a banda não sabia se deveria ficar agradecida ou não quando o disco — do qual eles não

ganhariam nenhum dinheiro — não chegou nem ao Top 40 do Reino Unido. Isso pode ter bloqueado os esforços póstumos do ex-empresário de ganhar uma grana da banda que ele provavelmente achou que afundaria sem ele, mas também contava algo sobre onde estava o melhor do Black Sabbath na cabeça dos fãs. Don Arden disse para esquecerem aquilo; terminarem a turnê e gravarem um novo disco que pudesse vender, um sem as marcas de Meehan. Mas o que sobrava de melhor entre eles depois das prolongadas batalhas com seu ex-empresário agora estava totalmente perdido pelo impressionante uso de drogas. A noite final da turnê mundial de Sabotage foi no Hammersmith Odeon, em Londres, em janeiro de 1976, um show originalmente agendado para novembro anterior, que tinha sido cancelado depois que Ozzy, bêbado e chapado, tinha caído de uma moto, machucando as costas. Não foi sério, e ele passou uma semana descansando, na maior parte, conta, com morfina e analgésicos. Agora, pouco antes do show reagendado, enquanto ensaiavam em Willesden, tiveram uma longa discussão (que já estava atrasada) sobre até onde a reputação da banda tinha decaído nos últimos dois anos — e por quê. “A gente disse: ‘Olha, precisamos deixar essas porras de drogas para trás. Isso está fodendo a gente. Quando a gente começou, tudo que tomávamos eram umas cervejas, além de uns baseados, e era o que precisávamos. Agora temos pó por todos os lados e todo mundo está falando merda. Vamos parar com a coca’. Então fizemos um show no Hammersmith Odeon e pensei: ‘Puta merda, o que vou fazer depois do show?’. Porque, depois do show, era como o prêmio no final da corrida, uma carreira de coca. Então subimos no palco e eu todo deprimido porque não tem nenhum pó e estão tocando ‘Hole in the sky’, e a banda está tocando como uns demônios, sabe? E eu penso: ‘Sabe o quê? Estou certo, é melhor sem coca! Não precisamos dessa merda!’. Mas na segunda música começa a ficar mais lento. Toda a música começa a parar. A terceira música é tipo…” Ele faz um riff arrastado. “E eu penso: ‘Que porra está acontecendo?’. Então olho para eles e todos estão…” Ele imita alguém esfregando o nariz e com os olhos fixos. “Antes, todos tinham cheirado umas carreiras! E eu, como uma besta, não cheirei nada!” O ano seguinte veria um rápido declínio da situação da banda, pessoal e profissionalmente. Como um prego final no caixão, na segunda metade de 1976 chegou à cena musical britânica a primeira onda de lançamentos das bandas punks como Sex Pistols (“Anarchy in the UK”) e The Damned (“New rose”). No começo de 1977, The Clash, The Stranglers, The Jam e as hordas que seguiram também lançaram seus primeiros discos, e a cara da cena musical britânica tinha mudado definitivamente. Se o Sabbath tinha sempre se sentido por fora das tendências centrais do rock na primeira metade dos anos 1970, eles agora sentiam-se totalmente deixados para trás. “Paranoid” pode ter sido uma das músicas favoritas de Johnny Rotten, mas a imagem do Sabbath com cabelos compridos, jeans boca de sino e aquelas cruzes enormes que eles ainda usavam dentro e fora do palco colocavam a banda entre Os Inimigos. Para piorar, das revistas musicais ainda mais conscientes do que estava na moda, as mais vanguardistas, como a NME e a Sounds, tinham se jogado de cabeça na nova aurora

punk. Até o rock pesado e o heavy metal estavam passando por uma reinvenção radical. Como o editor da Sounds na época, Alan Lewis, conta agora: “De repente, bandas como Sabbath e Purple eram vistas como ultrapassadas, deslocadas, até pelos fãs de rock que estavam ficando mais interessados em bandas mais novas como AC/DC, Van Halen e Kiss. Por um tempo, realmente pareceu que o Black Sabbath e o resto estavam com os dias contados. Não havia como voltarem, exceto talvez nos Estados Unidos. E mesmo ali eles estavam sendo suplantados por essa nova geração de bandas de rock pesado que tinha surgido”. Assim como a Grã-Bretanha estava mudando de guarda — musical e culturalmente —, o Black Sabbath se tornou ainda mais distante do que estava acontecendo por literalmente se afastarem, a pedido de Don Arden, fugindo dos elevados impostos britânicos; ironicamente, tentando impedir as alegações da receita britânica em um momento no qual sua fonte de renda era a mais baixa desde que tinham começado a vender discos, cinco anos antes. A resposta de Tony Iommi para tudo isso foi simplesmente se enterrar ainda mais no processo de gravação. Trabalhando em material para o próximo disco deles no Criteria Studios, em Miami — o estúdio do momento para britânicos fugindo de impostos que procuravam sol, mar e relaxamento como cenário de gravação, enquanto evitavam ao mesmo tempo as armadilhas de trabalhar em outro estúdio de Hollywood —, distante da nova direção que o resto do mundo do rock estava seguindo, Iommi começou a conceber um novo e mais grandioso som para o Sabbath. Programados para permitir que Tony levasse a música para onde ele quisesse, depois de anos concordando que ele fizesse as coisas do seu jeito, os outros nem mesmo apareciam mais no estúdio, esperando que fossem chamados para tocar suas partes. “Devo admitir”, Tony diria mais tarde, “que se tornou algo insano. Se eu entrasse na sala de ensaio e não conseguisse pensar em nada, a gente terminava provavelmente não fazendo nada [aquele dia]. Então chegou a um ponto em que tínhamos que criar algo e, se não estivesse acostumado a me sentir tão mal, já teria me frustrado por completo. Eu simplesmente sentia que eles meio que olhavam para mim, tipo: ‘Ah, bom, ele vai acabar criando algo’. E isso passou a se tornar irritante no final”. Foi o começo do fim do Black Sabbath como força criativa em disco. Quanto mais tempo eles passavam em estúdios cada vez mais extravagantes e distantes, quanto mais cocaína e heroína e maconha e cerveja e conhaque e o que mais eles usassem para “ajudar” o processo criativo, piores ficavam seus discos. A única coisa que a coca agora fazia com eles era alimentar ainda mais a sensação de paranoia e insegurança, e estragar a música. Disciplina não era parte do estilo de vida rock ‘n’ roll nos anos 1970, mas agora a banda estava fora de controle, quase além da salvação. Esses foram os últimos dias de Roma, e o Black Sabbath estava queimando enquanto Tony Iommi continuava a tocar no meio das chamas. Naqueles dias, Tony contou à revista Circus, em um clássico exemplo de ilusão levada pela coca: “Temos mais controle sobre o que está acontecendo… somos obrigados a pensar em negócios, o que não nos preocupava no passado. Isso nos dá uma visão mais ampla, porque podemos fazer o que quisermos agora”. Ao fundo, quase dava para ouvir a gilete raspando no

espelho. “Quaisquer decisões são tomadas pelos quatro, e todos a apoiamos totalmente.” As lembranças de Ozzy de Miami foram marcadamente diferentes. “O período dourado do Sabbath, para mim, foi Master of reality, Vol. 4, e depois vem o auge do Sabbath, na minha opinião, que foi Sabbath bloody Sabbath.” Dos discos que se seguiram: “Há algumas boas faixas, mas faltava uma emoção ali porque estávamos brigando contra a porra do mundo. E estávamos cansados de lutar contra o sistema”. Para piorar a situação, a banda começava a sentir que estava saindo fora do radar de Don Arden. Bem quando as vendas do Sabbath estavam em declínio, as da ELO tinham começado a crescer muito. O disco deles de 1975, Face the music, tinha sido o primeiro a chegar ao Top 10 dos Estados Unidos. Os trabalhos do disco seguinte, A new world record, estavam acontecendo em Munique bem quando o Sabbath tentava redescobrir seu tesão em Miami. A ELO estava conseguindo muita repercussão mundial também com seus singles; algo que o Sabbath nunca conseguiu. Havia outra diferença crucial: Jeff Lynne e a ELO moviam-se rapidamente e agora eram muito requisitados. Enquanto Tony Iommi lutava para completar um novo disco do Sabbath pelo qual a gravadora agora esperava apenas retornos relativamente modestos, os pedidos antecipados do novo disco da ELO eram suficientes para garantir um disco de platina já no lançamento. Não é preciso dizer que Don agora passava mais tempo do outro lado do mundo com a ELO, pronta para trabalhar, do que com o Black Sabbath em lenta desintegração. Quando, no meio das gravações em Miami, o Sabbath ficou sem dinheiro, e sem conseguir encontrar Don, Ozzy lembra que a banda enviou um telex para a Warner Bros. “Dissemos: ‘Olha, vocês precisam nos mandar alguma grana, estamos vivendo neste Thunderbird Hotel em Miami e estamos sem grana’. Eles mandaram [um telex] de volta dizendo que havia quatro McDonald’s perto da gente. Eles estavam brincando, mas entende o que quero dizer? Foi tipo, foda-se, a gente vendeu todos esses discos para vocês e vocês estão tirando um sarro da gente?” Todos os sinais estavam cruzados. Mas os membros da banda ainda não faziam nada para se ajudar. Quando a Warner Bros. acabou adiantando algum dinheiro, conta Ozzy: “A gente chamou todos os traficantes de coca, estávamos cheirados o tempo todo, sabe? A cocaína nos dominava muito. Eu estava todo detonado. Então chega o momento em que você pensa: ‘Como consigo trabalhar sem isso?’. Você se acostuma com aquela euforia, que no final sobe e desce. Não dura tanto quando você usa sempre”. O fato era que, no entanto, conta Ozzy, nesse momento: “A música estava pagando as contas dos advogados, e toda boa ideia que tínhamos era esculhambada não só por Patrick, mas por todo mundo envolvido, sabe?”. Os outros compartilhavam o sentimento de que tudo estava vindo abaixo? Geezer: “Sim, de formas diferentes. Quero dizer, Tony é quem sempre mantinha todo mundo junto musicalmente, ele sempre acreditou na coisa e era quem sempre costumava dar um chute na bunda de todo mundo quando ficávamos desesperançados. Se não fosse por ele a gente provavelmente teria se separado em 1975, 1976. Foi ele quem manteve a

bandeira tremulando quando todo o resto estava começando a deixar de acreditar”. Mas nem Tony Iommi poderia arrastar o Black Sabbath para fora do buraco criativo em que eles trabalharam seu sétimo disco, intitulado Technical ecstasy. Lançado em setembro de 1976, bem quando o punk estava ganhando espaço na GrãBretanha, Technical ecstasy, com seus teclados serpenteantes, som de guitarra mais genérico e momentos esquisitos como a faixa “It’s alright”, uma balada de segunda linha estilo Beatles com vocais de Bill Ward, não era somente o disco errado no momento errado; era, de longe, o pior disco que o Sabbath já tinha feito. De sua capa bizarra e brilhante — criada por Hipgnosis, os designers de capas de rock na moda, e parecendo algo que até o Pink Floyd teria rejeitado por ser muito anônima (“Supostamente eram dois robôs trepando”, disse um exasperado Ozzy, “mas para mim estava uma merda”) — até as músicas pouco inspiradas, Technical ecstasy estava muito distante da banda que já tinha sido uma das mais originais. O maior sucesso do verão nos Estados Unidos aquele ano tinha sido “More than a feeling”, do Boston. Em faixas como a nervosa “Gypsy”, parece que Tony tentou fazer algumas concessões para que o Sabbath se encaixasse no mesmo formato das rádios. Mas enquanto Tom Scholz do Boston era um gênio talentoso que tinha tocado todos os instrumentos em suas gravações, com exceção da bateria, Tony Iommi agora era uma vítima das drogas em recuperação. Em vez de liderar o caminho, como o Sabbath tinha feito com seus discos anteriores, criando um som tão indiferente às palavras da crítica, que deixou a banda quase invulnerável a modismos passageiros, agora — até nas melhores faixas de Technical ecstasy como “Back street kids” (excepcional para uma coletânea do Kiss, quem sabe, decididamente de segunda classe para um disco do Sabbath) ou “All moving parts (stand still)”, uma lenta aproximação ao Alice Cooper, talvez, com suas linhas entediantes sobre professores que não seguem as regras mas que Geezer agora diz que fala de uma “travesti que se torna presidente dos Estados Unidos porque o país era uma sociedade muito misógina na época” — o Sabbath soava como se estivesse tentando se modernizar. Em faixas como a totalmente embaraçosa “Rock ‘n’ roll doctor”, com seu riff “subStones” e letra juvenil, ou a igualmente desastrosa “She’s gone”, com as cordas cinemáticas risíveis e a parte acústica clichê, o papel de Ozzy reduzido a dar gritos de “Ooh, my baby”, o Sabbath começava a parecer uma piada. No entanto, na horrível faixa final, os sete minutos fúnebres de “Dirty women”, um hino à prostituição com observações finas como “Dirty women, they don’t mess around” [Mulheres sujas, elas não fazem besteira], o disco chegou a um nível ainda mais calamitoso, até ofensivo, de estupidez. Os instintos comerciais de Iommi poderiam estar corretos — o futuro “rock tranquilo” que iria vender zilhões como Hotel California e Rumours estava se aproximando —, mas tentar forçar esse som no Black Sabbath era tentar fazer uma armadura com lã de ovelha. Simplesmente não funcionava, não agradava ninguém. Nem mesmo o resto da banda. E com certeza não agradou os fãs, a maioria teve o bom-senso de se afastar do disco. Nos Estados Unidos, o novo disco do Black Sabbath morreu na praia, nem chegou ao Top 50. Na Grã-

Bretanha, também foi um desastre, chegando ao 13o lugar, antes de desaparecer das paradas por completo depois de apenas seis semanas. “Pessoalmente, gosto de Ecstasy”, Tony contou a Steve Rosen na Sounds, em outro artigo comicamente imerso na autoilusão e na negação emocional. “A maioria das pessoas que ouviu achou que era um grande passo depois de Sabotage, e muita gente diz que é totalmente diferente de tudo que fizemos antes. Acho que provavelmente é o tipo de disco que você precisa ouvir algumas vezes antes de realmente entender. Não acho que seja algo que se entenda no mesmo instante.” E assim foi.

Seis Nascido para morrer OS QUATRO SEM PRE nervosos membros do Black Sabbath podem ter ficado mal pelas vendas desastrosamente baixas de Technical ecstasy, mas foram capazes de acalmar seus medos, pelo menos por um tempo, voltando à estrada nos Estados Unidos, onde as turnês no outono e inverno de 1976 lotaram. Nisso, entretanto, eles foram muito ajudados pela banda de abertura, o Boston, cujo primeiro disco e o single de sucesso “More than a feeling” estavam pegando fogo nas paradas. Don Arden, que era pioneiro em organizar turnês em pacotes nos anos 1960 — shows com várias bandas voltados para o consumidor mainstream —, agora usava desse conhecimento para garantir que o Sabbath tivesse, aonde quer que eles fossem, bandas de abertura capazes de encher pelo menos metade dos lugares. Assim, as bandas somadas aos shows naquele ano foram Boston, Black Oak Arkansas, Tommy Bolin, Bob Seger, Ted Nugent e Journey, todas próximas de conseguir turnês como atrações principais. De volta à Inglaterra para uma turnê de dez dias em março de 1977, que culminou em quatro shows lotados no Hammersmith Odeon de Londres, a banda tinha reconquistado seu espaço. Chegando em casa bem quando os discos das bandas The Damned, The Clash e The Stranglers estavam ganhando as manchetes da imprensa musical britânica, Tony simplesmente olhou furioso de sua torre de marfim. Se aquilo era o que a imprensa achava bom, então era melhor que o Sabbath não fizesse parte dessa conversa. “Eu admito, não vi nada disso chegando”, Iommi me contaria depois. “A coisa do punk para mim era só uma moda passageira nas revistas musicais. Eles ainda não tinham começado a falar sobre isso nos Estados Unidos, e essas bandas ainda estavam tocando em clubes. A gente achou que eles tinham um longo caminho até chegar perto da gente.” Geezer, sempre o mais sensível às novas tendências, e o mais temeroso das mudanças, rapidamente percebeu a ameaça à prosperidade da banda que essa nova geração do rock representava e como o futuro deles parecia limitado. “A gente perdeu a direção. Acho que o punk foi muito ruim para a gente. Eu também achava que o Sabbath estava velho agora, depois de ter ouvido o Sex Pistols. Apesar de nossas coisas durarem mais que as deles, e a coisa do punk só durou uns anos, mesmo assim eles soavam tão… Novidade para mim. E meio que me lembrava como a gente costumava ser. Eu só pensei: ‘Bom, estamos perdidos agora, simplesmente perdemos toda a raiva e a energia’. E foi difícil [aceitar] porque tínhamos vendido milhões de discos, passamos por horríveis brigas com empresários.” Todos os problemas oriundos da dupla punk/Meehan “simplesmente causaram um grande impacto na gente”. O resto deles estava tão confuso pela nova realidade do punk que, quando concordaram que o AC/DC abrisse para eles na Europa em abril, acharam que eram punks simplesmente

por causa dos cabelos mais curtos e do uniforme escolar do guitarrista. Com o complexo de inferioridade se entranhando, olharam com horror crescente enquanto o AC/DC destruía o palco depois de apenas vinte minutos no primeiro show em Paris. Eles não sabiam que a banda estava reagindo com fúria a problemas nos equipamentos. Eles acharam que era tudo parte do show do AC/DC. Não importou que o vocalista, Bon Scott, outro frontman que gostava muito de drogas e álcool de todos os tipos, se tornou um visitante frequente do camarim do Sabbath, passando um tempo com Ozzy. Tony via a banda com suspeita. Depois de um show em Gotemburgo, quando Geezer brincando puxou uma faca de brinquedo para Malcolm Young, que o briguento guitarrista e líder do AC/DC achou que era de verdade, recebeu como resposta um soco na cara. Percebendo seu erro, Malcolm pediu desculpas, mas Geezer ficou muito bravo e insistiu que o AC/DC fosse expulso da turnê imediatamente. Eles foram, e as quatro datas finais da turnê acabaram canceladas. Foi nessa atmosfera de casulo que Tony Iommi pensava em como fazer com que sua banda voltasse a ser importante. Mais do que os discos anteriores do Sabbath, Technical ecstasy foi, como Ozzy diz, desdenhoso, “um disco do Tony”. Tendo total controle pela primeira vez e fazendo o que quisesse, Tony tinha produzido o disco do Sabbath que vendeu menos. Em vez de duvidar de si mesmo, algo que a coca não permitia que fizesse, ele culpou os outros. Todos os outros. As gravadoras que não tinham divulgado o disco de forma apropriada; as estações de rádio que não tinham dado uma chance ao disco. Mais do que os outros, ele culpava a imprensa musical, que tinha, conforme ele achava, com certa razão, sistematicamente minado a reputação do Sabbath ao longo dos anos, fazendo com que agora a credibilidade deles chegasse ao ponto mais baixo da carreira. O único que escapou de sua ira foi o tecladista Gerald Woodroffe, ex-integrante da banda de jazz-fusion Matibu, que tocava regularmente no circuito de clubes de Brum e que havia sido contratado para tocar no disco e na turnê de Technical ecstasy como acompanhante. Jezz, como ele era conhecido, tornou-se o primeiro dos dois tecladistas que iriam fazer a turnê e gravar como membro da banda, mas eram na verdade contratados, tocando no canto do palco, atrás das cortinas ou dos amplificadores nos primeiros anos, antes que o eventual substituto de Jezz, Geoff Nicholls, tivesse permissão de aparecer no palco. O que eles tinham em comum era a disposição de passar a noite toda trabalhando em materiais com o Tony. Os outros havia muito tinham desistido disso, mas Tony agora tinha encontrado um “parceiro de trabalho” mais equitativo para compor e tentar coisas novas. Não que Woodroffe ou Nicholls recebessem créditos nas muitas músicas que eles compuseram com o guitarrista. Mesmo outros parceiros próximos como Led Zeppelin e Deep Purple, que também não tiveram espaço na imprensa, pareciam ser mais bem-vistos que o Black Sabbath. Sentado sozinho em sua suíte de hotel, toda noite depois do show, tomando suco de laranja e tentando melhorar com quantidades gigantescas de cocaína que agora ele ingeria todo dia, um Scarface do heavy metal cercado por traidores, tontos e gente falsa, Tony começava a reclamar da sorte do Sabbath. Onde eles tinham errado? O que precisavam fazer agora para endireitar o barco?

Como poderiam recuperar alguma credibilidade aos olhos da imprensa e dos críticos sérios? Como evitar que o Sabbath se tornasse uma piada ainda pior? Não ajudava muito que Ozzy estivesse em queda livre também. “Naquele momento, estávamos todos completamente doidos! A gente ficava acordado durante dias. Algumas vezes eu colocava fogo em mim mesmo com um cigarro, deitado na cama, chapado. Eu acordava e havia uma labareda no meu peito.” Outras vezes, Ozzy acordava molhado com a própria urina — se é que ele acordava. A maioria das noites alguém simplesmente o pegava onde ele tinha caído, jogava em cima do ombro de um roadie que o carregava até a cama. Tony, que sempre pensou em Ozzy como um palhaço, agora começava a vê-lo como um problema. Pior, começou a canalizar sua frustração com a queda das vendas da banda diretamente sobre Ozzy, comparando-o desfavoravelmente com Robert Plant, o problemático, mas mesmo assim deus dourado à frente do Zeppelin, e com David Coverdale, do Deep Purple, outro vocalista poderoso, com bom visual, que não deixava seu vício em drogas roubar sua dignidade — certamente não em público. Tony, que sempre tinha visto Ozzy como um mal necessário — aguentando feliz suas palhaçadas quando a banda estava em ascensão —, agora começava a se ressentir com o fato de que sua banda, o Black Sabbath, tinha um bufão como vocalista. Pelo menos em relação a Bill, cujos problemas de droga e álcool eram iguais aos do Ozzy, sabia-se que ele contribuía com coisas no palco ou no estúdio. Bill também era o alvo de muitas “brincadeiras” de Tony. Como quando, durante a gravação de Technical ecstasy, Tony e um roadie esconderam um grande pedaço de queijo gorgonzola debaixo da cama de Bill. Sabendo dos hábitos de Bill de raramente mudar de roupas, bem como sua relutância em permitir que as empregadas limpassem seu quarto mais de uma vez por semana, em poucos dias o cheiro era tão horrendo que dava para sentir de longe quando Bill vinha chegando. Ou quando Tony mandou que a equipe vestisse o bêbado Bill como Hitler, usando fita adesiva para prender seu cabelo — depois descobriram que a única forma de tirar a fita sem arrancar seu cabelo era cortá-lo bem curto e pontudo. Ou quando Tony mandou que um Bill inconsciente fosse carregado até o lado de um lago, colocado em um bote e lançado na água — e depois abandonado. Bill era um alcoólatra e viciado em cocaína, mas era engraçado. E raramente errava uma batida. Quanto a Geezer, ele ainda tocava bem, escrevia ótimas letras e fazia o que mandavam. Mas Ozzy... Paul Clark, que começou a trabalhar com a banda nessa época, primeiro como motorista, mais tarde como tour manager, lembra-se que “Tony sempre costumava me encorajar a ficar longe de Ozzy”. Clark, que tinha conhecido Iommi em 1973 enquanto trabalhava como leão de chácara no clube Rum Runner em Birmingham, tinha “entrado e saído da prisão toda minha vida, sabe do que estou falando? Prisões juvenis, centros de detenção e merdas assim. Eu era assim. Mas consegui ficar limpo [trabalhando com o Sabbath] e consegui ter uma carreira. Aprendi muito com eles e me dediquei muito também”. Até o inabalável Clark ficou atônito quando Iommi avisou para se afastar do vocalista da banda. “Ozzy me pedia para pegar algo

para ele. ‘Não, não faça nada para ele’, dizia Tony. ‘Ele vai te mandar para todos os lugares.’ Mas eu tratava todos da mesma maneira. Lembro que Ozzy, se eu estava levando-o para algum lugar e alguém em outro carro fazia alguma besteira, ele falava: ‘Quando ele parar, vou cagar em sua capota!’. Ele começava a descer do carro e eu falava: ‘Porra, Oz’. Ele continuava: ‘Não, vou cagar nele!’. O cara conseguia cagar dentro de um chapéu, o Ozzy conseguia isso. Era engraçado pra caralho.” “Pelo fato de não tocar nenhum instrumento”, dizia Ozzy, “eu me sentia só o vocalista. Tipo, não precisava me envolver o tempo todo.” Uma situação que não ajudava com o agora completo controle de Tony por tudo que acontecia dentro e fora do palco. “Então, sabe, você tinha algum confronto — eu achava que era melhor do que ele e ele achava que era melhor do que eu. Mas realmente não sou melhor do que Bill e Bill não é melhor do que eu. Nenhum de nós era melhor do que o outro. Enquanto tivéssemos um saco de pó e um tijolo de maconha e uma garrafa de álcool na bota e um carro para dirigir e um hotel bom para ficar e cheirar a noite toda, estávamos felizes.” Quer dizer, exceto Tony. Finalmente Ozzy não aguentou mais. Nenhum deles aguentava, mas Ozzy, que sempre tinha sentido medo de Tony, que sempre se encolhia quando Tony chegava perto dele, foi o primeiro a cair fora. O fim de 1977 tinha sido especialmente difícil para Ozzy. Seu pai, Jack, estava morrendo de câncer. Sua banda não parecia mais algo real. Seu casamento com Thelma estava se despedaçando. Ou Ozzy estava descontrolado na estrada, ou sem sorte fora dela. Quando ele saía, cercado pelo mesmo grupo de velhos amigos e parasitas, sentia-se uma atração de circo, assistida ou encarada, e a melhor forma que ele tinha para lidar com aquilo era cheirar mais coca e beber mais álcool, fumar mais maconha e trepar com mais “putas”. Não havia limites. “Eu fiz de tudo”, ele me contou. “A única coisa que nunca tomei foi heroína. Tentei algumas vezes, mas a coisa só me fazia desmaiar e eu já tinha o álcool e os antidepressivos para isso. Tenho sorte, acho, porque teria sido o meu fim.” Em vez disso, o fim o encontraria sozinho. De volta aos estúdios Rockfield, perto de Monmouth, pela primeira vez desde Paranoid, sete anos antes, a banda deveria estar compondo e ensaiando novos materiais para o próximo disco, agendado para gravação no ano seguinte, em Toronto, mais uma vez por motivos de impostos, mas a sensação na sala onde eles tocavam era a pior possível. Sentindo mais pressão do que o normal para criar algo bom, Tony não conseguia encontrar a vibração correta. Até Geezer, normalmente bastante ligado desde que tivesse um baseado e uma bebida nas mãos, lutava para criar algo útil. Para Tony, isso era inaceitável. Ele estava acostumado que Ozzy e Bill fossem inúteis, mas Geezer era seu parceiro de composição, seu outro guitarrista, o único na banda que deveria saber que merda Tony estava tentando fazer. Tony o mandou embora. “Havia simplesmente uma sensação na banda de que alguém precisava sair”, Geezer daria de ombros ao contar isso anos depois. “Primeiro fui eu. Eles fizeram uma reunião, então

Bill veio até a minha casa e disse que eu estava fora. Não havia nenhum motivo. Era só que eu estava fora da banda, o resto pensava que eu não estava no clima e que deveria sair. Fiquei puto, mas, sabe, não queria discutir. E não estava muito preocupado, para ser honesto. Já tinha perdido meu interesse. “Então, umas três ou quatro semanas depois, recebi uma ligação do Bill, dizendo que a banda queria se encontrar comigo no Holiday Inn, em Birmingham. Então pensei: ‘Que merda esses caras querem agora?’. Mas fui até lá e me encontrei com eles e foi, tipo, queremos que você volte para a banda, e eu não estava fazendo nada então disse que tudo bem. Foi só uma reviravolta na banda. Foi, tipo, alguém precisa sair, meio que isso, mas quem vai ser? E a primeira pessoa fui eu. Então voltei para a banda, e meio que foi óbvio que isso causou uma sensação ruim. Não importava o quanto todo mundo tentava disfarçar, havia [agora] uma sensação ruim na banda.” Uma semana depois, eles receberam uma visita em Gales do contador deles, Colin Newman, que trabalhava para Don. “Eu sabia que tinha algo muito errado acontecendo”, disse Ozzy, “pelo fato de que nunca tínhamos pagado impostos, porque Patrick Meehan costumava dizer: ‘Não se preocupem com isso, eu cuido de tudo’. Tudo era resolvido, sabe? Então deixamos Patrick, e Colin Newman veio até Monmouth e passou umas quatro horas nos expondo todos os problemas. E basicamente ele estava dizendo: ‘Olha, vocês não pagaram imposto desde a porra do primeiro dia. Vocês precisam pagar algum imposto’. E depois disso tudo, Bill estava puto e disse: ‘Você pode repetir isso tudo, por favor?’. E eu disse: ‘Oh, puta merda, Bill! Isso não tem solução!’. Então me levantei e fui embora. E eu estava mais bêbado do que eles, mas fui dirigindo meu carro desse jeito de Monmouth em Gales até Staffordshire. Nem tinha carteira de motorista. Só queria ir embora dali…” Tony ficou louco. Como ele ousava, o mais baixo na hierarquia, ir embora e deixar a banda na merda? Geezer e Bill ficaram mais temerosos. Ozzy era o vocalista da banda. Como Geezer conta: “Não dá para simplesmente ir a uma loja e comprar outro”. A saída dele significaria a ruptura da banda? Mas Tony estava determinado. Como se lembra Paul Clark: “Coloque Tony contra a parede e ele é um lutador, sempre virá contra você. Sua atitude era, tipo, foda-se. A gente consegue um novo vocalista. E foi o que ele tentou fazer”. O vocalista que Tony encontrou era tão indicador do tipo de movimento contraintuitivo que ele iria fazer frequentemente nos próximos vinte anos, sempre que o Sabbath precisasse encontrar outro vocalista. Em vez de procurar por alguém cuja voz poderia facilmente combinar com um catálogo agora extremamente conhecido, ele ia atrás de alguém que fosse o mais distante possível do Ozzy — em termos de personalidade e voz. Neste caso, o exfrontman do Savoy Brown, Dave Walker. Dave cantava bem, mas naquele estilo genérico de blues, endêmico entre vocalistas de sua geração: voz rouca, raspando a garganta, vibrato e honesta. Alguém para quem as palavras “Ooh baby” viriam naturalmente. Mas que iria se matar tentando cantar algo tipo “Iron man” ou “Children of the grave”. Tony não se importava. Apesar de agora viver em São Francisco, onde tinha passado um

período breve e nada bom no Fleetwood Mac, Dave era outro garoto local de Birmingham que Tony e Bill tinham conhecido em seus dias no Mythology. Ele era um pouco mais velho do que os outros — 33 em janeiro —, mas tinha sempre admirado Tony, que o ajudara a conseguir entrar no Savoy Brown anos antes, e o guitarrista sabia que ele não causaria problemas. Certamente não mais, claro, do que o Ozzy. E o melhor é que ele estava disponível para voltar de imediato — e sabia compor. Um breve telefonema de Tony mais tarde e Dave estava dentro. Mas se Walker imaginava que estava entrando em um emprego dos sonhos com uma superbanda de rock, ia ter uma grande surpresa. Chegando em Monmouth num dia especialmente frio e chuvoso antes do Natal de 1977, ele não se sentiu muito seguro com a cena que encontrou. Tony parecia feliz em vê-lo — pelo menos, alguém com quem pudesse compor e que estava feliz por entrar na banda. Mas Tony não falava muito. Você deveria simplesmente saber o que ele estava sentindo a todo momento. Dave podia aguentar isso, a guitarra de Tony é que falava por ele. O vocalista rapidamente começou a trabalhar no novo material, incluindo três músicas que acabariam sendo gravadas no próximo disco do Sabbath. Geezer, que não conhecia Dave, estava quieto, no entanto, distante, preocupado, Dave imaginou, com a perspectiva de um novo letrista na gangue. Enquanto Bill… Bill só falava com Bill nesses dias, parecia, quando estava sóbrio o suficiente para isso. Olhando para esses dias, Dave parecia localizar na ausência de Ozzy algo que ainda flutuava no ar sobre eles, fazendo com que um ambiente precário ficasse ainda mais estranho e mais dissoluto. Ele se lembra que Ozzy uma noite se juntou a eles para beber em um pub. “Fiquei com muita pena dele porque estava num péssimo momento, acho, naqueles dias. Senti então, sabe, que Ozzy não tinha realmente certeza do que estava fazendo. Ele não tinha certeza de que a coisa correta era sair do Black Sabbath.” Trabalhar com o resto da banda era “como ir para casa e não saber onde você estava”. Talvez. Mas isso não o impediu de “escrever uma porrada de letras” para eles enquanto estava ali. Novas fotografias da banda também foram tiradas, para um anúncio oficial na imprensa musical. Ozzy respondeu rapidamente, dando uma entrevista chorosa no mesmo mês para Tony Stewart da NME. Isolado por uma lareira crepitante na sala enorme de sua casa em Staffordshire, ele, assustado, contou ao repórter que se não saísse do Sabbath “eu estaria morto em dois ou três anos [e] não acho que haja algo pelo qual valha a pena entregar sua vida”. Ele falou que estava em uma “bebedeira contínua” havia dois anos, mencionando sua culpa por desapontar os fãs, “porque nunca mais vai ser como antes novamente para as pessoas que gostavam do Sabbath”. Porém ele não tinha escolha. “Eu não vou falar que a banda me ferrou. Mas havia muitos choques pessoais.” Ele admitiu que não tinha gostado de Technical ecstasy, no entanto estava cansado de tocar as mesmas velhas músicas toda noite em turnês. Criou paralelos com os primeiros clássicos do Sabbath e a nova onda emergente das bandas punk. “Não estou dizendo que éramos punks antes do punk, mas de nossa própria

forma éramos o que os grupos punk são agora: um bando de gente. Não quero tocar isso, porém gosto dessa nova onda porque você não precisa ser um neurocirurgião para ouvir isso. É só uma música com o pé no chão, simples, que as pessoas conseguem tocar em uma lata.” Principalmente, ele havia decidido, era a indústria que estava na verdade destruindo o Sabbath. “A indústria”, ele declarou, “é como uma maçã vermelha na frente com um grande ferrão na parte de trás.” No final, ele também anunciou, profeticamente, que estava formando sua própria banda, que seria chamada de Blizzard of Ozz. “Vou fazer tudo de novo”, ele deu de ombros, “mas vou fazer de uma forma confortável. Não vou mais me deixar prostituir novamente.” Em janeiro de 1978, o “novo” Sabbath marcou o novo ano ao tocar ao vivo em um programa de almoço numa sexta-feira, em Birmingham, chamado Look Hear, apresentado por Toyah Willcox, tocando “War pigs” e uma nova faixa composta com Dave chamada “Junior’s eyes”. Amigos e funcionários do escritório de Don e a gravadora disseram que era maravilhoso e previram coisas grandes para a nova formação. Por trás das cenas, no entanto, Don não estava nada encantado. Mas ele esperou para se mover e quando se mexeu foi decisivo. Duas semanas depois, o pai de Ozzy morreu. Era 20 de janeiro, a mesma data em que sua filha mais velha, Jessica, tinha nascido, sete anos antes. Ozzy mais tarde contou ao jornalista David Gans como, durante os últimos dias de seu pai no hospital, ele tinha sido tirado da enfermaria principal para um quarto lateral, onde os esfregões e baldes eram guardados normalmente. “Era muito estressante para o resto dos pacientes, então eles o colocaram numa cama dobrável, um tipo de berço, um berço gigante. Eles o amarraram… como um boxeador, uma porra de bandagens nas mãos, com um tubo de glicose no braço. Ele estava chapado o tempo todo. Sabe, a coisa mais incrível que ele me falou. Contei a meu pai um dia: ‘Eu uso drogas’. Disse a ele: ‘Antes de você morrer, vai usar drogas?’. Ele respondeu: ‘Prometo que vou usar’. Ele estava tomando morfina. Totalmente doido com a morfina, porque a dor deve ter sido horrorosa. Eles fizeram a operação na terça e ele morreu na quinta… Eu ainda não aceitei. Dia 20 de janeiro, fico louco e uivo como um lobisomem. Choro e rio o dia todo, porque é o dia em que minha filha nasceu e o dia em que meu pai morreu. Como um porra de um lunático.” Um mês depois, Ozzy estava de volta ao Sabbath, e eles estavam em Toronto fazendo um novo disco. No final, o dinheiro foi mais importante, como sempre aconteceria com Ozzy e Sabbath. Don deu a má notícia para eles: não podiam esperar o mesmo nível de adiantamento de suas gravadoras ou promotores de concertos com o que ele chamou, sem nenhum carinho, mas também sem injustiça, “este ninguém do caralho” à frente da banda. Especialmente não agora que Ozzy queria voltar. Ou como Ozzy mais tarde me contou: “Não sabia que merda eu queria. Tudo o que eu sabia era que estava a caminho de estar quebrado de grana se não conseguisse algo, mas eu estava tão fodido que sabia que nada ia acontecer. Então quando eles disseram: ‘Ah, estamos indo para o Canadá, você quer vir também ou o quê?’. Pensei: bem,

que outra coisa tenho a fazer?”. No entanto, todos ficaram felizes. Todos menos Dave Walker, que foi dispensado, mas pelo menos sentia que seu tempo deveria ser compensado com alguns créditos de composição no novo disco. Porém quando Don vetou isso também — “As pessoas só estavam interessadas em Ozzy cantando as letras de Ozzy”, ele me contou, com aquele típico duplo discurso de profissional endurecido da indústria de música, esquecendo o fato de que Ozzy dificilmente escrevia as letras —, Walker se tornou uma nota de rodapé na história do Sabbath. Um verdadeiro sinal das coisas que viriam, agora e no futuro. Pois a história do Sabbath seria longa e geralmente dolorosa, mas foi tantas vezes reescrita que hoje os quatro membros originais só concordam no que é mais circunspecto, dependendo de quem está pagando a conta. Uma atitude que começou com o que era efetivamente a verdade final do Black Sabbath: o ironicamente, mas, em retrospectiva, bastante correto título de Never say die. Don Arden tem uma frase muito famosa: “Você não pode polir um cocô”. Isso nunca ficou mais claramente demonstrado do que no abismal Never say die. Até Tony Iommi mais tarde confessaria que esse foi um disco que “ninguém na banda gostou”. Um compêndio de ideias meio cozinhadas, processadas através de um prisma de cocaína, álcool, maconha e uma frouxa visão que os levou a acreditar que tudo que tinham a fazer para contemporizar o som do Sabbath e colocá-lo em linha com a nova ideologia musical punk era aumentar a velocidade dos riffs, como exemplificado pelas faixas calamitosas, como “Johnny Blade” (“the meanest guy around his town”, o pior cara da cidade) e “Hard Road”, que parece mais uma volta a seu passado de blues dos anos 1960 do que um novo presente punk. Ensaiando desde as nove da manhã num cinema pouco usado onde o aquecimento não estava funcionando, eles fariam jams com casacos e cachecóis, bufando e tentando se esquentar, enquanto tocavam músicas como “Shock wave” e “Air dance”, depois paravam para jantar e quase não falavam um com o outro antes de ir para o Sound Interchange Studios, para gravar o que tinham composto. Como se quisessem enfatizar a mudança em suas vidas, “o estúdio acabou sendo um lixo”, afirmou Tony. Ele se culpava. Só tinha alugado, contou, porque tinham falado que os Stones haviam gravado recentemente ali. “Mas o som era muito morto.” Eles tentaram enrolar os tapetes para trazer alguma vida à acústica abafada, mas quando isso não funcionou eles simplesmente jogaram tudo fora e gravaram correndo para terminar o mais rápido possível. Não ficou tão mal. Várias das faixas, incluindo “Over to you”, “Junior’s eyes” e “Swinging the chain”, tinham sido compostas enquanto Dave Walker estava na banda. Mas Ozzy “se recusou” a cantar qualquer uma das letras de Walker, forçando Geezer a reescrever “Over to you” e Bill a cantar os vocais de “Swinging the chain”; enquanto a banda simplesmente enganou Ozzy dizendo que “Junior’s eyes” tinha sido reescrita quando nem mesmo possuíam uma base musical para construir em cima dela. Mas outra faixa da era Walker, “Breakout”, simplesmente se tornou instrumental, com uma falange de saxofones para

acrescentar um pouco de cor, pois era mais fácil do que tentar pensar em outra alternativa. A coisa toda, disse Tony, “estava predestinada ao fracasso do começo ao fim”. De acordo com Ozzy: “O que aconteceu foi que no final estávamos compondo a música pelos motivos errados. Estávamos cansados. As drogas e o álcool estavam cobrando sua conta e é verdade que as coisas que [mais tarde] falei sobre Tony eram um pouco injustas porque estávamos todos fodidos e esperávamos que ele nos tirasse da merda. Por isso ele iria passar dias no estúdio e estava em seu ambiente. Mas a gente deixou tudo nos ombros dele para fazer um bom disco, e se não fosse bom e não gostássemos, ficaríamos condenando-o secretamente, em nossas cabeças”. Geezer concorda. “Era horrível. Odiei aquele disco. Odeio muito aquele disco. Até hoje, não consigo aguentar aquela porcaria, porque é um tanto falsa.” O único ponto positivo era a faixa-título, um thrash frenético que realmente não teria ficado deslocado num disco do Sex Pistols. Não havia nem um solo de guitarra, só um riff esplêndido rápido que entrou, fez o que tinha que fazer e foi embora, deixando o ouvinte sem fôlego e impressionado. Quando foram convencidos a lançá-lo como single, “Never say die” se tornou o primeiro single de sucesso na Grã-Bretanha desde “Paranoid”, oito anos antes. Eles até voltaram ao estúdio do Top of the Pops, em maio, para fazer um playback. Nesse momento, estavam no meio do caminho de uma turnê de 29 dias no Reino Unido, incluindo cinco shows em Londres e quatro em Birmingham. Com o disco chegando ao 12o lugar nas paradas, parecia que os fãs em casa ainda os adoravam, não importava com que afinco os quatro membros da banda tentassem manchar a lenda. Mesmo assim, conta Geezer, “havia um clima horrível na banda. Ozzy realmente só estava ali porque não tinha outra perspectiva. Nenhum de nós na verdade gostava das músicas que estávamos tocando, mas não conseguíamos compor nada melhor. E a gente só fez aquilo, gravou o disco só por gravar e depois [fizemos a turnê]. A turnê foi ótima, mas estávamos com o Van Halen, e o Ozzy simplesmente ficou perdido. Ele achava que o Van Halen era dez vezes melhor do que a gente”. Fora do palco, eles tentavam se divertir. Paul Clark lembra-se de uma piada que envolveu a tentativa de convencer Geezer de que seu motorista e roadie pessoal, apelidado de Concorde porque tinha um nariz enorme, “não era nada mais do que um fazendeiro fedido. Era um garoto legal, mas a gente tirava um sarro dele, dizendo para o Geezer: ‘Puta merda, o cara fede! Ele se cagou?’. E Geezer ficava dizendo: ‘Não estou sentindo nenhum cheiro, me deixem em paz’”. Copiando a piada antiga com Bill, uma noite depois do show Paul e Tony jogaram um pedaço enorme de gorgonzola no aquecedor do carro de Geezer. Como ele morava então na cidade de Clows Top, nas Midlands, tinha pedido que Concorde o levasse para casa toda noite. “No dia seguinte”, conta Paul, “Geezer entra e tem um lenço cobrindo o nariz. E tem um monte de desodorantes pendurados no espelho, para que o carro cheire melhor. Literalmente, dúzias deles. Ele diz: ‘Você precisa demiti-lo! Contrate outro motorista para mim! Não consigo respirar no carro!’. Eu e Tony estávamos tentando não rir.” No entanto, foi Bill, como sempre, que recebeu o maior impacto do “humor” de Tony.

Pouco antes de entrarem no palco no Ipswich Gaumont, em maio, Bill colocou o que ele achava ser sua nova “roupa punk” — calça e jaqueta camufladas compradas naquele dia, mais cedo, numa loja próxima da Army & Navy. Quando perguntou a Tony o que ele achava de sua nova roupa, Tony respondeu: “Uma merda”. Bill insistiu: “Não, fala sério, Tony”. Tony desaprovou: “Chocante”, saiu e voltou com um balde de água e jogou sobre Bill. “Como posso entrar no palco assim?”, reclamou Bill, mas Tony já tinha ido embora, correndo pelo corredor e rindo… No entanto, as coisas sofreram uma virada menos engraçada quando a turnê chegou a Glasgow e Tony descobriu que havia um “velho amigo” da Melody Maker ali: Allan Jones. Tony nunca esqueceu o famoso jornalista pelos ataques que tinha feito à banda anos antes. Decidiu que era hora de se vingar. Pediu que Paul convidasse Jones para o camarim “para cumprimentá-lo”, e Tony estava tirando seu caro relógio de pulso quando Jones entrou. Quando esticou a mão para cumprimentá-lo, Tony mandou o que mais tarde descreveu como “um excelente gancho de esquerda” no queixo do jornalista. Naturalmente, ganhou as manchetes da Melody Maker e outras revistas na semana seguinte e fez com que a banda tivesse sua reputação mais arranhada com as plateias punks mais militantes, mas Tony não estava nem aí. Isso não tinha a ver com a música. Isso era pessoal. Lembrando-se do encontro anterior, Tony explicou como ele havia conhecido Jones na estação e o levou de carro para sua casa em Leicestershire, onde eles jantaram. “Foi tudo bem”, contou Tony. Exceto que, mais tarde, Jones tinha cometido o pecado capital, para o guitarrista, de criticar e tirar um sarro de seu estilo de vida. “Ele esperava que eu vivesse em uma caverna. Ele tirou um sarro porque eu colecionava antiguidades e quadros.” Jones zombou de sua crescente coleção de quadros “que a maioria das pessoas não teria espaço para colocar em suas casas”. A gota d’água, no entanto, foi quando, de acordo com Iommi, Jones tirou um sarro de seus enormes pastores-alemães, que, ele afirmou, “o atacaram”. Cedo ou tarde, Tony decidiu enquanto dividia outra monstruosa carreira de cocaína, Jones teria de pagar. Em Glasgow, maio de 1978, ele pagou. Por fim, Tony decidiu, todos eles teriam que pagar. E no final do mesmo ano, eles pagariam. Começando com Ozzy. Antes de se voltar contra o resto da banda e qualquer um que ficasse no seu caminho… No final daquele ano, o Black Sabbath era tronco oco queimado. Eles tinham passado a maior parte do ano em turnê com o Van Halen, um novo contratado da Warner Bros. que ameaçava fazer mais para desestabilizar o Sabbath do que qualquer quantidade das melhores bandas de punk poderia fazer. Com os anos 1970 chegando a seu inglório fim, nenhuma banda de rock resumia melhor a mudança de guarda do que a rapidíssima Van Halen. Liderada por David Lee Roth, outro palhaço com capacidade vocal limitada, mas apelo convincente, Roth era quase sete anos mais jovem que Ozzy e dez vezes mais atlético; seu treinamento em artes marciais e montanhismo faziam com que parecesse voar no palco. O guitarrista deles, Eddie Van Halen, era ainda mais impressionante. A um mundo de distância do tipo de estilo clássico

de Iommi com sua orientação ao blues, Eddie tinha levado a guitarra de rock a um novo nível, introduzindo um estilo que iria dominar o som do futuro do rock nos anos 1980: o shredding. Um verdadeiro virtuoso, ele também trouxe uma mala de truques totalmente nova para a mesa, incluindo o finger-tapping (embora ele não usasse este nome), que iria dominar a forma como a geração de guitarristas dos anos 1980 tocaria seu instrumento até os dias de hoje. O disco de estreia, homônimo, instantaneamente visto como um clássico, havia sido lançado naquele mesmo ano e já estava a caminho de ganhar platina nos Estados Unidos quando Never say die chegou, mal produzido e mal-amado, às lojas de discos do país. Quando o disco do Sabbath quase nem entrou no Hot 100 dos Estados Unidos, não foram só os críticos que agora estavam comparando desfavoravelmente o Sabbath com sua banda de abertura. Para fãs, não poderia existir um contraste maior entre a velha banda em rápida decadência e a nova em rápida ascensão. Previsivelmente, a banda começou a xingar sua “presunçosa” banda de abertura. Paul Clark tentou consolá-los dizendo que eles estavam “pagando para o Van Halen ser famoso”. Mas nos bastidores Tony Iommi sabia a verdade. Encantado com as novas técnicas incríveis de Eddie Van Halen, ficou amigo do jovem guitarrista, levando-o para seu quarto de hotel, onde eles passavam a noite cheirando o aparentemente infinito suprimento de cocaína de Tony. Como se ficando amigo, ele pudesse ser como um mentor que recuperaria a própria credibilidade do Sabbath. Como se eles fossem simplesmente dois lados da mesma moeda. Mas a verdade era muito evidente. Não era apenas que o Sabbath se apoiava na banda de abertura para vender entradas para eles — estavam rotineiramente sendo ofuscados no palco toda noite. Em qualquer outro momento, eles teriam se livrado da banda, mas dessa vez não tinham como fazer isso. A menos que quisessem cancelar a turnê e voltar a tocar em teatros e clubes. No entanto, ninguém, nem mesmo Ozzy, ficou amigo do bizarro David Lee Roth. Um cara que abandonou a faculdade, filho de um milionário cirurgião oftalmologista, Roth tinha um QI acima da média e sua personalidade exuberante se equilibrava sob um pavio curto. Ele era, na verdade, tudo o que os quatro membros da Sabbath não eram: de família rica, inteligente, de classe alta. Pior de tudo, parecia feliz. “A gente começou tendo problemas”, conta Tony; “isso e as drogas e todo o resto fizeram com que a banda começasse a se despedaçar. Provavelmente deveríamos ter parado antes.” Em vez disso, o Sabbath continuou até o final amargo, que aconteceu sem misericórdia, com dois shows no Tingley Coliseum, com seu nome nefasto,[1] em Albuquerque, Novo México, duas semanas antes do Natal de 1978. Eles não sabiam ainda, mas seria o último show de Ozzy com a banda. Quando a turnê finalmente terminou, todos foram para casa na Inglaterra, mas qualquer esperança de umas férias prolongadas foram logo frustradas quando Don Arden, agora vivendo em Los Angeles, onde o ELO estava no auge de seu sucesso norte-americano, insistiu

que o Sabbath também se juntasse a ele permanentemente em Hollywood. Aliviaria a carga de impostos se eles voltassem a morar fora da Grã-Bretanha e os aliviaria da odiosa tarefa de estar sob a influência da imprensa musical britânica, que agora estava voltando suas armas contra os velhos “dinossauros” do rock setentista. Mais importante, isso manteria a banda sob o controle de Don, cujo império tinha se expandido a ponto de dar a ele a sensação de poder consertar tudo — até a chamuscada carreira do Black Sabbath. Agora vivendo na vasta mansão e terras que antes eram de Howard Hughes — “Que eu comprei à vista, em dinheiro!” —, amigo íntimo do chefe da máfia de Nova York, Joe Pagano, contribuinte do Partido Republicano, junto com seu outro bom amigo, Tony Curtis, e ganhando dinheiro rápido como empresário do ELO, Air Supply, Sabbath e várias outras bandas que ele estava agora reposicionando em seu novo selo Jet Records, Don não se via como o gângster que andava armado da indústria musical britânica, mas como um player importante na indústria de entretenimento norte-americana. Ele sabia que Tony e o Sabbath estavam em péssima forma. Tudo bem! Ele os instalaria numa das várias propriedades espaçosas que tinha e resolveria tudo, era só esperar e ver. Começando com um novo e desproporcionalmente alto adiantamento para o próximo disco da Warner Bros., tudo o que Tony e a banda tinham que fazer era compor. Havia outra razão mais obscura pela qual o Sabbath agora recebia o status de filho favorito do Don: Tony tinha começado recentemente um caso não tão secreto com a filha de Don: Sharon. “Foi louco”, Don me contaria anos depois. “Ela estava louca, apaixonada por ele, era o que parecia para mim. Mas ele não queria saber. Era músico. Tinha esposa e filho em casa. Para ele, era só algo passageiro. Quando ela percebeu que ele não sentia o mesmo, ficou doida.” Ele riu, mas seus olhos continuaram frios e duros enquanto dizia isso. Na verdade, Tony e Sharon tinham muito em comum. Os dois eram bastante vulneráveis — ele com uma carreira rapidamente se desintegrando e um vício em drogas que estava piorando, ela com os mesmos problemas de autoestima que sofria desde criança —, eram do tipo que disfarçavam essas inseguranças com uma cara ousada, aparentemente inexpugnável. Duas pessoas carentes em busca de curas rápidas que, no final, não iriam satisfazer nem um, nem outro. Sharon Arden era a filha de Don Arden, e alguém que tinha ganhado um espaço na indústria musical anos antes trabalhando com várias das principais bandas do pai. Durante os anos e décadas seguintes, Sharon pegou Ozzy e o transformou em uma estrela maior do que Tony Iommi poderia ter sonhado, a ponto de Iommi terminar voltando, de chapéu na mão, praticamente feliz por reviver a formação do Black Sabbath, um lance inteiramente organizado por Sharon Osbourne, como ela agora se chamava. Tony, por sua vez, sentia-se obrigado a fazer Sharon feliz enquanto o pai dela ainda tinha as chaves para seu renovado sucesso. Ele gostava de Sharon. Ela era alegre, aventureira, inteligente e divertida. Mas ele não estava apaixonado. Nessa época, Tony conheceu um notório dr. Feelgood de Hollywood — o dentista dr.

Max Shapiro. Shapiro tinha sido o dentista favorito de Elvis Presley na época da morte cheia de controvérsias do cantor, dezoito meses antes. Conhecido por suas “visitas caseiras” a qualquer hora, Shapiro mais tarde seria acusado como um dos vários médicos que regularmente davam receitas a Presley para drogas pesadas, incluindo cocaína líquida. Clark conta que o dr. Shapiro agora prescrevia cocaína farmacêutica rotineiramente para Tony, entregues em formato de grandes pílulas. “Uma [pílula] seria como um grama de pó”, ele calcula. “E elas vinham nesses frascos com umas quinze pílulas. Na verdade, Tony tinha uma coisa, acho que era um apontador de lápis, e ele colocava [uma pílula] nessa máquina e triturava.” Depois cheirava. Clark lembrase que Shapiro vinha ao estúdio onde o Sabbath supostamente estava trabalhando. “O cara estava coberto de cicatrizes.” Ele desaparecia em uma sala com o guitarrista, realizava um “exame” qualquer na boca dele, então dava uma receita, que Tony pagava em dinheiro. Nem mesmo as pílulas mágicas do dr. Shapiro conseguiam levantar o humor do guitarrista, que lutava para criar algum material novo para outro disco do Sabbath. Quase toda semana Don ou a gravadora vinha perguntar como estavam indo, e Tony mentia e dizia que tudo estava indo bem. Mas, na verdade, ele nem sabia onde estava o resto da banda, na maior parte do tempo. Então, quando eles surgiam, isso só aumentava a frustração, já que nenhum deles parecia ter alguma ideia. Ozzy, em especial, agora começava a incitar mais a raiva de Iommi. Tony suspiraria quando lhe perguntei, alguns anos depois, se ele culpava Ozzy pelos problemas da banda naquela época. “Acho que sim, de alguma forma. Você também culparia na época. Acho que todos culpavam um ao outro, porque estávamos passando por estranhos estágios de… Não sei se eram as drogas ou o quê, mas era definitivamente… Complicado. Por causa da saída e volta de Ozzy, todos tínhamos esses traumas vivos. Era muito difícil lidar com tudo aquilo. E acho que a gente ficava puto com a situação, com a forma como tudo estava acontecendo.” Eles estavam em Los Angeles havia uns meses, “e não tínhamos feito basicamente porra nenhuma — tirando as toneladas de drogas. Estávamos ensaiando, nada acontecia, e Ozzy, acho, estava passando por muitos problemas na época. Ele estava se enfiando cada vez mais nas drogas e a gente também, e tudo foi caindo aos pedaços. Tudo explodiu, e simplesmente tínhamos que fazer algo”. De acordo com Geezer, a gota d’água se deu quando todos chegaram ao estúdio um dia e encontraram Ozzy deitado inconsciente numa poça do próprio mijo. “Tony simplesmente disse: ‘Não consigo trabalhar mais com ele. Ele não está mais interessado, precisamos admitir. Ozzy não está mais interessado; então, ou continuamos aguentando ou conseguimos outro cara’.” De acordo com Tony, no entanto, quando falei com ele, foi Geezer e Bill que deram o ultimato. “Bill e Geezer me procuraram e disseram: ‘Olha, sabe, temos que fazer algo. Ou Ozzy sai ou nós vamos sair’. Eu disse: ‘Oh, obrigado deixe comigo’, sabe? Então só cheguei a uma situação onde tivemos que dizer a Ozzy: ‘Olhe, se você não fizer algo vamos ter que encontrar outro vocalista’. Realmente chegou a esse ponto, que foi horrível. Mas a banda ia se

separar então… Foi que aconteceu, realmente.” Na verdade, todos eles têm suas próprias versões de como e por que Ozzy foi demitido do Black Sabbath. De acordo com Geezer, ele ficou tão consternado com o que sugere que tenha sido uma decisão de Tony expulsar Ozzy que ele mesmo saiu da banda logo depois. “Eu chorei por dois dias. Porque sempre falei: ‘O Sabbath somos nós quatro — Ozzy, Tony, Bill e eu. E se algum de nós sair ou for expulso, não é mais o Black Sabbath’.” E não era. Geezer ficou tão bravo que “algumas semanas depois que o Ozzy saiu, também saí. Eu também estava com vários problemas pessoais e não conseguiria seguir sem o Ozzy. Então fiquei fora por uns três meses”. Bill, que os outros obrigaram a dar a notícia a Ozzy, agora afirma que ele também ficou devastado pela decisão da qual nunca se recuperou totalmente — uma situação que levou a sua própria e complicada saída da banda quase um ano depois. “Eu me senti muito mal sobre as circunstâncias que cercaram a coisa toda sobre o Ozzy e ter que pedir que ele saísse, e eu nunca deixei de me sentir mal por isso.” Até Ozzy daria sua própria versão da história várias vezes ao longo dos anos, uma vez afirmando que ele exagerou para ser deliberadamente demitido, depois de receber conselhos de um advogado, que nunca disse o nome, que o avisou que se ele concordasse em sair, perderia todo dinheiro a que tinha direito. A primeira coisa que Ozzy ficou sabendo, no entanto, foi que ele teria que deixar a casa onde estavam morando em Beverly Hills. Uma empregada veio e empacotou suas coisas, e um motorista foi chamado para levar Ozzy para o hotel Le Parc, em West Hollywood, onde um pequeno apartamento tinha sido reservado para ele. “Eu estava pensando: ‘Ei, não gosto do que está acontecendo aqui, mas e se eu estiver pulando da frigideira direto para o fogo?’. E quando realmente entendi que estava fora, fiquei devastado! Porque pensei, agora é isso, está tudo terminado, estou de volta à vida de merda, perdi tudo. Então foi tudo que fiz quando acabei realmente expulso da Califórnia… Acho que Bill me contou que eles tinham feito uma reunião e que eu tinha de sair… Simplesmente fiquei destruído, sabe? “Então eu me tranquei num apartamento no Le Parc. Não saí do meu quarto. Não abri as cortinas ou deixei a empregada entrar por três meses. Costumava pedir pizzas Dominos, meu fornecedor de coca vinha todo dia e eu pedia cerveja e álcool do Gilson’s na Sunset porque eles entregavam ali. Essa é a beleza da Califórnia, tudo que você quiser, dá para entregar, não é preciso sair nem para comprar papel higiênico. Tudo é entregue se você quiser. Eu estava pensando, ah, bem, eu poderia fazer minhas últimas loucuras e depois me preparar para a porra do big bang. Na verdade, tive mais dinheiro naquele momento, com minha saída, com a venda da minha parte do nome do Black Sabbath, do que nunca. Acho que recebi 96 mil libras e fiquei tipo: ‘Porra, cara! Noventa e seis mil! Não acredito!’. Era a primeira vez na minha vida que eu tinha tanto dinheiro.” Don ficou furioso ao ver que a expulsão de Ozzy acontecia no pior momento possível para a banda. Já lutando para convencer a indústria de que o Sabbath ainda tinha força comercialmente, isso passava decididamente um péssimo sinal. Mas Tony estava determinado.

Ou era o Ozzy ou ele. E mesmo Don não era arrogante o suficiente para acreditar que ele poderia reconstruir o Black Sabbath sem seu principal compositor. O que ele estava convencido, no entanto, era que se Ozzy realmente fosse expulso, ainda haveria a possibilidade de uma carreira solo para ele. Dessa forma, e para criar um paraquedas para o vocalista fora do Sabbath, ele foi contratado — com um adiantamento modesto, que essencialmente consistia no pagamento de suas despesas do dia a dia — pela Jet Records. Sempre capaz de encontrar uma forma de ganhar dinheiro no meio da confusão financeira, Don raciocinou que a separação poderia até ser algo bom — se isso o deixasse como empresário de duas bandas de rock potencialmente bem-sucedidas. Tudo dependia exatamente de quem o Sabbath conseguisse para substituir Ozzy. Não seria fácil, Don sabia, mas já pensava em vários substitutos possíveis que poderiam dar conta. No entanto, antes de conseguir discutir esses nomes com a banda, Tony já tinha se decidido. “A porra de um anão!” Don ainda gritava com desprezo quando discutimos o assunto vinte anos depois. “A porra de um anão, era esse que eles queriam! Falei para eles: ‘Não podem ter a porra de um anão à frente do Black Sabbath. Todos vão rir de vocês!’. Mas era quem eles queriam, então mandei à merda. Pensei, sou muito velho, muito rico, muito inteligente para esta merda. E foi isso.” O anão em questão era, na verdade, um dos vocalistas mais representativos do rock no final dos anos 1970. Alguém baixo em altura, mas alto na estatura, com uma voz que parece um leão rugindo e um impulso e ambição — e talentoso na composição —, que iria conseguir o que parecia totalmente impossível naquele longo, quente e confuso (principalmente pela cocaína) verão de 1979: realmente recuperar o Black Sabbath, torná-lo maior e melhor do que antes. Seu nome era Ronnie James Dio e ele representava um futuro. Gostassem ou não Tony, Geezer e Bill… “Não tem a ver só com ser capaz de cantar.” Ronnie James Dio me contaria mais tarde, quando o sangue tinha coagulado e o fogo já havia sido apagado. “Tem a ver com ser capaz de formar uma ponte entre você, a banda e a plateia. Em algum lugar toda essa energia pode se encontrar — e explodir!” Ao contrário de Ozzy Osbourne, cuja atuação como palhaço triste era parcialmente por seu caráter, forjada em uma infância terrível de pobreza e humor negro, e parcialmente pelo peso coletivo da própria baixa expectativa do Black Sabbath sobre eles mesmos e os outros, Ronnie James Dio se via como um matador de dragões, um alquimista de sonhos que poderia transformar a situação mais complicada em vantagem pela força poderosa de sua vontade de ferro. Como Ozzy, ele gostava de uma piada; ao contrário de Ozzy, você nunca sonharia em rir de Ronnie — pelo menos não na sua cara. E onde Ozzy parecia simplesmente ir à deriva em sua carreira, ou caindo no primeiro obstáculo ou de alguma forma saltando da pilha por pura

sorte, Ronnie via muito seriamente todos os passos de sua carreira. Ele não era tão alto quanto Ozzy, não tinha um bom visual, nem era fácil, mas podia entrar na mente da plateia e ficar ali como um verme mental, como uma força da natureza, como o vento e a chuva, que ele parecia ser capaz de comandar sempre que abria a boca para cantar e aquela voz incrivelmente poderosa saía, renascia, o sol que sempre se levanta, logo depois da parte mais fria da aurora mais escura. Um produto daquela era original, livre de ironias de frontmen de rock totalmente honestos, ele me contou: “Quando subo no palco e canto, gosto de imaginar que estou olhando nos olhos de todas as pessoas na plateia, que estou cantando especificamente para elas. Mesmo quando estou só falando para elas, apresentando uma música, nunca grito, simplesmente falo com elas como se fosse uma conversa particular. Em parte, é porque sempre odiei frontmen que simplesmente gritam e olham para a plateia, tratando as pessoas como se fossem uma grande bolha. Sempre achei isso muito rude. E principalmente porque levo muito a sério o que faço. Não me entenda mal, gosto de me divertir ali em cima. Mas realmente falo sério com cada palavra que canto ou digo. E quero que as pessoas saibam disso…”. Nascido Ronald James Padavona em 10 de julho de 1942, em Portsmouth, New Hampshire, filho único de uma família de imigrantes italianos, Ronnie cresceu em Cortland, ao norte do estado de Nova York. Foi criado como católico, mas sua verdadeira religião sempre foi a música. Tendo aprendido a tocar baixo, piano e trompete no colegial, ele entrou em sua primeira banda, os Vegas Kings, aos quinze anos. Começando como baixista, quando a banda mudou o nome para Ronnie & The Rumblers (mais tarde Ronnie and The Red Caps), ele já tinha sido promovido a cantor. Mas só, ele insiste, “porque ninguém mais queria cantar. Não era meu plano liderar a banda”. A primeira vez que cantou, ele disse: “Eu soube que tinha algo. Ao contrário de aprender a tocar um instrumento, aquilo simplesmente parecia algo imediato — um dom”. Mesmo assim, foi sua habilidade como trompetista que inicialmente deu vantagem como vocalista. “Tinha a ver, em parte, com saber como respirar, em parte com o fato de que o trompete tem sua própria voz, sua própria maneira de criar frases. Aprendi muito sobre cantar só por saber como tocar o trompete.” Quando a formação mudou de novo, ele também mudou seu nome decidindo que Padavona simplesmente “não era bom o suficiente, eram os anos 1960, não se esqueçam” — para Ronnie Dio, por causa de uma infame figura da máfia local, Johnny Dio, “que soava mais legal”; a banda se tornou, então, Ronnie Dio and the Prophets. Foram os Prophets que, em 1967, se metamorfoseariam em sua primeira banda de rock de verdade: The Electric Elves — mais tarde com o nome diminuído para Elf. “Foi a primeira banda que tentou fazer material próprio.” Também foi a primeira banda em que tocou que conseguiu algum grau de sucesso. Quando eles assinaram com o recém-criado selo do Deep Purple, o baixista da banda, Roger Glover, se tornou o produtor deles e o Elf foi convidado para abrir os shows da lendária turnê

Burn, de 1974, na qual Ronnie conheceu o homem que iria transformar sua carreira: o malhumorado guitarrista e líder Ritchie Blackmore. “Foi um elogio e tanto para a gente porque o Purple era uma das maiores bandas do mundo na época.” Tornou-se um elogio ainda maior — e imprevisto — quando Blackmore convidou Ronnie e o Elf para se transformarem em sua banda de apoio no que seria seu primeiro disco solo, em 1975, mas na verdade eles acabaram se tornando sua nova banda pós-Purple, pois o guitarrista estava insatisfeito com o direcionamento cada vez mais funk que a música do Purple estava tomando nesse momento. O disco que foi gravado, Ritchie blackmore’s rainbow, Ronnie sempre iria fazer questão de contar, “deveria ter se chamado ‘Ritchie Blackmore and Ronnie James Dio’s Rainbow’”. Ele tinha certa razão. Encantado com a incrível voz e os inexplorados talentos de composição de seu novo vocalista — que resultou em clássicos do metal como “Man on the silver mountain” —, se não fosse pelo potencial da nova parceria com Dio, é de duvidar que Blackmore tivesse tido coragem suficiente para sair do Purple, que estava no auge de seu sucesso comercial, quando isso aconteceu. Como Blackmore mais tarde admitiria: “Eu saí porque conheci Ronnie Dio e era fácil trabalhar com ele. Ele ia originalmente gravar só uma faixa de um disco solo, mas terminamos fazendo todo o disco em três semanas, algo que me deixou muito animado”. No entanto foi o disco seguinte deles, Rainbow rising, que iria alavancar a banda para os anais da história do rock. Lançado em 1976 e apresentando o que é agora considerado a formação central do Rainbow — todos os ex-membros do Elf substituídos por veteranos do rock: o baterista Cozy Powell, o baixista Jimmy Bain e o tecladista Tony Carey —, Rainbow rising estabeleceu o padrão pelo qual todos os discos de heavy metal seriam julgados durante o resto dos anos 1970. Certamente, foi um dos melhores discos nos quais Dio cantaria. “É, eu concordo com isso”, ele disse, sereno. Infelizmente, com a formação se fraturando de novo (nem Bain, nem Carey sobreviveram) antes que a gravação do seguinte pudesse começar, o potencial da banda nunca chegou a ser totalmente explorado. “Foi uma pena, mas era a forma como Ritchie gostava de trabalhar, para manter as coisas sempre renovadas”, Ronnie me contou. Seu olhar frio e duro dizia o resto. Em um ano, Dio também estava sentindo a ponta dura da bota de Blackmore. Eles se separaram porque “não queria fazer o tipo de música que ele queria fazer. Ele queria ser uma estrela pop e eu não queria compor essas coisas. Queria ainda manter as raízes na inteligência e ele queria músicas sobre casos de amor”. Dito isto, Long live rock ‘n’ roll em 1978 foi um disco muito melhor do que os que o Black Sabbath tinha feito em anos. Novamente, Dio compôs todas as músicas com Blackmore (e ocasionalmente com Powell), e quando começaram as turnês parecia que suas preocupações tinham terminado. Não tinham. “As pessoas ainda me dizem como ficaram surpresas quando saí da banda logo depois. A verdade é que também fiquei meio surpreso”, ele acrescentou sarcástico. “No final, foi uma escolha do Ritchie, sim. Mas também foi minha no sentido de que eu não poderia dar o que ele queria. A resposta está no que a banda fez depois que saí, que foram singles como ‘Since

you’ve been gone’. É uma ótima música e foi um grande sucesso para eles, mas não é algo que eu teria composto ou cantado com eles. Era um pop-rock mainstream e era para onde Ritchie queria ir. Se eu quisesse ir nessa direção também, tenho certeza que poderíamos ter continuado a trabalhar juntos. Mas eu não queria.” Ele estava se preparando para começar a compor e gravar seu primeiro disco solo, conta, quando aconteceu um encontro por acaso entre o vocalista e o guitarrista do Sabbath, uma noite, no clube Rainbow, em Los Angeles, que mudou tudo. “Foi o destino”, ele me contou. “Com certeza deve ter sido porque a gente se conectou imediatamente.” Quando Iommi o convidou para ir ao estúdio para uma jam de final de noite, “eu certamente não vi a coisa como um teste. Eram apenas dois músicos se divertindo”. Essa diversão em especial, no entanto, resultou na faixa — “Children of the sea” — que terminaria sendo parte do próximo disco do Sabbath, Heaven and hell. “Tony tinha um ótimo riff que ele tocou para mim, mas nada para seguir. Falei: ‘Me dá um minuto’ e fui até um canto e comecei a escrever a letra. Aí a gente gravou. Quando a gente tocou, era óbvio para os dois que havia algo interessante ali.” Certamente havia. Heaven and hell, lançado no verão de 1980, não só foi o disco mais bem-sucedido comercialmente desde o auge no começo dos anos 1970; não só foi um dos melhores discos do Sabbath de todos os tempos, com ou sem Ozzy; foi também, e permanece sendo, um dos melhores discos de heavy metal de todos os tempos — ponto. “Se me pedissem para apontar um disco que realmente me dá orgulho em toda minha carreira, seria esse”, diz Ronnie. “Claro, há outros que eu amo da mesma forma, mas havia tantos elementos nesse — das viagens pelo mundo para gravar diferentes partes, de como ficamos todos contentes com a música, ao grande sucesso que fez — tudo isso faz Heaven and hell ser muito especial para mim.” Se o resto da banda ao menos se sentisse da mesma forma... [1]

“Tingle” significa “arrepio”, “formigamento”, “picada”, em inglês. (N. T.)

Parte dois Azar para alguns

Sete Noites de Neon FEVEREIRO DE 1980. O hotel George V em Paris. É uma hora da manhã quando Paul Clark abre a porta da suíte de Bill Ward para deixar entrar o encanador do hotel. Bill, que está “mal”, esteve vomitando por horas e agora toda a privada, a pia e a banheira estão entupidas com seu vômito. O encanador levanta as mãos com nojo, mas Paul coloca um rolo de notas de dólar em seu bolso, tira umas notas de cem e enfia no bolso do macacão do cara. Vai demorar alguns dias para “monsieur le plombier” desentupir todos os canos, nesse momento Bill já vai ter deixado o lugar. Mas, por enquanto, ele foi levado a um pequeno salão na absurdamente espaçosa sala de sua suíte, com Paul, a esposa norte-americana de Bill, Misty, eu e um infeliz jornalista da revista Sounds que certamente gostaria de estar em qualquer outro lugar do mundo. Como o recém-contratado RP da banda em Londres, recebi a tarefa de “cuidar” do Black Sabbath. Ao contrário de algumas das bandas com quem tinha trabalhado — Journey, REO Speedwagon e outras —, conheço muito bem a música do Sabbath, pois era fã desde o tempo da escola, quando Paranoid se tornou o primeiro LP que comprei na vida. Nessa época, com 21 anos, já era um veterano de turnês com Thin Lizzy, Dire Straits, Motörhead e Hawkwind, e sentia estar mais qualificado para lidar com todas as vicissitudes que o Black Sabbath poderia ter. Estava errado. Sem saber como a carreira deles estava se equilibrando em uma situação complicada, fui recebido pelo que parecia ser uma crônica apatia por um lado — depois de anos sendo chutados pela imprensa britânica, parecia que Tony e Geezer simplesmente tinham desistido, sem nem prestar atenção em quem eu era ou quais eram meus planos para a próxima campanha — e um desejo exagerado por glória do outro, que me colocava de forma permanente com o pé atrás, vindo de seu ultra-ansioso novo vocalista, Ronnie James Dio, que queria que as coisas saíssem perfeitas. Sempre. E também estava o Bill. Quando Bill não apareceu em nenhuma de nossas reuniões iniciais, ninguém viu nenhum problema. Bill estava mal, eles disseram, quando perguntei. Ou Bill simplesmente estava em outro lugar. Ninguém sabia onde; eles falaram. No entanto, ele certamente estaria na sessão de fotos que eu tinha organizado em Sacré Coeur, Paul me garantiu. Quando ele apareceu, fiquei surpreso, depois consternado, pois pude vê-lo de perto. Os olhos escuros como um panda, o cabelo desalinhado, uma barba cheia, a barriga de cerveja aparecendo por cima de um cinto desgastado. Fui me apresentar. “Que merda estamos fazendo aqui?”, ele perguntou desesperado, como se olhasse através de mim. “Vamos tirar umas fotos, Bill, para a imprensa…”

“Não me importa isso”, ele interrompeu, quase como se suplicasse. “Quero saber por que estamos fazendo pose na porra do frio quando deveríamos estar no estúdio trabalhando no disco.” “Não ligue para o Bill”, Paul me disse, afastando-me. “Deixe que eu tomo conta dele.” “Paul!”, contestou Bill. “Que porra estamos fazendo?” De alguma forma conseguimos fazer a sessão de fotos. Mais tarde, quando recebemos as fotos, fiquei feliz por termos imagens suficientes para usar. Então, quando levei as fotos até o hotel da banda para mostrar, descobri que Geezer e Bill tinham raspado as barbas grossas que tinham deixado crescer em Paris e que teríamos que fazer outra sessão. Enquanto isso, de volta à suíte de Bill nas primeiras horas de uma manhã de segundafeira, nenhum de nós sabia por que tínhamos sido chamados ali; era como uma cena de algum filme antigo de vampiro. As janelas da enorme varanda tinham sido deixadas abertas, mostrando uma visão da Torre Eiffel, o ar da noite de inverno esfriando o quarto, onde o aquecimento parecia estar ligado no máximo. Bill e Misty estavam usando robes de banho, o de Bill aberto até a barriga, o que fazia com que você fechasse os olhos cada vez que ele se sentava e cruzava as pernas ou se abaixava para encher o copo. Misty estava mais arrumada, mas seu rosto, inchado pela bebida ou talvez pelo choro, ou quem sabe pelos dois, e seus olhos, como dois machucados negros, o cabelo sujo, tinha uma aparência de um paciente à beira da morte. Eles eram um casal muito doente. “Tenho uma surpresa para você”, Bill anunciou quando todos encontramos algum lugar para sentar que permitisse não olhar muito de perto para eles. Havia um cheiro de vômito no ar. Vômito e cigarro e álcool e… algo mais. Ozzy se lembraria como, naquele momento: “Estávamos todos fodidos, a cocaína estava sempre por perto e a porra do Demerol [um opiáceo sintético parecido com morfina], morfina, tínhamos tudo ali com a gente”. Havia ainda mais do que o de sempre ali. Dava para sentir. A sensação de briga, explosões de raiva, coisas sendo rompidas no meio da noite. Misty estava parada nas sombras da varanda, olhando como se fosse se jogar. Você tentava imaginar o que tinha acontecido, como eles tinham chegado a esse ponto? Mais tarde, Paul me contou que quando Bill conheceu Misty uns anos antes, “ela só se divertia com Bill. Quando ela apareceu eram só risadas, na verdade. Ela era muito, muito magra. Mas não era boa para Bill porque bebia demais também. Os dois eram terríveis. Em alguns shows, os festivais, a gente tinha uns barris cheios de gelo e cerveja. E quando eles saíam do palco, consigo me lembrar de Tony perguntando: ‘Onde estão as porras das cervejas?’, e ela tinha bebido tudo. Em pouco tempo estava muito gorda. Seu irmão também costumava vir aos shows às vezes. Eles eram um bando de alcoólatras”. “Tenho uma surpresa para vocês”, Bill falou, ficando de pé e cambaleando até onde estava montado um sistema de som. Ele ia tocar para nós o novo disco, Heaven and hell. Só uma ressalva: “Ainda não tem os vocais”, disse Bill, “mas pelo menos vocês podem ter uma ideia”. Oh, a gente tinha uma ideia. Sentamos em nossas cadeiras, enquanto a música retumbava

de dois alto-falantes que Bill tinha montado especialmente no quarto. Sem vocais, mas um monte de baterias e guitarras muito altas. No final de cada faixa, Bill gritava para a gente: “O que vocês acham? Brilhante pra caralho, não?”. A gente assentia e sorria, tentando parecer entusiasmado. De vez em quando eu olhava disfarçadamente para o meu relógio. O tempo passava. Então eu olhava disfarçadamente para Misty. Ela não parecia estar mais feliz do que eu. Ela e Bill estavam vivendo num mundo paralelo ao que o resto do Sabbath vivia. Mais tarde, quando a turnê começou, eu me acostumei a ser chamado ao camarim depois de cada show, assim Bill poderia ditar seu próprio press release para mim. Tudo que acontecia com Bill durante o show, de uma baqueta quebrada até um erro de entrada ou qualquer coisa que achava que precisava de alguma explicação, ele queria que fosse colocado no press release e transmitido de forma urgente para a mídia local em qualquer cidade em que estivessem. Ele se sentava, uma massa de carne branca ensopada de suor, com a cara totalmente doida e me fazia escrever tudo e depois ler de volta para ele. “Agora transmita essa porra hoje!” Então, quando eu saía do camarim, Paul Clark estava me esperando na porta. Às vezes ele pegava o papel, dobrava e colocava em seu bolso. Outras vezes piscava um olho e dizia: “Só jogue no lixo, está bem?”. Quando Ronnie James Dio concordou em se juntar a Tony Iommi, em 1979, o Black Sabbath já era um navio fantasma. Se Dio tivesse entrado no Sabbath um disco antes, a história poderia ter sido diferente para todos eles, incluindo Ozzy. Na verdade, poderia ter realmente acontecido. No verão de 1977, bem quando Ozzy estava a ponto de deixar a banda pela primeira vez, Ronnie tinha começado a fazer um disco com o Rainbow que ele já sabia, no fundo, que seria o último. Se Ronnie tivesse se encontrado com Tony nesse momento, em vez de dois anos depois, o Sabbath poderia ter se poupado a ignomínia de Never say die e, em vez disso, poderia ter relançado sua carreira com o tipo de música que Tony sempre tinha sonhado em fazer: rock melódico de alta qualidade, o tipo de coisa que outros músicos da época teriam admirado mais facilmente do que os riffs vagabundos e os ritmos espasmódicos da formação com Ozzy. O guitarrista do Rainbow, Ritchie Blackmore, teria seguido com seus planos muito antes, voltando sua carreira para uma direção mais “paradas de sucesso”. O único que, dentro dessas probabilidades, teria perdido seria Ozzy. Como ele me diria milhares de vezes nos anos seguintes, sem a eventual intervenção de Sharon Arden, “eu estaria dormindo num banco de praça”. Em vez disso, quando Tony Iommi começou a “fazer jams” com Ronnie James Dio em Los Angeles, na segunda metade de 1979, os dois agora estavam procurando intencionalmente formas de ressuscitar suas carreiras. Encorajado pela armadura emocional que a cocaína costuma emprestar a suas vítimas — pelo menos no começo —, Tony agia como se a demissão de Ozzy fosse a solução dos problemas do Sabbath. A portas fechadas, no entanto, ele tinha medo do pior. Geezer e Bill, que não tinham as personalidades mais fortes, agora se escondiam atrás do escudo farmacológico de Tony. Além do mais, os dois tinham mais coisas

a resolver do que as canções de um novo disco. O casamento de Geezer estava terminando. Embora ele esperasse que sua esposa ignoraria todas as “travessuras” em que ele se envolvia com as fãs do Sabbath, principalmente nos Estados Unidos, onde ele achava que longe dos olhos significasse longe do coração, foi diferente quando suspeitou que ela estava tendo um caso secreto com um amigo músico; Geezer não se recuperaria facilmente e agora tinha caído mais fundo em seu próprio inferno de bebidas e drogas. Quando Tony por fim chutou Ozzy e sugeriu que trouxessem Dio para o lugar, Geezer ficou desconcertado. Sua reação imediata foi apoiar Ozzy. “Tony me contou que tinha conhecido Ronnie Dio e queria fazer um disco com ele. Eu e Ozzy íamos fazer um disco juntos, e Bill estava indeciso sobre se queria ir com Tony ou comigo e Ozzy. Então, no final, estávamos fazendo reuniões o tempo todo um com o outro, e sempre havia traições e gente falando pelas costas, essas coisas.” No final, Geezer simplesmente fugiu e se escondeu. Como Bill, ele tinha ficado tão embaraçado em seus próprios problemas que não conseguia mais ver a situação geral. Também estava entrando em depressão, apesar de não diagnosticada, que iria fazê-lo sofrer durante anos. “Nem sabia o que tinha até fazer exames apropriados e começar a tomar umas pílulas”, ele confessou ao jornalista Joel McIver em 2005. “As pessoas costumavam pensar que eu só estava triste, mas era realmente depressão.” Naqueles dias, no entanto, “as pessoas nem falavam sobre isso”. Se falasse, “você era visto literalmente como um doido. Costumavam falar para que eu me animasse o tempo todo. Você só acha que é parte das bebedeiras ou algo assim, mas não, é uma coisa clínica, algo no seu cérebro”. Na época em que Ozzy foi expulso da banda, a única ajuda à mão era a cocaína e, eventualmente, de forma breve, mas dolorosa, a heroína. “Não conseguiria explicar qual era o clima, mas não havia ninguém para conversar na época. Eles costumavam falar para você sair e levar seu cachorro para passear ou algo assim.” Ao contrário de Bill, no entanto, Geezer teve a sabedoria de dar um passo para trás quando estava na beirada. Mas não antes de se afundar na melancolia por várias semanas. Quanto a Bill, com a saída de Ozzy e Geezer afastado, era o fim do jogo para o Sabbath, e ele não queria ser parte disso. “Há coisas que se apagaram na minha mente, o que mostra como eu estava paralisado por dentro na época. Então tenho poucas lembranças da última parte da nossa carreira. Mas a demissão de Ozzy… Achei que tinha sido algo errado. Em 1984, quando realmente fiquei sóbrio, olhei de novo aqueles acontecimentos e tudo fez sentido para mim. A forma como eu tinha meio que desistido e tinha me virado para dentro de mim mesmo. Odiei o fato de que Ozzy não estava mais com a banda.” Bill tinha descido tanto na hierarquia do Sabbath que agora ele estava em algum lugar abaixo dos roadies, algum lugar perto de onde as groupies e os traficantes se ocultavam na consciência coletiva da banda. Quando eles cortaram a perna de uma de suas calças uma noite, por brincadeira, ele simplesmente apareceu na manhã seguinte com uma perna de fora. Quando Tony tentou colocar fogo nele — de novo — outra noite no estúdio, e Bill reclamou de verdade, ele se arrependeu tanto que voltou uma hora depois e pediu desculpas a Tony antes

de convidá-lo a continuar. “A gente sempre fazia, era como um pequeno show”, Bill insistiria, como se ele realmente gostasse da piada. Dessa vez, quando o guitarrista repetiu — agarrando uma garrafa de um fluído altamente inflamável usado para limpar fitas e jogando sobre os jeans de Bill, para depois atirar um fósforo aceso nele —, quase terminou em desastre. Com Bill rolando pelo chão do estúdio, seu corpo pegando fogo, Tony, rindo, jogou ainda mais fluído nele. Os jeans de Bill se derreteram contra suas pernas com as chamas aumentando de intensidade, agora chegando aos braços e à cabeça, quando ele começou a gritar. “A gente o levou ao hospital”, Paul Clark se lembra agora, “e ele teve queimaduras de terceiro grau por todo o corpo. A mãe de Bill ligou e ameaçou matar Tony. Disse que Bill estava morrendo e que teria que amputar as pernas. Tony se cagou de medo.” Foi como se o Black Sabbath tivesse finalmente se tornado o que seus críticos havia muito o acusavam de ser: um zumbi descerebrado. Oportunistas do rock ‘n’ roll. Ronnie James Dio não era vítima das drogas. Mas suas perspectivas de carreira não eram, certamente, melhores. Sua então esposa, Wendy Dio, lembra-se como, depois que Ronnie tinha sido demitido do Rainbow, eles estavam quebrados. Como foi só uma pequena herança de sua avó recentemente falecida que deu certo alívio. “A gente não tinha nenhum dinheiro, nada.” No Rainbow, Ronnie tinha ganhado uma casa em Connecticut, um carro e um salário semanal de 150 dólares. Tudo perdido quando Blackmore o demitiu em 1978. “A gente veio até Los Angeles, porque era onde sabíamos que havia pessoas com quem poderíamos fazer algo, mas não tínhamos nenhum dinheiro. E estávamos lutando muito. Foram dias difíceis, e, honestamente, quando Ronnie entrou no Sabbath, ele estava falando: ‘Não sei se quero fazer isso ou não’. Eu disse: ‘Ronnie, temos oitocentos dólares no banco, precisamos fazer algo’. A gente teve umas brigas. Fizemos o sacrifício, como dizia Ronnie.” Quando conheceu Iommi, Dio tinha começado a conversar sobre a perspectiva de uma carreira solo, trabalhando com o velho amigo e ex-parceiro de banda, tanto do Elf quanto do Rainbow, o tecladista Micky Soule, mas sem um contrato com uma gravadora, eles estariam começando do zero. Enquanto isso, ele estava ampliando as apostas em vários projetos musicais diferentes, incluindo compor com o guitarrista britânico Paul Gurvitz, na época parte do power trio Three Man Army. Também estava fazendo jams com o guitarrista Jeff “Skunk” Baxter, ex-Steely Dan e Doobie Brothers, cuja carreira também se encontrava numa encruzilhada. (Quando Dio entrou no Black Sabbath, Baxter estava para se tornar um dos melhores músicos de estúdio da época.) Havia também conversas sobre uma colaboração com o ex-baixista do Rainbow, Bob Daisley (que, ironicamente, terminaria sendo o baixista da banda solo de Ozzy). Quando Tony sugeriu que simplesmente reconstruíssem juntos o Black Sabbath, agora que Ozzy estava fora, Ronnie a princípio não queria entrar de novo na banda de outra pessoa, apesar dos avisos de Wendy sobre o saldo bancário em rápido declínio. Mas Tony garantiu que não seria como o Rainbow, em que Blackmore era sempre o chefe, livre para contratar e demitir quem quisesse. Ronnie seria colíder do grupo, com Tony, musical e em todos os outros

sentidos. Não havia — ainda — nenhum detalhe que precisasse ser trabalhado em termos de quem escreveria as letras. Com Geezer agora ausente da banda, possivelmente de vez, e Bill tão descontrolado em relação ao álcool e, sua última novidade, heroína, não importava muito o que eles pensavam. Geezer tinha começado a “odiar” escrever letras. “Eu costumava escrever as letras e dar para o Ozzy. Ele dizia: ‘Não vou cantar isso’. Então era preciso repensar toda a coisa de novo.” A forma como Tony vendeu a ideia a Ronnie foi que eles organizariam tudo como quisessem. Parceiros iguais, acontecesse o que acontecesse. “Foi assim que conversamos na época”, Ronnie iria me contar mais tarde. A forma como Ronnie via o Sabbath “vinha de alguns discos terríveis, era o fim deles. A minha entrada para trabalhar com Tony era o que poderia trazê-los de volta” — e levantar Ronnie, claro, com eles. Tony também pensava isso. “Nunca tinha visto Tony tão animado”, lembra-se Paul Clark. “Ronnie foi como um sopro de ar fresco para mim. Ele estava bem, em forma, e tinha uma porra de uma voz incrível! Também escreveu ótimas letras. Tony deve ter se sentido como um cachorro com dois pintos. Depois de anos tendo de trabalhar praticamente sozinho, ele agora tinha um vocalista que poderia realmente tirar muito peso das costas dele.” A Warner Bros. nos Estados Unidos e a Phonogram em Londres não gostaram muito. Com a trajetória de vendas da banda em declínio, eles já tinham desistido de pensar que o Black Sabbath poderia recuperar alguma base comercial. Foi só depois, quando ouviram as incríveis demos iniciais, que acordaram para o que tinham. Eles ficaram ainda mais entusiasmados quando conheceram Ronnie e perceberam que poderiam finalmente ter alguém no Black Sabbath com quem podiam negociar; alguém que na verdade gostava de dar entrevistas a rádios e à imprensa, que era brilhante e articulado, e que entendia a necessidade da gravadora quando se tratava de fazer promoções e marketing com a banda. Acima de tudo, alguém que não ia bater em jornalistas ou dormir bêbado e urinar em si mesmo durante as reuniões. “A banda tinha chegado a ponto de nem mesmo dar entrevistas”, conta Clark. “As pessoas apareciam e Tony me mandava dizer que ele estava doente ou tinha ido embora. Então Ronnie entrou e ele gostava de trabalhar. Podia falar com a imprensa e o rádio o dia todo, pessoalmente, por telefone, como fosse. Ele também era muito bom com os fãs. A banda tinha colocado na cabeça que eles deveriam ser como o Led Zeppelin — distantes. Não conversar com ninguém. Mas Ronnie ia até a entrada do palco depois dos shows e ficava ali durante horas, conversando com os fãs e dando autógrafos. A coisa se espalhou, e eles começaram a segui-lo por todos os lados. Ele saía do hotel de manhã e havia uma multidão esperando por ele. O cara não se importava. A gente terminava tendo que arrastá-lo, só assim poderíamos chegar ao aeroporto ou outro lugar. Deixava a banda nervosa, mas os fãs o adoravam por isso.” O único que não gostava do que estava vendo era Don Arden. Ele estava absolutamente determinado: Tony estava cometendo um erro terrível. Se já era um risco tirar Ozzy, esperar que o público recebesse um norte-americano que parecia um elfo como sucessor com

credibilidade era simplesmente insano. Quando ficou aparente que Tony não ia aceitar nenhuma interferência, Don puxou a tomada. Primeiro na casa onde viviam, depois na banda em si. Por um lado, ele ainda tinha Ozzy contratado; Ozzy, que não tinha ideia de nada e faria o que mandassem. Por outro lado, ele tinha Tony Iommi e os outros; Tony insistia em trazer um substituto totalmente errado para Ozzy. “Que se fodam”, decidiu Don. “Se quisessem cometer suicídio na carreira era problema deles, mas eu não ia ser parte daquilo.” Don vendeu o contrato de management para Sandy Pearlman; alguém que ele considerava “incapaz de amarrar meus sapatos como empresário”. Na verdade, Pearlman já era uma figura bem-sucedida na indústria musical, muito famoso com o Blue Öyster Cult, uma banda norteamericana claramente influenciada pelo começo do Sabbath. Filho de um farmacêutico bemsucedido de Smithtown, Pearlman tinha se formado em filosofia e trazia consigo praticamente uma biblioteca. Era um especialista em mitologia antiga. Tinha sido jornalista de rock na Crawdaddy, letrista do BOC, depois produtor e empresário. Também era agora empresário da banda punk-metal The Dictators, de Nova York, e a ascendente banda francesa Shakin’ Street, liderada por uma linda ex-modelo tunisiana chamada Fabienne Shine e cujo disco de 1980, Solid as a rock, atrairia bastante a atenção da imprensa musical aquele ano. Ele também tinha produzido recentemente o segundo disco do Clash, Give ‘em enough rope. Resumindo, Pearlman não tinha nada do estereótipo do empresário de rock. Sempre vestido com boné de beisebol e jeans, ele aparecia nas reuniões com uma mochila em vez de uma maleta e estava sempre com mais vontade de falar de poesia simbolista francesa do que do dia a dia de management de rock. Como o baixista do Blue Öyster Cult, Joe Bouchard, já falou: “Sandy não sente que precisa reter um vocabulário normal, e é assim quando você conversa com ele. O cara cria umas palavras muito boas; ele sente que as palavras devem servi-lo e que se dane os outros”. Outras caras novas na cena incluíam outro músico jovem, nascido e criado em Birmingham, chamado Geoff Nicholls, que Tony tinha conhecido na banda local de Birmingham, Bandylegs, que tinha aberto para o Sabbath em uma turnê alguns anos antes. Da mesma idade de Tony, Nicholls era guitarrista, tecladista e vocalista talentoso, que não tinha o rosto ou a personalidade para conseguir se destacar, mas o tipo de atitude dócil que iria tornálo estimado pelo dominador Tony Iommi durante muitos anos. Também ajudava Tony Iommi na hora de compor. “Ele era como uma sombra de Tony”, conta Paul Clark. “Geoff gostava de cheirar coca, e se sentava com Tony a noite toda. E usava um pequeno medalhão do Black Sabbath que ele mesmo tinha feito. Então colocava uma jaqueta que tinha o nome do Black Sabbath e, mesmo se estivesse uns duzentos graus, ele saía com aquilo nos braços, assim dava para ver as palavras ‘Black Sabbath’. Mas era um bom compositor. Apesar de não receber nenhum crédito, ele definitivamente ajudou a compor algumas das coisas de Heaven and hell. Ele e Tony em Los Angeles.” Ronnie também trouxe outro velho amigo do Elf e do Rainbow, Craig Gruber, para tocar baixo enquanto eles esperavam para ver o que acontecia com Geezer. Foi esse conglomerado

que voou até o Criteria Studios, em Miami, no final do verão de 1979, para ver se eles conseguiam pelo menos começar a fazer outro disco do Black Sabbath. Para Tony Iommi, trabalhar com Ronnie James Dio foi uma revelação. Músico tarimbado, ele não cantava só seguindo o riff, que era o que Ozzy fazia no geral, mas sua melodia vocal funcionava em contraste com o riff principal, “cantando cruzando o riff”, como expõe Tony, “o que musicalmente abre muito mais portas… uma nova forma de pensar para mim”. Certamente, o disco Heaven and hell seria um grande avanço para a banda. “Não diria que estávamos felizes pela saída do Ozzy. [Mas] quando Ronnie entrou, ele era uma pessoa totalmente diferente. Cantava diferente, era mais entusiasmado. Porque, obviamente para a gente, tínhamos passado muitos anos juntos, e quando você sai disso, é difícil ficar entusiasmado com qualquer coisa. Então precisávamos dessa parada. Com Dio ali, isso abriu outra porta para a gente compor músicas com alguém cantando de uma forma diferente do que fazia Ozzy. Então isso me permitiu, em especial, ser capaz de escrever de uma forma distinta, num estilo mais melódico.” Quando Geezer foi arrastado de volta, as canções já estavam todas compostas. Quando Bill foi trazido ao estúdio, ele simplesmente teve que fazer o que mandaram. Nenhum dos dois gostou, mas era problema deles, decidiu Tony. Este era um novo Sabbath, e ninguém iria estragar isso. Da produção de Martin Birch — um veterano de todos os melhores discos do Deep Purple, e vários sucessos do Fleetwood Mac, Wishbone Ash e Rainbow —, trazido novamente por sugestão de Ronnie, para tirar o peso de Tony, e também, apesar de que Ronnie não falou isso em voz alta, especificamente para garantir que esse disco não soasse como nenhum dos anteriores com Ozzy. Quanto às músicas em si, elas eram de longe as mais fortes e mais confiantes que eles tinham composto desde Sabbath bloody Sabbath, sete anos antes. Abrindo com “Neon knights”, a faixa mais viciante desde “Paranoid” e um clássico instantâneo, o resto do disco foi definido por boas músicas parecidas. A faixa seguinte, “Children of the sea”, a primeira música que Tony escreveu com Ronnie, foi outro clássico direto no coração. Cheia de luz e sombra, construindo o tipo de clímax épico que a banda nunca teria conseguido com Ozzy. Parecia que estavam ficando para trás os dias em que a música do Sabbath era um metal barulhento para balançar a cabeça, ou lânguidas instrumentais acústicas. Agora eles conseguiam fazer as duas coisas, de forma igualmente convincente, no espaço de uma faixa. Pelo menos estavam chegando perto do ideal que Tony e Geezer tinham até então pensado como sendo o verdadeiro domínio do Led Zeppelin. De repente, o Black Sabbath não só tinha poder, não só tinha ódio e raiva — eles tinham alma, tinham emoção, estavam sentindo muito prazer. Tudo isso foi capturado de forma mais perfeita na faixa-título. Um épico, uma declaração de princípios seguindo as batidas do coração, era o Black Sabbath em sua maior glória. Um hino, profundo, adorado nos shows, mas também funcionando igualmente bem quando ouvido

em casa, só você, a letra e a vitrola com o volume no máximo, ou explodindo no palco em frente a uma plateia de milhares de pessoas, “Heaven and hell” pertence ao mesmo panteão dos clássicos eternos da banda, como “War pigs” e “Iron man”, como “Snowblind” e “Children of the grave”. De muitas formas, foi melhor que todas elas. Elas tinham sido únicas, mensagens de algum distante barco chocando-se com a terra, quebrado, queimando enquanto explodiam na atmosfera. Estrelas moribundas que brilharam mais forte quando explodiram no espaço. “Heaven and hell” era um foguete movendo-se na direção contrária: para fora, enviado do céu, levantado do inferno, um veículo para levar o ouvinte com ele em seu brilho envolvente. O velho Sabbath com Ozzy sempre esteve voltado para dentro, desajustado, uma viagem cerebral para deslocados e malfeitores. O novo Sabbath liderado por Dio estava voltado para heróis e pessoas felizes, para amantes e guerreiros da luta correta. Era afirmativo, verdadeiro e diferente de qualquer outra banda da época. Até em rocks estilo “couro do inferno” como “Die young”, era um Sabbath do futuro, que trazia esperança por meio da caridade musical. O melhor de tudo era que parecia uma vingança. Algo que a formação da era de Ozzy não tinha feito por um tempo tão longo que a geração que agora corria para comprar o novo disco do Sabbath não conseguia nem se lembrar de algo antigo bom. Até faixas complementares como “Lady evil” e “Walk away” pareciam boas; perfeitas para uma banda que não tinha aparecido com algo novo na rádio FM norte-americana nos últimos anos. Havia inclusive um tipo de balada, na faixa final, “Lonely is the word”, apesar de que até o poder cavernoso da faixa era tão grande que poderia apagar velas a muitos metros de distância. “Foi um disco no qual eles tinham muito para provar”, Ronnie mais tarde refletiria. “A banda tinha morrido uns três discos antes… Então de repente chegou esse disco. Fez com que o Sabbath voltasse a ser importante. Mostrava que esses caras não eram um bando de músicos tontos. Que Tony, Geezer e Bill eram excelentes músicos e que poderiam fazer coisas que ninguém achava que poderiam. E foi um recomeço do heavy metal. Foi um excelente disco. Demorou muito tempo [para ser gravado], mas é um dos que mais me dá orgulho.” De repente, sem que Bill e Geezer tivessem entendido ainda, era um excelente momento para estar de novo no Black Sabbath. Até Tony poderia finalmente se permitir desfrutar da banda, sem se preocupar com o que seu vocalista poderia fazer em seguida para estragar os planos, ou se o novo disco estava vendendo. Heaven and hell foi um sucesso imediato na GrãBretanha, onde chegou ao nono lugar, o posto mais alto dos últimos cinco anos, e nos Estados Unidos, onde eles voltaram às paradas, sendo o primeiro a vender um milhão de cópias desde Sabbath bloody Sabbath. Com Ronnie ali à frente de tudo isso, parecia que não poderia dar errado. Um líder nato, como afirma Wendy: “Ele liderava um bando aos dez anos de idade. Roubava carros quando tinha onze ou doze. Ele sempre fez coisas”. Uma verdadeira história americana de vontade férrea que supera adversidades, Dio não estava isento de suas próprias inseguranças profundas. Com 37 anos na época em que entrou no Sabbath, ele eliminava sete anos de sua idade nas entrevistas; um hábito que manteve nos

anos seguintes. Também tinha muita consciência de sua altura — ou da falta dela. Com apenas 1,62 metro em suas botas de caubói, ficou tão incomodado com isso que mais adiante pediria a Wendy, sua empresária pessoal a partir de meados dos anos 1980, que mandasse um fax para a revista Kerrang!, pedindo que seus jornalistas parassem de se referir a ele como “diminuto” — algo do qual a equipe decidiu tirar um sarro e que só garantiu que eles sempre se referissem a ele assim, ou com outros termos igualmente pejorativos, por muitos anos. O que faltava nele em termos de metros e centímetros, no entanto, Ronnie mais do que compensava com a força de sua personalidade. Lembro-me de entrar em uma sala no camarim do Madison Square Garden, onde Ronnie estava brigando com Sandy Pearlman por algo, e ficar chocado com a escala da fúria do cantor, que chegou a literalmente colocar Pearlman contra a parede com a sua raiva. Ronnie era um cara difícil, e ele demonstrava isso sempre que podia. “Ronnie podia ser pequeno, mas definitivamente sempre estava no controle de tudo”, diz Wendy. Essa qualidade terminaria levando-o a entrar em confronto direto com Tony Iommi, mas por enquanto, pelo menos, era o que fornecia a faísca que o Sabbath tinha perdido desde seu auge no começo dos anos 1970. Porque Ronnie era esperto também. “Ele era muito, muito inteligente”, diz Wendy. “Tinha se formado em farmácia na Universidade de Buffalo, algo que podia ter seguido, mas não quis. Tinha sido algo que fez para seus pais. Ele era brilhante. Costumava ler um livro por dia, só para se manter atualizado.” Acima de tudo, Ronnie sabia como lidar com Tony e os outros britânicos na banda. “Apesar de ser do norte do estado de Nova York, Ronnie sempre esteve cercado por britânicos. Até no Elf ele tinha uns roadies britânicos. E sempre gostou do humor britânico, sempre se sentia confortável com ingleses.” Havia mais em sua anglofilia do que uma queda por Monty Python, curries indianos e cerveja preta forte. “Ele gostava da forma como os músicos britânicos pensavam a música, mais do que os norte-americanos exibidos. Era mais melódico e acho que é por isso que depois ele preferiu ter músicos ingleses [em sua própria banda]. Era quase como se ele tivesse sido britânico em outra vida.” E havia algo mais que Ronnie James Dio trouxe para o Black Sabbath — e que ele legou ao mundo do heavy metal para sempre. “Quero perguntar algo a você”, Ronnie disse quando nos conhecemos. “O que você acha disso?” Ele levantou a mão direita, fazendo a forma que agora, trinta anos depois, o mundo conhece como a saudação do chifre do demônio. Fiquei perplexo. Nunca tinha visto ninguém fazer isso. Ele levantou a outra mão, e fez de novo, dessa vez com as duas mãos levantadas, como se estivesse se dirigindo à multidão. Ele se levantou e caminhou pela sala, os braços levantados, fazendo os sinais, como se estivesse mandando uma mensagem da mais alta importância. O que, claro, ele estava — ou logo estaria —, quando fez sua primeira aparição no palco como o novo vocalista do Black Sabbath. Foi em Paris, no Studio Ferber, onde ele e a banda estavam terminando o disco Heaven and hell. O sentimento por trás do disco era forte, com os pensamentos de como o Sabbath

poderia substituir Ozzy Osbourne rapidamente desapareciam. “A única coisa que me preocupava agora”, ele falou, era como ele seria recebido pelos fãs de Ozzy quando a banda saísse em turnê; de como “se conectar com” a plateia do Ozzy. “Sei que vão sentir a falta dele”, confidenciou. “Então estou tentando pensar em algo que diga: olha, não estou aqui para tentar ser como o Ozzy, mas respeito o que ele fez com a banda. E pensei nisso…” Ele fez o chifre do diabo de novo, as duas mãos no alto. “O que é isso?”, perguntei. “Algo que minha avó siciliana costumava fazer para evitar o mau-olhado. Percebi que o sinal da paz pertence ao Ozzy. Não posso fazer aquilo. Talvez possa fazer este no lugar.” Finalmente, a ficha caiu. Ozzy era conhecido por fazer o sinal da paz (“V”) em todo show do Sabbath. Essa seria a versão altamente personalizada de Dio da mesma coisa. Claro, no final do primeiro show da turnê, toda a plateia estava fazendo o sinal de volta para ele. Em poucos anos se tornou uma visão comum em shows de metal; um significado cultural de algo específico daquela experiência: irmandade e rebelião, tudo envolvido em uma peça muito bem executada de grafite físico. Em turnê pela primeira vez com Dio, na primavera de 1980, o Sabbath voltou a ser levado a sério. Pela primeira vez, o timing deles estava correto. Na Grã-Bretanha, a revista Sounds tinha começado a mostrar um novo fenômeno musical que apelidaram de “Nova Onda do Heavy Metal Britânico” — uma reação forte à chamada morte do rock pesado e do heavy metal anunciado pelo punk. De repente, a imprensa musical britânica foi inundada com novas bandas de rock como Iron Maiden e Def Leppard, Saxon e Diamond Head. Rock com “R” maiúsculo também estava de volta às paradas, depois da calmaria pós-punk, com pilares estabelecidos da comunidade como Motörhead, Judas Priest, Gillan e AC/DC, todos conseguindo lançar discos que venderam muito bem aquele ano. O renascido Black Sabbath, com o novo som cintilante, o novo e incomparável vocalista e o excelente disco novo, foi visto como parte de um renascimento geral entre os fãs. Não era mais um retrocesso aos anos 1970; eles agora eram vistos como a futura onda do rock nos 1980. Quando o Sabbath chegou em Londres, em maio, para a primeira das quatro noites no Hammersmith Odeon, toda a cidade veio cumprimentá-los, incluindo membros do passado e do presente do Rainbow, Thin Lizzy, Pink Floyd e, mais sensível para Bill Ward, o baterista do Zeppelin, John Bonham. Os dois caras que tinham saído do esgoto da cena nas Midlands nos anos 1960, que tinham alcançado o sucesso, de forma um pouco improvável, tocando o tipo de música que adoravam. Os dois agora tinham idênticas insígnias de honra: fazendas em Worcestershire e selvagens hábitos de uso de drogas. Havia outros bateristas famosos nas Midlands — Bev Bevan do ELO, Cozy Powell então no Whitesnake —, mas Bill sempre gostou especialmente de Bonzo, como todos, aliás. Quando não estavam tocando, eles se juntavam na Drum Shop de Mick Evans, em Birmingham. “Todos íamos até a loja do Mick e ficávamos falando merda e era ótimo. E Bonzo sempre estava ali. Ele sempre era o maior, no

centro, como o centro da roda. Sempre me lembro dele como o chefe. Sua técnica e especialmente seu tempo e seu equilíbrio são excepcionais — até hoje. Nunca houve alguém como ele, ninguém chegou nem perto, sabe? Ele era muito bom, como baterista e como pessoa também.” Não nessa ocasião em especial, no entanto. Bonham estava ensaiando no momento para o que seria a primeira turnê do Zeppelin desde a desastrosa excursão norte-americana de 1977, que foi cancelada repentinamente depois que Bonham e o empresário da banda, Peter Grant, atacaram brutalmente um membro da equipe de produção, em Oakland, Califórnia. Dois dias depois, o vocalista Robert Plant recebeu uma ligação telefônica informando sobre a morte de seu filho, Karac, por causa de uma infecção virótica. Desde então — apesar de seus dois shows emotivos em Knebworth no verão anterior — o Zeppelin tinha ficado parado. A perspectiva de Bonham, como Bill agora viciado em heroína e totalmente alcoólatra, de voltar à estrada, enchia o bombástico baterista de ansiedade. E isso o levava a se comportar em público de forma ainda mais ofensiva do que o normal. Paul Clark se lembra como, naquela primeira noite no Odeon, Bonzo tinha pedido para se sentar atrás de Bill durante o show, no ponto onde o roadie de Bill, Graham, ficaria normalmente, sem ser visto, mas perto o suficiente para ajudar Bill, se ele precisasse. Bill concordou — depois se arrependeu quando, no meio do show, Bonham começou a puxar suas pernas, tentando impedi-lo de tocar. “Bill tocou como um filho da puta aquela noite”, conta Clark. “Foi incrível. Era como um Bill Ward renovado porque ele tinha John Bonham sentado onde deveria estar seu roadie.” Clark ficou puto, no entanto, quando viu como “Bonham ficava agarrando suas pernas, fodendo com ele, porque estava muito chateado ao ver Bill tocando tão bem”. Os problemas pioraram quando Bonham, mandado para a lateral do palco para ver o resto do show, disse: “Ele é realmente um bom cantor — para a porra de um anão”, e Ronnie ouviu. Este se virou e marchou até onde estava o baterista forte. “Seu bicha!”, gritou na cara dele. Bonham ia reagir, mas Tony interveio, tentando esfriar o baterista, mandando Paul leválo para os bastidores para que bebesse alguma coisa. No camarim do Sabbath, depois, vi como Bonham zombava sem parar de Bill. “O que você achou, Bonzo?”, Bill perguntou com sua voz chorosa. “Você foi uma merda!”, Bonham disse para ele, e então fez um barulho que se aproximava de uma risada. “Foi simplesmente terrível”, concorda Clark. “Geezer não gostou e disse para mim: ‘Tire ele daqui’. Eu falei [para Bonham]: ‘Certo, você, fora!’. Ele disse: ‘Com quem você acha que está falando?’. E eu: ‘Estou falando com você. Quero você fora daqui agora! Pedi uma vez com educação, agora vai se foder — agora!’. Ele estava com seu guarda-costas, mas mandei os dois à merda. Eles não queriam vocês aqui. E eles foram embora.” (Mais tarde, naquele ano, eles estavam na turnê pelos Estados Unidos quando ouviram falar que Bonham tinha morrido. Paul lembra-se do promotor do show entrando no camarim para dar a notícia. “Ele disse: ‘Tenho uma má notícia para vocês. John Bonham morreu’. Geezer falou: ‘Ótimo’. Sempre vou me lembrar

disso.”) Ninguém, aparentemente, poderia vencer o Sabbath durante aquele longo e excelente verão de 1980. “Ronnie estava viajando alto porque ele realmente sentia que essa era a banda dele”, lembra-se Wendy Dio. Quando a banda chegou para a primeira turnê no Japão, Ronnie foi tratado como realeza porque já tinha tocado ali muitas vezes com o Rainbow. Ao contrário do Rainbow, no entanto, onde Dio cocompôs as músicas, mas sempre se sentia na sombra de Ritchie Blackmore, “estar no Sabbath era totalmente diferente. O tempo que Ronnie passou com Ritchie, por conseguir estar ali, tinha sido sua grande oportunidade. Então no começo ele aceitava tudo; “sim, senhor”; “não, senhor”; “as três malas estão prontas, senhor”. Com o Sabbath a situação era mais igual, porque ele tinha as coisas mais controladas no momento… Ronnie sentia-se mais no controle”. Tony também estava de volta ao seu trono, transformando todo dia em noite. Em toda suíte de hotel que ele se hospedava, pegava os lençóis não usados e colocava sobre as janelas para evitar a entrada da luz. Velas pretas ficavam queimando dia e noite e galões de suco de laranja eram colocados na geladeira, perto das caixas de metal cheias de cocaína farmacêutica. “A gente chamava de Caverna do Morcego”, conta Clark. “Você ia ver o Tony e ele dizia: ‘Cheira uma carreira’. E era isso; você não conseguia sair mais. Uma vez deixei uma garota esperando por mim na recepção por 24 horas. Porque eu estava no quarto do Tony e essa putinha tonta ficou sentada ali, esperando. Não percebi o tempo passar, sabe? Ele ficava ali com seu suco de laranja e seu Charlie.[1] E não era nenhuma merda. Era coisa de altíssima qualidade…” O outro que acampava feliz era Geoff Nicholls. Ainda sem ser membro da banda, ele tocava teclado toda noite atrás de uma cortina ao lado do palco, ou atrás, ao lado da bateria, para ser quase invisível para a maior parte da audiência. Com um salário semanal de 750 dólares, mais despesas, Geoff ainda desfrutava de todas as outras vantagens do emprego. Durante uma breve parada na turnê, em Los Angeles, ele se gabou para mim de agendar diferentes namoradas em vários horários para “visitas ao hotel”, dando adeus a uma às duas da tarde, depois descansando antes da chegada de outra às quatro da tarde. Na maior parte do tempo, no entanto, ele ficava perto de Tony, suas cruzes e velas pretas e seu aparente infinito suprimento da melhor coca. “Eu e Ronnie costumávamos apostar até que ponto Geoff iria se vestir igual a Tony”, conta Clark. “A gente ficava sentado no lobby esperando que eles descessem para ir ao show e colocávamos uns dólares na mesa. Claro, as portas do elevador se abriam e saía Tony — seguido por Geoff exatamente com as mesmas roupas.” Geezer, que tinha deixado as drogas pesadas depois de seu colapso emocional no ano anterior, ainda gostava de beber, ainda gostava de dar um tapa de vez em quando e transar com alguma groupie quando estivesse a fim, mas agora ficava mais na dele; ainda inseguro sobre o que fazer no novo Sabbath que Tony tinha montado sem ele, por enquanto simplesmente seguia a onda, imaginando que merda iria acontecer em seguida. Não precisaria esperar muito. Dois anos antes, quando a banda tocou na Checkerdome Arena, em St. Louis, eles

estavam indo do aeroporto para o show quando um Porsche ficou ao lado deles na estrada. Dentro havia duas garotas que Tony tinha espiado antes pegando suas malas da mesma esteira rolante da banda. Quando as garotas começaram a acenar para o ônibus da turnê, Tony mandou que o ônibus diminuísse e que Paul desse a elas entradas para o show, passando-os pela janela do carro. Uma das garotas, uma linda morena de cabelo enrolado chamada Gloria, terminou a noite com Tony, enquanto sua amiga estava na cama com Albert, um dos membros da equipe. Dois anos depois, quando a banda, então com Dio, voltou a tocar no mesmo lugar, Gloria estava de novo na plateia. Dessa vez, no entanto, ela terminou com Geezer, ainda para baixo e infeliz depois de um ano no qual sua banda tinha se separado e se reconfigurado sem ele, e sua esposa tinha tido um caso, algo pelo qual ele não conseguia perdoá-la. Ou como Paul conta: “De alguma forma, Geezer agora tinha se apaixonado por ela [Gloria]”. No final da turnê, ele vai comprar uma casa em St. Louis e morar com ela. Enquanto isso, “cada porra de minuto do dia ele vai ficar tocando ‘Three times a lady’. Tinha o quarto ao lado dele, e a música atravessava a porra das paredes”. Quando se descobriu que Gloria era uma habituée da cena musical local, gostando de sair com bandas que vinham tocar na enorme arena local, isso pareceu não perturbar Geezer nem um pouco. “Ele estava loucamente apaixonado por ela”, conta Paul. “O fato de estarem juntos desde então já diz muito.” Tony, cujo casamento agora estava em frangalhos, também encontraria o novo amor de sua vida na turnê daquele ano. Seu nome era Melinda, uma modelo de meio período de Modesto, que ele conheceu quando Tony e Geoff saíram uma noite em Dallas, depois do show da banda no Convention Center. Melinda tinha cabelos escuros, linda, magra mas não muito — exatamente o tipo de Tony —, e ele gostou bastante dela. Mas quando Melinda acompanhou Tony na estrada pelo resto da turnê, Paul Clark ficou perplexo. De acordo com alguns dos membros norte-americanos da equipe da banda, Melinda era bem conhecida por vários grupos de roadies, incluindo os do Journey, com quem o Sabbath fez dois shows em um festival algumas semanas depois. “Um dos caras a conhecia e disse que ela já tinha chupado toda a equipe do Journey”, conta Clark agora. “Então, como amigo, contei isso ao Tony. E a gente se afastou. Ele mudou completamente. A gente era inseparável até então, mais próximo do que irmãos, mas ele não queria ouvir isso de sua nova garota, então foi isso.” Quando, durante uma breve parada de volta em Los Angeles, em outubro, Tony, louco de sedativos e coca, pediu Melinda em casamento, a cerimônia foi realizada no quarto do hotel no Sunset Marquis. Quando o juiz de paz perguntou quem seria a testemunha, Tony apontou para um urso gigante que ele tinha comprado para Melinda e falou: “Esta é a porra da sua testemunha!”. O juiz deu de ombros e a cerimônia foi concluída. Paul Clark, que estava no quarto ao lado do de Tony, não foi convidado de propósito. Nem mesmo informado durante as semanas seguintes, até que Tony mandou que levasse Melinda para mudar o nome em seu passaporte para Melinda Iommi. Paul não gostava quando todas as esposas e namoradas eram levadas na estrada. “No final da turnê, estavam Wendy, Melinda, Gloria… todas na estrada, pedindo cadeiras, assim

elas podiam se sentar ao lado do palco, brigando para ver quem conseguia o melhor lugar. Era: ‘Paul, quero me sentar ao lado do palco esta noite e quero ela do outro lado do palco’. E eu tinha que aguentar toda essa merda. Ou então: ‘Vou ficar na frente esta noite, Paul, de pé ali, então vou precisar de algum segurança’. Elas andavam com casacos de pele e sabe-se lá mais o quê. E eu, tipo, pelo amor de Deus…” Depois de anos sendo vistos como deslocados, no melhor dos casos, ou totalmente por fora, no pior, para os membros do Sabbath, todo aquele ano tinha sido uma mudança enorme e inesperada, e todos se divertiram com a fama e a fortuna redescobertas. Todos, quer dizer, menos Bill, cujos problemas estavam apenas começando… Em um esforço para manter algum tipo de equilíbrio, Bill, que havia muito tinha decidido que simplesmente não aguentava mais voar para shows, nem mesmo no avião privado da banda, agora viajava para todos os lados nos Estados Unidos em seu próprio ônibus. Dessa forma, ele podia ter Misty com ele, e seus cachorros, e não se preocupar com os rolos que arrumava com os outros. Também significava que ele poderia usar suas drogas em paz, sem interferência ou comentários. Ele agora estava se injetando e nem mesmo tocar nos shows parecia satisfazer sua alma. Em 20 de agosto, depois de um show na noite anterior no Metropolitan Sports Center, em Bloomington, Indiana, Bill Ward não aguentou mais e foi embora. Ele já tinha feito isso — mais recentemente, durante os ensaios em Londres, num dos quais a banda viu a versão finalizada do vídeo de “Neon knights”, e Bill saiu da sala gritando: “Lindo! Simplesmente lindo pra caralho!”. Ele virou algumas mesas e derrubou um copo. Houve um breve silêncio quando ele saiu, depois o som de risadinhas. “Ele está bem?”, perguntei. “É o Bill”, disse Geezer. Mais tarde fiquei sabendo que a adorada mãe de Bill tinha morrido poucos dias antes e que ele tinha tomado um porre de vários dias. Mas para mim parecia que Bill tinha vivido de porre muito mais tempo do que isso. Você se perguntava se algum dia ele iria voltar. Essa vez, no entanto, foi diferente. “A gente chegou a Denver”, Geezer se lembra, “era a noite antes de tocarmos na McNichols Arena, onde cabem 18 mil pessoas e que já estava com todos os ingressos vendidos semanas antes. E Bill decidiu que nesse momento ele ia sair. Simplesmente entrou no ônibus e foi embora. E eu estava tão acostumado a ouvir Bill dizendo coisas que depois não realizava que pensei, oh, ele vai voltar amanhã, mas ele não voltou.” Forçado a cancelar o show, o promotor ameaçou processá-los por 100 mil dólares. Quando ficou claro que Bill realmente não ia voltar, no entanto, o promotor ficou com pena, e os quatro shows seguintes foram todos reagendados para uma data mais adiante naquele ano. Felizmente, os shows seguintes eram no Havaí e haveria uma curta parada para levar o equipamento de avião, e a banda aproveitou a oportunidade para rapidamente encontrar um substituto: Vinny Appice, nova-iorquino de 22 anos. O irmão mais jovem do ex-baterista do Vanilla Fudge, Carmine Appice, agora tocando na banda de Rod Stewart, Vinny tinha tocado na banda do guitarrista Rick Derringer e em sua própria banda, Axis. Ironicamente, Vinny

tinha acabado de recusar a possibilidade de se unir à primeira banda solo de Ozzy Osbourne (“Meu irmão me avisou que ele era realmente doido”, conta agora) quando concordou em se juntar ao Sabbath, temporariamente, em 1980, para substituir Bill. “Eu fui conhecê-los e Tony entrou, ele tinha o meu disco do Axis e disse que tinha realmente gostado. Então voltei no dia seguinte, foi quando conheci Ronnie e Geezer, e fiz meu teste. Depois de tocarmos por uma hora mais ou menos, todo mundo foi para o pub e decidiu que eu ficava na banda até Bill voltar. Mas com a continuidade da turnê, Bill não voltou e então era hora de fazer outro disco — e Bill nunca voltou. Então, pensei, isso é ótimo. Ótimo para mim, não para o Bill.” Ele fala que, “musicalmente, era como uma máquina. A gente tocava bem juntos. Não tenho nenhuma bagagem comigo e a gente só focava na música”. Igualmente importante: “Ronnie me colocou sob seus cuidados imediatamente. Porque eu tinha que aprender todas as músicas e tal. Então começamos a conversar. Ele é italiano. Eu também. Ele é do norte do estado de Nova York. Sou do Brooklyn, Nova York. Então tínhamos muitas coisas em comum”. Sempre sorrindo, sempre positivo, sempre, como ele diz agora, “muito consciente de quem mandava na banda”, depois das doideiras de Bill à meia-noite, Vinny Appice era uma brisa de ar fresco. “Bill estava em outro planeta nesse momento”, diz Geezer, solene. “Claro, não dava para dizer isso a ele. Não se consegue falar a um alcoólatra que ele está em outro planeta porque ele simplesmente fica louco. E então não dá para falar com o cara. Não era mais o Bill, ele tinha se transformado num lunático.” Vi Bill pela última vez poucas semanas antes de ele finalmente puxar o carro de vez. Tinha sido em Brighton, onde a banda tocou um show reagendado no final de junho. Quando ele falou, parecia que estava chorando. Não era só seu sotaque de Birmingham. Eram as lágrimas em sua voz colocadas ali pelo álcool e a cocaína, e a percepção de que Ozzy tinha ido embora, assim como sua juventude e os bons tempos. Tinham desaparecido para sempre. E que logo, com todo o autoconhecimento profético do verdadeiro junkie, seria sua vez também. Talvez já tivesse acontecido. Talvez Bill já tivesse saído e simplesmente não soubesse. Não havia nenhum roadie para chamá-lo, para colocá-lo na linha para o show. Agora ele tinha ido embora de forma permanente para onde quer que precisasse ir para se recuperar desse estranho inferno em que estava vivendo. A gente não voltou a se falar por mais de quinze anos. Quando conversamos, ele disse: “Acho que o alcoolismo e o vício em drogas tiveram uma grande influência na ruptura da união do Black Sabbath. Não acho que isso pode ser ignorado, precisa ser reconhecido”. Mesmo assim: “Uma das razões pelas quais tive que sair da banda era porque simplesmente não podia aceitar o Black Sabbath sem Ozzy. Esse foi o começo do fim para mim, do Black Sabbath. Era muito difícil tocar qualquer coisa do Sabbath original com Ronnie. Não tenho nenhum problema com Ronnie. Tinha uma boa relação com ele na época. No entanto, não era o Black Sabbath para mim. Não podia aceitar que o Ozzy não estivesse ali. Então esse foi realmente o começo da queda, se você quiser. Eu sabia então, era uma questão de por quantos

dias eu conseguiria ser parte da banda”. A gota d’água, ele disse, foi quando ele percebeu que “era incapaz, agora, de subir no palco. As [drogas e o álcool] tinham me dominado de tal forma que eu era basicamente incapaz de andar, muito menos tocar. Meus problemas com drogas e álcool pioraram depois que Oz foi convidado a sair da banda. Não conseguia aguentar as mudanças na banda. Via Geezer desaparecer como compositor. Sempre me apoiei muito em suas letras… Quando eu tocava com o Sabbath, ouvia os riffs de Tony e ouvia as letras de Geezer ou o fraseado de Ozzy ou qualquer coisa assim, e trabalhava dentro do movimento deles. É quase como se eu reagisse a uma nota, não sou baterista no sentido de tocar notas ou algo assim. Reajo a elas. Assim, quando Ronnie entrou na banda, ele tinha todas as suas coisas intactas, sabe, ele escreve suas próprias letras, cria suas próprias melodias, então eu fico sem trabalho, de alguma forma. E Geezer também. E eu olho para Geezer e penso, sabe, todo o ambiente que tínhamos, ou que éramos, tinha acabado”. No entanto, havia outros motivos também, ele admitiu. “O que realmente aconteceu comigo não teve nada a ver com Ronnie [Dio] ou Oz.” A coisa principal foi que seu “vício em drogas se tornou algo primordial na minha vida, a coisa mais importante para mim diariamente, e eu parei de funcionar como músico e como pessoa. Então saí da estrada e fui para a cama — por um ano. Tudo que fazia era ficar no meu quarto chapando — por um ano”. Ele disse que a porrada final veio apenas um mês depois, quando, na manhã de 25 de setembro, ele ficou sabendo que John Bonham tinha morrido — sufocado no próprio vômito depois de outra noite no próprio inferno de álcool e drogas. “Sei exatamente onde eu estava. Tinha deixado a turnê de Heaven and hell. Ozzy não estava mais com a banda e eu estava lutando muito, porque estava tendo dificuldades para me encaixar na nova formação do Black Sabbath. Estava sendo difícil, e eu deixei a banda. E o que fiz foi, a traficante vinha toda manhã com a quantidade de drogas do dia. E uma manhã ela veio chorando e estava absolutamente destroçada, chorando, porque era uma grande fã do Led Zeppelin, ela absolutamente adorava o Led Zeppelin. Eu pensei: ‘Porra, cara, o que aconteceu?’. Ela disse: ‘Bonham morreu’. O primeiro pensamento que tive foi bem egoísta: ‘Vou ser o próximo’. Tipo: ‘Estou bem atrás de você, Johnny. Estou indo bem atrás de você’.” “Porque eu estava deitado na cama como um esqueleto, me injetando todo dia. Estou tão chapado que nem consigo sair de casa. Nesse ponto eu era incapaz de sair de casa porque não conseguia funcionar em nenhum lugar fora do quarto. Então este foi meu primeiro pensamento: ‘Estou indo bem atrás de você’.” Ele parou, suspirou, a voz de repente trêmula de novo. “Isso poderia ter acontecido comigo, sem dúvida. É incrível que não tenha acontecido. Poderia ter acontecido em qualquer momento. Na verdade, eu estava chapado na noite anterior, só que sobrevivi. Tinha tomado tudo. Sabe, minha traficante estava vindo para renovar o estoque, então eu já estava paralisado por dentro na manhã em que ficamos sabendo da notícia.” Bill continuaria assim por muito tempo ainda.

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Gíria para “cocaína”, em inglês. (N. T.)

Oito Choque de trem “RECEBI 90 M IL DÓLARES. E mandaram eu me foder!” Era junho de 1979 e eu tinha acabado de ser apresentado a Ozzy Osbourne, em Londres, pouco antes de sua expulsão do Black Sabbath. Estávamos em uma festa para o ex-baixista do Rainbow, Jimmy Bain, e todo mundo que era alguém na cena rock estava ali aquela noite, incluindo membros do Thin Lizzy, UFO, Iron Maiden e várias outras bandas. Todo mundo estava feliz, menos Ozzy, que vivia chapado, aparentemente gastando todos os 90 mil que havia recebido o mais rápido possível. Se alguém olhasse de perto, parecia que ele estava babando. “Eu fui deixado para morrer”, ele continuou, olhando direto através de mim. “Quero dizer, o que você faria?” Mas ele não estava esperando uma resposta e foi embora, ao lado de dois guarda-costas com sotaque de Brum que o levavam pela sala como um prêmio. “Noventa mil dólares… Mandaram eu me foder…”, ele balbuciava na direção da próxima mão esticada. “Pensei, é isso, minha vida terminou”, Ozzy refletiria quando o lembrei da ocasião alguns anos depois. “Realmente pensei que estava a caminho da porra da fila dos desempregados.” Com o Sabbath já de volta aos trilhos com Ronnie James Dio, a situação de Ozzy parecia totalmente sem esperança. Foi nessa situação precária que duas coisas ocorreram e que transformariam a vida de Ozzy Osbourne e terminariam minando qualquer chance que o Black Sabbath teria de manter seu alto lugar no firmamento dos deuses do rock além da novidade de seu primeiro disco “de retorno” sem ele. A primeira foi a decisão da filha de Don Arden, Sharon, de cuidar de Ozzy, tanto pessoal quanto profissionalmente. Sharon queria provar algo ao pai, a quem ela tinha adorado muito desde criança, mas agora começava a odiar, assim como seu absurdo estilo de vida, alimentado pelo enorme lucro com a ELO, que o tinha levado a abandonar a mãe de Sharon na Inglaterra por uma nova vida em Hollywood, junto com uma nova namorada norte-americana chamada Meredith Goodwin. Usando Ozzy como uma forma de se libertar das garras do pai, Sharon estava determinada a fazer dele uma estrela de novo. De sua parte, Ozzy, sempre com autoestima baixa, sempre precisando de aprovação, viu Sharon simplesmente como sua salvadora. “Era ‘ou vai ou racha’ para os dois, eu sabia disso”, ela me contou. “Ozzy estava simplesmente feliz que alguém gostasse dele, acho. Enquanto eu sabia que se conseguisse colocá-lo de pé de novo e provar que sabia o que estava fazendo, as pessoas teriam que me levar a sério também. Nós dois tínhamos muito a ganhar — e muito a perder se ferrássemos tudo e errássemos.” “Sempre me senti atraído pela Sharon”, disse Ozzy. “E a gente se juntou. Por muito tempo, as pessoas iriam pensar que éramos irmãos, que a gente se parecia. Então, uma vez, ela estava levando Gary Moore e sua namorada para São Francisco para passar o fim de semana e me disse: ‘Você quer vir também?’. Pensei: ‘Puta merda, estou nessa!’. Mas

depois fiquei tão chapado que não consegui encontrar o quarto dela. Então a mágica não aconteceu por algum tempo. Acho que estávamos no estúdio [Ridge Farm, em 1980] quando começou a acontecer. Mas como um idiota de merda, eu já estava casado e ficava chamando a Sharon pelo nome da minha primeira mulher, Thelma.” Anos mais tarde, Don falaria que tinha sido ele, não sua filha, que tinha transformado Ozzy numa estrela. Sentado com ele em seu apartamento de Park Lane, resmungaria que havia sido ele que “levara Ozzy para minha casa, dado algo para se limpar e cuidado dele. [Sharon] tinha só cuidado do dia a dia. Quando ele começou de novo, estava ganhando 5 mil dólares por noite. No final, estava ganhando 100 mil por noite. Quem tinha feito isso por ele? Minha filha? Não me faça rir. Oh, ela fez um bom trabalho nos anos seguintes, concordo. Mas as pessoas esquecem que ele já era uma estrela nesse momento. E quem o transformou em estrela? Eu, fui eu! Eu!”. Sabia que Sharon era igualmente capaz de reescrever a história também, quando a ajudava. Mas parecia haver poucas dúvidas de que tinha sido Sharon — não Don — que reunira os cavaleiros do rei quando chegou o momento de recompor Humpty Dumpty. Não só isso, mas colocá-lo de volta no alto do muro, de alguma forma ela conseguiu mantê-lo ali pelos 25 anos seguintes. Dito isso, no entanto, não há dúvidas de que tanto Sharon quanto Don — e Ozzy — se beneficiaram desde o começo de muita sorte que nenhum deles poderia ter criado sozinho. E que foi a descoberta da pessoa que iria escrever uma nova trilha sonora para a nova vida de Ozzy e construir a base de uma carreira solo própria. Não construída apenas à base de loucuras grotescas ou reputação controversa — exatamente as coisas que tinham, na verdade, levado a sua expulsão do Sabbath —, mas também de conceitos antigos, como fazer boa música, gravar discos incríveis e fazer shows matadores. O nome dessa pessoa era Randy Rhoads. A história de Randy Rhoads é a de várias pessoas. A primeira é uma figura magra, 1,67 metro, pesando pouco mais de 44 quilos. Uma criança enfermiça, sempre tendo febres e resfriados, o bebê da família que gostava de brincar com trens e estudou para ser professor. Também havia o cara duro. O moleque com vivência nas ruas de Los Angeles, que saiu de sua própria banda para encontrar o estrelato com outra, manteve a cabeça baixa enquanto as pessoas ao seu redor eram expulsas, ou se ferravam, depois decidiu sair dessa também, desprezando a mente fechada da chamada vida de estrela de rock. Também havia uma terceira pessoa. A que seu melhor amigo descreve como tendo “um coração angelical; ele nunca quis machucar ninguém”; uma alma inocente, que ia à igreja e cujas maneiras tímidas e a voz baixa poderiam encantar e acalmar as personalidades mais tumultuadas. E também havia outra; o adolescente brincalhão que roubava da casa dos ricos, colocou fogo em sua própria rua e experimentou cocaína. O cara pequeno que sonhava em ser tão grande que fazia mais coisas numa semana do que o resto das pessoas em um ano. A mais importante de todas as pessoas, no entanto, era o incrível jovem que segurava uma guitarra Flying V com várias bolas desenhadas e que, quando morreu, deixou para trás uma obra muito pequena, mas que mesmo assim iria mudar o som do rock como conhecíamos — para sempre.

Seu nome era Randall William Rhoads — Randy, para os amigos —, e a lembrança que as pessoas têm dele é diferente uma da outra. Para a família e a noiva que ele deixou, Randy era uma alma doce e gentil cujo destino era, no final, ensinar. Para aqueles que só conheciam a persona arrogante que aparecia no palco, em suas botas de plataforma e roupa de veludo azul, seus braceletes e colares, o cabelo penteado como uma pluma do glam rock, ele tinha “nascido uma estrela”, como o homem que o deixaria famoso, Ozzy Osbourne, mais tarde me contou. O próprio Randy nunca se viu dessa forma. “Quando subi a primeira vez e toquei [e] as pessoas começaram a bater palmas, foi um golpe de sorte. Fiquei espantado.” Era essa mesma insegurança, no entanto, que alimentava sua originalidade. “Pensava que todo mundo era melhor do que eu. Portanto, não podia copiar os outros. Precisava aprender sozinho.” O garoto de voz suave também tinha um lado escuro: a canção favorita que escreveu com Ozzy foi “Mr. Crowley”, em homenagem ao ocultista que já tinha sido chamado de o homem mais maligno do mundo. “Vocês vão adorar esta”, Randy contou aos amigos quando a introdução inspirada em Laranja mecânica começou a tocar. Também foi Randy que inspirou a letra de outra das melhores músicas de Ozzy, “No bone movies” — porque Randy adorava o que chamava de “filmes de foda”: pornô. No entanto, para os mais de 10 milhões de fãs que até hoje compraram os dois discos que Randy e Ozzy fizeram, ou tiveram a sorte de vê-los ao vivo nos dezoito meses em que tocaram juntos, ele era simplesmente o som do futuro. “Era o melhor guitarrista que eu já tinha visto”, como o amigo e também músico Dana Strum conta agora. “Foi o som de Randy — junto com o de Eddie Van Halen — que mudou toda a forma como a geração seguinte de guitarristas pensava a música nos anos 1980. Houve os que tentaram copiá-lo, mas nunca conseguiram. Foi uma verdadeira tragédia que ele não pudesse ter continuado…” Randy Rhoads estava destinado a tocar música. Nascido em 6 de dezembro de 1956, em Burbank, poucos quilômetros ao nordeste de Hollywood, ele era o mais jovem de três filhos. Sua mãe, Delores, 36 anos, era professora de música, formada na UCLA, e o marido, William, também professor de música, tinha fundado a agora famosa escola Musonia — onde estudariam seus três filhos. O mais velho, Douglas Rhoads — conhecido como Kelle (pronuncia-se Kelly) —, agora com 61 anos, é o diretor da Musonia, além de músico profissional. Sua irmã, Kathy, quatro anos mais nova, dirige o Santa Rosa Winery, em Sonoma County, que é de seu marido, Richard D’Argenzio, e do irmão gêmeo, Ray. Eles se encontraram na casa de Kathy em Burbank para falar sobre Randy. Eles explicaram como a mãe deles tinha estudado com Herbert Lincoln Clark — o cornetista e maestro que criou a marcha “The stars and stripes forever” — e Arnold Schoenberg, cujas inovações em atonalidade colocaram o mundo da música clássica de cabeça para baixo. Por outro lado, o pai, William, tinha sido clarinetista e saxofonista no exército, enquanto a avó materna tocava piano e o avô era médico que tocava guitarra: uma Gibson 1918 modelo Army Navy Special. “A genética está toda aí”, conta Kathy. “Mas Randy

levou isso a um novo patamar e espantou até minha mãe por ser tão talentoso.” Ele tinha seis anos quando pegou a guitarra do avô. “Ele nem sabia como segurar”, conta Kathy, “colocava no chão e tocava.” Notando sua aptidão, Dee organizou para que Randy e Kathy — que eram muito próximos — começassem a ter aulas de guitarra juntos em Musonia. Quando, depois de apenas nove meses, o professor disse a Dee que “não tenho mais nada para ensinar-lhe. Ele sabe tudo que eu sei”, ela não acreditou no professor. Era muito incrível. Mas era verdade. Folk, guitarra havaiana, jazz, clássica, blues e, claro, rock — Randy era mestre de todos eles antes de chegar à adolescência. Mas a vida em família estava longe de ser idílica. Seus pais se divorciaram quando ele tinha dois anos. “Isso criou um forte estigma”, conta Kelle. “Naqueles dias, isso era como falar que sua mãe era alcoólatra ou algo assim.” Na verdade, Dee era muito repressora. Quando as crianças saíam da linha, apanhavam com um cinto de couro. “Ou qualquer coisa que conseguisse pegar”, conta Kathy. “Não era uma pessoa muito afetuosa.” Kathy se lembra de ver Dee dizendo a Randy, com doze anos, como ele era talentoso. “Ele começou a chorar, porque ela não era muito de elogiar.” A outra base da vida familiar era a igreja e a escola que todos frequentavam, a First Lutheran, onde Dee também era a professora do coro. “Randy era, na verdade, meio religioso”, revela Kelle. “Ele era devoto. Não ia correndo à igreja a cada dez minutos. Mas sempre usava uma cruz e acho que levava a coisa a sério.” Apesar de os Rhoadses serem uma das primeiras famílias na vizinhança a ter TV colorida, eles não tiveram gravador até Randy finalmente comprar um com Green Stamps quando tinha quinze anos. Ele e o irmão também tinham começado a ir a shows de rock. Kelle lembra-se de levar Randy a um show do Alice Cooper, em 1971. “Isso o influenciou muito. Naquele ponto, acho que ele decidiu: ‘Talvez eu possa fazer isso um dia’.” Como a maioria dos jovens guitarristas nos anos 1970, ele admirava Jimmy Page e Jeff Beck. Também gostava de Leslie West do Mountain. Mas o que Randy gostava mesmo era do glam rock. Ele adorava a gratificação instantânea do guitarrista da banda de Cooper, Glenn Buxton; admirava a técnica de Bill Nelson do Be-Bop Deluxe. Acima de tudo, estava louco por Mick Ronson, guitarrista de David Bowie, que tinha visto no agora famoso show de Bowie no Santa Monica Civic Auditorium, em outubro de 1972. “Quando Mick Ronson colocou seu dedo na guitarra com uma mão e caminhou pelo palco durante ‘Moonage daydream’, isso causou uma forte impressão em Randy”, lembra-se Kelle. “Era um grande visual, ótimo som, realmente uma excelente encenação. Randy terminou conseguindo uma Les Paul bem semelhante e deixou o cabelo muito parecido com o de Mick Ronson.” Randy também tinha começado a se vestir com toda a parafernália do glam. Ele e o melhor amigo na Burbank High School, Kelly Garni, passavam os fins de semana em brechós comprando roupas usadas. “Ele vinha com essas roupas, vestidos e bijuterias. Eu perguntava: ‘O que você vai fazer com essas roupas, Randy?’. Ele dizia: ‘Vou consertá-las, você vai ver’. Ele cortava e fazia ótimas camisas. Tinha bastante estilo. Era muito artístico. Costumava desenhar bastante. Teria sido um fantástico designer de roupas.” Kathy acrescenta: “Ele era

bonito, tinha um visual quase feminino, lindo, para um menino”. Orgulhoso de suas novas roupas glam, Randy começou a atrair ainda mais atenção — algo nem sempre bom para um jovem tímido. “As pessoas realmente o tratavam mal. Costumavam querer bater nele. Isso me deixava muito brava e eu gritava com elas, porque ele simplesmente não se encaixava.” Um ano mais jovem do que Randy e inspirado por seu exemplo, Garni começou a tocar baixo (“Tinha menos cordas do que a guitarra”). Quando os dois adolescentes não estavam na rua “fazendo o caos”, tocavam juntos, algo que ele agora afirma que fizeram “todo dia durante nove anos”. Quando Randy estava pronto para formar a própria banda, Garni era a escolha natural como baixista. “Não tínhamos nenhum interesse acadêmico”, conta Garni. “Os garotos menos privilegiados eram os que gravitavam ao nosso redor. As garotas geralmente não eram tão castas.” Como Garni sugere, Randy pode ter sido tímido e quieto, mas isso não significava que era um santo. “Ele era, por natureza, a pessoa angelical como frequentemente é descrito. Mas também tinha um senso de humor às vezes perigoso.” Deslocados na escola, o par iria se vingar do que viam como uma sociedade careta, realizando uma série de “brincadeiras” cada vez mais perigosas. Como na noite em que jogaram gasolina na rua em frente a casa de Randy, depois colocaram fogo quando viram um carro se aproximando — “Escondidos no meio das árvores rindo!”. Às vezes os policiais eram chamados. “Geralmente não acontecia nada porque éramos moleques e os policiais não queriam ter trabalho. A gente aprendeu algumas lições. Mas havia um sentido de inocência também. Randy nunca quis machucar ninguém. Éramos apenas jovens. Não entendíamos que estávamos causando estresse em alguém.” Inevitavelmente, com o tempo, começaram também as experiências com drogas. “Tínhamos medo de qualquer coisa que alterasse a mente e que fosse realmente psicodélico”, explica Garni. “A gente fumou maconha algumas vezes, mas decidiu que aquilo não era para nós. Cheiramos um pouco de cocaína. Todo mundo ficava nos oferecendo. A gente via isso como uma droga bastante inocente, como algo que permitia que a gente ficasse acordado a noite toda, bebesse e se divertisse. Era só isso para a gente. Não considerávamos que nos deixava chapados — de jeito nenhum.” Não nesse momento, mas Randy teria uma compreensão mais pragmática de como drogas “inocentes” realmente funcionavam quando foi trabalhar com Ozzy Osbourne, então no auge de seus vários vícios. Ele pode ter tido um “choque” ocasional, mas Randy ficou afastado das farras noturnas de Ozzy, preferindo treinar em seu quarto ou escrever cartas para Dee ou sua namorada, Jodi. Quando não estavam aterrorizando a vizinhança, os dois faziam música. Houve uma banda no colégio com Kelle na bateria, e que os irmãos chamaram de Violet Fox (o nome do meio de Dee era Violet). Mais tarde, Randy e Garni começaram a acompanhar um cara chamado Smokey na Rodney’s English Disco. Mas foi só quando eles montaram a própria banda, Little Women, que as coisas começaram a ficar sérias. Eles tinham “saído para fazer uma festa” com uma amiga chamada Hillary. Quando ela começou a falar sobre um vocalista que ela conhecia, “que canta estilo Rod Stewart”, eles pediram para apresentá-lo. Entra: Kevin DuBrown, um anglófilo de dezoito anos que morava em Van Nuys, na época à frente da

que mais tarde seria conhecida como a banda punk de Los Angeles, The Dickies. DuBrow era outro fã do rock inglês, apesar de, para ele, as coisas boas estarem no Humble Pie, não em David Bowie. Tudo bem; a maioria dos jovens que Randy conhecia não gostava de Bowie também. DuBrow tampouco era um grande cantor. Mas o que faltava em talento, ele compensava com energia e entusiasmo. Também sabia escrever letras. Juntos, ele e Randy acabariam criando um conjunto de músicas que soavam bem no palco — altas, explosivas, fortes — e às vezes boas até nos discos. “Slick black Cadillac”, uma de suas últimas músicas de 1977, foi tocada como cover por outras jovens bandas de Los Angeles, a mais conhecida era Leather Charm, a banda em que James Hetfield tocou antes do Metallica. DuBrow descrevia sua principal contribuição no Quiet Riot como “o motivador. Encontrava empresários e coisas assim. E você sabe que esses caras tinham acabado de sair do colégio. Eles [eram] caóticos”. Se isso significava entrar em atrito com as pessoas às vezes — ou até mesmo muitas vezes —, não importava para DuBrow. Ele tinha uma missão. Randy Rhoads acabaria passando cinco anos tentando transformar o Quiet Riot em um sucesso. Porém o mais próximo que chegaram disso foi um contrato de segunda classe com uma gravadora no Japão — de onde saíram dois discos mais ou menos, Quiet riot (1977) e Quiet riot II (1978) — e aparições regulares, mas pouco inspiradas em lugares sórdidos de Los Angeles, como o Starwood. “Eu ia ao Starwood só para ver o Randy tocar”, lembra-se Dana Strum. “Foi a primeira coisa para mim que não era boa ou ruim — era extraordinária —, meu queixo simplesmente caía. Eu adorava o Queen e vi Randy fazendo um solo acapella e me fez pensar em Brian May tocando ‘Keep yourself alive’. Pensei: quem é essa pessoa, esse cara com roupa cheia de bolas e cabelo que parece congelado?” A banda conseguiu shows regulares, tocando quatro noites por semana, às vezes dois ou três shows por noite. Mas não estava ganhando muito dinheiro, e Randy, ainda vivendo na casa de sua mãe em Amherst Drive, começou a dar aulas para complementar sua baixa renda. Kelle Rhoads cita Kevin DuBrow como “a maior razão pela qual não foram contratados”. Apesar de o Quiet Riot — ainda liderado pelo sempre magro DuBrow — acabar conseguindo um grande sucesso com o disco Metal health (chegou a primeiro lugar nos Estados Unidos em 1983), como conta Kelle, quando Randy estava na banda, “as pessoas vinham ver e diziam a Randy: ‘Adoro sua banda, cara. Quando você vai se livrar do vocalista?’. Mas enquanto a reputação de DuBrow parecia ir diminuindo a cada dia, a de Randy começava a crescer. Greg Leon, outro jovem guitarrista que liderava a Suite 19 com a futura estrela do Motley Crüe, Tommy Lee, na bateria, lembra-se de conhecer Randy nos bastidores de um concerto do Quiet Riot e Van Halen em 1976 no Glendale City College. “Eu tinha dezessete anos e era o melhor guitarrista em Glendale, mas vi Randy tocar e pensei: ‘Oh, cara!’. Ele tinha uma aura ao seu redor. Estava usando um colete azul de veludo, calça igual e sapatos plataforma. Adorava usar sapatos plataforma porque era baixinho. Ele entrou e parecia uma estrela. Então, se você consegue imaginar que o Van Halen seria a banda seguinte a tocar, era isso — minha vida nunca seria a mesma depois daquilo!”

Os dois iriam se tornar bons amigos, e quando Randy saiu do Quiet Riot recomendou Leon como seu substituto. O jovem guitarrista, grato, pagaria o favor mais tarde, ajudando Randy a escrever o que se tornaria um de seus riffs mais conhecidos com Ozzy Osbourne: “Crazy train”. “Estávamos por aí e mostrei a ele o riff de ‘Swingtown’ de Steve Miller. Disse: ‘Olha o que acontece quando você aumenta a velocidade deste riff’. E depois ele pegou a coisa toda, levou a outro nível e terminou escrevendo o riff de ‘Crazy train’.” A única coisa que faltava eram algumas palavras e alguém para cantá-las. Dizem que quando a oportunidade vem bater na porta geralmente é da fonte menos provável. Assim foi com a história de Randy Rhoads. Um herói local no ambiente fechado de Burbank e da Sunset Strip, ele estava acostumado a receber elogios pelos shows do Quiet Riot de jovens aspirantes a músicos. Uma noite, no final de 1978, no entanto, ficou genuinamente espantado com a conversa de um rapaz alto com cabelo comprido. Dana Strum, então tocando baixo na sua banda Bad-Axe, agora mais famoso como um dos fundadores dos titãs do rock melódico Slaughter e, mais recentemente, diretor musical do grupo solo de Vince Neil, cantor do Motley Crüe, tinha visto Randy tocar por semanas antes de armar-se de coragem para conversar com ele. “Falei: ‘Preciso dizer, cara, acho que você é muito bom’. Ele só olhou para mim, tipo, ‘acha mesmo?’. Ele era extremamente humilde, falava baixo, não era uma pessoa com uma personalidade muito extrovertida. Falei para ele: ‘Sabe, cara, você pode conseguir coisa melhor. Você é bom demais’.” Seis meses depois, Strum finalmente descobriu o que poderia ser aquela “coisa”. Era começo de 1979 e tinha se espalhado a notícia em Hollywood que Ozzy Osbourne tinha sido demitido do Black Sabbath por ser, como declarou Tony Iommi, até menos do que a verdade, “demais — até para nós”. Ozzy foi deixado para apodrecer numa suíte no hotel Le Parc em West Hollywood. “O traficante de coca costumava vir todo dia enquanto eu ficava sentado ali numa pilha de garrafas de cerveja vazias e caixas de pizza. Durante seis meses eu nem abri as cortinas…” Como ele ainda estava contratado pelo selo do Sabbath, o Jet Records, de Don Arden, no entanto, tentativas pouco entusiasmadas foram propostas para tentar fazer com que Ozzy pelo menos pensasse em começar uma nova banda. Encorajado por Sharon, tinham agendado horas de ensaio para que Ozzy começasse a tentar algo com o guitarrista Gary Moore, recentemente no Thin Lizzy, e o ex-baterista da Ian Gillan Band, Mark Nauseef. Moore era contratado da Jet e terminaria gravando um disco com Nauseef com o nome de G-Force. Mas Sharon queria tirar Ozzy do fundo do poço no Le Parc e fazer com que ele pelo menos pensasse em trabalhar com outros músicos. No final, ele tinha começado a resmungar sobre abrir um bar em Birmingham com Thelma. “Lembro que alguém do escritório estava se hospedando no hotel e eles me deram um envelope com seiscentos dólares para entregar a Sharon. Gastei em coca. Ela ficou doida comigo!” No entanto, ainda precisando de um baixista, quando Ozzy foi apresentado a Strum no Starwood uma noite, foi feito o convite para que o jovem baixista fizesse um teste com ele.

“Não era como agora em que toda banda jovem homenageia o Black Sabbath”, lembra-se Dana, “na época ou você amava ou odiava. Eu era um grande fã, então fiquei muito animado por conhecer o Ozzy. Foi no estúdio de ensaio do Frank Zappa na Sunset. Gary Moore estava lá. Não tinha ideia de quem era ele, [mas] era fenomenal, impressionante. Porém quando comecei a conversar com Ozzy terminei falando para ele: ‘Este cara [Moore] não é o cara certo para você’. Eu gostava tanto do Black Sabbath e achava que o estilo mais blues de Moore não tinha nada a ver com o que o Ozzy fazia. Então disse a ele: ‘Mas eu conheço o cara que você precisa’.” Ozzy ignorou isso, mas contratou Dana como novo baixista. No dia seguinte, Dana começou a levar Ozzy por Los Angeles, procurando potenciais guitarristas. “Ele tinha uma lista com nomes e endereços, e a gente simplesmente ia na casa deles. Era bizarro. E fico falando para o Ozzy: ‘Olha, esqueça isso, eu conheço o cara certo’…” Ele já ligou para Randy todo animado. “Falei: ‘Sabe que eu disse que havia algo melhor para você? Bom, conhece a banda Black Sabbath…?’. Mas antes que pudesse falar algo, ele disse: ‘Conheço, cara, eu realmente não gosto deles’. Fiquei desanimado. Nunca tinha considerado essa possibilidade. Mas Randy realmente não gostava do Black Sabbath. Acho que ele nem sabia o nome do vocalista. E eu falei, tipo: ‘Olha, venha aqui, vamos ver o que acontece’. Ele diz: ‘Vão pagar a grana da gasolina? Tipo, dez ou quinze dólares?’. E eu: ‘Claro. Venha para cá’.” Como confirma Kelly Garni, quando eram mais jovens, ele e Randy achavam que o Black Sabbath era “uma coisa ridícula… uma piada”. Mesmo assim, Dana acabou convencendo Randy a ir aquela tarde tocar para Ozzy no Dalton Records, o estúdio de Santa Monica onde Dana trabalhava meio período. Mas nesse momento Ozzy tinha começado a virar várias Heinekens e se mantinha com cheiradas regulares de coca. “Eu não usava nenhuma droga. Porém agendei um horário no estúdio e persuadi Randy a vir tocar e não podia deixar a coisa desandar.” Dana, que faz uma boa imitação de Ozzy chapado, lembra-se como Ozzy o provocava: “Certo, vamos ver esse Jesus da guitarra, essa superestrela que você simplesmente sabe que é o cara certo! Vai ser como a porra do Messias”. Anos depois, Ozzy iria se lembrar de “estar deitado na mesa do estúdio e Dana jogando água e outras porcarias em mim. Olho pelo vidro [do estúdio] e Randy diz algo tipo [voz muito baixa]: ‘O que você quer que eu toque?’, eu digo: ‘Você faz algum solo?’. Ele diz: ‘Bom, mais ou menos…’. Então digo: ‘Bom, toque qualquer coisa’.” Randy plugou em seu pequeno amplificador de treino e começou a tocar. E eu fiz… o quê!?! Lembro de pensar, atordoado, isso não está acontecendo, eu ainda estou dormindo. Porque, esse cara… Nunca tinha ouvido nada igual antes”. Dana: “Estou começando a desejar que nunca tivesse aberto a boca. Ozzy quer ir para casa. Randy diz que não gosta do Sabbath… Mas eu tinha a sala de controle com luz baixa, porque queria que Ozzy simplesmente focasse na música. E Randy está sentado num banco do outro lado do vidro. Quase não dava para vê-lo. Mas falei para ele fazer o solo de guitarra que tinha tocado no Starwood, só para Ozzy ouvir”. Ozzy tinha desmaiado e Dana teve que praticamente carregá-lo até a sala de controle. “Então coloquei o

volume superalto por acaso. Mas pensei: deixe assim, isso vai despertá-lo.” Tão logo recebeu o o.k., Randy começou a tocar. “Era mais alto que o inferno, estava ótimo.” Menos de um minuto depois, Ozzy cambaleou até Dana e falou: “Diga ao garoto… Diga ao garoto que o emprego é dele. E agora me leve para casa…”. Muito envergonhado para parar Randy depois de apenas sessenta segundos, Dana levou correndo Ozzy ao seu hotel, com Randy ainda tocando, depois voltou para dar a boa notícia. “Ele falou: ‘E agora, o que vai acontecer? Como segue a coisa?’. E eu digo: não sei, cara, realmente não sei…” O que aconteceu em seguida foi exatamente nada. Houve uma breve reunião no hotel de Ozzy na tarde seguinte durante a qual Randy não caiu nas graças de Ozzy por beber Coca Diet e se vestir de forma tão extravagante que praticamente a primeira coisa que Ozzy perguntou foi se ele era gay. O senso de humor de Randy acabou conquistando Ozzy. Randy respondeu: “Não, Igreja da Inglaterra”. Seguiu-se uma jam session alguns dias depois no estúdio Pasha Music, onde Ozzy, Dana e Randy se juntaram, por sugestão de Randy, com o baterista do Quiet Riot, Frankie Banali. “E foi isso”, suspira Dana. “Nunca ouvi mais nada, exceto que Ozzy estava se preparando para voltar ao Reino Unido…” Entra o homem de bom-senso e inteligência com palavras, que se tornaria o yin do yang de Randy quando se trata de compor as músicas que iriam, apesar de não imaginarem na época, ressuscitar a abalada carreira de Ozzy: Bob Daisley. Agora com 63 anos, o baixista australiano tinha ganhado nome no Reino Unido no começo dos anos 1970 com a inovadora banda de blues Chicken Shack, antes de formar o Widowmaker com o ex-guitarrista do Mott The Hoople, Ariel Bender, outro contratado da Jet Records que nunca teve muito sucesso. Quando o trabalho seguinte de Daisley, como baixista do Rainbow, terminou, em 1979, o irmão de Sharon, David — na época dirigindo os escritórios em Londres da Jet —, convidouo a trabalhar com Ozzy. “Eles queriam manter uma banda inglesa”, Daisley lembra-se agora em sua casa em Sydney. E então recomeçou a busca por um novo guitarrista. “Mas realmente ninguém na Inglaterra queria saber. Então Ozzy me falou sobre esse guitarrista que ele tinha visto em Los Angeles e que era professor. Eu visualizei um cara com cachimbo, chinelo e jaqueta. Mas Ozzy disse que era um excelente guitarrista, então eu disse, bom, vamos trazê-lo aqui. David Arden não queria fazer isso no começo, porém no final ele disse, e as palavras de David foram exatamente estas: ‘Contra minha opinião, concordo em trazer este moleque desconhecido de Los Angeles’.” O que ninguém sabia era como o relutante Randy ia dar esse salto ao desconhecido. De acordo com Kathy Rhoads, “minha mãe o obrigou a ir. Ele estava dando aula na escola da minha mãe e adorava ensinar. Mas minha mãe disse que essa provavelmente era a chance dele, chance de ser conhecido. Sabia que ele tinha o talento [e] ela achou que seria sua oportunidade de finalmente ser notado. Porém ele não queria ir. Minha mãe falou: ‘Você vai’. ‘Bom, não tenho casaco.’ ‘Então vamos comprar um.’ Quando ele chegou a Londres, em setembro de 1979, passou a ligar para casa e escrever cartões-postais e cartas todo dia, reclamando como estava “com saudades” de casa. Kathy: “Nunca tínhamos ficado longe de

casa por muito tempo, nenhum de nós. Então, de repente, ser lançado no mundo, especialmente com alguém como Ozzy Osbourne, que era o oposto de Randy, deve ter sido difícil para ele”. Quando Bob por fim encontrou o rapaz desconhecido na sede da Jet, em Londres, “perguntei ao Ozzy: ‘Ele é gay?’, porque tinha as unhas perfeitas e o cabelo todo arrumado, as roupas combinando e tudo isso. Mas ficou bastante óbvio logo depois; não, ele não era gay”. Randy e Bob formariam uma parceria musical que iria ressuscitar a carreira de Ozzy e ajudar a mudar a direção do rock norte-americano nos anos 1980. “Ozzy estava doido, fumando maconha e bebendo o dia todo. Passei a encher o saco dele e ele começou a me chamar de Sid Serious. Randy tinha os acordes e a gente trabalhava para transformá-los em músicas. Aí tocávamos, e Ozzy cantava em cima deles, criando uma melodia vocal. Então eu levava a fita com a melodia vocal e escrevia letras que se encaixavam com o fraseado e a melodia.” De acordo com Daisley, nunca ficou claro que estavam trabalhando num disco solo do Ozzy, mas no disco de estreia de uma banda chamada Blizzard of Ozz. Certamente, essa foi a impressão que teve Lee Kerslake, ex-baterista do Uriah Heep, quando assinou o contrato em dezembro de 1979. E era o que Randy queria ouvir também — uma impressão reforçada quando ele perguntou a Ozzy se ele se importava de colocar uma faixa instrumental acústica de cinquenta segundos em homenagem a sua mãe, Dee, ao que Ozzy respondeu: “É o seu disco também”. Ou, como Randy contou a um entrevistador na época: “A música de Ozzy também é nossa. Muitas vezes, ele tem uma melodia e eu tenho um riff que combina. Ele canta algo e eu falo: ‘Ei, tenho uma progressão de acordes que combina com isso!’. Muitas outras vezes, estou sentado treinando e ele diz: ‘Gosto disso — não se esqueça’. Naturalmente, nunca consigo me lembrar. Então a gente para ali e começa a compor”. A ideia de que era uma banda nova, no entanto, durou até o primeiro disco. Uma mensagem deixou tudo ainda mais claro quando as primeiras camisetas da turnê começaram a ser vendidas — marcadas com as palavras OZZY OSBOURNE. O conceito de Blizzard of Ozz foi mantido como título do primeiro disco de Ozzy, que foi lançado como projeto solo, independentemente do que preferissem os membros da “banda”. Gravando na Ridge Farm, um estúdio residencial em Surrey, com o novato Max Norman nos controles, o resultado foi uma obra-prima do heavy metal com suas nove faixas que continuam entre as melhores coisas que Ozzy já lançou. Na verdade, quatro das faixas — a incrível abertura “I don’t know”; o incrível hino “Crazy train”; a ode ao recentemente falecido vocalista do AC/DC Bon Scott, “Suicide solution”; e a realmente perturbadora “Mr. Crowley” — permaneceriam como pontos altos do show de Ozzy nos próximos trinta anos. Lançado no Reino Unido em setembro de 1980, o disco chegou imediatamente ao Top 10 superando as dúvidas que Randy ainda tinha quando embarcou em sua primeira turnê pelo Reino Unido com Ozzy. “Antes de conhecer Ozzy, eu era muito inseguro no palco”, Randy refletia. “Se meus amplis não funcionavam, ou se o sistema de som não era bom, isso realmente afetava minha atuação. Estar com Ozzy me deu muito mais autoconfiança. Ele me empurrava a tentar e fazer

coisas que nunca teria feito sozinho.” Mesmo assim, com apenas um disco como base, o show terminava toda noite com três clássicos do Sabbath: “Iron man”, “Children of the grave” e “Paranoid”. E Randy odiava os três. “Ele não conseguia entender por que ainda tinham que tocar as músicas do Black Sabbath”, conta Kelle Rhoads. Randy esperava que quando a banda gravasse um segundo disco, não fosse mais necessário continuar carregando o passado de Ozzy. Quando Sharon Arden — que recentemente tinha voltado a tomar conta do dia a dia da carreira de Ozzy — decidiu levá-los de volta a Ridge Farm para gravar outro disco antes de mandá-los para a primeira turnê nos Estados Unidos, Randy assumiu que esse era o motivo. Estava errado. A primeira coisa que Randy Rhoads fez quando recebeu seu primeiro pagamento importante de royalties foi comprar um violão “muito, muito caro”, que ele mandou fazer na Espanha, para começar seus estudos de guitarra clássica. O custo: 5 mil dólares; uma soma importante em 1981. Isso, no entanto, foi sua única extravagância. Falando sobre seu recente sucesso, Randy dizia: “Ainda não me atingiu. Eu ainda tenho meu passado em mim [e] acho que estou tentando amadurecer, mas não tenho meus pés no chão. Não sei quem sou ou o que sou. As pessoas dizem que isso sobe à sua cabeça e faz com que a gente fique egocêntrico. Isso é um monte de merda. O que isso faz é com que me sinta totalmente amedrontado e humilde”. Ao contrário da primeira visita ao Ridge Farm um ano antes, havia poucas canções novas escritas quando a banda voltou ao estúdio, no início de 1981. Algumas eram construídas em cima de partes de canções das velhas bandas de Bob: o riff de baixo de uma canção chamada “Black Sally” que Bob tinha composto para Mecca se tornou a parte central de “Little dolls”. Outro riff de baixo de Bob de outra banda, Kahvas Jute, tornou-se o que eles usaram em “You can’t kill rock and roll”. Randy se afundou em seu passado glam com o Quiet Riot para o riff de “Flying high again”. Um perfeccionista que não estava acostumado a comprometer sua música para cumprir os prazos da gravadora, Randy não ficou feliz com o segundo disco de Ozzy. “Eu realmente não gosto de algumas das músicas”, ele confessaria mais adiante. “Éramos pressionados a ir rápido no estúdio, porque tínhamos que voar para os Estados Unidos para começar a turnê.” Mesmo assim, Diary of a madman, como foi chamado a partir de um dos momentos mais inspirados de Randy, tem seus pontos altos. Para começar, a épica e genuinamente incrível faixa-título. Randy ficou especialmente feliz quando Sharon decidiu que sua introdução atmosférica iria substituir “Carmina Burana” como a abertura dos shows de Ozzy. Ele ficaria menos feliz com a loucura da mídia que estava a ponto de explodir nos Estados Unidos quando se espalhou a notícia de que Ozzy tinha arrancado as cabeças de duas pombas vivas durante uma reunião com a gravadora em Los Angeles. Ninguém na CBS — a empresa distribuidora da Jet nos Estados Unidos — estava levando a carreira solo de Ozzy a sério, Sharon me

contou. Então ela decidiu que Ozzy deveria “fazer bonito” aparecendo na convenção anual deles e pressionando os executivos. Também foi organizado para ele fazer um discurso curto, elogiando os esforços da força de trabalho da empresa no lançamento norte-americano de Blizzard of Ozz. A pièce de résistance era que Ozzy terminasse seu discurso soltando três pombas brancas na plateia de executivos e funcionários da CBS. O problema era que Ozzy tinha tomado toda uma garrafa de brandy no carro a caminho da convenção. “Só me lembro de essa mulher RP me enchendo o saco”, Ozzy me contaria anos depois. “No final, perguntei: ‘Você gosta de animais?’. Então peguei uma dessas pombas e arranquei a cabeça dela. Só para que ela calasse a boca. Então fiz de novo com a outra pomba, cuspindo a cabeça na mesa, e ela caiu no chão gritando. Foi quando eles me expulsaram. Disseram que eu nunca mais trabalharia para a CBS…” E poderia ter sido isso, mas não para Sharon, que tinha aprendido todos os truques da indústria musical no colo do pai. Assim que ela voltou ao escritório da Jet aquele dia, começou a fazer ligações. Na manhã seguinte, as notícias do “ultraje” de Ozzy tinham ganhado as primeiras páginas de todo jornal respeitável nos Estados Unidos. A história também se espalhou por todas as rádios. Quando Breakfast TV também divulgou, a onda de publicidade tinha se tornado um tsunami. “O disco começou a vender no mesmo dia”, disse Sharon, catapultando o disco Blizzard of Ozz nas paradas dos Estados Unidos. Era o início da reinvenção de Ozzy como o selvagem do rock. Antes no Sabbath, ele era visto, no melhor dos casos, como o triste porta-voz de uma banda impossivelmente séria de heavy metal; no pior dos casos, um palhaço. Agora ele se tornou, para uma nova geração de adolescentes ouvintes de metal, a personificação do rock doido e “satânico” estilo anos 1980, e nos anos seguintes seriam contadas muitas histórias sobre os presentes horríveis que os fãs levariam aos shows para ele. Haveria, no entanto, um preço a ser pago por essas coisas. Pode ter fornecido a Ozzy o tão necessário impulso comercial nos Estados Unidos — onde as vendas iniciais tinham sido tão fracas que Randy, em cartas para casa, preocupava-se de que “talvez a new wave e o punk tenham matado nossa música” —, mas Randy ficava chateado com a forma, em sua visão, com que o incidente das pombas detratava a música que ele estava tentando fazer. “Ele contou que num show trouxeram um bode morto para dar de presente a Ozzy”, lembra-se Kelle Rhoads. Randy contou a Kelle que não queria ser parte de “um circo”. Outras mudanças, no entanto, provaram ser menos perturbadoras para o guitarrista de boas maneiras com surpreendentes nervos de aço. Quando Daisley e Kerslake foram demitidos poucas semanas antes da turnê nos Estados Unidos — por “toda essa reclamação e fofoca sobre dinheiro”, como expõe Ozzy, embora Daisley insista que ele só foi demitido porque não concordou com a demissão de Kerslake (parcialmente, Sharon me contou, por sua imagem de velho sujo) —, Randy foi o único que se preocupou em ligar e desejar o melhor para eles. Também foi o único a imediatamente falar com Sharon com sugestões para substituílos: seus velhos amigos do Quiet Riot, o baterista Frankie Banali e o baixista Rudy Sarzo. Sharon, no entanto, já tinha contratado Tommy Aldridge, ex-baterista da Pat Travers e do

Black Oak Arkansas, então o único lugar que ainda precisava ser preenchido era no baixo. Sarzo foi convidado — e com o Quiet Riot então parado, ele aceitou no ato. Falando agora, Dana Strum se recusa a admitir que se sentiu mal com isso. “Talvez meu nome tenha surgido e não tenham ouvido [o Randy].” Ou talvez Randy simplesmente preferisse Rudy tocando. De todas as formas, isso mostra que Ozzy e Sharon não eram os únicos que estavam atrás dos melhores. Com o segundo disco de Ozzy já pronto, mas que só seria lançado em novembro de 1981, o resto do ano foi passado quase inteiramente na estrada. Principalmente nos Estados Unidos, mas também em turnê naquele outono na Europa, onde abriram para o Saxon, e algumas datas no Reino Unido antes do Natal. No palco, Ozzy e Randy tinham desenvolvido um bom show, o vocalista interagindo bem com Randy de uma maneira que ele nunca teria sonhado com o sempre sério Tony Iommi, puxando seu cabelo, empurrando-o, rindo muito quando Randy fazia seus solos. “Aquela primeira turnê foi divertida”, Rudy Sarzo se lembraria mais tarde. De acordo com Rudy, Randy até admitiu ter ficado uma noite com Sharon. A esposa de Ozzy, Thelma, tinha visitado a Ridge Farm durante a gravação de Diary, deixando Sharon, que tinha começado um caso secreto com Ozzy, sem lugar para dormir. Randy tinha oferecido seu quarto. Ele contou a Sarzo: “A gente começou a beber e de repente estávamos nos beijando e…”. “Vocês transaram, não?”, Sarzo gritou feliz. Randy respondeu: “Olha, eu respeito o Ozzy e a Sharon e não quero me meter”. Além disso, acrescentou, ele amava a garota que tinha deixado em Los Angeles, sua futura noiva, Jodi Raskin. Da parte de Sharon, foi também somente uma noite. Ela não iria sacrificar sua cada vez maior ligação com Ozzy por Randy Rhoads, por mais talentoso e bonito que ele fosse. Em suas memórias, escritas mais de 25 anos depois, ela até sugere que Ozzy sabia de seu encontro com Randy e entendera o que tinha sido. “Ozzy sabe e nunca quis discutir”, ela escreveu. “Mas não leiam nenhuma insatisfação por isso. Ozzy sabe que aquilo aconteceu uma vez e foi adorável, não luxurioso.” Na verdade, Ozzy só ficou sabendo muitos anos depois da morte de Randy. Durante uma curta parada naquele verão, de volta à casa da família em Burbank, Randy contou a Delores, Kelle e Kathy histórias de seus últimos nove meses com Ozzy. Ele ficou com Jodi e brincou com seu trenzinho. Nas férias, quando seus filhos eram pequenos, Delores sempre tomava trem, e não avião — a primeira vez que Randy subiu num avião foi quando viajou ao Reino Unido para se unir a Ozzy. Quando era criança, Randy adorava essas longas viagens de trem, olhando pela janela o mundo passando e soltando a imaginação. Agora, como adulto, o coautor de “Crazy train” parecia reviver aqueles momentos construindo seu próprio e elaborado trem. Kathy: “Ele tinha armado o trem em seu quarto. Dava para construir as vilas e ele trabalhava sempre nelas quando estava em casa”. Kelle: “Tudo que Randy bebia devia ter uma daquelas pequenas sombrinhas. Sabe, um pouco de licor e muito açúcar. E ele preparava suas bebidas açucaradas, com seus cigarros e ouvia música clássica enquanto trabalhava em sua pequena estrada de ferro. Nossa, ele adorava aquilo”.

De volta à turnê, no entanto, a pressão estava começando a ficar evidente. Durante um tempo livre na Alemanha, Randy ficou feliz ao descobrir os menores trens de brinquedo que já tinha visto. Mas também foi na Europa que Ozzy realmente saiu — como diz a música — dos trilhos. Seu caso com Sharon se transformou em um romance completo — um fato que a esposa Thelma ainda não sabia —, Ozzy estava começando a ficar quebrado depois de meses vivendo no ônibus da turnê. A cada noite ele reclamava que suas costas doíam, tinha ficado sem voz, estava se sentindo mal, não podia continuar. E a cada noite, Sharon — sabendo de seu medo de palco quase patológico — o incitava a continuar. No final, depois de outra noite de drogas e álcool, as datas foram canceladas e a banda voltou a Londres, onde ficou até o começo da segunda turnê no Reino Unido, em novembro. Como Ozzy me contou mais tarde: “Os primeiros dois discos do Sabbath foram divertidos e os dois primeiros discos solo de Ozzy foram ótimos, quando você perdeu tudo e tem tudo a ganhar. Enquanto se você tem um par de sucessos, tem tudo a perder e precisa manter o impulso”. Rudy Sarzo lembra-se de uma visita com Randy a um bordel de alta classe em Londres, apesar de o guitarrista afirmar que tinha fugido do quarto quando a “dama” a quem tinha sido apresentado começou a bater nele com um chicote. “Tudo que eu queria era alguém para conversar”, ele disse a Rudy. “Há muitas incertezas cercando esta banda. Não tenho mais certeza sobre nosso futuro.” A pressão só foi aumentando com o começo da próxima turnê nos Estados Unidos, em janeiro de 1982. Com Blizzard e Diary, discos de platina nos Estados Unidos, Ozzy já estava pronto para tocar em arenas — algo fácil para ele, teoricamente, por seus anos apresentando-se em grandes lugares no país com o Sabbath. Mas isso foi no passado e agora eram os anos 1980, quando começou a onda de grandes produções e palcos elaborados. Determinada a manter Ozzy contemporâneo, Sharon tinha criado um novo show para a turnê, com uma fachada de castelo, repleta de torres, pontes e roupas medievais para a banda usar. E um anão — apelidado de Ronnie, por causa do substituto de Ozzy no Sabbath, o pequeno Ronnie James Dio. Ninguém da banda ficou feliz com as novidades. A bateria de Tommy Aldridge ficava muito alta entre as torres do castelo e ele reclamava que não conseguia ouvir o que o resto da banda estava fazendo, enquanto os amplificadores de Randy e de Rudy ficavam escondidos tão atrás das “paredes” do castelo que eles também tinham problemas para se relacionar com o próprio som. Pior de tudo para Ozzy, ele deveria subir a uma gigantesca mão mecânica para o bis, que iria levantá-lo acima das primeiras fileiras da audiência. “Se é tão seguro, vai você lá!”, Ozzy gritava para Sharon antes de ir embora. Agora, no entanto, as brigas de Ozzy com Sharon eram tão regulares que a banda aceitava-as como parte do cenário da turnê. Randy “odiava todas as merdas das brigas deles e quando jogavam coisas um no outro e gritavam, tudo isso”, conta Bob Daisley. Uma coisa é certa: Sharon era dura. Seu irmão, David, dizia a todo mundo: “Sharon é Don de saia”, e todos pensavam que ele estava brincando. Mas ela provou que era verdade muitas vezes nos primeiros anos do sucesso de Ozzy pós-Sabbath, enfrentando promotores que

gostavam de tentar a sorte não pagando a banda, ou molengas recalcitrantes das gravadoras que simplesmente não faziam direito seu trabalho. Uma vez, numa tarde de autógrafos em uma loja, ela saltou sobre um fotógrafo que identificou como um bootlegger — o tipo que tirava fotos de um artista depois vendia as imagens na porta dos shows, ganhando muito dinheiro no processo — e começou a socá-lo. Ela pode ter pouco mais de um metro e meio, mas quando um promotor tentou cobrar equivocadamente 6 mil dólares por publicidade pré-concerto, ela começou a bater na cabeça dele e chutou seu saco. Como ela diria: “Tirando meu pai, não tive nenhum outro modelo, então até certo ponto tive que criar as regras no calor do momento”. Espalhou-se a notícia no mercado: ninguém dizia a Sharon Arden o que fazer. Ou então… No começo de 1982, apesar de ser eleito o Melhor Novo Guitarrista pela revista Guitar Player, nos Estados Unidos, e Melhor Guitarrista pela Sounds, no Reino Unido, Randy estava em mau estado. Rudy lembra-se de Randy confidenciando para ele: “Não sinto que sou eu mesmo”. Estava desconfortável até em casa em Los Angeles, onde de repente “todo mundo quer sair comigo”. Ele contava da noite em que ficou bêbado e “comecei a jogar móveis pela janela com o Ozzy. Esse não sou eu. Não é o motivo pelo qual comecei a tocar guitarra”. Em 20 de janeiro aconteceu o incidente em Des Moines no qual Ozzy mordeu a cabeça de um morcego no palco. Ele insistiria que havia pensado que era “a porra de um brinquedo — até colocar a cabeça na minha boca e as asas começarem a bater”. Mas Randy não acreditou muito. Então Ozzy começou a reclamar do treino contínuo de Randy com um violão com cordas de nylon. As estrelas do show estavam começando a deixar um ao outro nervoso. Não era um bom sinal, e Randy começou a se afastar de Ozzy, ligando para professores de música clássica locais em cada cidade que a turnê parava para ter aulas de teoria musical e compor suas próprias composições neoclássicas. A última gota para Randy veio quando disseram que eles iam gravar um show inteiramente de covers do Sabbath para um disco duplo ao vivo. Falaram que a Jet queria. Sharon mais tarde me contou que era parte do seu acordo para tirar o Ozzy da Jet — e de seu pai. Independentemente de ser ou não verdade, isso causou uma grande briga entre Ozzy e Randy. Randy tentou convencer a banda a não fazer isso. Ozzy ficou puto e demitiu toda a banda. Sharon amenizou as coisas. O vocalista provocou Randy dizendo que tanto Frank Zappa e Gary Moore tinham concordado em tocar no disco se Randy não quisesse. Randy suspirou e voltou a seus estudos clássicos. As crescentes diferenças entre guitarrista e cantor não eram só musicais. Quando, em fevereiro de 1982, Ozzy foi preso durante uma parada em San Antonio, por urinar no Álamo (vestido como Sharon, que tinha roubado suas roupas na tentativa de evitar que ele saísse), Randy ficou horrorizado. Isso não era o tipo de coisa que Mick Ronson deve ter aguentado quando tocou com David Bowie. Alice Cooper também era louco e alcoólatra, mas nem ele tinha feito algo tão abertamente nojento como mijar em um dos monumentos mais importantes do país. Mais uma vez, a última “aventura” de Ozzy ganhou as manchetes do mundo; as vendas de ingressos para a turnê também aumentaram, assim como as vendas dos discos Blizzard e

Diary, que chegariam a um total de 7 milhões de cópias só nos Estados Unidos. Eles continuam sendo os mais vendidos da carreira de Ozzy. No dia seguinte, entretanto, Randy soltou a bomba. Ele faria o disco ao vivo das músicas do Sabbath, gravaria mais um disco de estúdio com Ozzy, se insistissem, mas seria isso, ele não se sujeitaria mais às humilhações e privações de uma turnê com Ozzy Osbourne. Estava saindo. Em vez disso, no futuro imediato, ele falou, iria voltar à escola para estudar música clássica. Ozzy, ainda bêbado da noite anterior, ficou furioso e deu um soco na cara dele. Bob Daisley: “Eu não estava lá, mas conversei com Tommy Aldridge e [o tecladista] Don Airey, que contaram que quando [Ozzy] ouviu que Randy queria sair, deu um soco na cara dele e o chamou de merdinha ingrato. Tommy disse que foi um golpe baixo, que o Randy não estava esperando, nem mesmo estava olhando…”. A atmosfera no ônibus depois disso ficou horrível, nenhum dos homens estava falando um com o outro. Rudy lembra-se de uma noite, durante uma parada em Los Angeles, em que um Ozzy chapado e bêbado disse para ele: “Você precisa convencer seu amigo que é melhor ele reconsiderar a saída da banda. Diga que está fodendo a melhor coisa que já aconteceu com ele. Está patinando sobre gelo fino”. No final, Ozzy iria aceitar melhor a situação. Quando falei com ele sobre isso anos depois, contou que não achava que Randy teria continuado a tocar rock com mais ninguém. Nessa última turnê ele já estava compondo sua própria música, como era tudo modal e com muita técnica e que nem mesmo Delores, com estudos de música clássica, conseguia entender o que Randy estava fazendo a partir das notas que deixou. E como, quando Randy disse que estava deixando Ozzy, falou para ele: “Você está doido? Mais uns discos e você poderá comprar sua própria universidade!”. Assim como pediu a sua mãe para entrar em contato com a UCLA e pedir informações sobre um mestrado em música clássica, Randy também falou com John Stix, então editor da Guitar World, que se ofereceu para apresentá-lo a gente da cena de Nova York, como Steve Gadd, Jean-Luc Ponty e Earl Klugh. Randy já estava em contato com Richie Podolor, exprodutor do Steppenwolf e Three Dog Night e um reconhecido guitarrista clássico que havia estudado com Segovia e que tinha concordado em permitir que Randy participasse de sessões clássicas com ele. Kathy diz que sua mãe “sabia que Randy não estava feliz. Mas ela sabia o que Ozzy fez por meu irmão também. Não é que ele tenha se enchido de Ozzy. Ele se encheu da estrada. Não é que ele não gostava de Ozzy. Isso não é verdade. Ele só não gostava daquele estilo de vida. Não foi criado dessa forma”. Os dois primeiros shows da volta da turnê norte-americana foram na Omni Arena, Atlanta, em 17 de março, e na noite seguinte no Civic Coliseum, em Knoxville. Aquela noite, numa viagem de mais de mil quilômetros até a próxima parada em Orlando, toda a banda se sentou no fundo do ônibus para assistir ao épico da Segunda Guerra Mundial, Midway. Rudy foi o primeiro a se retirar para o seu canto: “Depois de muitos suicidas kamikazes na tela da TV”. O motorista do ônibus da turnê era Andrew Aycock, de 36 anos. Contra a vontade de Sharon, ele tinha dado uma carona a sua esposa, de quem estava separado, e permitido que ela

se sentasse perto dele na viagem para Orlando. No começo da manhã, o ônibus parou em uma garagem, a Red Baron Estates, perto de Leesburg. Aldridge se lembra de como Aycock ficava falando que era piloto e como prometia à banda “uma voltinha” num dos pequenos aviões que havia no lugar. Cumprindo sua palavra, Aycock ofereceu às únicas pessoas acordadas — Don Airey e o tour manager Jake Duncan — um rápido passeio pelo ar. O avião, um Beechacraft Bonanza F35 de 27 anos, deu algumas voltas por cima do ônibus da turnê, depois aterrissou com segurança. Nesse ponto, Aycock ofereceu a Randy e à costureira da banda, uma mulher negra de cinquenta anos chamada Rachel Youngblood, um passeio rápido pelo ar. O medo de Randy de voar era bem conhecido, assim como os problemas de coração de Rachel. Mesmo assim, os dois concordaram em subir, persuadidos pela promessa de Aycock de que “seria subir e descer”, como se recorda Rudy Sarzo. “Nenhuma besteira, nada louco…” Randy, que agora levava uma câmera para todos os lados, agarrou sua mochila, depois enfiou a cabeça no beliche de Sarzo, convidando-o a vir junto, mas o baixista estava meio dormindo e não se interessou. O que aconteceu depois, quando o avião estava no ar, tornou-se desde então em objeto de longa discussão sem nenhuma conclusão. Mas por alguma razão o avião de repente mergulhou e parecia vir direto para o ônibus da turnê. Don Airey, que estava usando uma lente tele para tirar fotos do avião, afirma que viu figuras lutando dentro da cabine. A esposa de Aycock, Wanda, estava parada na porta do ônibus, e muitos que estavam ali acreditam que o piloto, que tinha dirigido a noite toda e aparentemente havia discutido com ela, tinha decidido matá-la jogando o avião contra o ônibus. Sarzo concluiu que Randy tinha salvado a vida de todos ao forçar Aycock a não voar contra o ônibus. Desde então, no entanto, rumores circularam de que Rachel, que estava sentada na frente do avião com controle duplo, teve um ataque do coração e, quando ela caiu para a frente sobre os controles, forçou o avião a mergulhar — que as figuras lutando que Airey viu eram, na verdade, Randy, sentado atrás, tentando puxar o corpo inerte de Rachel para trás enquanto Aycock tentava forçar o avião a sair da trajetória de queda. Qualquer que seja a verdade, o resultado foi que a asa esquerda do avião bateu no ônibus a menos de dois metros do chão, aí virou e bateu em um enorme pinheiro, cortando o tronco, depois foi se arrastando direto para a garagem da mansão estilo georgiana situada a uns dezoito metros do ônibus. A explosão matou todos a bordo imediatamente. A autópsia depois revelou que Aycock tinha traços de cocaína no organismo no momento do acidente, ao passo que o relatório toxicológico de Randy não revelou nenhuma droga ilícita. A investigação do National Transportation Safety Board também determinou que o certificado médico de Aycock tinha expirado e que sua revisão de voo bienal, exigida de todos os pilotos, estava vencida. Em outras palavras, ele não tinha permissão nem para dirigir o ônibus da turnê, muito menos um avião. Rudy Sarzo lembra-se de pular de seu beliche no ônibus e ver Duncan de joelhos, chorando: “Eles morreram, eles morreram…”. Enquanto isso, Sharon estava gritando para ele: “Como você deixou aquela criança subir no avião? Como pôde!”. O funeral de Randy aconteceu em sua cidade, Burbank, em 24 de março de 1982. Era um

dia cinzento triste, Los Angeles lutou para acordar debaixo de um céu cinzento. Não fazia muito frio, tampouco estava quente, e todo mundo tirou o casaco quando começou a missa na First Lutheran Church, que Randy tinha frequentado todos os domingos com a mãe e os irmãos, e onde até hoje Delores Rhoads dá aulas no coro. Arlene Thomas, amiga da família, tocou uma música no violão e cantou. Ela ensinava em Musonia junto com Randy e sua presença foi muito apreciada por Delores. Nada, no entanto, poderia amenizar o seu desespero. Isso não tinha a ver com se despedir de alguém com quem tinha compartilhado sua vida. Era o reconhecimento final da absurda tragédia que tinha caído sobre a família Rhoads e de como as coisas nunca mais seriam as mesmas. Ozzy chorou no ombro de Delores. Uma Jodi chorosa foi confortada por Rudy. Ozzy, Tommy, Kevin DuBrow e Rudy estavam entre os que carregaram o caixão, junto com os velhos amigos de Randy, Frank Santa Cruz e Kim McNair. O ausente do funeral foi Kelly Garni. “Não tive coragem de ver o caixão”, ele explica. Kelle Rhoads também tinha sido chamado para levar o caixão, mas não conseguiu. “Eu estava em choque”, ele diz agora. “Nem conseguia acreditar. Fiquei pensando, tudo bem, é mais um golpe publicitário, como o morcego e mijar no Álamo. Todos esses anos depois, ainda não aceitei. Penso nele todo dia. É quase como se ele morresse todo dia para mim. Eu consigo seguir com minha vida, mas realmente nunca aceitei completamente.” Delores, cuja força nesses últimos dias terríveis tinha sido impressionante, fez questão de agradecer a todos que vieram, confortando aqueles que ela pouco conhecia tanto quanto fazia com a própria família. Mas por trás dos gestos gentis estava um coração irremediavelmente partido. “Ela nunca mais foi a mesma”, conta Kathy Rhoads agora. “Nunca mais montou outra árvore de Natal até hoje. Manteve o quarto de Randy exatamente como ele havia deixado. É como se o tempo tivesse parado em sua casa. Se você for até lá, é como se voltasse a 1982. Ninguém pode entrar no quarto dele. Está como no último dia em que ele esteve ali…” Depois da cerimônia, uma longa fila de carros partiu de Burbank a San Bernardino, onde estão enterrados os restos de Randy num mausoléu no cemitério de Mountain View. “É um lugar lindo”, conta Kelle, “meio como o de Lady Di…” Greg Leon lembra que o funeral “foi muito triste. Isso não devia acontecer com nenhum de nós. Randy partindo dessa forma, foi terrível. As pessoas vinham tentar conseguir autógrafos. Havia algumas pessoas do outro lado da rua, meio desrespeitosos, de alguma forma, porque estavam gritando: ‘Randy! Randy!’. Era o enterro do cara, sabe?”. Dana Strum estava andando no mesmo Triumph TR7 cupê branco com o qual havia levado Ozzy para passear pela cidade dois anos antes, quando ouviu a notícia pelo rádio. Ficou tão chocado que atravessou um sinal vermelho. “Perdi totalmente o fôlego, parei e comecei a chorar.” Ele conta que sentiu culpa por muitos anos. “Por forçá-lo a ir, por convencê-lo a aceitar…” Sua voz falha com as lembranças. Anos depois, quando sua banda Slaughter abriu para Ozzy, ele às vezes olhava para Zakk Wylde, um dos descendentes de Randy como guitarrista de Ozzy, e pensava: “Deveria ser o Randy”.

Exceto, claro, que Randy já tinha decidido que não seria parte do futuro a longo prazo de Ozzy. Este me contou depois como, a partir do momento em que conheceu Randy, sabia que “seria algo passageiro”. Ele disse que sentiu o mesmo quando viu Jimi Hendrix tocar no festival de música de Woburn Abbey em 1967. Apesar de sua genuína dor — “Pensei, é isso, acabou tudo” —, ele estava de volta à estrada pouco mais de duas semanas após a morte de Randy, com o ex-guitarrista de Gillan, Bernie Tomé. Sharon organizou tudo. “Depois da tristeza da morte de Randy, eu simplesmente sentia que não dava mais para encarar tudo aquilo”, disse Ozzy. “Falei para Sharon: ‘É o fim, estou acabado’.” Sharon, no entanto, estava determinada a não deixar que nem mesmo esse revés evitasse que Ozzy aproveitasse ao máximo seu novo estrelato. Ela disse para ele: “É melhor você nunca mais falar algo assim para mim, Johnny Osbourne. Agora, suba no palco e faça o seu trabalho!”.

Nove A lei da turba EM 1981, com o mundo de novo a seus pés, o Black Sabbath deveria estar bem. Tudo, em teoria, parecia estar funcionando. Sem Ozzy e Bill, eles tinham removido os pontos mais fracos. Tinha sido incrível enquanto durou, mas aquela formação tinha chegado ao auge dez anos antes. Não eram só as drogas — Tony Iommi estava cheirando mais coca do que nunca —, era a falta de autocontrole deles. A forma como se enrolavam com suas próprias emoções, a forma como destruíam tudo que tocavam até foderem por completo. Agora eles tinham substituído Ozzy e Bill por caras — Ronnie e Vinny — que eram o exato oposto, que gostavam de fumar toneladas de maconha, mas eram sempre confiáveis, e prontos quando era hora de subir no palco ou entrar no estúdio, e que não precisavam ser tratados como crianças teimosas, sempre tendo que ser impedidos de correr embaixo do ônibus ou roubar doce de uma loja. O que ninguém perceberia até começarem a gravação do segundo disco juntos, no começo de 1981, era como estava desequilibrado o ecossistema criativo da banda. Com Bill e Ozzy felizes em deixar o peso a Tony e Geezer, em termos de composição, vindo ao estúdio só quando eram chamados, mesmo em seus últimos discos quando o talento parecia tê-los abandonado, pelo menos todo mundo sabia seu lugar. Agora, no entanto, a química criativa tinha sido dramaticamente transformada. Não importava o que os créditos da capa dissessem, todo mundo sabia que as músicas de Heaven and hell tinham sido compostas por Tony e Ronnie. Geezer e Bill tinham estado completamente fora, por escolha própria, e nem podiam reclamar. Mas quando o disco se tornou um sucesso, claro que fazia sentido um próximo disco do Sabbath — o mais rápido possível. Não para Geezer, no entanto, que agora se movimentava pelas costas da banda para ser recolocado como o letrista principal, sussurrando no ouvido de Tony sempre que tinha oportunidade, atacando seu rival enquanto lembrava o guitarrista como tinha permanecido leal durante toda a prolongada crise de identidade da banda. Tony, que odiava confrontos, simplesmente assentia, depois deixava que Ronnie e Geezer resolvessem entre eles. Ronnie, enquanto isso, não se preocupava com essa questão. Não no começo, pelo menos. Sua forma de trabalhar era deixar que a banda fizesse jams até encontrar um riff ou um movimento com o qual pudesse se relacionar, criando melodias vocais e letras quase instantaneamente. Para que ele precisava de um parceiro de composição? Já o modus operandi de Geezer era totalmente diferente: ele preferia se sentar sozinho, com uma cerveja e um baseado, enquanto compunha os versos. No final, foi alcançado um compromisso, em que Ronnie seria creditado pelas letras, enquanto Geezer receberia créditos de composição em todas as músicas. Por ora, então, enquanto trabalhavam em novo material em Los Angeles, eles mantiveram a pretensão de tentar trabalhar juntos, cada um deles permitindo que o outro tivesse a oportunidade de

participar nos seus pensamentos e ideias. Não poderia durar, e o ressentimento começou a se infiltrar na relação deles como sangue que toma conta de uma bandagem. As coisas tinham iniciado bem com a faixa que se tornou o título do disco, “The mob rules”. Escrita e gravada na velha casa de John Lennon em Tittenhurst Park, perto de Ascot (a famosa casa branca onde ele gravou o disco Imagine), na verdade como parte de uma trilha sonora para um filme de animação, Heavy metal — uma animação “viajante”, estrelando John Candy, baseada na revista de ficção científica de mesmo nome —, que reunia grupos parecidos como Blue Öyster Cult, Journey, Cheap Trick e Grand Funk Railroad, parecia algo normal para o “novo” Sabbath. Rápido, com muito punch, uma extensão impressionante do som formulado desde que Dio tinha entrado. O filme seria um fracasso, mas a faixa era muito boa. (Por uma triste coincidência, Lennon foi assassinado poucos dias antes de a banda chegar ao estúdio. Não que a banda tivesse deixado isso atrapalhar seu humor. “Toda a equipe ficou mexendo nos discos [de ouro]”, lembra-se Paul Clark. “Tive que mandar guardá-los em um armário no fundo. Tirei fotos do quarto e bem ao lado havia [um pequeno painel] com John e Yoko, com dois interruptores de luz, assim um podia apagar a luz do outro. No banheiro, o maldito tinha uma câmera de vídeo. Isso era raro naqueles dias! Então eles podiam ficar vendo o outro cagar, acho, não sei.”) O resto de Mob rules foi escrito e gravado em Los Angeles, onde todos viviam agora. Um acompanhamento para Heaven and hell, as novas músicas seguiam a mesma fórmula, com a abertura de “Turn up the night”, uma “Neon knights” parte dois. “Falei a Tony que parecia Thin Lizzy, e ele me olhou com cara feia”, lembra-se Paul Clark. Da mesma forma, “Voodoo” tentava ocupar o mesmo espaço em Mob rules como “Children of the sea” tinha feito no predecessor, sendo mais fragmentada. Uma boa faixa, mas não incrível. Por isso teríamos que esperar pela melhor faixa do disco, “Sign of the southern cross”. Esse era o Sabbath com o melhor metal progressivo — a brilhante introdução acústica, Ronnie em um registro mais alto, até a banda soltar a artilharia pesada, como “Children of the sea” e “Heaven and hell” abrindo uma fissura funda na alma, o solo emocionante de Iommi feito à velocidade da luz, a voz de Ronnie com todo o espaço que precisava para brilhar. Havia outros pontos altos, como “Falling off the edge of the world”, uma balada enorme, cheia de alma, de dar calafrios, a introdução com violino e guitarra, marcada por coros e cordas antes de a banda entrar descendo a mão, um monstruoso sino tocando numa monolítica torre de marfim, o tipo de épico de viagem do metal em que o Iron Maiden e o Metallica baseariam suas carreiras mais tarde, naquela mesma década; “Country girl”, que começa com algo parecido com o primeiro disco do Sabbath, toda a psicodelia folk e escuridão encantada, até as luzes piscarem e a banda começar a reger as estrelas; e “Slipping away”, na qual Tony e Geezer finalmente conseguiram assumir suas fantasias de Led Zeppelin ao máximo, como algo de Physical graffiti, com Vinny mais parecido com Bonzo do que com Ward, o solo elástico de Tony como um Page vintage, com Geezer criando uma linha de baixo estilo funk mais do que aceitável e os vocais multitrack de Ronnie acrescentando um toque de Plant.

Havia também momentos menos inspirados. Entre eles, a conscientemente estranha “E5150” — “EVIL”, em algarismos romanos, entendeu? — uma instrumental “captada do espaço” por Geezer, que podia muito bem ter sido ignorada nesse contexto, mas que acabaria se tornando a introdução de todos os shows seguintes. E o fechamento exagerado, “Over and over”, que tenta encerrar intensamente o disco com uma nota elevada, mas se sufoca em um caleidoscópio distorcido de sons. O tempo no estúdio foi bom para a banda também. Quando o guitarrista Scott Gorham do Thin Lizzy passou por ali, Tony mandou Paul levá-lo para dar uma volta em seu Rolls-Royce. Depois piscou para Paul quando ele ia saindo. O tour manager entendeu a mensagem e “dirigiu como um louco, chegando a 160 quilômetros por hora, cantando os pneus nas curvas. E Scott, no fundo, gritando: ‘Oh, Deus!’.” Tony também cansou Martin Birch “a tal ponto que ele quase se matou” depois que o produtor, acostumado a trabalhar com Ritchie Blackmore, que às vezes realizava sessões espíritas em seu quarto de hotel, ficava perguntando se ele estava envolvido em práticas de ocultismo. A dupla ficava trabalhando até tarde da noite, até o cérebro explodir, até que Birch começou a resmungar para Iommi. “Ele ficava fazendo estas perguntas: ‘Você pratica magia negra?’. E eu carregava uma pequena maleta preta e me cansei de tanto ele perguntar isso, então comprei um pedaço de madeira, prendi uma boneca de pano e coloquei um pouco de cabelo nela e todo o resto das coisas, depois envolvi com um pano preto e coloquei na minha maleta. Então fui ao estúdio e abri o envoltório um pouco, o suficiente para ele ver a boneca. Abri e ele disse: ‘O QUE É ISSO?’. Coloquei de volta na maleta, fechei e perguntei: ‘O quê?’. E ele começou: ‘Sou eu, não sou? Sou eu! Eu sei que sou eu!’. Estava morrendo de vontade de rir, mas continuava com a cara séria. ‘Do que você está falando?’ ‘Abra sua maleta!’ ‘Não, por quê?’ ‘Sou eu aí dentro, sei disso! Eu sei que sou eu!’ E ele ficou doido, absolutamente descontrolado. Continuei com isso por muito tempo. Ele falava coisas tipo: ‘Senti dor de cabeça ontem à noite. Foi você, não foi? Você me causou essa dor de cabeça’. E eu falava: ‘Não sei o que você quer dizer com isso’. Então ele se acalmava um pouco depois disso e eu falava: ‘Você está com algum problema ultimamente, Martin?’. ‘POR QUÊ? O QUE VOCÊ FEZ?’” Ele ria, maldoso. Mob rules foi lançado em novembro de 1981 e imediatamente repetiu o sucesso de seu predecessor, chegando ao 12o lugar na Grã-Bretanha e novamente ao Top 30 nos Estados Unidos. As resenhas também foram bastante positivas. Isso permitiu que o Sabbath se reinventasse bem a tempo de assumir um lugar na nova onda de golias do rock pesado que dominaram o rock dos anos 1980, como Judas Priest, Whitesnake, AC/DC — e Ozzy Osbourne, cujo segundo disco solo, Diary of a madman, foi lançado no mesmo mês, e fez mais sucesso. Foi chato para Tony, Geezer e especialmente para Ronnie ver o disco de Ozzy fazer mais sucesso que o deles. Musicalmente, havia poucas coincidências, com o Sabbath

essencialmente se mantendo fiel a seus princípios dos anos 1970, enquanto Ozzy abraçava com tudo os anos 1980, baseando-se em seu jovem guitarrista, Randy Rhoads, para criar os climas da música. Nos shows, só seis das treze músicas do Sabbath em 1982, incluindo o bis de “Paranoid” e “Children of the grave”, vinham dos dias do Ozzy. Para os fãs, não parecia ser um problema, felizes em apoiar os dois lados. Mas para Tony e Ronnie, era algo que os incomodava como um osso de galinha na garganta, algo que nunca conseguiram cuspir. “Somos uma banda muito diferente de quando estava Ozzy”, Ronnie mantinha. “A única semelhança é o nome.” Enquanto para Ozzy, “eu não estou nem aí para o que eles fazem. Estou aqui muito feliz com isso e muito obrigado”. Era algo que falava da boca para fora, ele mais tarde confessou, com muita raiva contra a banda que, como ele via, o tinha abandonado para morrer. “Era como uma guerra total”, Ozzy me contou. “Quero dizer, não aceito toda essa merda, sabe, sou demitido, mas ainda somos amigos. Se você ainda é amigo, por que demitir?” O que Ozzy não sabia era que Ronnie também estava ficando cada vez mais infeliz no Sabbath. O vocalista pode ter sentido certa afinidade com os britânicos — até um tipo de parentesco: Wendy, afinal, tinha nascido em Epping, só mudando-se para os Estados Unidos em 1973 —, mas ele se sentia cada vez mais distante de Tony e Geezer. O segundo nem era tão importante: era um baixista sólido, que falava pouco e agora estava com sua nova namorada norte-americana, Gloria, na turnê e ficava na dele. Enquanto entendesse que Ronnie era agora o principal letrista da banda, as coisas ficariam bem. A única coisa que Ronnie não tinha certeza era se Geezer gostava mesmo dele. Costumava pegar aqueles olhos castanhos profundos virados para ele às vezes e se perguntava o que estaria realmente pensando. O principal era que Geezer bancava o que Tony queria: se Tony estivesse bem, Geezer também estaria. De acordo com Paul Clark, cuja distância cada vez maior do seu “irmão” Iommi, que ainda não tinha perdoado sua tentativa de avisá-lo sobre sua nova esposa norte-americana, Melinda, o fez se aproximar de Dio: “Era Ronnie quem mandava agora”. Ele continua: “Não era coincidência que a banda com Ronnie tivesse voltado a ser grande de novo, apesar de não termos empresário. Sem Ronnie aquela banda não teria sobrevivido depois da saída de Ozzy, simples assim. Ronnie e eu trabalhamos em tudo juntos. Ronnie me ensinou muito. Ah, porra, sim. Ele era um cara muito bom. Era realmente muito adorável. Mas ele se fodeu no final”. O problema era que Ronnie não tinha mais certeza se Tony estava gostando de tudo. O guitarrista ultimamente tinha começado a fumar cocaína — um procedimento complicado envolvendo água, amônia e muito filtro, para terminar com uma pedra cem por cento pura de cocaína não adulterada, e depois fumar. “Ele ficava completamente doido”, lembra-se Paul Clark. Quando estavam hospedados no Sunset Marquis, em Los Angeles, “a gente usava um taxista, Tip era o seu nome, e era ele quem conseguia a coisa. Ele e aquele maldito tecladista, Geoff Nicholls. Tony fumava tanto aquilo que não conseguia fazer as porras das entrevistas. Eu costumava fazê-las por telefone no lugar dele, pois tinha o mesmo sotaque”.

Ronnie gostava de fumar maconha e beber cerveja, mas não usava coca, não gostava de Quaaludes ou Mandrax, sedativos poderosos, e não ia atrás de groupies. Ele e Tony podiam combinar quando estavam tocando ou compondo juntos, mas socialmente viviam em mundos remotos; Tony se enfiava em sua caverna mal iluminada nos quartos de hotel depois de cada show, enquanto Ronnie gostava de sair e ver o que estava acontecendo. Gostava de ler e conversar e pensar e conversar mais um pouco. Alguns dias, Tony quase não falava nada. Era isso então?, perguntava-se Ronnie. Como sempre seria. Eles já tinham chegado ao topo, essa banda que havia desfrutado tanto sucesso na primeira vez, enquanto Ronnie ainda tinha sonhos não realizados suficientes para encher um castelo mágico? Sandy Pearlman, cujo estilo tranquilo de management não tinha impressionado nenhum deles, tinha sido demitido no meio do caminho da última turnê norte-americana. Ele parecia tranquilo com aquilo, quando nos encontramos alguns anos mais tarde, afirmando que ainda era fã do Sabbath, e sempre tinha sido, mas que talvez a máxima de que nunca se deve conhecer seus heróis era correta. Pearlman continua uma figura enigmática, seu breve encontro com o Sabbath parece eliminado de sua história oficial. Com a banda sem empresário, Ronnie, um líder nato, inevitavelmente assumia o papel sempre que a ocasião exigia, o que era frequente; um posto evitado na maior parte das vezes por Iommi, que se perdia por dias sem fim em ilusões de cristais de coca e sedativos. Ronnie também estava ficando preocupado com outros aspectos da propriedade de Tony sobre a banda, depois que Paul o alertou sobre a exata natureza das contribuições no palco do tecladista Geoff Nicholls a cada noite. Paul me tocou a mesma fita gravada de um show do Sabbath da turnê que ele obrigou Ronnie e Geezer a ouvir na época. Estávamos em “Heaven and hell”, que traz Geoff no órgão. Ele parece uma criança tocando ocasionais acordes em um teclado barato. Há um pouco de u-hu vocal também. Paul suspira: “Geezer me perguntou uma noite: ‘Que porra é esse barulho?’. Respondi: ‘É o Geoff’. Ele falou: ‘Como é? Livre-se dele! Não o coloque na mix!’. Achei que se contasse isso para alguém, ninguém iria acreditar em mim! Se contasse que a maior banda do mundo tinha um otário fodido no teclado…”. Ele balança a cabeça sem acreditar. “Quando toquei para Ronnie, ele falou: ‘Você precisa falar isso para o Tony’. Respondi: ‘Não vou falar com ele. Você fala com ele’.” Em vez disso, Geezer disse que ia conversar com Tony: “Mas ele não conversou, e a gente continuou mais dois anos com o merda do Geoff Nicholls nos teclados”. Paul diz que a equipe ficava ainda mais desgostosa quando tinha que limpar os cabelos de Geoff do teclado toda noite. “Pois eles caíam suados quando ele balançava a cabeça.” As coisas finalmente chegaram a um ponto final em julho de 1982, quando começou a mixagem do que seria o próximo disco do Black Sabbath — um duplo ao vivo chamado Live evil. Eles iriam discutir publicamente sobre isso durante os próximos anos. Como Dio e

Appice entravam no estúdio à noite, depois que Iommi e Butler tinham ido para casa, e começavam a foder com a mixagem, deixando a voz e a bateria mais altas e abaixando a guitarra e o baixo. Como isso levou a uma briga final que fez com que Ronnie e Vinny saíssem. Ou ainda: como Tony demitiu Ronnie por tentar liderar a banda. Como ele sempre quis que Vinny ficasse, mas que Ronnie tinha jogado seu feitiço sobre o jovem, forçando-o a seguir o vocalista para a rua. Mas nada disso era verdade — ou muito pouco era. E até as partes reais — discussões sobre a mixagem do disco Live evil — eram na verdade só a última escaramuça em uma crescente guerra que estava a ponto de fazer o Black Sabbath explodir. Geezer já estava bastante bravo com a influência cada vez maior de Ronnie nos negócios da banda. Ele não só o tinha suplantado como o letrista da banda, mas também parecia estar dirigindo os negócios do Black Sabbath fora do palco — o que, na ausência de um empresário ou de qualquer outra figura forte na banda se interessando, era verdade, claro. “A gente só via aquilo como uma forma de controlar a banda”, disse Geezer mais de 25 anos depois, “e não gostávamos daquilo.” Falando agora, Vinny Appice se lembra de como “as relações entre Tony e Ronnie, e Geezer e Ronnie, estavam começando a desabar” muito antes de entrarem no estúdio para fazer a mixagem das fitas ao vivo. “Tony e Geezer não tinham problemas comigo. Era só com Ronnie.” O que ele descreve como “o choque de muitos egos”. No final da turnê mundial de Mob rules, havia “brigas no camarim com Tony e Ronnie gritando um com o outro”. Ele acrescenta: “No final da turnê dava para sentir o clima entre eles — Tony e Geezer entravam num carro e Ronnie entrava em outro. Eu tentava me manter neutro, me revezando entre os carros…”. Quanto à acusação posterior feita por Tony de que Ronnie estava entrando escondido no estúdio sem ele saber para alterar a mixagem do disco ao vivo, algo que diz ter descoberto por intermédio do engenheiro, Lee Di Carlo, que em um dado momento contou para ele (“Ele falou: ‘Não aguento mais. Vocês vão para casa depois de fazer a mixagem e então Ronnie aparece e quer refazer tudo. Não sei mais o que fazer’.”), contradiz o fato de que Ronnie era uma pessoa diurna e teria sido impossível que ele esperasse Tony e Geezer irem para casa antes de “entrar escondido” no estúdio, uma vez que os outros raramente terminavam antes da madrugada. Na verdade, como Vinny Appice explica: “O que acontecia era que eles agendavam o estúdio para as duas horas da tarde. Mas [Tony e Geezer] não chegavam ali antes das quatro ou cinco horas, e era um estúdio caro. Eu e Ronnie chegávamos às duas. Eu não tinha nenhum poder de decisão, só aparecia quando eles me chamavam. Mas Ronnie queria trabalhar, então ele começava a fazer o que era preciso, e eles falaram isso de que o Ronnie entrava escondido no estúdio e mexia nas coisas sem autorização deles”. Outras vezes, ele sugere, “eles podiam ir até o pub ou ir embora cedo. Bem, Ronnie ficava ali, ele é compulsivo…”. Não importa qual é a verdade, Tony sentia que estava sendo colocado numa posição impossível. Por um lado, ele era seu vocalista, realizando coisas sem consultá-lo. Tinha se

passado mais de uma década sem que Iommi permitisse que alguém fizesse algo sem seu conhecimento e consentimento em algum disco do Sabbath. Por outro lado, ele tinha seu baixista sussurrando em seu ouvido, dizendo-lhe para tomar uma posição, que estava tudo errado, que não era assim que se faziam as coisas no Sabbath. Em um esforço para simplesmente calar as vozes deles, Tony, mentalmente preso a sua psicose da cocaína, tentou banir Ronnie do estúdio. Neste momento, ele fala, um tanto desnecessariamente, “as coisas tinham ficado feias”. Ele mandou Geezer dar a notícia. Ronnie já tinha decidido que toda a situação tinha se tornado “um absurdo completo” quando Geezer falou com ele. “Tínhamos chegado a um ponto crítico, e Geezer e Tony são especialistas em evitar conflitos. No final, Geezer me telefona e diz: ‘Acho que não está funcionando. Realmente queremos que Tony produza o disco sozinho’. Agora eu conheço esse tipo de conversa em código, então digo: ‘Se vocês não querem que eu me envolva com este disco, estão dizendo que terminou?’. E Geezer: ‘Bom, er… é, acho que sim’. Eles não conseguiam simplesmente dizer na cara. Era todo um estratagema para forçar minha saída.” O tiro de misericórdia: sabendo que ele não gostava quando seu nome era cortado por conveniência nas resenhas, Tony e Geezer deliberadamente colocaram seu nome na capa de Live evil apenas como Ronnie Dio. Perdida no meio de tudo isso estava a música. No final, Live evil era um disco bastante bom, apesar de mais tarde ser chamado por Ronnie de “um pedaço de merda”, jogando mais gasolina no fogo ao afirmar que a maior parte do supostamente disco ao vivo estava cheia de overdubs de estúdio. “Não o vocal, claro”, ele insistiu. “Só todo o resto.” O que ele estava ignorando era que os melhores discos ao vivo, na época, como agora, eram em sua maioria essencialmente construções de estúdio. Falando do duplo ao vivo do Thin Lizzy, Live and dangerous, lançado quatro anos antes de Live evil, e depois visto como um dos melhores discos “ao vivo” do gênero, o produtor Tony Visconti não tinha problemas em admitir que “75% foram feitos no estúdio”. Enquanto o sucesso de vendas Unleashed in the East do Judas Priest, de 1979, era chamado de gozação como Unleashed in the studio. O mais importante, o aspecto mais importante de Live evil era a única coisa que Dio insistia que não tinha sofrido overdub — sua magnífica voz. Ironicamente, ela se destaca mais nas faixas da era de Ozzy como “War pigs”, “Children of the grave” e, de forma mais espetacular, em “Black Sabbath”, em que ele não só acrescenta sua própria cor ao quadro musical; na verdade reconfigura a original, deixando-a mais triste, mais encantadora e ainda mais crível. Tudo isso tinha sido enterrado debaixo da onda de má publicidade que se seguiu ao aparecimento da notícia da saída de Dio. O Sabbath diria olá e adeus a muitos vocalistas nos anos seguintes, mas nenhum tocou o coração dos fãs como Dio. Permaneceria uma grande nostalgia pelos discos antigos da era Ozzy, e com razão, mas para a geração de fãs de rock que cresceu nos anos 1980 só haveria um único supremo vocalista do Sabbath, só um vocalista de heavy metal por excelência, e seria Ronnie James Dio. Os fãs não ficaram felizes. A diferença era que nos anos 1970 a banda já estava bastante

morta, musicalmente, quando Ozzy foi colocado no canhão e mandado pelos ares. A saída de Bill Ward foi tolerada porque a nova era da banda, liderada por Dio, estava em ascensão. Eles sempre conseguiriam bons bateristas e encontraram um. No entanto, a saída de Ronnie, quando aconteceu, destruiu essa versão do Sabbath em seu nascimento. Do ponto de vista de um fã, tirando uma reunião com Ozzy, nada poderia curar essa ferida. E isso nunca ia acontecer, agora que a carreira de Ozzy tinha explodido como um foguete. Tony Iommi e Geezer Butler podem ter pensado que estavam evitando a ameaça de Dio tomar controle do Sabbath quando expulsaram o cantor, uma situação que eles podiam argumentar que estava descontrolada, mas eles agora se encontravam numa posição ainda mais complicada: pareciam não conseguir manter acesa a chama do Sabbath, aparentavam ser pouco mais do que impostores, tentando fustigar um cavalo morto. O fedor desse cavalo morto os perseguiria por onde fossem nas décadas seguintes. Ronnie James Dio, enquanto isso, profissionalmente voltaria a ficar de pé quase de imediato. Mais tarde, ele se descreveu “cheio de otimismo com minha nova banda e tristeza pelo que tinha acabado de acontecer. Não fiquei feliz pela forma como as coisas terminaram, mas conseguia sentir orgulho pelo que tinha conquistado… Dei tanto ao Sabbath quanto a banda me deu, provavelmente mais”. Quando, no dia seguinte ao telefonema de Geezer, Ronnie convidou Vinny para jantar no Rainbow e contou sobre seus planos de começar uma banda própria e queria Vinny nela, o jovem baterista quase morde sua mão de alegria: “Eu falei: ‘Claro. Porra, claro! Vamos fazer isso!’. Eu era jovem, mas Ronnie era um cara muito legal e um ótimo líder, e já era conhecido e grande e era muito positivo trabalhar com ele. Olhava para ele como um irmão, sabe? Adorava Tony e Geezer também. Eles pediram para que eu ficasse, mas isso significava ir para a Inglaterra e passar muito tempo lá. Era uma atmosfera e um clima diferentes. Era muito mais fácil ficar com Ronnie e começar algo novo”. E se terminasse sendo a decisão errada, “eu era jovem. Não importava”. Poucas semanas depois, Ronnie tinha completado a formação de sua nova banda — chamada simplesmente Dio, não deixando nenhuma dúvida dessa vez de quem mandava — com o acréscimo do ex-companheiro do Rainbow e bem conhecido festeiro, o escocês Jimmy Bain, no baixo, e um guitarrista novo, garoto-prodígio de vinte anos, da Irlanda do Norte, chamado Vivian Campbell. (Em outro estranho cruzamento do destino, Ronnie tinha antes rejeitado um jovem guitarrista de Los Angeles chamado Jake E. Lee, que entraria na banda de Ozzy como substituto de Randy Rhoads. A primeira escolha de Ronnie como baixista, outro ex-companheiro do Rainbow chamado Bob Daisley, recusou a chance, pois também tinha acabado de ser contratado por Ozzy.) O primeiro trabalho de Dio, Holy diver, lançado no começo do verão de 1983, seria aclamado como um dos três discos clássicos do cantor. Mas onde os dois primeiros — Rising do Rainbow e Heaven and hell do Sabbath — tinham feito de Ronnie o mais celebrado recuperador de carreiras do rock, Holy diver provou que ele era um frontman em todos os

níveis. Na verdade, num ano em que tanto o Rainbow (com seu disco final, o terrível Bent out of shape) quanto o Sabbath, agora lutando para encontrar um novo vocalista que fosse crível, pareciam estar nas últimas, Holy diver se destacava muito. No final do ano, ele tinha conquistado platina e transformado Dio num artista de primeira linha ganhando milhões. “A alegria foi total”, conta Wendy Dio. “Afinal, as coisas estavam acontecendo, os testes e as atribulações, sem dinheiro, sem nada, e depois, de repente, estava tudo acontecendo. Foi fantástico! Nada de ‘eu te disse’ porque nunca pensei que ia ser assim. Mais para um ‘eu mostrei!’. Realmente foi ótimo para Ronnie. Foi inacreditável.” Uma conquista que Ronnie iria estimar para o resto de sua carreira. “Sinto como se tivesse recomeçado minha vida”, ele me contou. “Só que dessa vez estou no comando do meu próprio destino. Depois do Rainbow e do Black Sabbath, senti que tinha o direito.” Para o Black Sabbath — o que tinha sobrado deles — a sorte não estava mais sorrindo. Tendo demitido dois vocalistas e perdido dois bateristas em menos de dois anos — embora Tony Iommi continuasse firme em sua crença, alimentada pela coca, de que eles tinham feito a coisa certa ao cortar Dio —, o Black Sabbath agora estava enfrentando a perspectiva realmente séria de extinção. Na verdade, Geezer já tinha começado a falar em dar um novo nome a qualquer projeto musical que os dois membros originais criassem. Geoff Nicholls ainda estava a bordo, claro, e apesar de Geoff ter um papel, ele era só um membro assalariado do time. Ninguém fora do círculo íntimo cada vez mais enlameado do Sabbath conhecia seu rosto. Só aqueles fãs que liam as capas com lentes de aumento reconheciam o nome. Pior ainda era a súbita consciência de que sem Ronnie a banda não tinha mais nenhum tipo de mecanismo de tomada de decisão eficiente. Não precisavam só de um vocalista e um baterista, mas também de um novo nome, um novo empresário e um novo e melhor sentido de que merda eles achavam que deviam fazer. Precisavam de alguém forte, que pudesse pegar o bastão deles e realmente levá-lo adiante. Um novo líder, sem medo de mostrar aonde deveriam ir e como chegar lá, e como não ter medo porque ele iria resolver tudo, queridos, deixem tudo comigo. Eles o encontraram, depois de um cruzamento por acaso no aeroporto de Detroit, uma manhã, quando Tony Iommi trombou novamente com Don Arden. Conversando com Don quase vinte anos mais tarde, sua postura de “eu falei” estava clara quando Tony contou a forma como a banda tinha se separado depois que Don os deixou ao escolherem Dio. Tony, agora vindo até ele, de chapéu na mão, como ele via, arrependendo-se de seus pecados e pedindo ajuda, também era um grande apelo à vaidade do velho trapaceiro. Nada disso ajudava, no entanto, a avaliar a situação do ponto de vista financeiro. O que o persuadiu, ao final, a voltar a reconstruir o Black Sabbath foram duas coisas. A primeira, que com Tony e Geezer pelo menos o Sabbath tinha ficado “com a metade criativa dos quatro originais, então ainda havia esperança para eles”. A segunda razão igualmente importante era mais pessoal. Em 4 de julho de 1982, na ilha havaiana de Maui, Sharon e Ozzy tinham se

casado. Apesar das afirmações de Don de que tinha dado o contrato de management de Ozzy como presente de casamento, quando ela então tentou cortar o contrato com o selo de Don, Jet, e fazer um novo acordo com sua empresa distribuidora, a CBS, ele ficou tão furioso “que começou uma guerra entre nós que duraria anos”. Quando, em 1983, ele novamente teve a chance de ser o empresário do Sabbath, Don viu isso como a oportunidade de ouro de enfrentar sua filha distanciada e provar quem era a força dominante na família. Pai e filha tinham chegado a um grau de relacionamento catastrófico quando Don começou o que seria um caso longo com a atraente e muito mais jovem Meredith Goodwin. Para Don, essa era uma situação com a qual sua esposa Paddles, muito mais velha, na Inglaterra, não se importava. Eles não se divorciaram, e Don continuou a cuidar dela na excelente casa que tinham comprado juntos anos antes. Mas Sharon não tinha gostado de Meredith desde o começo, ele afirmou, vendo sua chegada na casa dos Arden em Hollywood como, no mínimo, uma ofensa à sua mãe, e, no máximo, como o golpe premeditado de uma oportunista. Don, no entanto, ignorou as ansiedades de sua filha. Ele estava, admite, “completamente obcecado” por Goodwin. Isso deixou Sharon ainda pior. Sempre a preferida do pai, ela agora imitava o famoso temperamento do velho, ao jurar vingança contra ele. Ao longo do ano de 1981, ela passou de acompanhante-empresária de Ozzy a mulher dele, assumindo o papel de empresária em tempo integral. Don reagiu bem a isso, inicialmente, mas quando Sharon deixou claro que ela tinha a intenção de tirar o contrato de gravação de Ozzy da Jet — negociando com a CBS num contrato que valia milhões no auge do sucesso incrível dos dois primeiros discos solo multiplatinados —, isso levou a uma briga entre eles que desfiguraria a história futura do Black Sabbath. Sharon, que nunca fugia de uma briga, estava determinada a frustrar o pai a todo momento. Vendo, certo dia, Meredith almoçando num restaurante em Los Angeles, ela foi até lá e calmamente jogou uma tigela de sopa em cima dela. Don ficou ultrajado e começou a fazer ligações telefônicas ameaçadoras para a filha. Isso agora era algo mais do que uma disputa pai-filha; eram negócios, e a forma como Don lidava com os adversários de negócios era bem conhecida. Um amigo próximo de Sharon lembra-se de encontrá-la uma noite “aninhada num canto chorando e tremendo de medo” depois de uma dessas ligações do pai. O que Sharon tinha a seu favor, e que a deixou bem posicionada nas primeiras batalhas com Don, foi o sucesso rápido da carreira solo de Ozzy: em 1982, Blizzard of Ozz e Diary of a madman tinham vendido um total de mais de 5 milhões de cópias nos Estados Unidos. A outra coisa que ela tinha a seu lado era a infinita boa vontade das várias figuras da indústria musical que, em privado, queriam muito ver a morte do dragão cuspidor de fogo que era Don Arden no começo dos anos 1980. Todo mundo, parecia, estava disposto a ajudar Sharon e Ozzy em sua luta para se livrar do passado em comum. Quando, como parte do acordo, Ozzy foi forçado a gravar mais dois discos para a Jet, Sharon planejou o que via como um duplo golpe: um disco ao vivo duplo de Ozzy, lançado ao mesmo tempo que Live evil, e formado inteiramente de músicas do Sabbath da era Ozzy. Algo que não só entrava em competição

direta com o Dio-Sabbath de Tony Iommi, mas diluiria o mercado para um disco tão significativo. Ela não se importava com as vendas dos discos de Ozzy, pois estaria no selo do pai e ela tinha certeza de que “nunca veríamos um centavo, mesmo”. Se ajudasse a aniquilar o Sabbath de Iommi, seria a cereja no bolo. Como ela me contou mais tarde: “Tínhamos que dar ao velho dois discos, bom, um disco duplo ao vivo contava como dois. Eu sabia que ele aceitaria porque não teria nenhum custo para fazer e podia ser terminado rápido, enquanto Ozzy ainda estava fazendo sucesso. Mas Don estava esperando algo com Randy [Rhoads], e eu pensei: foda-se. Não vou dar isso a ele. Pode ter algo com um monte de merdas antigas do Sabbath”. O fato é que o disco, Talk of the devil (Speak of the devil nos Estados Unidos) vendeu mais de três vezes o que Live evil conseguiu, colocando outro prego no caixão do Sabbath. Quando Tony Iommi inadvertidamente acabou entrando no meio dessa disputa entre pai e filha, ele não sabia ainda, mas estava selando seu destino — e o do Black Sabbath — para sempre. Sim, Don aceitaria a banda de novo e ajudaria o guitarrista a reconstruir a carreira, que estava chegando rapidamente a um ponto ridículo. Mas isso teria um preço, tanto no sentido imediato quanto em outro mais a longo prazo e que continua até os dias de hoje. Recuperando seu posto como empresário do Sabbath, Don estava mais determinado que nunca a “dar uma lição na puta da minha filha”, como ele falava. Ele iria fazer tudo que fosse preciso para colocá-los de volta no topo — ou, pelo menos, à frente de Ozzy. Tony, no entanto, teria que fazer tudo que Don mandasse. Tony, que já tinha vendido a alma ao diabo tantas vezes que estava pronto para tentar qualquer coisa, não discutiu. Nem mesmo quando Don sugeriu uma ideia tão absurda que fez Tony rir alto na primeira vez em que ouviu: trazer o exvocalista do Deep Purple, Ian Gillan, como novo vocalista do Black Sabbath. Don também tinha outra ideia inédita na manga. Para restabelecer a credibilidade da marca Sabbath, eles trariam de volta Bill Ward. “Achei que ele estava brincando”, disse Tony. “Tinha que estar, não é?” Mas Don não estava sorrindo quando falou aquilo. Tinha sinais de cifrão nos olhos. Logo, Tony também teria. Eles já tinham feito testes com diferentes cantores antes de o nome de Gillan aparecer na discussão. Abrindo as portas para todos os cantos, eles começaram a distribuir fitas com a base do Sabbath, que potenciais recrutas poderiam usar para gravar seus próprios vocais. Dessa forma, eles poderiam filtrar os “loucos”, como afirma Paul Clark, antes de convidar aqueles com reais chances para um teste. No final, isso se resumia a um pequeno número, nenhum dos quais animou a banda. O que estava mais no alto era o vocalista do Samson, Nicky Moore, que Geoff Nicholls lembra ter “uma voz fenomenal, absolutamente brilhante”. Mas Moore era baixo e rechonchudo, “simplesmente não tinha o visual correto”. John Sloman também fez um teste, porém sua imagem muito limpinha e a voz afetada foram consideradas leves demais para cantar as músicas do Sabbath. O jovem Michael Bolton, na época tentando começar uma carreira como vocalista de rock cabeludo, também foi considerado. Mas apesar

de ter uma tremenda voz, como ficou evidenciada por sua ascensão posterior ao status de superestrela como crooner de baladas pop, Bolton tampouco tinha uma boa presença para rock pesado. Além disso, a banda já tinha tido cantores norte-americanos suficientes, tinham decidido. Em seguida, num estranho percurso para terminar trabalhando com Ian Gillan, Tony convidou o sucessor de Gillan no Deep Purple, David Coverdale, agora liderando sua própria banda, o Whitesnake, para se unir ao Black Sabbath. Geoff Nicholls se lembra de ir com Tony a uma reunião com Coverdale no Rainbow, em Los Angeles, para discutir a ideia. Para tornar a possibilidade de uma aliança ainda mais atraente, Coverdale trouxe também o baterista do Whitesnake, Cozy Powell. “A gente teve uma boa conversa e meio que concordamos a princípio que poderia funcionar”, lembra-se Nicholls. “Tony sempre teve vontade de trabalhar com David. De todas as formas, a gente deixou a coisa assim, mas depois ficamos sabendo que eles tinham acampado em Dartmoor e estavam remontando o Whitesnake.” Foi quando Don decidiu intervir e pediu que Tony entrasse em contato com Ian Gillan, cuja carreira pós-Purple com a banda que levava seu nome tinha conseguido algum sucesso na Grã-Bretanha e na Europa, mas havia fracassado em avançar nos Estados Unidos. Quando o último disco de Gillan, Magic, lançado no final de 1982, quase nem chegou ao Top 20 do Reino Unido, Gillan decidiu terminar a banda e tentar uma eventual reunião com o Deep Purple, na ocasião um dos segredos mais mal guardados da indústria. O único problema era a obrigação contratual de Ritchie Blackmore de fazer mais um disco do Rainbow, que seria lançado em 1983 e traria o baixista do Purple, Roger Glover. O tecladista Jon Lord também ia ficar para mais um disco do Whitesnake, Slide it in, lançado no mesmo ano. Enquanto isso, o baterista Ian Paice estava fazendo o disco de Gary Moore, Victims of the future, de 1983. O único membro do Deep Purple com tempo livre antes da reunião planejada em 1984 era Ian Gillan. Quando, no começo da primavera de 1983, ele recebeu a ligação de Tony Iommi, perguntando se gostaria de discutir algum trabalho conjunto, Gillan não pareceu se interessar, ao menos a princípio. Como ele mais tarde admitiria, “nunca realmente gostei da imagem deles”. Na verdade, ele sempre teve tendência a menosprezá-los. Gillan não era um cara do heavy metal. Ele se via como oriundo de uma “tradição blues mais pura”. Os rapazes de Brum simplesmente não pertenciam à mesma linha do Deep Purple, mais livre-pensador e musicalmente mais aberto. Mas Tony Iommi não era o único com um empresário que pensava mais estrategicamente. Foi Phil Banfield, o empresário de muitos anos de Gillan, que persuadiu o vocalista a pelo menos se encontrar com Iommi. O que mais Ian ia fazer com seu tempo livre até a reunião do Purple realmente acontecer? Eles concordaram em se encontrar no meio do caminho entre a residência de Tony e Geezer, em Birmingham, e a de Ian, em Reading — num pub chamado The Bear in Woodstock, Oxfordshire. Paul levou Tony e Geezer em um dos Rolls-Royces de Tony, “porque eles achavam que iam impressionar Gillan aparecendo assim”. Gillan foi dirigindo sozinho — e

bateu o carro na estrada. “Algum palhaço bateu na traseira do meu carro, então cheguei com o carro em formato de L e longe de estar com o melhor humor”, ele lembrou-se mais tarde. Diz que as primeiras palavras de Tony para ele foram: “Oh, você é uma bicha, não?”. “Claro, ficamos todos travados”, disse Tony. “Não me lembro nem mesmo de conversar muito sobre o Black Sabbath, só falamos com Ian a respeito de um trabalho juntos, talvez. No entanto, todos rimos muito, foi isso, acho. Em seguida, tudo começou a acontecer.” Com uma ressaca feia, Ian Gillan acordou no dia seguinte com um telefonema de Phil Banfield dizendo: “Se você vai tomar decisões sobre sua carreira, não é melhor me consultar primeiro?”. O vocalista lutou para se lembrar como havia chegado em casa. Banfield refrescou sua memória com as palavras: “Aparentemente ontem você concordou em se tornar o novo vocalista do Black Sabbath!”. Quando se espalhou a notícia de que Ian Gillan era o novo vocalista do Black Sabbath, a reação dos críticos e dos fãs foi variada, para dizer o mínimo. Uma coisa era cruzar as linhagens Sabbath-Purple com Ronnie James Dio — ele pode ter trabalhado com o guitarrista fundador Ritchie Blackmore, mas nunca tinha tocado no Deep Purple. Ian Gillan, no entanto, tinha estado à frente do Purple na formação que havia colocado a banda entre a trindade sagrada do hard rock britânico nos anos 1970: Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath. Chamá-lo, entre todos, para ser o novo vocalista do Sabbath foi algo que deixou muita gente abalada. Era como se, uma década antes, Mick Jagger tivesse entrado nos Beatles, ou, em algum momento mais recente, Damon Albarn do Blur substituísse Liam Gallagher no Oasis. Algumas coisas simplesmente não combinam. Como Gillan, com sua profunda voz de blues, conseguiria cantar as faixas estridentes como “Iron man” e “Children of the grave”? Na verdade, ele não se sairia mal — quando conseguia se lembrar das letras. Ele se vestiria de preto e usaria uma cruz? A resposta do vocalista para ambas as perguntas seria um definitivo não, embora ele tenha secretamente experimentado algumas das roupas de Tony, desistindo no entanto de usá-las. Até Ronnie James Dio expressou seu espanto. “Estava esperando que eles tentassem resolver as coisas com o Ozzy ou procurassem determinado tipo de vocalista, mas nunca em um milhão de anos eu teria falado em Ian Gillan. Todo mundo sabia que isso não ia durar.” Para Don Arden, no entanto, era simples. Como ele me contou mais tarde: “Isso os colocou de volta às manchetes. Era um ótimo pacote! Algo que eu podia vender nos Estados Unidos”. Para Geezer Butler e, em menor grau, para Tony Iommi, era uma perspectiva duvidosa, pelo menos teoricamente. “A gente tinha terminado com a versão Ronnie da banda”, lembra-se Geezer, “e eu falei ao Tony: ‘É meio piada continuar chamando de Sabbath, não é?’. E ele concordava totalmente. Acho que [Don Arden] sugeriu que conseguíssemos Ian e chamássemos de Gillan/Iommi/Butler/Ward, não de Black Sabbath, que era a forma como nós e Gillan nos sentíamos. A gente só achou que seria uma coisa interessante de se fazer sem pensarmos em uma banda.” No entanto, não seria a última vez que Tony era logo persuadido por Don a jogar com

segurança mantendo o nome Black Sabbath. “Falei a eles que podiam acrescentar outro zero ao adiantamento se mantivessem o nome da banda”, disse Don. “Qualquer outra coisa não teria feito sentido.” Geezer ficou profundamente infeliz com a decisão; suas objeções terminaram compensadas pelos grandes adiantamentos em merchandising da gravadora e dos promotores garantidos ao “novo” Sabbath. “Aquele disco com Ian Gillan… Não deveria ser do Black Sabbath. Foi o empresário e a gravadora que insistiram para que usássemos o nome e eu fui contra, mas são eles que conseguem mudar a situação quando começam a pagar tudo, então virou um disco do Black Sabbath. Não seria a última vez que isso iria acontecer.” No entanto, de acordo com Gillan, sempre pensaram em chamar de Black Sabbath. “Não tenho ideia de onde surgiu essa ideia de ‘Supergrupo’”, ele insistiu. “Desde nossas primeiras conversas, ficou claro que eu estava entrando no Black Sabbath.” Na verdade, apesar de nunca ter ficado abertamente claro na época, para Gillan era uma aliança estritamente temporária. Algo que ele e seu empresário, Phil Banfield, acharam que iria levantar o perfil dele de novo nos Estados Unidos, permitindo que aproveitasse completamente a reunião do Deep Purple no ano seguinte. Mais impressionante ainda foi o truque de Don de conseguir a volta de Bill Ward à banda. A morte de seu amigo John Bonham quase três anos antes tinha abalado totalmente Bill. Não o impediu de continuar se drogando, mas, “indiretamente, uma semente havia sido plantada em mim, que era: há uma possibilidade de que você não tenha que morrer. [Ao contrário de Bonham] você pode ter uma saída. Porque a morte dele me chocou profundamente. Eu fiquei totalmente atônito. Óbvio, fiquei bravo e, sabe, muito, muito triste… Indiretamente, no entanto, uma das coisas que me ajudaram a ficar sóbrio foi a morte dele”. Não foi fácil, e sempre que ele tentava voltar a tocar, em poucas semanas a pressão tinha provado ser forte demais e ele recaía. “Eu estava morrendo, mas mesmo sabendo que estava morrendo, isso era ofuscado pela questão: quem se importa se eu morrer? Em outras palavras, autocompaixão. A autocompaixão não se importava se eu ia morrer ou não, sabe? Mas eu pensava muito em John.” Quando ele recebeu a ligação do escritório de Don Arden, perguntando sobre sua saúde, Bill estava em seu período sóbrio mais longo desde a adolescência. Ele viu a oferta de uma chance para voltar ao Sabbath — para recomeçar uma nova vida — como “algum tipo de recompensa cármica” por seus esforços em tempos recentes para ficar limpo. Era o típico pensamento confuso pós-vício — o Black Sabbath só queria se autorrecompensar: apesar de não conseguir ver isso, Bill era só outro peão no tabuleiro de xadrez —, mas todo mundo ficou aliviado quando ele concordou. Em poucas semanas, os contratos tinham sido assinados e a banda começou a trabalhar no material em uma pequena sala de ensaio em Birmingham. Bill não estava nas primeiras sessões, seu lugar foi assumido na ocasião por Malcolm Cope, o baterista da Quartz, antiga banda de Geoff Nicholls. Uma boa quantidade de material eventualmente usada no disco subsequente — que eles já tinham decidido que se chamaria, com segundas intenções, Born again — tinha sido escrita quando Gillan se juntou a eles. “Eu me lembro de ele escrevendo

as letras no estúdio”, diz Cope. “Eu só mantinha a bateria bastante simples porque sabia que Bill viria para a gravação.” Quando Bill voltou à Inglaterra, todas as músicas tinham sido escritas e gravadas em demos. Tudo o que ele precisava fazer era juntar os pontos e acrescentar sua parte. Caso tudo desse errado, Cope foi mantido durante o período, oficialmente para “ajudar o Bill”. Na verdade, para assumir se fosse preciso. “Ele tinha alguns problemas emocionais na época, pelo que me lembro”, falou Cope, com tato. Com Gillan e Ward a bordo, em abril de 1983, o Black Sabbath começou a gravar seu 11o disco de estúdio, no Manor de Richard Branson, em Oxfordshire, um estúdio residencial numa propriedade espaçosa, resplandecente, com um canal ao lado, pista de kart construída especialmente e piscina iluminada. Em uma indicação inicial de que o novo vocalista deles ainda se via separado da banda como um todo, Gillan insistiu em ter uma tenda montada do lado de fora, para ele, usando como desculpa o fato de que ele preferia dormir do lado de fora. “Todo mundo achou estúpido”, conta Paul Clark, “especialmente depois que eu e Tony vimos como ele entrava escondido na casa para dormir quando achava que todos estavam na cama.” A principal preocupação de Paul era cuidar de Bill, que estava de volta e tocando bem de novo, mas claramente ainda muito frágil. “Bill tinha renascido, era assim que eu via”, ele conta hoje. Quando Paul ficou encarregado de comprar um carro para cada membro da banda para a próxima turnê britânica — Ford Granadas funcionais que eles venderiam depois da turnê —, ele contou a Bill que nunca tinha sido aprovado no teste de habilitação: “A gente pode ir na pista de kart e você aprende a dirigir”. Sua ideia era simples: “Isso pode ocupar sua mente e afastá-lo da bebida”. Os carros chegaram. Quando Paul foi para casa no final do dia, até Birmingham, e voltou no dia seguinte e encontrou escrito na lousa, usada para recados: “Paul, as chaves do Granada de Bill estão na piscina”, ele pensou: “Os merdas estão inventando algo”. Mas ele foi caminhando até a piscina, onde encontrou o carro: na piscina. Ele foi procurar a banda e ficou sabendo que Ian Gillan tinha colocado o carro ali na noite anterior. “Pensei, seu merda filho da puta, porque eu estava tentando levantar o Bill, sabe o que isso significa? Seu filho da puta, isso foi uma sacanagem!” Paul, furioso, foi procurar Ian, mas não conseguiu encontrá-lo. A tenda estava vazia e ele não estava no estúdio. Ele se vingou, no entanto, quando viu o barco inflável do cantor com motor externo ancorado nas margens do canal. “Pensei, certo, seu bosta. Peguei o barco, molhei com um pouco de gasolina, coloquei uma camiseta dele, que estava ali, acendi e joguei no barco. Depois chutei o barco para o meio do canal. E foi isso. Ele nunca mais viu seu barco. Dei um funeral viking a ele.” Gillan estava deixando todo mundo nervoso. Totalmente diferente do sério Dio, mas não tão sorrateiro em suas brincadeiras como Tony, ou com tantas probabilidades de ser o alvo delas como Ozzy ou Bill, Ian gostava de beber e fazer bagunça. Correr no carro de Bill pela pista de kart no meio da noite, “completamente descontrolado e capotar”, foi a última de uma longa lista de absurdos pela qual o cantor seria responsabilizado. Outra noite, bêbado de

novo, ele e Richard Branson correram por toda a mansão, jogando pedras em todas as janelas. Bill, enquanto isso, recentemente sóbrio e desesperado por se manter assim, enquanto estava preso entre as brincadeiras violentas dos antigos companheiros, parecia perdido. Ele tocaria as partes da bateria e seria isso, tinha decidido. Born again estava destinado a se tornar um disco controverso no cânone do Sabbath. Ou você adorava por sua bizarra preocupação com a escuridão e a irrealidade, ou você odiava por sua insistência cansativa em ser levado a sério, apesar da claramente forçada formação que se juntou para criá-lo. Ironicamente, Dio — famoso compositor de épicos de rock gótico — tinha levado o Sabbath a uma direção mais melódica e mainstream em seu disco final com a banda, enquanto Gillan — famoso embaixador do blues que fazia as mulheres balançarem as cadeiras — agora levou-os de volta a suas raízes de horror-fantasia. Do órgão estilo catedral que vai desaparecendo como uma neblina sobre a introdução à abertura do disco, a furiosa “Trashed” — apresentando uma letra autobiográfica baseada na noite em que o vocalista destruiu o carro de Bill —, à assombrada e exagerada instrumental que se segue, intitulada “Stonehenge” (escrita, apesar de não creditada, por Geoff Nicholls depois que ele visitou o lugar consagrado durante uma parada na gravação), até a fanfarrona “Disturbing the priest”, repleta de risadas estranhas de Gillan, e novamente baseada em um incidente real que aconteceu em Manor, quando um padre local bateu na porta deles uma manhã, reclamando do barulho que vinha do lugar noite e dia, esse era o Sabbath em sua máxima insolência. Onde funcionava bem, deixava uma convincente trilha de sangue — na breve faixa com efeitos sonoros estilo casa de horror da instrumental de Geezer “The dark”, que vai espiralando até a brutal “Zero the hero”, uma diatribe amarga sobre um “zero” cuja “head is firmly nailed to your TV channel” [cabeça está firmemente pregada a seu canal de TV], mas com “someone else’s finger’s on the control panel” [os dedos de outra pessoa no controle remoto] e que não merece nada de simpatia, aparentemente. Onde funcionava menos, como na faixa seguinte, “Digital bitch”, sobre “the richest bitch in town” [a puta mais rica da cidade] cujo “big fat daddy is a money machine” [pai gordão é uma máquina de dinheiro], com seu refrão gritado estilo falso-punk e um ritmo pesado, é difícil não sentir que estamos de volta ao território de “Dirty women”. Grande, mau e totalmente indiferente. Com certeza o famoso humor das letras de Gillan parece que o abandonou. Quando mais tarde espalhou-se o rumor de que a música era sobre Sharon Osbourne, todos negaram, claro. No entanto, independentemente de para quem eles escreveram, o ressentimento aparece perturbadoramente real. De longe a melhor faixa do disco — e uma fascinante visão de até onde eles poderiam ter levado essa formação se todo mundo tivesse visto como algo permanente — é a incrível faixa-título: uma música gloriosamente estudada, seu ritmo de procissão elevado até alturas emocionantes pelo vocal realmente incrível de Gillan, empregando todos os truques aprendidos no Deep Purple, de gritos estranhamente adocicados a sufocados apartes, mas aqui com algo a mais, algo diferente que ele nunca tinha feito, um sentido quase real demais de

genuíno desespero e paixões mortas repentinamente reavivadas, o fogo na lareira retornando à vida para um último e glorioso breve momento antes de voltar a morrer. Sua mensagem, enviada para aqueles que “use us for fortune and fame” [nos usam para ganhar fortuna e fama], parecendo realmente escrita em algo mais verdadeiro do que o sangue falso que domina o resto do disco. As últimas faixas — o rock pouco inspirado “Hot line” e a balada lenta “Keep it warm” (a última dedicada à então namorada de Gillan, mais tarde esposa, Bron) — parecem o que são: tentativas bregas de casar o som de Gillan — quente, amplo, inclusivo — com o aspecto do Sabbath — arrastado, cabeça baixa, heavy metal —, criando um filho híbrido que ninguém realmente quer. Nada disso, no final, importava. Quando Born again foi lançado, em agosto de 1983, o Black Sabbath já estava desordenado de novo. O disco pode ter levado a banda de volta ao Top 5 do Reino Unido, mas não alcançou as vendas de nenhum dos discos com Dio. Bill Ward já tinha saído nesse momento, vítima, como ele disse mais tarde, do grande “medo antecipatório” que ele “compartilhava”. A verdade era que ele não aguentava ficar perto dos outros. Não enquanto Tony ainda estivesse totalmente imerso na cocaína e Gillan correndo como um louco alcoolizado. Os outros pareceram entender — “Bill estava muito doente”, disse Gillan —, mas Iommi e Butler, em particular, trocaram um olhar e pensaram: “Lá vamos nós de novo”. Para Bill, no entanto, simplesmente não havia outra solução, pelas circunstâncias. Seu triunfo era que ele tinha gravado o disco limpo e sóbrio. “A primeira vez na minha vida que tinha feito isso.” Considerando que em 1980 “eu saí com vergonha e culpa, quando saí em 1983 foi uma boa decisão. Saí sabendo que eu devia agora procurar uma nova vida, basicamente, independente de onde ela pudesse me levar”. Ele estava em casa nos Estados Unidos pouco mais de três semanas antes de voltar a beber. A banda não estava muito melhor sem ele. Quando foi anunciado que o substituto para Bill no Sabbath seria o baterista do ELO, Bev Bevan, os últimos vestígios de todas as reservas de credibilidade que a banda ainda tinha com a plateia de rock mais hardcore foram finalmente eliminados. Bevan era um bom baterista e o ELO tinha terminado os anos 1970 como uma das maiores bandas do mundo. Também era um velho amigo de Brum e, pelo menos teoricamente, cumpria todos os requisitos. Mas havia uma divisão cultural na mente dos fãs de rock — e dos críticos — entre bandas como Black Sabbath e ELO. Uma divisão que Tony Iommi e Geezer Butler também teriam reconhecido. Mas com a contratação de Gillan e o retorno, embora temporário, de Ward à banda, o pensamento por trás do recrutamento do baterista, como “um nome conhecido”, como ele relata, foi obra de Don Arden. “Bev era um cara ótimo”, insistia Don. “Eles tiveram sorte de contratá-lo.” A imprensa musical não pensou da mesma maneira. Primeiro a ameaça do Deep Sabbath, agora uma sugestão de Electric Black Purple? Aumentando a sensação geral de falta de conexão, surgiram os primeiros rumores de brigas sérias entre a banda e o “novo” vocalista. Mais uma vez, ocorreram discussões fortes

sobre a mixagem final do disco. “Está um lixo”, disse Gillan amargo. “Não há outra palavra para descrevê-lo.” Gillan afirmou que tinha ficado atrás da mesa no estúdio em Manor e dado sua aprovação a todas as faixas antes de partir para umas férias curtas enquanto o disco estava sendo mixado. Então, já de volta, ficou “francamente espantado” com o que ouviu, colocando a culpa toda “nos ombros de Geezer”, que, ele sugeriu, “dizia que não conseguia ouvir o baixo”. Mas, como afirmou Geoff Nicholls, “Tony Iommi foi o responsável [pela mixagem] como sempre tinha sido”. Não alterou o fato de que o som final de Born again era ruim, para ser delicado. De acordo com Nicholls, a mixagem de Tony tinha sido direcionada à rádio norte-americana, que na época “tinha o horrível hábito de comprimir tudo, então você precisava apresentar o som do disco de certa maneira para combinar com aquilo. Se não fizesse assim, havia um grande perigo de que a música soasse uma merda na rádio dos Estados Unidos”. Aqui, no entanto, dá para suspeitar das desculpas do tecladista. Nada nas rádios norte-americanas em 1983 parecia nem remotamente com o som enterrado de Born again. Ainda havia discussões sobre a mixagem quando tudo explodiu com a capa do disco. Mantendo o tema “born again”, o designer Steve “Krusher” Joule — então trabalhando para a revista Kerrang!, e que também tinha elaborado capas para Ozzy Osbourne — criou o que achava ser uma imagem “satânica” apropriada: a de um bebê recém-nascido, com chifres e garras demoníacas. Tony Iommi gostou o suficiente da capa para aprová-la. Mas quando Ian Gillan bateu os olhos nela, como contou mais tarde: “Vi a capa e vomitei”. Antes acrescentou: “Então ouvi o disco e vomitei”. Era ligeiramente cômica, também ligeiramente desagradável. Mas não chegava a ser tão ofensiva quanto o fato de que Tony começou a se referir ao bebê na capa como Aimee — o nome da filha de Ozzy e Sharon, nascida poucas semanas depois que Born again foi lançado. Quando Sharon descobriu isso, ficou louca. Ela mais tarde me contou como terminou se vingando de Iommi fazendo com que uma amiga dela — uma modelo capa da Vogue — combinasse um encontro com o guitarrista num dos restaurantes mais famosos de Los Angeles, Le Dome. Quando o guitarrista apareceu “vestido com toda a porra das suas cruzes”, havia uma caixa de presentes esperando por ele. Assumindo que deveria ser da garota, Iommi abriu as fitas rosa e levantou a tampa esperando encontrar algum presente. E encontrou. “Dois montes de merda — um meu e outro do Ozzy!”, ela ri. É preciso admirar sua audácia. Seu pai ficaria orgulhoso — se não tivesse a intenção de eliminá-la da face da Terra na época e viceversa. No entanto, de acordo com Krusher Joule, falando agora, a base da capa de Born again também se localiza na crescente guerra entre Sharon e o pai brutal. De acordo com o designer, Don tinha “decidido que iria se vingar” da filha, “fazendo do Black Sabbath a melhor banda de heavy metal do mundo”, o que incluía, além de trazer Gillan e Ward, “roubar o máximo de gente da equipe de Sharon e Ozzy possível, e como eu estava criando as capas do Ozzy na época, claro que ele me pediu para apresentar alguns desenhos. Como não queria perder o trabalho com os Osbournes, achei que a melhor coisa a fazer seria colocar alguns desenhos

ridículos e óbvios no papel, apresentar e depois tomar umas cervejas com a taxa de rejeição”. No total, ele apresentou “quatro ideias toscas”, uma da quais era o bebê demônio, imagem tirada da capa de uma revista de 1968 chamada Mind Alive (creditada como “Rizzoli Press”). “Então peguei umas fotocópias preto e branco da imagem que superexpus, coloquei os chifres e as garras na equação, usei a combinação de cores mais horrível que o ácido poderia comprar, distorci um pouco a fonte Old English e me sentei, balançando a cabeça e rindo.” A história que ele me contou mais tarde foi que, na reunião que aconteceu, Tony Iommi e Geezer Butler estavam presentes, mas não Ian Gillan nem Bill Ward. Aparentemente, “Tony adorou, e Geezer, se estou bem informado, olhou para aquilo e falou: ‘É uma merda. Mas é ótima!’. Então, de repente, eu me encontrei tendo que fazer a maldita coisa. Também me ofereceram uma quantidade ridícula de dinheiro (quase o dobro do que me pagaram pela capa do Ozzy) se eu conseguisse entregar a arte da capa da frente, de trás e interna até certa data”. Trabalhando com um amigo, ele ficou acordado a noite toda, tomando speed e bebendo cerveja, enquanto terminava a arte a tempo para cumprir o prazo. Quanto ao famoso comentário de Gillan de que “tinha vomitado”, como Krusher ironicamente observa: “Com a passagem dos anos, eu falei a mesma coisa sobre a maioria das capas dos discos de Gillan”. Ele conta como ficou sabendo que o vocalista jogou uma caixa com 25 cópias do disco pela janela de um hotel. E num toque final extraordinário, ele reconta a história de que Kurt Cobain, um autoproclamado fã do Sabbath, gostava da capa. “Uma incrível história que nunca verifiquei, porém no 16o aniversário de Kurt, sua mãe o levou ao Walmart e disse que poderia escolher o disco que quisesse. Ele pegou Born again, [mas] sua mãe olhou a capa e disse que não havia lugar na casa dos Cobain para aquela monstruosidade! Sempre me perguntei se isso havia influenciado a presença do bebê na capa de Nevermind.” A sensação de que a história do Black Sabbath estava começando a despedaçar só piorou com o show da banda como atração principal no Reading Festival aquele verão. Quando logo ficou evidente que Gillan — que mais tarde brincaria que ele nem conseguia se lembrar das próprias letras na maior parte do tempo — simplesmente não conseguia se lembrar de nenhuma das letras das músicas do Black Sabbath, a imprensa começou a afiar suas canetas. Quando Gillan achou que tinha criado uma solução segura ao escrever as letras em folhas gigantes que ele pregava na frente de seus monitores, que só não funcionou porque o gelo seco tornou impossível para ele ler sem literalmente se ajoelhar no meio da névoa, a multidão deixou claro seus sentimentos quando alguém gritou: “É o Dio, eles trouxeram o Ronnie James Dio de volta!”. Quando a banda fez um bis com a velha paulada do Deep Purple, “Smoke on the water”, a sensação de irrealidade — de absurdo, de falta de vergonha — ficou completa. O primeiro grande show britânico juntos foi como Paul Clark brinca agora, “dois shows em um para a formação com Gillan: o primeiro e o último”. (Mais tarde surgiu o comentário de que eles também tinham brincado com a ideia de tocar “Black night” do Purple, fazendo jam na passagem de som, mas nunca tiveram coragem de tocá-la.) O mais impressionante, com Bev Bevan agora na banda, também foi sugerido — por Tony, mas com um silencioso pedido de

Bev: que também tocassem “Evil woman” do ELO. Porém sempre que Tony começava a tocar a sequência de acordes, falou Nicholls, “todo mundo começava a rir!”. Ninguém mais estava rindo, no entanto, e com a turnê mundial de Born again terminando depois de se estender dolorosamente por sete meses, tornou-se uma daquelas turnês com histórias para serem contadas durante anos, mas pelas razões erradas. Uma semana antes de Reading, todos quase tinham sido presos quando Geezer jogou um coquetel molotov da sua janela do hotel, destruindo um Ford Cortina de outro hóspede. “Fui até o quarto dele, que era o único com as cortinas abertas e havia um monte de fósforos na janela”, conta Paul Clark. Quando, no entanto, o pessoal do hotel decidiu que Paul era o culpado, Geezer não fez nada para dissuadi-lo. Menos de três semanas depois do vergonhoso show no Festival de Reading, a banda afundou mais ainda quando Geezer e Paul foram presos após uma briga iniciada por Gillan num clube em Barcelona. “Estávamos sentados a uma mesa numa discoteca de merda com o promotor. Gillan tinha tomado muitas e pegou meu isqueiro, então começou a queimar a bunda do garçom com o isqueiro. Eu falei: ‘Não faça merda. Vai acabar se metendo em problemas. Esta não é a nossa cidade, pare com isso’. Mas ele continuou, fez de novo. Então o espanhol ficou puto e contou a todo mundo no bar, e os outros garçons contaram às outras pessoas, que são frequentadores dali. Foi como causar problemas no Rum Runner. Não dá para sair ileso. Então ferrou tudo.” Paul conseguiu perceber que a coisa estava a ponto de explodir, então mandou que a banda saísse devagar e o seguisse até a escada. Tarde demais. “Assim que chegamos ao alto da escada, os porteiros me empurraram para fora — e trancaram a porta. Eu conseguia ouvir os gritos e a briga.” Derrubando a porta, Paul foi atingido por um cassetete pelo porteiro. “Eu tirei a coisa dele e comecei a surrá-lo. Gritei para a banda: ‘Saiam correndo! Entrem nos carros!’. Mais uma vez, no entanto, era tarde demais, e a briga sangrenta continuou na rua do lado de fora do clube, durante a qual Geezer e Paul foram presos depois de pular em cima de um carro de polícia, confundido com um táxi. “Quando chegamos à delegacia, Geezer estava chorando. ‘Vamos morrer, vamos morrer!’ Foi vergonhoso pra caralho. Eu falei: ‘Não se preocupe. Vai ficar tudo bem’. Eu estava com medo também, mas só sorria para os bostas.” Do outro lado da sala, outro membro da equipe da banda, Harry Mohan, estava apanhando de três policiais. Quando outro policial deu um soco no olho de Paul, ele revidou, “derrubando-o. Então os policiais começaram a me bater com cassetetes. E durante todo o tempo Geezer estava reclamando e chorando. Mole como uma merda…” Depois de uma noite na cadeia, durante a qual uma ligação ao consulado britânico local trouxe a resposta: “Espero que vocês apodreçam”, eles foram levados a um tribunal onde também estavam dezenas de pessoas da noite anterior. “Todos com faixas, talas e tudo, falando em espanhol e apontando para mim e para Geezer.” Paul tirou sua camisa e mostrou as costas cheias de cortes e contusões, onde tinha apanhado. Ele começou a apontar para a multidão.

“Ele, ele, ele! Eles fizeram isso. Éramos apenas dois.” Em seguida, eles foram liberados. “Até hoje não sei o que aconteceu. Não sabíamos se estávamos livres sob fiança ou o quê.” De volta ao hotel, eles descobriram que o resto da banda tinha se acovardado junto no quarto de Geoff Nicholls. “Ele se recusou a abrir a porta. Tipo, ‘Quem é?’, Geezer falou: ‘É o Geezer, seu pateta, abra a porra da porta!’. Ele finalmente abre. Tinha colocado a cama e o armário atrás da porta. Ele, Gillan e Tony estavam no quarto, cagando de medo. Nunca se importaram, nunca enviaram ninguém para nos salvar ou algo assim. Só se preocupavam com a possibilidade de serem os próximos…” O aspecto mais embaraçoso da turnê Born Again, no entanto, foi o novo palco. Os anos 1980 tinham visto turnês de rock passando por uma revolução em termos de produção de palco. Não era considerado mais suficiente para uma banda tocando em grandes arenas simplesmente ligar o equipamento e tocar. Era agora necessário evocar uma produção musical completa, mais parecida com um show da Broadway do que com um show de rock da velha guarda. Ronnie James Dio logo seria visto no palco lutando contra um gigantesco dragão animado, enquanto os recém-chegados desafiadores do trono do heavy metal, Iron Maiden, tinham uma figura recorrente chamada Eddie, que não só aparecia em todas as capas dos discos e camisetas, mas também surgia como uma figura cada vez maior nos shows. Sempre rápido para notar uma tendência, Don decretou que o novo e melhorado Sabbath deveria ter algo parecido em sua turnê mundial de 1983. O que seria ficou em debate durante os cinco segundos antes de Geezer dizer a frase imortal: “Stonehenge”. Ele estava pensando na faixa instrumental de Born again como o ponto de partida. Hoje, pensamos logo em Spinal Tap. Corretamente, na verdade, já que os produtores do filme — ou “rockumentário, se quiserem”, como o personagem de Rob Reiner descreve — mais tarde confessaram que foi de onde tiraram a ideia para a agora famosa parte no filme em que a banda ficcional também adota Stonehenge como o tema de seu novo palco, só para descobrir que os modelos foram construídos tão pequenos que um anão poderia pular por cima deles. Na verdade, o Sabbath experimentou o problema oposto: o modelo de Stonehenge deles era tão grande — construído em escala real, como Geezer tinha sugerido — que só cabia em algumas poucas arenas que foram agendadas nos Estados Unidos. “As malditas coisas tinham doze metros de altura”, lembra-se Gillan. Como se não fosse suficiente, o toque final de Don — o acréscimo de um anão vestido como o bebê-demônio vermelho da capa de Born again — garantiria que ninguém que viu os primeiros shows da turnê mundial do Sabbath em 1983 iria esquecê-las — ou se lembrar delas sem rir. Os ensaios para o primeiro show — na arena Maple Leaf Gardens, em Toronto — começavam com uma fita de um choro esganado de um recém-nascido tocado no PA, “distorcido para parecer totalmente horrível”. O anão vestido como bebê-demônio então aparecia engatinhando sobre os pilares de Stonehenge, antes de cair para trás, com um grito, em cima de uma pilha de colchões — que não estavam à vista, claro. O grito então parava e

um sino começava a tocar, com uma parada de roadies vestidos como monges cruzando o palco, como se estivessem orando. Quando o show começou aquela noite, no entanto, Gillan se lembra: “Quando o bebê-anão caiu para trás, seus gritos não pararam, só pioraram. Alguém tinha esquecido de colocar os colchões! Eu estava olhando do lado do palco e dava para ver as pessoas virando uma para a outra e perguntando: ‘Que porra é essa?’”. Foi piorando a partir daí. Quando Gillan anunciou, antes do Natal, que iria sair perto do Ano-Novo para voltar ao reformado Deep Purple, a banda sentiu-se traída. Gillan fingiu espanto. “Eu, Tony e Geezer sempre soubemos que quando a turnê mundial terminasse, eu voltaria ao Deep Purple… A coisa do Purple sempre esteve ali desde o primeiro dia e agendada para quando eu saísse do Sabbath. Tudo se encaixou bem quando aconteceu.” Ele acrescentou: “Nos separamos de forma amigável”. Não tanto. Geezer, que continuaria a insistir que nunca foi parte do acordo chamar a aliança com Ian Gillan de “Black Sabbath”, agora atacava a decisão do vocalista de sair, afirmando que a história de Gillan ficar só até a volta do Deep Purple nunca tinha sido discutida. Não com ele presente, pelo menos. Ficou tão desanimado que jogou a toalha e anunciou que ele também deixaria a banda assim que os compromissos da turnê tivessem terminado. Paul Clark também tinha pedido demissão, deixando-os depois do show em Chicago, em novembro, desiludido pela forma como era tratado, primeiro pelo antes amigo Tony, mas também pela saída de Bill, e depois, finalmente, pela forma como Don conseguia piorar tudo. Ele deu uma grande festa para si mesmo e a equipe de volta ao hotel depois do show, no final mandou a conta de 10 mil dólares para o quarto de Don Arden. “Mas assinei Don Ard-On. Falei: ‘Foda-se, não estou nem aí’.” Com Gillan, Geezer, Bill e Paul, e Ozzy e Ronnie e Vinny antes deles — e a estúpida ideia do anão e o cenário fodido de Stonehenge —, também tinham partido a reputação do Black Sabbath como uma banda de rock séria. Algo que eles nunca chegaram a recuperar totalmente. Levou décadas de erros e rupturas complicadas até Ozzy — e, mais crucialmente, Sharon — trazerem a reputação de volta. Outra caixa de cocô, quem sabe, mas dessa vez embrulhada em ouro e prata. Ei, se eles forem bons rapazes e obedecerem, talvez até platina…

Dez Cruzes de cabeça para baixo . Estádio JFK na Filadélfia. Era a manhã do Live Aid, o evento definidor na música popular dos anos 1980, e os quatro membros originais do Black Sabbath estavam a ponto de subir no palco e tocar três músicas para mais de 90 mil pessoas. Transmitido pela TV para milhões de pessoas ao redor do mundo, isso significava um evento enorme — globalmente, para as pessoas do Chade, do Sudão e todos os outros países tremendamente empobrecidos da África para os quais o dinheiro estava sendo arrecadado, e num nível pessoal para a banda: fazendo o que todos os quatro membros disseram que nunca iria acontecer. Agora, de repente, ali estavam eles, juntos outra vez. Mas toda a articulação foi um caso aleatório. Cheio de confusão, amargura, gerando um cansaço total só por estarem juntos na mesma sala. A banda deveria entrar no palco às dez da manhã, mas, antes mesmo de tocar a primeira noite, todo mundo estava com pressa, torcendo para que tudo acabasse logo, assim eles podiam se separar e cuidar das próprias vidas. Apesar de não trabalhar mais como relações-públicas deles, eu tinha começado a trabalhar recentemente nas memórias de Ozzy, Diary of a madman, e estava ali por isso, além de escrever matérias para algumas revistas sobre o evento. Estava viajando com a banda do hotel ao show no fundo de uma Transit branca. Bem quando estávamos fechando a porta, um cara de meia-idade com bastante cabelo e longas costeletas estilo Elvis Presley veio correndo sem ar e perguntou se poderia ir com a gente. Todos nos movemos um assento para o lado e a van partiu. “Aliás, me chamo Martin Chambers”, ele anunciou. “Oh, oi”, falou Bill. “Você conhece? Do The Pretender?” “Oh, oi. O que você toca?” “Sou o baterista.” “Oh, o.k.” A van ficou em silêncio. Ainda era cedo. Não havia nada a falar ainda. Martin se encostou no banco. “Você é o Ozzy Osbourne, não é?”, ele perguntou. “Exato, amigo.” “Então, o resto de vocês deve ser o Black Sabbath”, ele disse. “Sempre gostei da música que vocês fizeram… ‘Paranoid’, é isso?” Ninguém falou nada. Ele tentou de novo. “Então, o que vocês vão fazer, só três músicas como o resto da gente?” “Isso mesmo”, disse Ozzy com o rosto sério. “Mas temos uma surpresa especial para 13 DE JULHO DE 1985

eles. Para o bis vamos tocar ‘Food glorious food’.” O resto da van começou a rir. Martin parecia vagamente perturbado. Então Ozzy começou a cantar: “FOOD GLORIOUS FOOD! HOT SAUSAGE TOMATO!”. Martin sorriu, mas estava claramente desconfortável. Martin era como a maioria das pessoas. Elas nunca sabiam realmente se Ozzy estava brincando ou não. Elas nunca saberiam com certeza. “Sei que é por uma boa causa, mas, para ser honesto, realmente não me importa”, Ozzy tinha me contado na noite anterior. A gente estava no bar, onde ele estava bebendo Diet Coke. Ozzy tinha parado de beber oficialmente desde que havia se internado na Betty Ford Clinic alguns meses antes. “É como meu pai costumava dizer: na guerra, todo mundo era amigo e se ajudava, mas assim que a guerra terminou, voltaram a ser os mesmos bostas de antes. E aposto que haverá pessoas amanhã mandando as outras se foder.” Isso era importante desde que o dinheiro fosse arrecadado? Sim e não. “A questão é”, ele falou, “eles conseguem o dinheiro, e a comida será levada e eles vão alimentá-los e eles ainda vão ficar famintos! Porque a comida, não importa quanto seja arrecadado hoje, não vai durar para sempre. Acho que não são só os grupos de rock ‘n’ roll que deveriam fazer isso, mas a indústria também — as IBMs e as GECs. Elas deveriam falar: ‘Certo, uma semana por ano nosso lucro vai para a caridade’, o que for. Quero dizer, gastam centenas de milhões em defesa nuclear, mas eles alguma vez falaram: ‘Certo, vamos usar uns 100 milhões hoje e alimentar esses fodidos?’. Isso não é nada para o governo; é uma mijada no oceano! É como dar uma moeda a um mendigo. Mas, não, eles preferem queimar as sobras de trigo do que impedir que as pessoas morram. Eles esmagam bilhões e bilhões de maçãs por causa do excesso de estoque… quero dizer, sei que são apenas maçãs, e eles provavelmente não podem se sentar no velho deserto comendo a porra de uma tonelada de maçãs, mas é melhor que a porra de uma pilha de merda, não é?” Ozzy estava entediado e distraído. Uma coisa era estar sóbrio de novo depois de tantos anos, outra era testar esses limites reunindo-se com o Black Sabbath. Foi um momento complicado para todos eles. Geezer não tinha tocado com Tony desde o final da complicada turnê Born Again dezoito meses antes; Bill Ward não tinha tocado ao vivo com a banda desde a sua fuga no meio da noite, cinco anos antes; e Ozzy não tinha nem passado perto de um palco com eles em quase sete anos. Vocês entendem o que estava em jogo ali? Fama, certamente. Um lugar nos livros de história, claro. Mas seria pouco mais do que uma nota de rodapé, evidente, em termos de Live Aid. Aquele dia pertenceria a verdadeiros nomes conhecidos como Queen e Elton John, Bowie e Bob Geldoff. Até o Status Quo ficaria mais associado ao concerto que a apresentação “uma piscada e eles terminaram” do Sabbath às dez da manhã na Filadélfia. Na verdade, a ideia, como todas as grandes ideias de Ozzy agora, tinha sido de Sharon. Ao não conseguir encaixar Ozzy no show como artista solo, ela tinha recebido a dica de que o Black Sabbath reformado poderia conseguir. E foi o que aconteceu, teoricamente pelo menos. Entretanto, o show do Sabbath foi inconveniente, para dizer o mínimo. Enquanto “Children of

the grave” tinha alguma semelhança distante com o assunto do dia, era difícil ver o que “Iron man” ou “Paranoid” tinham a dizer sobre o problema dos africanos famintos, mesmo no sentido mais metafórico. Na verdade, a banda soava velha, sem sincronia. Eles pareciam o que eram: uma relíquia empoeirada de uma era ultrapassada. Ozzy, que havia meses não cantava ao vivo, estava sem fôlego e gordo, seus gritos bobos de “Go fucking crazy!” dificilmente refletiam os desejos expressos do resto do show. Seu papo estava começando a ficar evidente. Não importava. Sharon logo daria um jeito nisso. (Anos depois ele reclamaria de como estava “muito feio e totalmente gordo” aquele dia. “Eu parecia Mama Cass numa festa gay de fim de semana.”) O resto dava a impressão de não se importar. Era suficiente que estivessem ali. Então, de repente, terminou. A banda foi levada para o camarim. Não era nem dez e meia da manhã. Agora tínhamos o resto do dia livre. De volta ao Four Seasons aquela tarde, perguntei a Ozzy qual era a verdadeira razão daquilo, levando em conta o cinismo dele em relação ao evento? O Sabbath estava se preparando para voltar, talvez, à la Deep Purple? Ele ficou totalmente espantado. “De jeito nenhum, cara!” Mas por que não? Ele ficou matutando um pouco, segurando sua Diet Coke na boca, pensativo, antes de finalmente dizer. “No final do dia, eu preciso me perguntar, se o Black Sabbath estivesse tão bem quanto eu estou agora e tivesse continuado com Ronnie Dio no grupo ou algo assim, e eu estivesse onde eles tinham me deixado, fodido em uma porra de um bar em Los Angeles, eles fariam tudo para me trazer de volta ao grupo?” Ele olhou para mim. “Cristo”, falou, “sabe quantos anos demorou para eu sair dessa porra de confusão com o Sabbath? E todos esses bostas que voltam a se juntar, não acredite quando dizem que é por outro motivo que não seja o dinheiro. Se houvesse outra razão, eles, em primeiro lugar, nunca teriam se chamado de bichas e separado. Não, isso tudo é bosta. Já tenho muitos problemas tentando deixar de beber, sabe?” Outro grande obstáculo a qualquer possível reunião com o Black Sabbath, embora Ozzy não dissesse, era o fato de o sogro dele ainda ser o empresário da banda — ou, na verdade, de Tony Iommi, o único membro ativo que continuava. E que nem Sharon nem Don estavam com vontade de se reconciliar. Algo que ficou muito claro quando, no meio de uma entrevista ao vivo, dois dias antes do show do Live Aid, Ozzy recebeu uma ordem judicial, emitida pelos advogados de Don, proibindo-o de tocar com o Sabbath. Claro, toda a banda ignorou e continuou com o show. Mas foi um típico golpe baixo do velho, com o objetivo de irritar — e ele conseguiu. “Foi a última gota para Sharon”, me contou um amigo próximo. “Qualquer pequena chance de Ozzy voltar a se reconciliar com Tony terminou depois disso.” Iommi também não ficou feliz. “Achei que seria ótimo voltarmos a tocar juntos”, ele me contou mais tarde. “Ensaiamos e conversamos sobre os velhos tempos. Nunca vou esquecer, Madonna vinha depois da gente e ela estava tentando entrar e ficava andando de um lado para o outro, e a gente ainda estava lá falando sobre os velhos tempos. Havia muita coisa para colocar em dia, e foi ótimo ver todo mundo e muito bom tocar. Mas claro… Ozzy recebeu uma ordem judicial do Don… E isso deixou todo mundo puto por vários meses, sabe?”

Se Don não tivesse dado esse golpe, a retomada poderia ter sido possível depois do Live Aid, como os boatos sugeriram na época? “Não tenho certeza naquele momento se teria sido possível.” Ele suspira, esboçando um sorriso. “Havia coisas que teriam continuado… Especialmente porque eu estava com Don e Ozzy estava com Sharon. E tinha se tornado uma espécie de… Guerra contra todo mundo, sabe? E eu estava preso no meio dela. Então se tornou muito estranho para nós, pessoalmente. Embora quando sentamos e conversamos, eu e Ozzy, era como se nada tivesse acontecido. Foram mais as coisas por trás da cena que causaram muitos dos problemas.” Sharon vinha monitorando a situação do Sabbath cuidadosamente. Mesmo quando Don tinha tentado roubar o melhor da equipe de Ozzy, Sharon tinha estado em contato regular com Paul Clark enquanto trabalhava com eles. “Sharon costumava me ligar todo dia enquanto eu estava em turnê [na Born Again] e me chamar para trabalhar com o Ozzy. Todo santo dia. Eu dizia: ‘Olha, o Tony é meu camarada e não posso, Sharon’. Isso durou muito tempo. Então ela me convidou para o aniversário do Ozzy em algum lugar no Sul da França. Ela falou: ‘Já comprei uma passagem para você’ e que eu estaria em casa em tal data [da turnê do Sabbath]. E eu pensava, de onde caralho ela consegue toda essa informação? Nem sei onde vamos estar nesse dia. Ela falou: ‘Eu comprei uma passagem, é primeira classe, você precisa vir. Ozzy vai adorar se encontrar com você’. Então eu entro no avião. Falei à banda que ia. Eles concordaram, não se importaram. Acho que pensaram que eu ia espiar para eles. Porque estavam sempre interessados no que os outros estavam fazendo. Mas eu nunca contei que Sharon me ligava quase todo dia.” Agora, no entanto, Sharon tinha peixes maiores para tentar pescar. Ozzy estava a ponto de gravar um disco, The ultimate sin, que venderia mais cópias nos Estados Unidos do que qualquer outro disco do Black Sabbath, antigo ou atual. O Sabbath, enquanto isso, não existia mais, oficialmente. Com apenas Tony resistindo, mesmo ele estava agora a ponto de desistir e gravar seu primeiro disco solo. Por que Sharon e Ozzy iriam ajudar as pessoas que tinham deixado os dois para trás? Como Sharon via, seu trabalho agora era preparar para ela e Ozzy o melhor ninho que pudesse, enquanto o sol ainda brilhasse. Com o Sabbath parado e quase morto, e a carreira de Ozzy começando a ressurgir, por que ela iria se preocupar em tirar esses tontos da cova? Ozzy fazia aquele olhar distante, tão conhecido agora. “Sharon ficava me dizendo: ‘Você quer cantar quando tiver quarenta anos?’. Mas não sei. Fico me dizendo, vou continuar por mais dois anos. Vou continuar por outros três anos. Mas até chegar o dia em que os moleques pararem de se divertir, até eu parar de me divertir, provavelmente vou continuar. É tarde demais para parar agora, de qualquer forma, não é? E tenho muito respeito pelos fãs. Eles enchem o saco às vezes, mas se não fosse por eles não haveria Ozzy Osbourne, não haveria Queen, não haveria nenhum de nós pulando como doidos! Desde que minha banda não se pareça com um time de velhos caídos no palco, é a minha única preocupação, sabe o que quero dizer?” Ele olhou triste para o fundo do copo de Diet Coke e acrescentou: “É a coisa

mais simples do mundo ser um cuzão a vida inteira. É a vez de outro ser um cuzão. Não quero ser uma porra de um bundão que sobe ali toda noite, um fodido velho e chato…”. Tinha sido Sharon, claro, que havia forçado Ozzy a entrar na Betty Ford Clinic. Ela nunca deixaria que ele terminasse como Bill. Depois de ter saído do Sabbath pela segunda vez, dois anos antes, Bill tinha “tentado ficar sóbrio em dez ou onze ocasiões diferentes e fracassado em todas”. Na primeira vez em que ele parou, os suores noturnos duraram “uns quinze meses”. Ele chegou a ponto de terminar pedindo moedas nas calçadas de Huntington Beach, perto de onde vivia. “Eu estava pedindo moedas. Só para conseguir tomar o que chamamos de ‘cão forte’. Um cão forte é uma bebida bem forte, então poderia ser uma garrafa pequena ou um gole de algo. Eu estava fazendo isso em 1983, depois que tinha gravado Born again… Não havia dinheiro. Eu não tinha dinheiro. Eu detonava tudo que recebia. Todos os pagamentos que recebia eu simplesmente… Bebia tudo. Bebi minha fazenda. Cheirei junto com a cocaína. Meu Rolls-Royce, eu cheirei. Meu Bentley, eu cheirei. Vendi tudo que eu achava que cobiçava. Era uma piada, eu gradualmente vendi tudo, cara. Precisava ficar chapado.” Ele ainda não tinha chegado ao fundo. “Eu simplesmente não conseguia me aguentar quando estava sóbrio. Então estava querendo morrer. Basicamente, queria beber e morrer. É possível chegar a um lugar como esse. Não porque estava acontecendo algo ruim. Só que a bebida significava mais para mim na época do que meus filhos, minha esposa, significava mais do que o Black Sabbath. Uma garrafa de bebida significava mais para mim do que qualquer coisa na Terra. Porque ela eliminava a dor, eliminava a dor porque é isso que ela faz, e dá uma sensação de euforia por uns trinta minutos.” Mesmo assim, Tony Iommi, sem demonstrar emoção e cheirando mais do que nunca, estava se preparando para iniciar uma nova era no Sabbath, tão facilmente quanto tinha se livrado da antiga. Os meses anteriores ao Live Aid tinham sido cômicos. Com Bill ainda nos primeiros estágios de reabilitação, mas precisando urgentemente de dinheiro, Tony mais uma vez o convenceu a se juntar a uma nova formação do Sabbath. Geezer também, apesar de ainda estar chateado com o fracasso de Gillan, estava disposto a voltar e ver o que poderia acontecer. Enquanto isso, Geoff Nicholls — o constante aliado tanto na criação de músicas novas quanto na inalação de quantidades gigantescas de cocaína — ficou ao seu lado, esperando novas ordens. Tudo que eles precisavam — como sempre — era de um vocalista. Tony estava vivendo num apartamento em Sunset Boulevard, com a nova namorada, Lita Ford, ex-guitarrista do Runaways, agora em carreira solo. Eles tinham começado um caso quando Ford abriu para o Sabbath em algumas das datas de Born Again e tinham ido morar juntos em 1984. Apesar de ainda estar casado com Melinda, com quem tivera uma filha, Toni, em 1983, ele se separou dela logo depois, e agora tinha pedido a mão de Ford, que havia aceitado e começara a fazer planos para um casamento no qual estaria resplandecente num vestido de noiva preto. Ela até gravou um disco, com Iommi produzido, inicialmente intitulado The bride wore black, que nunca seria lançado. Eles apareceriam juntos numa edição de 1986

de MTV Guitar Heroes. Lita, no entanto, não cheirava coca, e o uso cada vez maior de Tony terminou com a relação. Iommi sabia que estava indo longe demais, lembra em suas memórias, quando ele e Geoff Nicholls estavam trabalhando no apartamento um dia e decidiram que deveriam acorrentar a porta da frente e colocar móveis contra ela, “porque você fica paranoico quando toma muita coca. Estávamos trabalhando nessa música quando ouvimos um barulho alto. Era Lita”. Ele acrescentou: “Foi uma vergonha, porque eu detonei a relação ficando ausente o tempo todo”. Quando Tony convidou o então baterista de Lita, Eric Singer, para entrar no Sabbath, foi a gota d’água. Eles se separaram e, um ano depois, Sharon Osbourne se tornou sua empresária e criou uma parceria com Ozzy no que seria o maior single que os dois teriam, o dueto produzido por Mike Chapman, “Close my eyes forever”. Enquanto isso, Tony só conseguia olhar para a frente e lamentar seu último erro. Na verdade, os equívocos e voltas estavam se acumulando tanto que o nome Black Sabbath estava se tornando uma piada dentro da indústria musical. Uma piada muito ruim. Na busca por um novo vocalista, eles novamente convocaram aspirantes a mandar fitas, que Tony e Geezer ouviriam no escritório de Don Arden, convidando quem realmente se destacasse para um teste. Isso levou a uma situação cômica de um cantor, “que a gente achou incrível”, ser convidado por causa de uma fita que na verdade não trazia ele cantando. “Só quando estávamos na sala de ensaio, eu e Geezer estamos olhando um para o outro e perguntando, o que é isso? Este cara não sabe cantar! Mas ele parecia tão bom na fita.” Só mais tarde, quando eles tocaram a fita, o aspirante a novo vocalista admitiu que não era a voz dele na fita, e que eles tinham ouvido o lado errado do cassete. Então, em maio de 1984, eles acharam que tinham encontrado o “Escolhido” quando um ex-modelo chamado David Donato cruzou a porta do estúdio. Alto, musculoso, bronzeado de Los Angeles, com cabelos compridos descendo até o meio das costas, se ele cantasse tão bem quanto seu visual, estava dentro, Tony decidiu. Infelizmente, ele não cantava, sua voz perdida entre um Dio cansado e um Ian Gillan asmático. No entanto, ele tinha um visual melhor do que os dois juntos e era bem mais jovem, e Tony sentiu-se confiante o bastante para agendar um anúncio geral de que tinha encontrado um novo vocalista para o Sabbath, por meio de uma entrevista, que logo se tornaria notória, com a Kerrang!, apresentando várias fotos “glamorosas” de um Donato fazendo poses com o cabelo todo arrumado, que contou ao jornalista: “Tudo parece estar indo bem tranquilo. Sempre imaginei como deveria ser o vocalista correto para o Sabbath — e era eu!”. Geezer também deu declarações, como: “Estamos tentando voltar ao velho estilo de letras, porque antes, quando Ozzy estava conosco, eu costumava escrever todas as letras para ele, e alguns fãs criticaram nossas letras desde que Ronnie e Ian entraram em cena”. Um mês depois apareceu a notícia de que Donato estava fora da banda. Tony Iommi mais tarde chegaria a sugerir que ele nunca entrou realmente. “David estava ali, mas nada estava realmente decidido… A coisa do Donato foi feita às pressas, nunca deveria ter chegado tão longe. A gente apareceu em público antes de ter certeza.” Mostrava como, nesse ponto, no

Sabbath “tudo tinha se transformado em caos”. A verdade era que Donato tinha feito um bom trabalho imitando Dio e Gillan no material mais antigo, mas quando chegou a hora de interpretar o novo material que a banda queria compor, ficou evidente que ele não era capaz. Aquele caos foi piorando ainda mais quando foi anunciado na MTV que outro vocalista norte-americano, Ron Keel, de 24 anos, que também tocava guitarra, era o novo cantor do Black Sabbath. Outro capricho passageiro — dessa vez do possível produtor do Sabbath, Spencer Proffer, responsável pelo disco Metal health do Quiet Riot, que vendeu milhões de cópias, e que havia ouvido algumas demos da banda de Keel — que levou a um breve encontro com Tony e Geezer na sala de ensaios antes de voltar ao zero. De acordo com Keel, “eu fiz umas demos do material que Spencer queria que eles gravassem e a gente se encontrou uns dias, pensando no futuro”, que, ele acrescentou, essencialmente envolvia “Tony e Geezer querendo conseguir o Ozzy de volta”. Quando, no entanto, “algo azedou no acordo deles com Spencer Proffer”, Keel também foi descartado. “Eles passaram por vários vocalistas, mas tudo que queriam mesmo era o Ozzy. Sei com certeza que nenhum vocalista, inclusive eu, esteve ‘dentro’ do Black Sabbath, exceto Ozzy Osbourne.” As coisas começaram a desabar de vez quando Bill — novamente — não aguentou e saiu, jurando que seria a última vez. Ou até o dia em que Ozzy voltasse. “Eu tive a mesma sensação de quando Ronnie e Ian estavam na banda”, ele mais tarde contou a Joel McIver. “Foi basicamente que não sentia que era o mesmo quando Ozzy estava. Eu teria adorado continuar, mas senti que estava sendo desonesto comigo mesmo. Eu falei adeus. Depois disso, basicamente sabia que não havia retorno. E foi naquele momento que decidi — de vez — que não poderia haver Sabbath sem Ozz.” Quando Geezer, finalmente cansado da bagunça que tinha se transformado tudo, e pela incapacidade de Tony de manter qualquer coisa que não fosse seu vício em cocaína, seguiu Bill na porta de saída, parecia o fim. “Geezer tinha começado a compor coisas que não tinham nada a ver com o som do Sabbath e estava cansado, queria tentar tocar essas coisas em outro lugar”, contou Tony, desesperado por remendar as rachaduras. Era verdade; quando o baixista formou sua própria banda, com o modesto nome de Geezer Butler Band, era como “um grupo para se divertir tocando na Inglaterra um monte de músicas que tinha guardado no bolso durante catorze anos”. Ele minimizou a coisa, mas na demo que rodou em pouco tempo as grandes gravadoras de Los Angeles e Londres, era notável que David Donato era o vocalista, oferecendo a perspectiva, se tivesse sido contratado, de outro filhote do Sabbath. De acordo com Geezer, mais tarde, tentando livrar sua cara, sair do Sabbath e não ter nenhum compromisso profissional “era ótimo porque eu não via muito meus filhos antes. Meu segundo filho nasceu em 1984 e ele teve muitos problemas. Eu queria ficar com ele e ter algum tempo livre”. Até Tony Iommi agora começava a titubear. Não importava o que Geoff Nicholls podia falar para ele quando se sentavam no apartamento cheirando cocaína dia e noite e compondo músicas para um disco do Sabbath, o guitarrista agora sabia no fundo que isso não ia

acontecer. No entanto, Don Arden estava determinado: enquanto Tony tinha o nome Black Sabbath, ele deveria usá-lo. Então, em seguida, ele trabalhou em novo material por um curto período com o cantor norte-americano Jeff Fenholt, de 34 anos, que tinha chegado à fama depois de ter estrelado o papel central da produção original da Broadway de Jesus Christ superstar. Sem Geezer e Bill, eram músicas escritas principalmente por Tony e Geoff, algumas depois apareceriam como faixas finalizadas do Sabbath — mas com letras de Fenholt tiradas das versões finais. Mais tarde, afirmou-se que Fenholt, que logo depois de sair do Sabbath “encontrou Deus” e tornou-se televangelista, foi forçado a sair depois de entrar em conflito com a suposta imagem “satânica” da banda. Na verdade, Fenholt respondeu a essas afirmações sugerindo que foi uma discussão com Don Arden que quase levou a uma briga dos dois e fez com que ele saísse. Novamente, no entanto, Iommi tentaria cobrir suas pegadas ao insistir que Fenholt nunca foi um membro pleno. Agora isso pouco importava. Ninguém conseguia acompanhar toda a história e, depois de um pouco mais de ruído sobre a “reunião” do Live Aid, o “agrupamento” do Sabbath caiu, final e felizmente, em silêncio. O Black Sabbath agora estava oficialmente terminado, pelo menos para Tony Iommi e os outros membros originais. Eles simplesmente tinham tentado ressurgir dos mortos muitas vezes para que a coisa continuasse a funcionar. Eles tinham enfrentado o declínio de venda e qualidade nos últimos anos de Ozzy e, de alguma forma, milagrosamente, conseguiram trazer um substituto plausível com Dio. Mas Dio tinha trabalhado duro para ganhar os fãs e ajudado a banda a gravar um de seus melhores discos, com ou sem Ozzy, que era Heaven and hell. Quando eles também o expulsaram, acharam que poderiam repetir o truque trazendo um nome ainda maior, Ian Gillan. Mas o Sabbath não estava em declínio quando Dio saiu, não havia uma desculpa para sua saída que pudesse justificar a já dúbia indicação do cantor do Deep Purple. Até então, eles tinham tentado continuar trazendo Bill de volta e praticamente obrigando Geezer a ficar, mas isso tinha levado ao ainda mais desmoralizador fiasco da entrada de Donato, o vazamento do acordo com Ron Keel e a evidente pressa com que todos foram embora depois do Live Aid. Tony Iommi já tinha se decidido. Ele ia fazer um disco solo. Ozzy e Dio tinham conseguido fazer trabalhos decentes, por que ele não conseguiria? Pensava em trazer uma grande variedade de músicos e cantores convidados. Mas a esperança de Iommi de conseguir vocalistas do calibre de Robert Plant e David Coverdale foi vista com espanto, no caso do primeiro, e teve uma desculpa polida do segundo. Quanto aos outros sondados, Rob Halford do Judas Priest e até Ronnie Dio, também rejeitaram — pois suas carreiras estavam em ascensão, e portanto não viram nenhuma vantagem em emprestar sua estrela crescente para o navio afundando que era o Black Sabbath e, por tabela, Tony Iommi. No momento, o trabalho já tinha começado no Cherokee Studios, em West Hollywood, com as faixas instrumentais básicas, com Geoff no teclado, o baterista Eric Singer e o baixista

Dave Spitz, da banda de Lita Ford. Ainda sem nenhum vocalista na formação, o guitarrista começou a diminuir suas ambições. Quando alguém sugeriu que trouxessem Glenn Hughes para cantar algumas faixas, Tony se agarrou à ideia como alguém se afogando agarra-se a um pedaço de madeira. Hughes era outro ex-vocalista do Deep Purple, mas, ao contrário de Gillan, sua reputação precedia e suplantava seu envolvimento com a banda. Outro produto da mesma cena superfértil nas Midlands dos anos 1960 que viu nascer o Sabbath, Hughes tinha sido membro fundador dos pioneiros do funk rock Trapeze, onde sua voz seca e cheia de soul e baixo extremamente rítmico ajudou a levar a banda ao status de atração principal em arenas nos Estados Unidos, de forma breve, no começo dos anos 1970. Hughes se tornou um artista aclamado mundialmente, no entanto, quando se tornou parte de um time com dois vocalistas — junto com o antes desconhecido David Coverdale — que substituiu Ian Gillan no Deep Purple em 1973. Os três discos do Purple em que Hughes apareceu, antes da eventual dissolução da banda em 1976, tinham visto o Deep Purple se movendo no mesmo terreno funk rock que o Trapeze tinha sido um dos primeiros a explorar. As vendas acabaram sofrendo entre a comunidade mais conservadora do rock. Mas eles continuariam sendo alguns dos mais duradouros discos que o Deep Purple faria. Quando o cantor baixista saiu, sua reputação estava no auge. David Bowie se ofereceu para produzir seu primeiro disco solo; Jeff Beck conversou com ele para fazerem um disco juntos; Ozzy Osbourne falou em deixar o Sabbath e formar uma banda com ele. Em 1986, a carreira de Hughes tinha começado a decair. Seu disco solo, apesar de muito bem recebido, tinha desaparecido. Seu projeto seguinte, juntar-se com o extraordinário guitarrista Pat Thrall, então no auge com a Pat Travers Band, para um disco em 1982, resultou em outro favorito da crítica que não conquistou os fãs. Desde então, houve vários “projetos” discutidos — inclusive, num ponto, uma banda com o ex-guitarrista do Thin Lizzy, Gary Moore, contratado do selo de Arden, Jet, que foi rebaixado para convidado em algumas faixas do disco de Moore de 1985, Run for cover. Pelo menos, o último tinha chegado ao Top 20. Todas as esperanças de Hughes de voltar ao seu melhor momento, no entanto, eram bloqueadas por, em suas próprias palavras, “múltiplos vícios — o mais destrutivo dos quais, era, claro, a cocaína”. Limpo e sóbrio agora, já fazia alguns anos, e com uma carreira de volta aos trilhos com discos na parada do Reino Unido recentemente com Black Country Communion — o supergrupo também apresentando o guitarrista Joe Bonamassa e o baterista Jason Bonham — e, mais recentemente, seu atual projeto com os ex-membros do Stone Temple Pilots, o guitarrista Don DeLeo e seu irmão, o baixista Robert DeLeo, Glenn Hughes está, como ele diz, “em melhor forma agora do que provavelmente já estive em toda minha vida”. O oposto, na verdade, de como ele estava em 1986, quando Tony Iommi o convidou a cantar numa faixa do disco solo de Tony. Hughes diz: “Conheci Tony de quando o Trapeze abriu para o Sabbath numa disco em

Birmingham, logo depois que ‘Paranoid’ saiu e eles apareceram no Top of the Pops. Achei que era a banda mais pesada que já tinha ouvido”. Eles tinham se encontrado de novo quando o Sabbath e o Purple tocaram juntos no California Jam de 1974. “A gente saiu depois do show.” A principal diferença nos anos 1980, conta Hughes, é que “nos anos 1970, a gente ouvia que a cocaína não era viciante e que dava para parar quando quisesse. E quando você é jovem, consegue enfiar quanta merda quiser no seu nariz. A gente fazia umas farras de seis, sete dias. Mesmo assim, naquele tempo eu estava ainda meio controlando a situação e tenho certeza que Tony se sentia igual. Mas nos anos 1980, eu estava completamente descontrolado”. Como também estava viciado em chocolate e fast-food tanto quanto em coca e álcool, Hughes também estava muito acima do peso — “uns 95 quilos”, segundo sua própria estimativa, “e sentindo-me muito mal comigo mesmo. A autoestima mais baixa possível”. Bem financeiramente quando estava no Deep Purple, ele tinha visto sua conta bancária reduzir a quase nada nos anos seguintes, com a coca tirando seu dinheiro, depois sua vida. A única coisa que tinha continuado era sua voz — vista por todos como a que tinha mais soul no rock. Foi essa última qualidade que impressionou tanto Tony Iommi quando ele reencontrou Glenn no Cherokee. “Tony nunca tinha me visto trabalhar. Mas mesmo quando eu estava chapado, conseguia cantar — não no palco, porém no estúdio. Eu não conseguia falar, mas sempre conseguia cantar.” A primeira música para a qual Glenn “rabiscou algumas linhas” foi uma balada malhumorada que eles chamaram de “No stranger to love”, uma balada power melódica nos moldes dos anos 1980. Dava para sentir o gelo seco subindo enquanto Iommi mandava ver na guitarra e Hughes extrapolava em grande escala. Foi tão bem que Tony convidou Glenn para voltar na noite seguinte e tentar outra música que ele tinha composto, concebida durante as sessões Fenholt, chamada “Danger zone”. Novamente, Hughes escreveu algumas letras improvisadas e eles gravaram a faixa num par de horas. Nesse ponto, lembra-se Hughes, “Tony deve ter ligado para Don Arden porque foi quando ele me perguntou se eu poderia fazer o disco todo. E eu concordei, porque gostava de Tony. Eles não estavam me dando álcool. Não estavam me dando drogas. Eu encontrava tudo sozinho. Mas a gente falava a mesma língua. Era bom, eu gostava de onde estávamos indo com aquele disco. Era divertido. Tony definitivamente não estava olhando para ele como um disco do Black Sabbath”. O disco que seria chamado Seventh star com certeza não era um disco do Black Sabbath, o único DNA do grupo original encontra-se em ocasionais partes pesadas de Tony Iommi. Ele nunca foi um artista solo da mesma categoria de Ritchie Blackmore ou Jimmy Page e isso deixou a maior parte do disco parecendo um rock melódico genérico dos anos 1980. Até a agora mini-instrumental obrigatória, “Sphinx (The guardian)”, completa com sons de vento soprando e sintetizadores melancólicos, que segue a faixa-título, ainda está mais próximo de um Bon Jovi com os cabelos eriçados do que de um Black Sabbath. Mas nunca deveria ter sido um disco do Black Sabbath mesmo. Nesse novo contexto, então, faixas como o

melodramático final do disco, “In memory”, uma mistura sussurrante de violões leves e guitarras elétricas sombrias, encaixava-se bem com o rock que estava então agradando o pessoal da rádio nos Estados Unidos: alguma coisa entre o peso falso do Scorpions e o igualmente seguidor de fórmulas Whitesnake. Enquanto algo como “Angry heart” parece Foreigner ou qualquer outro gigante de meados dos anos 1980. Como um disco solo de Tony Iommi com Glenn Hughes nos vocais, Seventh star cumpre o que almeja: bom, mas não incrível. Uma respirada, talvez, até que o verdadeiro Black Sabbath pudesse resolver seus problemas. Mas não foi assim e tudo “parou de ser divertido” quando Tony informou Glenn de que agora era um disco do Black Sabbath. Iommi lembrou-se mais tarde como tinha sido uma reunião na qual Don o levara ao escritório de Mike Ostin, filho do presidente da Warner Bros. Mo Ostin, que forçou a decisão. Foi Ostin Jr., disse Iommi, “quem sugeriu que deveríamos manter o nome Black Sabbath e lançar esse disco como Black Sabbath”. Quem era esse “nós” a quem Iommi se refere? Ele e Don Arden, claro. Tirando isso, a decisão era inteiramente de Tony. Não pela última vez, ele escolheria a saída mais fácil e permitiria que o nome Black Sabbath fosse usado e abusado, em troca de dinheiro e da chance de evitar o inevitável e admitir, finalmente, que o Sabbath tinha terminado. O raciocínio de Ostin era claro: um disco do Black Sabbath poderia esperar um nível mais alto de adiantamento financeiro e apoio promocional do que um disco solo de Tony Iommi. Também poderia esperar melhores vendas. Quanto à turnê, a escolha era simples: continuar com bons cachês fazendo shows em arenas como Black Sabbath ou começar de baixo em clubes e teatros como artista solo. Para Tony Iommi, sentado em seu apartamento e cheirando carreiras com o sempre fiel Geoff Nicholls, não havia nem o que pensar. Para Glenn Hughes, sentado do outro lado da cidade, também cheirando carreiras, era a causa de “medo total e uma puta dor”. Ainda dá para ouvir em sua voz hoje. “Foi onde ficou foda para mim. Pensei que seria uma grande ideia fazer uma turnê com a banda solo de Tony Iommi. Quando ele me ligou para contar que tinha mudado para um disco e uma turnê do Sabbath, pensei, oh porra! Uma coisa era cantar com Tony. Mas ser o novo vocalista do Black Sabbath… Dio tinha feito muito sucesso com sua coisa de dragões e calabouços. Depois Gillan, que tinha feito sua parte também. Eu pesava uns cem quilos. Tinha barba. Estava sem um dente. Tinha que deixar o baixo e simplesmente ser o vocalista. Comecei a sentir muito medo antes mesmo de começarmos a ensaiar, medo de enfrentar 15 mil jovens irados, a maioria caras com jaquetas de couro pretas e de ter que cantar ‘War pigs’! Sem querer desrespeitar quem compôs e tocou aquela música, mas quando olho para trás, era como se James Brown fosse o vocalista do Metallica.” A maioria das pessoas concordaria. Quando Seventh star foi lançado na Grã-Bretanha como um disco do Black Sabbath featuring Tony Iommi, isso só piorou a confusão. Era um disco do Black Sabbath ou não? Era um disco do Iommi solo ou não? A resposta parecia ser: eram as duas coisas — e nenhuma delas. Chegando por pouco no Top 30 do Reino Unido, nos Estados Unidos, tornou-se o disco menos bem-sucedido do Sabbath desde Never say die, e

vendeu pouco mais da metade das cópias. Era como se os deuses do rock que tinham olhado tão favoravelmente pelo Black Sabbath por tanto tempo agora dessem as costas para eles. A próxima turnê norte-americana foi um desastre completo. A formação com Glenn Hughes conseguiu fazer apenas cinco shows antes de o vocalista ser chutado sem cerimônias e substituído por um jovem desconhecido de Nova Jersey chamado Ray Gillen. Algo do qual Hughes afirma que ainda não se recuperou até hoje. “A pior coisa que já me aconteceu como ser humano foi quando desapontei Tony”, ele conta. “Eu estava bêbado. Não era o cara que sou hoje e estava tentando ser perfeito para o Tony.” Mas ele “não estava sóbrio” o suficiente para descobrir como fazer isso de forma convincente. “Quando você está chapado como eu estava, não tem autoestima e sente muito medo, era simplesmente impossível.” O gatilho foi uma briga na véspera do primeiro show entre Hughes e o empresário de palco John Downey. Os dois tinham ido beber no pub inglês Cat & Fiddle. Mais tarde, de volta ao hotel em Hollywood, Glenn tinha ficado sem coca, mas sabia que John tinha um pouco com ele e tinha guardado umas carreiras. “Fiquei um pouco beligerante porque ele não queria me dar mais coca.” Downey decidiu que não iria aguentar mais e deu um soco no nariz de Hughes, “Ele me acertou tão forte que caí como um saco de batatas. Eu mereci? Sim, mas não na porra do nariz.” No dia seguinte, quando a banda completou os ensaios de roupa para a turnê, o ainda bravo Hughes tinha “um olho roxo que cobria todo o rosto e um corte em cima do olho”. Ele tentou cobrir tudo com maquiagem, mas não havia jeito. “Você poderia ter acertado no estômago!”, Arden reclamou com Downey. Tony, enquanto isso, de acordo com Glenn, nem queria falar com ele sobre isso. “Só: ‘Oh, aqui vamos nós’, isso.” No entanto, foi apenas depois dos primeiros shows que o verdadeiro problema com Glenn apareceu. “Eu não conseguia cantar! Minha voz foi piorando a cada show.” Quando chegaram a Worcester, Massachusetts, para um show na arena Spectrum, “tinha desaparecido completamente. Não conseguia respirar, não conseguia cantar pelo peito, só pelo nariz”. Ninguém parou para se perguntar o motivo. Eles simplesmente assumiram que Glenn estava cheirando tanta coca que finalmente tinha fodido sua voz. Como uma medida desesperada final para tentar ajudá-lo a se recuperar, Don Arden contratou um assistente pessoal chamado Doug Goldstein para que viesse e cuidasse dele. Goldstein, que trabalharia no ano seguinte com o Guns N’ Roses, fazendo um trabalho parecido com usuários de drogas recalcitrantes do Guns, como Slash e o baterista Steve Adler, era tão dedicado a seu trabalho como um sargento. “Ele era um assistente muito bom”, conta Hughes. “Ele me seguia, esperava fora do banheiro. Amarrava um cordão ao redor do seu dedo que se unia à minha porta. Se minha porta se abrisse, ele acordava. Desde o momento em que esse cara apareceu, não usei mais cocaína. Tentei, mas Tony contou a todo mundo na equipe: ‘Não deem coca ao Glenn. Se derem, serão demitidos’.” Mas com sua voz ficando pior a cada show que faziam, isso não foi suficiente para salvar Glenn. No segundo show, eles já tinham Ray Gillen no telefone. No terceiro, em Meadowlands, Nova Jersey, Gillen era membro do grupo. Quando Hughes não foi mais

chamado para a passagem de som, ele sabia que havia algum problema, mas não percebeu que era porque estavam usando o tempo para ensaiar seu substituto. Quando, depois de lutar pelo show no Spectrum, quase sem conseguir cantar, Glenn ficou sabendo que estava demitido, ele ficou doido, correndo até o camarim de Tony, exigindo furioso que pudesse entrar, porém a porta estava trancada e ele ficou ali por meia hora gritando e batendo na porta, até que, finalmente, Goldstein levou Hughes, choroso, embora, ainda reclamando da injustiça de tudo isso. “[Tony] não me deixou entrar. Fiquei batendo na porta e gritando: ‘Que porra está acontecendo!’. Fico feliz por ele não ter me deixado entrar porque provavelmente teria me dado outra porrada. Mas Doug Goldstein me pegou e muito calmamente me levou ao meu quarto, me deu uma passagem de avião para casa e falou: ‘Glenn, sentimos muito. Não podemos cancelar nenhum show. Precisamos continuar com um substituto. Talvez a gente possa refazer tudo mais tarde’. Foi quando a coisa toda me acertou como uma tonelada de tijolos: eu tinha desapontado o Tony.” Pressionado sobre o assunto anos depois, tudo que Iommi falaria era que Glenn Hughes era “um ótimo vocalista, mas não era o certo para o Black Sabbath, como aqueles poucos shows que fizemos com ele provaram. Não ajudou o fato de que Glenn estava muito mal pessoalmente na época. Ele usava muitas drogas e bebia demais, e estava sempre cercado de traficantes e todo tipo de personagens estranhos”. Uma declaração e tanto considerando que Iommi ainda estava imerso em drogas pesadas em sua própria viagem autodestrutiva na época. Para piorar a situação, na manhã seguinte, antes de partir para o aeroporto, Doug levou Glenn a um especialista em ouvido, nariz e garganta, que tirou um raio X e descobriu que tinha um osso quebrado na base da cavidade do olho, do lado em que Downey tinha dado o soco. Tinha estilhaçado no alto do nariz, causando drenagem do muco e sangue que se juntavam nas cordas vocais e na garganta, por isso a dificuldade com notas, timbres e todo o resto. “Estava prejudicando minhas cordas vocais. O médico me contou que o que tinha acontecido quando Downey me acertou foi um dano bastante fodido. Mas só descobri isso quando era tarde demais…” Porém se Glenn Hughes sentiu-se mal, atacado pelo que começava a ser visto como a maldição do Black Sabbath, Tony Iommi teria uma viagem ainda pior, pois ele e sua banda mergulharam fundo, durante os anos 1980, chegando ao final da década como pouco mais do que uma piada, tão distante do centro do mundo do rock quanto um bando de velhos peidorrentos muito estúpidos para saber quando deveriam se aposentar. A turnê norte-americana continuou por outros doze shows, depois foi cancelada. Ninguém pareceu se incomodar. Ray Gillen provou ser um vocalista excepcional e, de muitas formas, o jovem frontman ideal que tinham procurado quando Geezer e Bill ainda estavam no conjunto. Mas a franquia do Black Sabbath estava cada vez mais gasta. Uma turnê britânica de doze datas em maio acrescentou um pouco de carne aos ossos — a nova formação com Gillen à frente foi bem recebida por fãs e críticos reclamões, que agora olhavam tudo que Iommi

fazia de forma preconceituosa. Com seu cabelo comprido, sua figura escultural e seu senso de humor bem pouco americano, Ray Gillen parecia fazer novos amigos onde a banda fosse. Com 27 anos, o mais próximo que ele tinha chegado de algo desse nível foi quando cantou, brevemente, na banda solo do ex-baterista do Rainbow, Bobby Rondinelli. Ele conseguiu a vaga no Sabbath principalmente por recomendação de Dave Spitz e por estar disponível no momento. “Não tinha tempo [para me preocupar]”, falou Gillen. Apesar de precisar de cartões com as letras para se lembrar nos primeiros shows, quando a banda chegou à Grã-Bretanha ele estava pulando pelo palco como se tivesse nascido para fazer isso. Talvez tivesse mesmo. Autoconfiança certamente não parecia ser um problema. “Entrei durante o auge da resposta a Seventh star. Tudo era sobre o Glenn, Glenn, Glenn… Algumas vezes, as pessoas falavam comigo: ‘Ei, Glenn, como você está?’. Eles não sabiam. Eles ouviam Glenn Hughes e me viam no lugar. Ninguém sabia quem era eu! Os shows que fiz ajudaram a me deixar conhecido. A banda começou a recuperar um pouco da confiança perdida [e] e não fiquei intimidado pelo nome Sabbath ou pelos seus fãs.” Ao contrário, “cantei como se fizesse parte da banda durante toda minha vida. Esse é o tipo de atitude que precisei tomar e tive de mostrar a eles que era assim que iria ser. Vou dar o melhor de mim, gostem ou não. Cantar todas as músicas de Ozzy e Ronnie é divertido, mas não posso esperar para mostrar minhas próprias músicas”. Nem Tony Iommi. Reconciliado com a ideia de continuar com o nome Black Sabbath, quando as sessões tinham começado para um novo disco do Sabbath, com Gillen instalado agora como vocalista, Tony, que ainda tinha esperança de conseguir que Geezer voltasse à banda um dia, cedeu o lugar, ironicamente, para Bob Daisley, o baixista e letrista original de Blizzard of Ozz de Ozzy. Assim, apesar de Dave Spitz ter sido creditado no disco seguinte, foi a formação Iommi-Nicholls-Singer-Gillen-Daisley do Black Sabbath que voou aos Air Studios em Monteserrat, em outubro de 1986, para sessões de pré-produção com o veterano produtor norte-americano Jeff Glixman. Sem Geezer ali para fornecer o tipo de letra com a qual Tony sabia que podia trabalhar e sem conhecer o trabalho de letrista de Gillen — as primeiras tentativas desse último pareciam mais o tipo de coisa estilo vinho-mulheres-ecanções que o Whitesnake poderia gravar, tudo estava longe do que Iommi visualizava para o Sabbath restabelecer sua reputação. Daisley não era só um baixista sólido e confiável, ele também era um bom letrista que tinha escrito as melhores músicas de Ozzy desde que este saiu do Sabbath. Tony esperava que Bob fizesse o mesmo para ele, ainda mais porque Daisley estava então brigado com os Osbournes que o tinham recentemente demitido da turnê de Ozzy — pela segunda vez em três anos — por não ser tão jovem e bonito. A única pessoa com permissão para falar com a imprensa sobre tudo isso, no entanto, era o encantado Gillen, que disse alguma besteira previsível sobre Spitz ter “problemas pessoais” que precisava resolver e o quanto todos queriam que ele voltasse logo — depois que as partes de baixo e as letras do novo disco estivessem completas, mas isso ele não acrescentou. Perguntado como era gravar em sua primeira grande banda, Gillen balançou a cabeça feliz e

falou: “Quando [Tony] está pronto para entrar no estúdio, você precisa ter feito sua lição de casa. Ele não me diz como cantar. Ele simplesmente me fala se está bom ou ruim… Ele tem aquele olhar que é muito dominador e intenso… Ele pode olhar para você e deixá-lo congelado em sua cadeira. Adoro esse feedback do Tony. Todo mundo se alimenta dessa energia dele e ficamos todos animados… Quando ele se senta perto de você e diz algo, você sabe que ele pensou bem naquilo”. O que Ray Gillen não conta foi como ele e o baterista Eric Singer estavam secretamente planejando sair da banda. Feliz por ser pago — e muito bem pago — para gravar um disco com Tony Iommi, eles não viam nenhum futuro a longo prazo numa banda que soava tão velha quanto um jornal do dia anterior. Rock pesado e heavy metal nunca tinham estado tanto na moda quanto em meados dos anos 1980. Bem quando o Sabbath tinha entrado no mainstream com seu disco mais fraco, Seventh star, a maior banda do mundo, de repente, era o Bon Jovi, cujo disco de 1986, Slippery when wet, era para o rock mainstream o que filmes como Top gun — Ases indomáveis, também lançado naquele ano, era para o cinema: um pirulito comercial, com alto conceito, ultrarrápido, bidimensional e comercial, que englobava um impacto muito além das inescrutáveis ponderações de um disco do Black Sabbath com Tony Iommi. Ao mesmo tempo, bandas de metal britânico mais novas como Iron Maiden também estavam alcançando seu auge comercial — o disco Somewhere in time tinha chegado no topo da parada britânica aquele verão. Enquanto isso, novamente, assim como o Sabbath estava expondo sua barriga branca mole, o mundo do heavy metal estava sendo virado de cabeça para baixo por uma gangue de verdadeiros desajustados anarquistas musicais de São Francisco chamados Metallica, cujo disco de 1986, Master of puppets, mostraria que tudo que o Sabbath tinha feito, mesmo nos dias de sucesso, agora soava como ultrapassado na nova década, cada vez mais voltada para a MTV. Gillen e Singer eram ambos uma década mais jovem do que Tony Iommi e Black Sabbath, e uma geração mais esperta também. Quando, no final de 1986 — em outra bizarra mudança —, o guitarrista do Ozzy, Jake E. Lee, de 28 anos, ligou para Ray, que ele conhecia por intermédio de sua esposa, Jade, para contar que tinha acabado de ser demitido da banda de Ozzy, o próximo movimento parecia óbvio — pelo menos para Ray, Jake e Eric. No momento, havia sido concluído o trabalho do que se tornaria o décimo terceiro disco do Sabbath, que se chamaria The eternal idol (tirado da famosa escultura homônima de Rodin e de onde tiraram também a arte da capa, usando modelos vivos masculinos e femininos pintados com spray de cor bronze para replicar o estudo original). Talvez Ray e Eric pudessem achar que estavam fazendo um favor a Tony esperando até o disco terminar antes de dar a notícia. Talvez eles só quisessem conseguir mais dinheiro antes de sair. Ou talvez simplesmente achassem que não tinham escolha. Singer foi o primeiro a sair, assumindo as baterias na lucrativa turnê mundial de seis meses com Gary Moore. Gillen seguiu logo depois, mas voou direto para Los Angeles, onde também ganhou dinheiro gravando demos para a nova banda de John Sykes, Blue Murder. No verão seguinte, no entanto, Ray e Eric tinham se

voltado para o novo projeto próprio com Jake E. Lee, que se chamaria Badlands. Em uma das suas primeiras entrevistas depois que o Badlands foi formado, Gillen falou: “O último guitarrista com quem trabalhei [Iommi] era um pouco estranho, a banda [Sabbath] não era estranha, mas eles tinham um jeito próprio de como queriam trabalhar e não se abriam a novas ideias”. Ele acrescentou: “Com Sabbath e Ozzy, Jake e eu tínhamos de nos encaixar, e não dava para realmente projetar seus sentimentos internos sobre o que se queria fazer, você tinha que seguir as diretrizes da banda. Agora estou cantando mais as minhas próprias melodias e escrevendo minhas próprias letras e fazendo o que quero. Não é que quero fazer isso ou aquilo. O estilo da banda é esse”. Ele estava tentando ser educado. Qualquer que tenha sido a razão, quando se espalhou a notícia, em março de 1987, de que o Black Sabbath tinha perdido outro vocalista e outro baterista, a imprensa só podia mostrar sua descrença. Para Tony Iommi era outro golpe duro. Mas, como sempre, era muito tarde para parar agora. O disco estava gravado, já havia data marcada para o lançamento e a agenda da turnê estava sendo finalizada. Ele não aceitaria nunca, no entanto, lançar um disco do Sabbath no qual o vocalista já tivesse saído. Em vez disso, procurou outra solução rápida: alguém que pudesse vir e reproduzir as faixas vocais de uma forma igual. A pergunta era: onde ele encontraria alguém com essa capacidade musical, mas cuja própria carreira estivesse tão distante do mapa comercial que estaria preparado para deixar de colocar sua criatividade só pela chance de entrar no Black Sabbath? Como já tinha acontecido antes, ele encontrou o que estava procurando em sua cidade natal Birmingham. Seu nome era Anthony Martin Harford e, apesar de já ter quase trinta, o mais perto que chegou do estrelato tinha sido numa sessão com a sua banda, The Alliance, no Friday Rock Show de Tommy Vance, na Radio One, dois anos antes. Tony Martin, como ele se chamava, era um bom cantor. Não tanto nos moldes de Dio, sua voz não era tão poderosa para escalar aquelas alturas estratosféricas, não com tanto caráter para se comparar com os ricos tons melódicos de Glenn Hughes. Mas ele sabia cantar. Melhor de tudo, era local e estava disponível. Com um empresário, Albert Chapman, que tinha sido figura importante na equipe do Sabbath, trabalhando junto com Paul Clark, nos dias de glória da banda, Tony parecia perfeito e, apesar de tentar se fazer de difícil, ele nunca ia deixar passar a chance de finalmente virar profissional depois de toda uma vida sem chegar a lugar algum sozinho. Falando em 2012, Martin lembra-se de como Chapman ligou de repente um dia. “Ele me ligou e falou: ‘Olha, rapaz. Quero que me encontre em algum lugar’, e eu respondi: ‘Certo, o que você quer?’. Então ele passou para me pegar de carro, me levou até um casarão, tocou a campainha e Iommi abriu a porta! Eu fiquei, tipo: ‘Porra, você poderia ter me avisado!’. De todas as formas, a gente repassou umas músicas, eu cantei para ele algumas coisas e ele falou: ‘Certo, vamos para Londres, vamos fazer um teste’. Cantei ‘The shining’ e foi isso; consegui a vaga. E foi excelente.” Mesmo assim, Martin sabia muito bem em que situação se encontrava o Black Sabbath, na primavera de 1987, quando entrou no estúdio de gravação pela primeira vez com Iommi e o resto da banda. “Eles estavam realmente em tempos difíceis quando

entrei”, ele contou mais tarde. “Porque tinham passado por um bom número de vocalistas e estava começando a se tornar uma piada aqui e em outros lugares.” Depois de anos lutando sem chegar a lugar algum, ele não ia deixar que isso o impedisse de entrar numa banda famosa no mundo todo. Infelizmente, para os dois Tonys — Martin e Iommi — o Sabbath estava a ponto de se tornar uma piada ainda pior quando eles concordaram em realizar seus shows no Superbowl Arena, para 6 mil pessoas em Sun City, África do Sul. Ali, na verdade, era onde Tony Martin estaria estreando ao vivo com o Black Sabbath. Como introdução para a vida no Black Sabbath, foi a pior possível de se imaginar naqueles dias de apartheid restrito, quando a maioria das superestrelas do showbiz e dos esportes não queria aparecer nem morto ali, pois seriam acusados de apoiar o regime brutalmente autoritário que se mantinha havia mais de trinta anos, trazendo miséria a milhões e a condenação do mundo. Mesmo assim, o luxuoso cassino resort internacionalmente famoso, na província noroeste da África do Sul, a umas duas horas de carro de Johanesburgo, tinha conseguido muitas estrelas de rock britânicas e norte-americanas para seus shows só para brancos simplesmente com honorários muito além dos números que poderiam esperar para o trabalho de uma semana em qualquer outro lugar do mundo, tirando uma residência de alto perfil em Las Vegas — um conceito que também viria a seu tempo, só em alguns anos. O Queen tinha feito; Rod Stewart, Elton John e Status Quo tinham tocado; até Cliff Richard tocaria. E como Iommi admitiu privativamente para amigos, eles tinham dado um Rolls-Royce novinho para ele só pela assinatura do contrato. Como poderia recusar? Talvez o pior aspecto do mau negócio foi que pouca gente em casa ficaria chocada. Um ano antes, o guitarrista de Bruce Springsteen, Steve Van Zandt, tinha chegado às manchetes em todo o mundo com seu disco de protesto Sun city, apresentando celebridades do rock como Bono, Peter Gabriel e Keith Richards. A mensagem parecia clara: não vamos tocar em Sun City. Pelo menos não os membros da comunidade do rock com um pingo de decência ou consciência política. Claro que Tony Iommi não se via, nem aqueles que iriam voar agora ou no futuro sob a bandeira do Black Sabbath, como participante dessa categoria. Mas então, como seu novo vocalista nada espantado diria, em 1986 tanto Iommi como a banda da qual ele já esteve tão orgulhoso “estavam começando a se tornar uma piada”. Quando Ozzy Osbourne ouviu isso, ele falou: “Pensei, puta merda, eles foderam de vez agora! Eu me perguntei o que faria se me oferecessem toneladas de dinheiro para tocar ali?”, ele me contou. “E pensei: bom, se fosse o fim da minha carreira, provavelmente aceitaria também. Mas não se eu quisesse que minha carreira continuasse.” Exato. Mesmo assim, a reação em casa foi nula. A verdade era que o Black Sabbath voava tão baixo no radar da mídia que não houve nada perto do sentimento de ultraje quando o Queen e Rod Stewart tocaram ali. Com Dave Spitz de volta ao baixo, mas Eric Singer tendo partido com Gillen para trabalhar com Jake E. Lee no Badlands, Tony tinha perguntado a Bev Bevan se ele queria ganhar um dinheiro fácil. Porém o baterista do ELO recusou no ato. Ele

não foderia sua carreira por uma mala cheia de dinheiro. Novamente Tony permitiu que a pressa mandasse e contratou o primeiro baterista maios ou menos decente que estava disponível: Terry Chimes, ex-The Clash e uma peça regular em vários shows e sessões de Johnny Thunders & The Heartbreakers e Hanoi Rocks, para citar os mais conhecidos. Questionado sobre o assunto na entrevista seguinte que Iommi concedeu para a Kerrang!, em novembro de 1986, o guitarrista ofereceu a desculpa mais esfarrapada: “Muitos artistas tocaram [em Sun City], então não achei que seria um problema para nós, mas eu estava errado. Pessoalmente, não acho que política e música devam andar juntas. Temos fãs na África do Sul também e tocamos para eles, não para os políticos ou a favor da política de alguém”. Sem esquecer, também, aquele Rolls-Royce novinho. No que Tony Martin tinha se metido, ele pensou. Já temia o pior. Como tudo aquilo acabaria? Ele logo ia descobrir.

Onze Desumanizado NINGUÉM SABIA M AIS quem era o Black Sabbath. Nem mesmo Tony Iommi. Certamente, Tony Martin também não. Era humilhante. Com o fim dos anos 1980, rock e metal reinavam supremos, os proponentes mais conhecidos vendendo mais discos e entradas de shows, e mais milhões de dólares em merchandising do que em qualquer outro momento na história da indústria musical. O Guns N’ Roses agora era a banda de maior sucesso e mais admirada do mundo, o Metallica era a mais influente. Mas enquanto os fãs de rock homenageavam Ozzy Osbourne e o impacto que sua música tinha tido naquela década, e respeitavam muito os discos de sucesso que Ronnie James Dio tinha gravado com sua banda solo, o Black Sabbath tinha desaparecido tão fundo da mente da maioria dos fãs, especialmente nos Estados Unidos, que parecia que tinha acabado. Quando o primeiro disco com Tony Martin oficialmente instalado como vocalista, The eternal idol, foi lançado em novembro de 1987, tornou-se o menos vendido na história da banda, chegando apenas ao 66o lugar no Reino Unido, onde ficou por uma única semana, quase nem chegando ao Top 200 nos Estados Unidos. Pela primeira vez desde que tinham começado a lançar discos, o Sabbath não conseguiu fazer uma turnê pelos Estados Unidos, onde a demanda por eles era tão baixa que os promotores não se arriscariam a contratá-los — a menos que concordassem em passar de arenas a clubes e teatros, algo que o ego planetário de Iommi não consentiria, consolando-se com o pensamento de que a nova formação com Tony Martin como frontman precisava “se acomodar” primeiro com seus fãs ali. No entanto, poucas semanas depois do lançamento do primeiro disco com Martin, tanto a Warner Bros. nos Estados Unidos quanto a Phonogram na Grã-Bretanha (e o resto do mundo) tinham rompido com o Black Sabbath. Não que o disco fosse muito ruim — faixas como o agradável hino “The shining” ou a faixa-título lembravam o melhor dos anos de Dio; enquanto as faixas com rock melódico mais genérico como “Hard life to love” e “Glory road” estavam mais perto do que Glenn Hughes trouxe à festa em Seventh star, também havia outra tacada convincente em uma power balada dirigida às rádios em “Nightmare” — só que com o disco do Black Sabbath em si, ninguém conseguiu se animar. Quando Tony Iommi, Geezer Butler, Bill Ward e Ozzy Osbourne gravaram clássicos como “War pigs”, “Paranoid” e “Iron man”, eles não se preocuparam se podiam ou não se encaixar na rádio. Nem com o que os críticos poderiam dizer. Nem mesmo com o que qualquer um pensava sobre o que estavam fazendo, exceto eles mesmos e sua crescente legião de fãs. A razão pela qual se tornaram tão colossais e tão rapidamente foi porque eles soavam como mais ninguém. Soavam como eles mesmos, realmente não estavam nem aí, e convidavam o ouvinte a se divertir com isso. Quase vinte anos depois, o som de The

eternal idol era criado por uma coleção de mãos contratadas — um conjunto de músicos e cantores no começo, outro no final — tentando desesperadamente se encaixar no que exigiam as atuais tendências no rock. Incapaz de produzir o tipo de metal rápido e pesado de bandas jovens como Metallica, Anthrax e Slayer — que faziam o som do Sabbath parecer muito leve —, eles optaram por pose e melodrama. Ou o que isso queria dizer no cérebro de Tony Iommi, tomado pela febre das drogas. No entanto, incapaz de melhorar significativamente como bandas velhas como Whitesnake, Scorpions e Van Halen tinham conseguido, o Sabbath foi deixado de lado, como uma banda acabada. Nem na mesma corrida comercial com novas bandinhas impulsionadas pela MTV, como Poison, Def Leppard e Motley Crüe. Resumindo, estavam ferrados. Para piorar, a situação de management deles tinha chegado ao caos. Em 1986, as coisas tinham ficado feias para o lado de Don Arden. Processado pelo ELO por anos de royalties e comissões não pagas, perdendo sua guerra com a filha Sharon, cuja astúcia e inteligência tinham transformado Ozzy numa estrela maior do que ele já tinha sido com o Black Sabbath, a gota d’água para o império Arden veio quando ele foi preso por acusações de sequestro, chantagem, tortura e agressão de um ex-contador chamado Harshad Batyu Patel. Quando Don descobriu que Patel tinha desviado dinheiro de várias contas da Jet Records para uma conta secreta própria, em vez de resolver o problema por meio dos tribunais, como faria a maioria das pessoas, as raízes de Don como briguento de rua apareceram e ele fez com que o contador fosse sequestrado e trazido para sua casa em Los Angeles, onde se dedicou a agredi-lo. “Dei um golpe no nariz dele com a coronha da minha arma”, Don me contou. Em uma segunda reunião, dessa vez em Londres, para onde tinha fugido o aterrorizado Patel, Don novamente mandou seus capangas o pegarem e o levarem até a casa de Arden, onde ele o torturou ainda mais. Pegando uma caixa de ferramentas: “Queria ter certeza de que ele nunca teria um filho”. Quando terminou, trancou o espancado e ensanguentado Patel num quarto. Quando o filho de Don, David, chegou e viu o que estava acontecendo, forçou o pai a liberar Patel. A polícia foi chamada e o caso ganhou as manchetes dos jornais na GrãBretanha e nos Estados Unidos. O julgamento chegou a Old Bailey um ano depois, e tanto Don quanto David foram considerados culpados em várias acusações. Don, no entanto, tinha gastado uma fortuna para contratar a representação legal mais esperta e cara, conseguindo sair dos tribunais livre, apesar de muito mais pobre. David não teve tanta sorte e foi sentenciado a dois anos de prisão com um ano da sentença suspensa. Ele acabou passando sete meses em uma prisão aberta, mas quando saiu, Don estava quebrado. “Depois do julgamento, tirei umas longas férias”, ele me contou. “Já tinha tido aventura suficiente por um tempo.” Don agora estava com sessenta anos; ele renunciou a seu controle sobre o Black Sabbath e a maioria de seus outros negócios. Não se aposentou — pessoas como Don Arden não sabem o que significa realmente se aposentar —, voltaria à briga no começo dos anos 1990 com aventuras na indústria musical que eram apostas ainda mais altas, mas seus dias tentando manter Tony Iommi feliz tinham acabado.

Em pânico, com medo e, em suas próprias palavras, “cheirando novamente muita coca”, Tony Iommi fez “uma coisa estúpida” e trouxe Patrick Meehan Junior de volta para ser seu empresário. “Não funcionou desde o começo”, ele mais tarde admitiu. Mas não antes de Meehan ter organizado o show do Sabbath na África do Sul, supervisionado o lançamento do disco que menos vendeu na história deles e visto como eles perdiam o contrato com as gravadoras. “Todo mundo simplesmente foi embora”, Iommi escreveria mais tarde em suas memórias. “Mas eu não podia ir embora. Tinha que manter o forte e remontar tudo.” No começo de 1988, Patrick Meehan também tinha desaparecido da cena, deixando Tony Iommi onde ele o havia encontrado, rastejando na sujeira em busca de uma forma de resolver seus problemas. Ele sentiu, disse, “como se tivéssemos caído tão baixo que o único caminho possível era para cima. Felizmente foi assim que funcionou”. Sua sorte mudou quando ele finalmente encontrou um empresário em quem confiar: Ralph Baker, um veterano do mercado musical então trabalhando em parceria com o empresário de Jeff Beck, Ernest Chapman. Quando a primeira pergunta que Chapman fez a Iommi foi se ele usava drogas, já que nunca fazia negócios com alguém envolvido com drogas, o guitarrista contou a Chapman que não. “Mentindo na cara dura.” Acreditando no guitarrista, Chapman o apresentou a Baker e a nova equipe montada para tentar colocar o Sabbath de volta — começando com um acordo com a Receita Federal britânica, que estava querendo que Iommi vendesse sua casa para pagar anos de impostos atrasados. Enquanto isso, eles tinham congelado seus bens, deixando-o na prática insolvente. Chapman fez sua mágica, mas continuou indiferente. “Estes não são problemas do seu contador, são seus problemas”, disse a ele. “Eu ainda tinha uma conta enorme a pagar”, falou Tony, mas Chapman conseguiu tirar o cobrador de impostos das costas dele enquanto Baker tentava reconstruir o Black Sabbath. Como antes, Tony sabia que a chave para reconstruir a reputação do Sabbath estava em convencer pelo menos algum dos membros originais a voltar. Sem nenhuma possibilidade de trazer Ozzy — os cinco discos solo que havia lançado desde que Tony o demitira do Sabbath tinham ganhado platina nos Estados Unidos e vendido outros milhões na Grã-Bretanha e no resto do mundo, e Bill sem vontade de arriscar sua sobriedade conquistada com muita luta por algo menos do que uma reunião séria com Ozzy —, Tony novamente se voltou para Geezer Butler para ajudá-lo a salvar sua pele. Ele começou a ligar e contar a Geezer como o novo vocalista era ótimo, como a situação com o novo empresário estava boa, mas, oh, como seria muito melhor se Geezer pudesse voltar no tempo e concordar em tocar com eles. Porém Geezer tinha outros planos. “Ficou tão ruim”, ele me contou na época, “que Tony começou a aparecer na minha casa, ficava ali na frente sentado em seu carro, como se estivesse esperando que eu fugisse com ele ou algo assim.” Quando foi anunciado no verão de 1988 que Geezer — na virada mais enrolada da aparentemente infinita saga Ozzy-Sabbath — não voltaria ao Black Sabbath, mas entraria na banda solo de Ozzy, o pesadelo de Tony ficou completo. O prego final no caixão pareceu ser

quando começaram a circular rumores de que até Tony Martin tinha saído, pois havia recebido uma oferta para se juntar à Blue Murder, nova banda do guitarrista John Sykes, ex-Whitesnake e Thin Lizzy — originalmente para substituir Ray Gillen, que tinha ido para a Badlands. Irritado, Iommi teve que cobrir isso o melhor que pôde com uma declaração que dizia: “Ele recebeu a oferta de trabalhar com John Sykes e estava pronto para aceitar, mas foi convencido a ficar conosco e, ao contrário das matérias, nunca deixou oficialmente o Sabbath”. Como sempre, tinha tudo a ver com dinheiro. Sem um contrato de gravação e com Iommi enfrentando seus problemas de solvência, Martin tinha pesado as opções de ficar com uma banda hipotética chamada Black Sabbath — sem baterista e baixista —, que na verdade não poderia pagar nenhum salário, naquele momento, ou partir para uma situação francamente mais promissora com um grupo que tinha o apoio total da Geffen Records — lar do Guns N’ Roses e do Whitesnake. Martin chegou a compor uma música com Sykes chamada “Valley of the kings”, que terminou entrando no disco de estreia do Blue Murder um ano depois. O que acabou convencendo-o a ficar com Iommi foi a oferta de um novo contrato de gravação para o Sabbath que Ralph Baker tinha conseguido com o selo independente norte-americano IRS — que tinha o R.E.M. Igualmente significativa foi a chegada, no verão de 1988, de Cozy Powell, então um dos mais conhecidos e mais respeitados bateristas de rock do mundo. Um ano mais velho que Iommi e veterano de vários grupos importantes, do Jeff Beck Group ao Rainbow, Whitesnake e até uma reconfiguração estilo anos 1980 do Emerson, Lake and Palmer rebatizado como Emerson, Lake and Powell, Cozy (nome real: Colin Flooks) era um garoto de Cotswold que gostava de carros velozes e mulheres mais velozes ainda, mas estava atualmente sem banda. (Ele também tinha passado recentemente pelas escalações do Blue Murder.) Além de ter muita técnica e velocidade, Cozy era expansivo e já havia lidado bem com outras personalidades complicadas, como Ritchie Blackmore e David Coverdale. Ele não seria simplesmente o “novo” baterista no Black Sabbath. Sua indicação traria verdadeiro status e respeito para Tony Iommi. A ponto de que nos dois próximos discos do Sabbath, Powell funcionaria na prática como o braço direito dele, antes ocupado apenas por Ronnie James Dio — uma situação que Iommi nunca teria considerado uma opção, mas mendigos não podem escolher, e ele se agarrou com as duas mãos a qualquer credibilidade que a aliança com Cozy poderia oferecer. Com Cozy também veio a possibilidade de resolver o problema do baixista, quando ele sugeriu o ex-companheiro no Whitesnake, Neil Murray. Mas Murray — outro veterano do rock britânico que tinha ganhado nome no Whitesnake, a banda de Gary Moore, e mais tarde como o improvável baixista na banda de metal japonesa Vow Wow — recusou. Como ele conta agora, “Depois que Cozy entrou no Sabbath, me convidaram para entrar também, mas eu não tinha ficado muito animado com The eternal idol, e estava começando a tocar com o Vow Wow naquele ponto. O Sabbath testou muitos baixistas e não conseguia encontrar a pessoa certa, então usaram Laurencce Cottle, baixista de jazz e sessões de gravação, com quem Cozy tinha trabalhado no projeto Forcefield de Ray Fenwick”.

Cottle foi mantido para a gravação do próximo disco do Sabbath, Headless cross. O primeiro a mostrar as capacidades de composição de Tony Martin e a apresentar Cozy Powell num forte papel de cocompositor e como um ajudante de Iommi, Headless cross, lançado em abril de 1989, deixou a desejar. Em uma aparente tentativa de levar a banda de volta à imagem de seu auge como supostos ocultistas musicais e mercadores da destruição em suas letras, há uma vaga linha conceitual no disco. Mas nenhuma que chegue perto do nível dos trabalhos clássicos da era Ozzy ou Dio. Todos os erros e falhas podem ser vistos no primeiro single e vídeo do disco, a faixa-título “Headless cross”. Com a câmera focando no primeiro minuto quase inteiramente em Powell — como exigia a produção dos anos 1980, mostrando-se atrás da bateria com um som comprimido — e Iommi, parado como fazia havia duas décadas, à direita do palco, sério, vestido de preto, as cruzes penduradas, mais velho agora, no entanto, com menos certezas —, Martin, o suposto frontman, fica um pouco escondido no meio de um mar de gelo seco. Quando ele finalmente entra em foco, não vale a pena a espera. Seus vocais retorcidos e ensopados de vibrato; suas “formas” tiradas quase inteiramente da enciclopédia do rock — tudo isso chega ao ponto do clichê de rock genérico. Nesse período, a imprensa de rock tinha começado a chamar Martin por seu suposto apelido, The Cat. Na verdade, ele tinha se chamado simplesmente Cat na sua banda anterior, The Alliance, por ser parecido com um personagem de programa infantil do começo dos anos 1970, Catweazle — um mago sujo e cabeludo, alquimista fracassado transportado acidentalmente da Inglaterra medieval para o século XX. Era uma descrição horrivelmente verdadeira para a postura pesada, no final sem sentido, do “teatro” que os vocais histriônicos e a presença de palco de Martin conjuravam. O resto do disco não era muito melhor. Abrindo com uma instrumental pesada, ameaçadora, chamada “The gates of hell” e terminando quase quarenta minutos depois com outra balada criada para outro vídeo com raios e gelo seco chamada “Nightwing”, era o tipo de disco comum e pouco criativo que o Scorpions já tinha levado a um nível superior, mas que funcionava bem o suficiente para satisfazer as plateias na Europa, onde o inglês não é a primeira língua e onde, não é surpreendente, o disco vendeu respeitavelmente. Também foi melhor na Grã-Bretanha, onde chegou ao 31o lugar. Mas não tanto nos Estados Unidos, onde só se arrastou até o 115o lugar. Apesar de Cottle ter aparecido no vídeo de “Headless cross”, quando single e disco foram lançados, o Sabbath estava de volta à turnê — mas com Neil Murray agora trazido à formação. Ele concorda que era um momento estranho para estar no Black Sabbath. “Tocar em Sun City etc. deixou a banda em um lugar ruim, cuja música e reputação precisavam ser recuperadas.” Embora Tony agora confiasse em Cozy para carregar uma parte do peso, na mente das pessoas sempre seria Tony Martin que de alguma forma restabeleceu a identidade do Sabbath como uma banda que deveria ser levada a sério de novo. Sempre seria uma tarefa árdua para um vocalista desconhecido e inexperiente como Martin. Como conta Murray: “Encontrar alguém que pode ser tão individual e carismático como Ozzy é praticamente impossível; encontrar alguém que pode cantar tão bem quanto

Ronnie James Dio — além de sua presença de palco e talento de composição — é praticamente impossível. Há pouquíssimos vocalistas de rock no Reino Unido, então encontrar um vocalista que conseguisse fazer um trabalho razoável como Tony Martin era o melhor que o Sabbath podia conseguir. Infelizmente, ele não tem o carisma e a credibilidade para ser frontman do Sabbath, o que não é compensado nem por toda a capacidade vocal do mundo. Mas, comparado com qualquer uma das alternativas, ele era bom”. E esse detalhe foi dolorosamente enfatizado pelo desastroso final prematuro da primeira e única turnê norte-americana da formação com Martin. Originalmente agendada para 36 shows, de maio a julho de 1989, as vendas de ingressos foram tão baixas que a turnê teve de ser cancelada depois de apenas oito shows. De acordo com Neil Murray: “Até que ponto é verdade, não sei, mas falou-se muito na época que os Osbournes fizeram tudo que podiam para destruir a turnê, pagando para que pessoas colassem faixas de ‘Cancelado’ nos pôsteres dos shows etc. Porém acho que o problema principal foi a falta de influência que a IRS Records tinha nos Estados Unidos — houve pouca promoção”. Como sempre, foi culpa de outra pessoa. Nas palavras de Iommi: “Cozy e eu fomos a lojas de discos em Toronto, Canadá, onde éramos muito populares — ninguém conseguia o disco, não estava nas lojas, ninguém conseguia comprar — inacreditável. Tivemos que brigar com o representante local — eu realmente cheguei perto de dar uma porrada nele! Foi feio assim. No final do dia, somos nós que sofremos: eles dizem: ‘Oh, não vendeu’. Como pode vender se o disco não está nas lojas?”. Tony Martin pode ter afirmado na época que Headless cross foi “o disco mais importante que o Black Sabbath lançou desde Heaven and hell”, mas poucos fãs do Sabbath concordariam com ele. As principais reclamações dos fãs na época giravam em torno de uma percepção comum de que o recrutamento de músicos como Martin, Powell e Murray levaram o Sabbath a uma direção muito mais melódica do que a história da banda poderia aguentar tranquilamente — quase contra a vontade de Iommi. Uma ideia que faz Murray rir. “Na verdade, foi uma escolha de Tony Iommi seguir nessa direção melódica. Ele criou quase todas as ideias musicais, depois Tony Martin acrescentava as melodias vocais e as letras aos riffs e às estruturas das canções. Não é possível obrigar Tony Iommi a fazer algo que ele não queira.” Ele acrescenta que “apesar de tecnicamente ser um excelente cantor, Tony Martin tinha um tom distinto, então era difícil que as músicas, não importa o peso, se parecessem com o som antigo do Sabbath”. Quando a banda tentou reequilibrar com o novo disco Tyr, em 1990, no qual várias faixas parecem sair da mitologia nórdica, notavelmente uma suíte de três faixas do lado B, começando com “The battle of Tyr” (Tyr é o filho de Odin), levando a “Odin’s court” e “Valhalla” — oito minutos e meio de rock progressivo em grande escala, repleto de sintetizadores, pontos acústicos e guitarras elétricas, baterias grandiosas e vocais místicos — parecia que eles poderiam realmente iniciar uma nova era para a banda. “Durante o período 1988-90 da banda”, conta Neil Murray, “houve na verdade uma coparceria entre Tony Iommi e

Cozy como líderes da banda. Cozy ia até a casa de Tony e eles trabalhavam em cima do grande número de riffs que Tony tinha gravado. Geoff Nicholls às vezes criava ideias para músicas, e ele era a sombra de Tony, estava com ele o tempo todo, especialmente nas turnês e em geral como um parceiro leal.” O disco Tyr não foi um grande sucesso, mas recebeu notas simpáticas na imprensa de rock britânica e europeia, levando ao melhor lugar na parada britânica, pelo menos nos últimos cinco anos, quando chegou ao 22o lugar. Em Londres, em setembro de 1989, eles conseguiram ser atração principal no Hammersmith Odeon, algo que havia anos não conseguiam. No mesmo ano, completaram treze shows lotados no Olympski Hall em Moscou, seguido por doze em Leningrado, no EKS Hall, para um total de 230 mil pessoas. As datas da turnê europeia e britânica de Headless cross no ano seguinte foram de escala similar. Bastante encorajado, Tony Iommi falava sobre o iminente retorno da banda para os Estados Unidos, mas na realidade a formação com Tony Martin não conseguiu capturar a imaginação num mercado agora saturado com bandas de rock e metal com verdadeiro poder imaginativo, não só em termos teatrais e baseando-se em glórias do passado, porém realmente inovando. Ao mesmo tempo que Headless cross não conseguiu nem chegar ao Top 200, discos do Megadeth, Slayer, Anthrax, Judas Priest, Iron Maiden e, pior, Ozzy Osbourne chegavam ao Top 30 dos Estados Unidos. O resultado foi que não houve turnê norte-americana para divulgar Tyr; toda a “turnê mundial” durou apenas três meses, focada nos únicos territórios do mundo que ainda compravam entradas do Black Sabbath: Grã-Bretanha, Itália, Suíça, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Noruega, Holanda e França. De volta ao lar no Natal de 1990, Tony Iommi olhava para o Ano-Novo com um olhar distorcido. Cada vez mais “frustrado pela falta de sucesso e renda comparada com os anos 1970”, conta Murray, o guitarrista “culpou principalmente a IRS Records”, embora eles sempre tenham apoiado bastante. “A sensação era que Miles Copeland, que era o dono da IRS, não entendia de rock pesado e que a banda nunca voltaria à posição que tinha alcançado nos dez anos anteriores com aquele selo.” Iommi queria brigar. Ele tinha trabalhado duro, montado a melhor, mais estável e produtiva formação do Sabbath desde o tempo de Dio, mas depois de quatro anos tentando, tentando, eles estavam — comercialmente falando — piores do que nunca. Algo teria que ser feito. Ralph Baker concordava. E, felizmente para eles, Ronnie James Dio também. O começo dos anos 1980 tinha sido de Ronnie James Dio. Agora, no entanto, no começo dos anos 1990, ele tinha sido atingido pelo mau carma. Depois dos primeiros dois discos de Dio — Holy diver (1983) e The last in line (1984) —, ambos chegando a platina nos Estados Unidos, ele parecia estar a caminho de uma carreira pós-Sabbath pelo menos tão grande quanto a de Ozzy Osbourne. Na verdade, houve muitos paralelos fascinantes entre as carreiras

dos dois vocalistas. Ambos tinham perdido seu lugar no Sabbath por causa de um guitarrista tão inflado em seu ego e pelas drogas que estava convencido de que sempre poderia encontrar alguém melhor; os dois tinham as esposas como empresárias, e elas queriam muito proteger seus homens, que, elas sentiam, tinham sido bastante enganados e pisados; e os dois tinham conseguido fazer sucesso rapidamente com suas próprias bandas. Mas onde Sharon Osbourne tinha superado todos os obstáculos para manter Ozzy no auge de sua carreira durante os anos 1980, constantemente melhorando sua banda, sua imagem, até seu som, Wendy Dio tinha trabalhado para que nada atrapalhasse ou alterasse o curso musical de Ronnie, nem mesmo as pessoas que tinham ajudado a escrever suas músicas de mais sucesso: duas estratégias diferentes que tinham levado, no começo dos anos 1990, a dois resultados bem diferentes. Onde Ozzy ainda parecia relevante, garantindo credibilidade por associação, durante anos, ao sempre fazer turnês com qualquer que fosse a nova banda da moda como abertura — Motley Crüe em 1984, Metallica em 1986, Anthrax em 1988 —, a audiência de Dio tinha diminuído bastante, estreitando-se cada vez mais a ponto de seu disco de 1990, Lock up the wolves, ter sido um desastre completo, não chegando ao Top 30 do Reino Unido e só chegando ao 61o lugar nos Estados Unidos. Todos os três membros originais do Dio — o baixista Jimmy Bain, o guitarrista Vivian Campbell e, mais importante, o baterista Vinny Appice — tinham saído desiludidos porque a banda que tinham ambições de transformar no que Bain agora chama de “um Zeppelin dos anos 1980” tinha se dissipado em um grupo de segunda linha, agora se baseando bastante no passado. “Ele estava muito preso ao passado”, conta Campbell. “Era meio como estar numa banda com seu pai. Exceto que seu pai era uma estrela de rock com a qual você não tinha nenhuma relação.” Ele lembra-se de ficar com Ronnie em sua casa em Los Angeles em meados dos anos 1980. “Isso ficou especialmente aparente para mim naqueles meses, quando vivi em sua casa. Como quando eu saía à noite. ‘Onde você vai?’ Vou ao Rainbow. ‘A que hora você vai voltar?’ Não sei! Lembro de me sentar ali para assistir a MTV e passarem vídeos do Def Leppard. Ele perguntava: ‘O que você acha dessa banda? O que você acha desse som que eles estão fazendo?’. E eu meio que gostava, sabe? Ele dizia: ‘É uma merda!’. Era muito velha guarda e meio ciumento de tudo. Ele se sentava ali, enrolava baseados e criticava todos os vídeos de todas as bandas que apareciam. E eu ficava sentado com ele e falava pouco porque minhas opiniões contrastavam totalmente com as dele na maioria das vezes, sabe? Era muito estranho.” Campbell saiu em 1985, logo depois do lançamento do terceiro disco de Dio — e o último a vender um milhão — Sacred heart. Houve brigas feias sobre dinheiro, disputas sobre créditos de composição, todos os três membros da banda agora insistindo que tudo pesava a favor de Ronnie, algo que Wendy Dio não discorda, somente apontando como ela e Ronnie tinham hipotecado a casa deles para criar um fundo para a banda em seus estágios iniciais, que a banda estava sempre recebendo adiantado e sempre recebia dinheiro das músicas que escreviam em parceria com seu marido. “Vamos colocar desta forma”, ela diz, “a banda se

chamava Dio.” Antes de Ronnie escolher os músicos que queria que se juntassem a ele na carreira pós-Sabbath: “Todos esses outros caras eram desconhecidos”. Mas esse tipo de discussão é comum no mercado musical. O que realmente fez com que primeiro Campbell, depois Bain e Appice, saíssem, eles dizem agora, foi a sensação que tinham de uma oportunidade dourada perdida pela determinação míope de Ronnie em fazer tudo do seu jeito agora que não tinha mais que responder a ogros como Ritchie Blackmore ou Tony Iommi, e a visão estreita de Wendy sobre como gerenciar a carreira dele. “Ela sempre falava para Ronnie que não importava quem estava na banda”, conta Bain, “que era o nome dele, sua banda e que ele poderia fazer o que quisesse.” Independente de quem estava certo ou errado, ninguém poderia discutir o fato de que, no começo de 1991, quando Ralph Baker começou a fazer discretos contatos primeiro com Gloria Butler — agora também empresária do marido — e Wendy Dio sobre uma possível reunião do Black Sabbath, todos estavam prontos para ouvir. Em poucas semanas, um anúncio tinha sido feito na imprensa musical do Reino Unido e dos Estados Unidos: Dio, Iommi, Butler e Appice (e Nicholls, apesar de não ser mais membro oficial da banda, voltando a seu papel metafórico atrás das cortinas) estavam de volta e iriam gravar o primeiro disco juntos desde Mob rules, exatamente dez anos antes. Para Tony e Geezer, era um “salva-vidas”, como afirma o baixista. Para Dio era nada menos que “um novo começo para a melhor banda da face da Terra. Achei que provavelmente todos terminaríamos nossas carreiras com essa banda”. A primeira vez que Tony Martin ouviu isso foi numa manhã quando estava se preparando para se encontrar com a banda. “Eu estava na verdade saindo para ir ensaiar. Eles tinham me passado todas as datas, horários de ensaio e tudo. Literalmente a caminho da porta, o telefone tocou, e era meu empresário. Ele disse: ‘É melhor se sentar’. Martin ficou devastado, espantado, magoado. Quando recuperou seu equilíbrio, tempo suficiente para considerar sua situação, para seu crédito, ele garantiu um modesto contrato solo. Mas as feridas nunca chegariam a ser curadas de vez. Falando em 2012, ainda vestido da cabeça aos pés de couro preto, a cabeça agora raspada, ele se lembra de que Tony nunca ligou para ele diretamente. “Sempre passa por outra pessoa. É tudo muito bizarro, e a única coisa que consigo pensar é que eles não estão acostumados a lidar com outras pessoas cara a cara. Viviam numa bolha, nesse grande espaço, por muito tempo, e tem ‘pessoas’ ao redor deles e eu não sou assim. Gosto de resolver as coisas cara a cara. Gosto de resolver meus próprios problemas.” A primeira vez que Neil Murray ouviu isso foi quando… Ele não ouviu nada. “Depois dos shows europeus no outono de 1990, as coisas ficaram misteriosamente quietas”, ele conta. “No final, acabei ligando para os empresários para ver o que estava acontecendo. Eles admitiram que Geezer estava voltando para a banda, junto com Ronnie Dio.” Murray, que já tinha visto esse filme, quando foi tirado do Whitesnake pouco depois de gravar o que se tornaria um dos discos de rock mais vendidos da década, Whitesnake 1987, ficou chateado, mas nada chocado. “Este é um bom exemplo de como Tony Iommi não gosta de confrontos

cara a cara, pois é preciso ser sensível ao humor dele — se você começa a irritá-lo e não percebe os sinais de como vai ficando agitado, de repente ele explode com raiva e o joga contra a parede, o que já vi acontecer algumas vezes. Ele também é pouco articulado, apesar de muito inteligente, engraçado e criativo, então é preciso se ligar no humor dele em vez de esperar que dê ordens diretas.” Cozy Powell, que era menos sensível ao humor dos outros, viu isso simplesmente como “uma traição”. Ele tinha sido mais do que apenas o baterista que havia salvado o pescoço de Tony. Ele tinha sido colaborador, coconspirador e confidente na formação com Tony Martin. O plano original de Iommi, na verdade, tinha sido manter Cozy. Mas quando o baterista azarado quebrou a pélvis num acidente de cavalo — o cavalo em que ele ia montado teve um ataque cardíaco e caiu sobre ele — e ficou sem poder tocar por vários meses, Ronnie, que ficara apreensivo com a convivência com o baterista cheio de opiniões com quem já tinha batido cabeça no Rainbow e que tinha começado a se acostumar nos últimos anos a ver o Sabbath como parcialmente seu, sugeriu rapidamente que trouxessem Vinny Appice de volta. Desesperado para não atrasar o projeto, menos ainda que Dio e Butler mudassem de ideia, Tony aprovou a mudança. Cozy ficou louco de raiva. “Fui chutado da banda porque um cavalo caiu em cima de mim e não pude tocar por seis meses”, ele fumegava. “Também alguns truques sujos foram usados, e Tony de repente partiu com uma versão norte-americana do Black Sabbath. Ronnie James Dio foi contratado como vocalista, e ele exigiu que Vinny Appice fosse contratado como baterista. Não concordei com a escolha de Dio porque já tinha trabalhado com ele no Rainbow. Fiquei desapontado com as escolhas de Tony e especialmente porque ele não queria esperar que eu me recuperasse. Se eu iria querer tocar com o Dio era outra coisa, mas achei que Tony fosse meu amigo. Fui muito ingênuo, claro, deveria conhecer melhor esse negócio.” Porém Tony diminuiu a importância disso, dizendo que a “coisa com o Dio” era somente um disco, para restabelecer o nome da banda. Que Cozy voltaria assim que fosse possível. Nada disso era verdade, embora fosse exatamente o que aconteceria no final, apesar de muitas promessas quebradas e esperanças frustradas. Para começar, foi exatamente como nos velhos tempos. Ronnie e Vinny estavam instalados numa casa em Stafford, onde Tony e Geezer se juntariam a eles na maioria dos dias, “para fazer jams e ver o que podíamos criar”, lembra-se Vinny, com seu equipamento montado na sala, “com pequenos amplificadores, era bastante divertido!”, e o baterista responsável por gravar as várias jams em fitas cassetes, depois tocava marcando os pontos altos antes de começarem a trabalhar a cada dia. “Quando cheguei, eles já tinham três ou quatro músicas escritas”, ele lembrou. “A gente fez o resto da composição em umas duas semanas, tudo era tranquilo de novo. A gente gravou uma demo em Monnow Valley, voltou para casa por umas duas semanas e aí fomos gravar em Rockfield. Então levamos dois períodos de seis semanas para a gravação.”

O disco completo, chamado Dehumanizer, foi bem melhor do que tudo que tinham feito nos últimos anos; o melhor, certamente, desde Heaven and hell. O que faltava de calor e exuberância nesse foi compensado simplesmente por ser o disco do Black Sabbath mais convincente desde então. Sem as pretensões melódicas dos discos de Hughes e Martin, injetando o tipo de vigor sanguíneo que não era ouvido havia muito tempo, desde os distantes dias de verdadeiras declarações monstruosas como “Symptom of the Universe” e “Snowblind”, era cru e incontido. O melhor trabalho que Dio ou Iommi tinham gravado havia muito tempo. Como falou Geezer: “Musicalmente, estamos de volta ao som original do Sabbath; era o que todos queríamos. Em termos de letra, acho que Ronnie avançou. Então é um pouco dos dois. Voltar às raízes, mas avançando”. Pela primeira vez, o timing deles também era bom. Quando Dehumanizer foi lançado, em junho de 1992, o mundo do rock tinha passado por uma revolução. O hair metal era história; tinha sido substituído por um novo fenômeno que os críticos tinham apelidado de “grunge”. A banda que sozinha mudou tudo era chamada de Nirvana, cujo vocalista, guitarrista e principal compositor, uma mistura de raiva e sentimentos doloridos com um rosto de aflição chamado Kurt Cobain, gostava de se descrever como “um cruzamento entre Beatles e Black Sabbath”. Cobain não estava falando da formação com Dio, claro, mas isso não diluía o apoio que agora ele parecia dar àqueles veteranos do Black Sabbath — independente de quem estivesse na formação. Na onda do Nirvana agora vinha uma geração de bandas como Pearl Jam, Soundgarden, Stone Temple Pilots, Mudhoney e Alice in Chains. Imagem e artifício estavam mortos. Vocais honestos e profundos, guitarras emotivas e com afinação baixa estavam dentro, junto com baterias trovejantes e produções tempestuosas. De repente, o novo disco do Sabbath, com suas músicas sobre “coisas reais” como “TV crimes” (o dano cerebral das baboseiras na TV), “Computer god” (o novo mestre e escravo da tecnologia) e “Sins of the father” (demônios da infância que crescem ainda mais com a passagem do tempo e congelam na mente dos chamados adultos como sangue seco), colocou a banda de volta ao lugar em que ela precisava estar. “I am the crazy man who lives inside your head” [Sou o louco que vive dentro da sua cabeça], avisa Dio, e você momentaneamente acredita nele. “É realmente bom”, diz Geezer entusiasmado, “eu e Ronnie nos sentamos para discutir a direção das letras e ele não queria falar só sobre calabouços, dragões e arco-íris, nem eu. Então falamos: ‘Vamos tratar do que está acontecendo no mundo agora’. Havia muito material para mergulhar e escrever.” Musicalmente, também, a banda tinha por fim conseguido chacoalhar a inércia dos anos Hughes e Martin e redescoberto seus pontos fortes. “O que aprendemos é que se você ficar polindo o trabalho, vai perder a alma da banda. Mais que isso, sabíamos que não tocaríamos na rádio, então nem tentamos ser comerciais.” E, por não tentarem, finalmente conseguiram vender quantidades significativas de discos de novo. Eles ainda estavam longe de seu auge platinado, mas Dehumanizer foi o disco mais vendido do Sabbath na última década, chegando ao Top 30 do Reino Unido e, mas incrível do

ponto de vista da banda, conseguindo entrar no Top 40 dos Estados Unidos pela primeira vez desde que Dio esteve à frente da banda. Até a capa parecia conscientemente voltada para queimar as camadas indesejadas da chamada classe que tinha crescido como cálcio no cérebro deles: um desenho cinzento da Morte como um Robô Terminator, “desumanizando” um fã do Sabbath ao apontar raios diretamente no coração; no fundo, um deus computador em cima de um altar. Não o tipo de coisa que um fã de rock “maduro” poderia querer que o vissem carregando para casa, mas algo mais ousado e deliciosamente de mau gosto. O tipo de coisa da qual os pais de uma nova geração de fãs do Black Sabbath definitivamente não gostariam, nem pensariam em considerar. Até os momentos mais fracos como “Time machine”, originalmente escrita e gravada para o filme Quanto mais idiota melhor — e mais tarde lançada na trilha sonora oficial, que chegou ao primeiro lugar nos Estados Unidos —, são apresentados com tal ritmo que ganham um brilho especial. No entanto, são realmente as faixas peso-pesado que ficam na sua cabeça, em especial a penúltima, “I”, tão grande e épica quanto qualquer coisa que a banda tenha realizado com Ozzy ou Dio. Há até um aceno ao rock dos anos 1990 com a faixa final, “Buried alive”, seu riff em staccato, com guitarras e baixo rasgados tocando em uníssono, direto dos estilos contemporâneos de gigantes como Pantera. Como um Sabbath canalizando um Metallica canalizando um Sabbath canalizando algo muito próximo, na verdade, de um puro prazer dolorido. “Está tudo ali para mim”, conta Vinny agora. “O som é bem alto e agressivo. Realmente mexe com você. Lembro como eu e Ronnie estávamos ouvindo o som juntos, fumando um baseado ou algo, e estávamos tipo, puta merda, cara! Ouça isso!” Dio festejou positivamente a força sinistra do disco, mais tarde contando a Joel McIver: “Tenho certeza de que a mídia estava pensando, agora vamos ver outro Heaven and hell. [Mas] não é o que queríamos fazer. Ao ficarmos tão obscuros, nos alienamos um pouco das pessoas que estavam esperando isso. Provavelmente estava pesado demais para seu tempo”. Mas ele não se importava. Para Dio, “isso era só o começo do que poderíamos fazer agora”. Mesmo assim, a gravação de Dehumanizer não tinha sido fácil. De acordo com Tony Martin: “Assim que começaram, poucas semanas depois, eles me ligaram e falaram: ‘É estranho, não está indo bem. Você pode voltar para a gente conversar?’. Fui ver o Tony, mas não podia fazer nada porque já tinha começado a gravar meu disco solo”. Eles foram ficando mais duros, como sempre tinham feito. “Não tivemos nenhum problema”, explicou Dio, falando algum tempo depois. “Terminamos criando nós mesmos [e] criamos muito.” Esse disco demorou mais ou menos um ano e meio para ser feito, do começo ao fim. Um disco não deveria demorar tanto. Mas tudo era realmente político. No final do disco, um não falava com o outro… Ou melhor, eles tinham simplesmente voltado a como eram: Ronnie e Vinny estavam conversando; Tony e Geezer estavam conversando. Mas não uma dupla com a outra. A turnê começou um dia depois que Dehumanizer foi lançado, com oito datas no Brasil e na Argentina. Tony estava em seu território, capaz de conseguir uma das mais fortes — e mais baratas — cocaínas no mundo. Geezer estava bebendo muito. Tanto que “eu estava tentando

comprar briga com todo mundo. No final, acertei uma estátua! Cortei feio meu rosto e estava tão bêbado que nem percebi. Fui para a cama e quando acordei no dia seguinte minha cabeça estava grudada no travesseiro. Não conseguia entender o que estava acontecendo, estava coberto de sangue”. Como em muitas ocasiões antes, Dio via tudo isso com variados graus de consternação e desprezo. Como ele me contou anos depois, “eu na verdade achei que voltar com aqueles caras seria totalmente diferente dessa vez. Pensei, sabe, já se passaram dez anos, todos mudamos, isso pode ser algo na verdade bom. Eu tinha continuado e gravado alguns discos muito bons sem eles, e eles tinham continuado e feito o que fizeram. Estávamos iguais nesse momento, pensei. E estava muito orgulhoso do disco que gravamos juntos, embora, para ser realmente honesto, quando terminamos, queria muito que tudo acabasse, assim eu podia ir para casa. Era como se Tony não tivesse realmente mudado tanto. Ou talvez fosse eu. Mas aí saímos em turnê e foi quando eu soube. Algo estava errado. Ou iríamos nos juntar e voltar a ser uma grande banda de novo, uma das maiores de todos os tempos, era o que eu pensava pelo menos. Ou alguma outra coisa iria acontecer. Eu simplesmente ainda não sabia o que era…”. No verão de 1992, bem quando o disco Dehumanizer estava conseguindo colocar o Black Sabbath de volta ao mapa, Ozzy Osbourne recebeu más notícias. Ele tinha sido diagnosticado com esclerose múltipla. “Foi o que algum médico de merda em Los Angeles nos contou”, Sharon me disse depois. “E, claro, acreditamos nele! Ozzy tremia havia anos, você sabe disso, mas de repente ele começou a mancar, então eu o mandei fazer um check-up, e logo eles estavam fazendo exames de sangue e tomografias, dizendo que estava nos primeiros estágios de esclerose múltipla. Quase morri quando me contaram!” Foi alguns meses antes que uma segunda e uma terceira opinião se contrapuseram à primeira, e Ozzy teve certeza de não ter essa doença. Enquanto isso, ele preparou seu testamento e compôs uma nova música chamada “See you on the other side” (que mais tarde apareceria em seu disco de 1995, Ozzmosis). “Era sobre isso que falava a música”, disse Sharon. “Realmente achamos que ele só tinha mais uns anos de vida. Então, além de tentar tirá-lo da bebida e das drogas, decidimos que ele não deveria fazer mais turnês. Por isso a coisa toda da aposentadoria.” “Achei que já era, tinha chegado minha hora”, Ozzy me contaria. “Falei para a Sharon: ‘A gente se vê do outro lado…’.” Terminou sendo um erro de diagnóstico. Mas Ozzy e Sharon descobriram isso muito mais tarde. Nesse momento, tudo parecia muito crível. Ozzy vinha tremendo — literalmente sofrendo de tremores e gagueira — por anos. Todo mundo que o conhecia achava que eram os efeitos colaterais de décadas de bebidas e drogas. Uma década entrando e saindo de clínicas de reabilitação parecia não ter ajudado. Como ele gostava de brincar: “Saí dos trilhos tantas vezes que me sinto como se fosse um porra de um índio num filme de John Wayne!”. Quando, no outono de 1989, ele foi preso na Inglaterra acusado de tentativa de assassinato — o resultado de uma briga alucinada que teve com Sharon numa noite de

bebedeira em sua mansão de Buckinghamshire —, novamente, quase parecia seguir o padrão. Eu tinha me encontrado com ele e Sharon poucos dias antes em Londres. Assim que começou a falar, era óbvio que havia algo errado com ele. Outro legado das periódicas “limpezas” de Ozzy tinha sido sua transformação num farmacêutico ambulante. Junto com o pacote de notas grandes que ele também carregava habitualmente — uma ressaca de seu passado de pobreza, explicava —, ele agora carregava garrafinhas de pílulas que faziam com que se parecesse um chocalho. No entanto, isso era algo diferente. Ele parecia não estar ali. Não em sua forma meio tonta de sempre. Parecia genuinamente ter desaparecido em algum lugar dentro dele mesmo. Notei que estava transpirando forte também. Ele parecia um fantasma acorrentado. Um desses fantasmas que carrega a cabeça debaixo do braço. Sharon escondia o que estava realmente sentindo por trás do sorriso e do charme que sempre demonstrava quando Ozzy estava tendo um de “seus dias ruins”. Eles iam até Hamley’s, em Piccadilly, ela contou, para comprar um presente de aniversário para a filha Aimee. “Meu bebê precioso vai fazer seis anos”, sorriu Sharon, segurando forte o braço de Ozzy. Eles iam fazer uma festinha para ela no sábado à noite. Aquele domingo à noite eu estava em casa vendo News at Ten na televisão quando apareceu uma notícia que demorei alguns minutos para entender. “Ozzy Osbourne, a estrela do rock, foi preso…” Concluí que tinha algo a ver com drogas. Não tinha. Em vez disso, “Osbourne, 41 anos, foi preso nas primeiras horas deste domingo depois de supostamente tentar estrangular sua esposa e empresária, Sharon Osbourne…”. Nos próximos dias, os jornais publicaram muitas coisas a esse respeito. “AMEAÇA DE MORTE — OZZY ENVIADO À CLÍNICA DE REABILITAÇÃO!”, gritava a manchete do Sun. “PROIBIDO DE VER A ESPOSA!”, gritava o Mirror. “MALDITA DESINTOXICAÇÃO”, reclamava o Star. De acordo com os relatórios, a polícia chegou à casa dele nas primeiras horas da manhã do domingo e subsequentemente prendeu Ozzy por tentar estrangular Sharon ou “levando-a a crer que a ameaça seria cumprida”, como aparece no relatório oficial da polícia. Eles também publicaram uma série de rumores sem bases que podem ou não ter algo de verdade: Ozzy estava clinicamente insano; Sharon estava tendo um caso; Don tinha convencido Ozzy a se livrar de Sharon. Típicas fofocas de tabloides, embora bastante nocivas. Quando falei com Sharon alguns dias depois, ela explicou que tudo tinha começado com uma caixa de vodca russa que os organizadores de alguns shows que Ozzy tinha acabado de fazer em Moscou haviam dado para ele (o Moscow Music Peace Festival, um evento de dois dias no qual Ozzy tinha tocado poucas semanas antes). Ele tinha tomado uma garrafa durante o jantar aquela noite quando uma discussão mesquinha acabou se tornando algo “completamente descontrolado”. Ela suspirou. “Já tivemos muitas brigas antes”, disse Sharon, “você sabe como somos, mas nada como isso. Soube que estava fodida quando ele começou a falar em ‘nós’. Tipo, ‘nós decidimos que você precisa morrer…’. Não era Ozzy, e isso me deixou aterrorizada. Ozzy nunca teria feito isso comigo, porque ele não é capaz disso. Mas quando

fica chapado, Ozzy desaparece e outra pessoa toma conta…” Depois da prisão, Ozzy foi liberado sob fiança com a condição de que fosse direto para Huntercombe Manor: um centro de reabilitação privado, custando 250 libras por dia, em Buckinghamshire, já conhecido do vocalista, que tinha sido admitido ali para um tratamento breve duas vezes no ano anterior. Sharon retirou as acusações de tentativa de assassinato assim que Ozzy concordou em fazer o tratamento. “O álcool está destruindo sua vida. Ser alcoólatra significa que você tem uma doença. Se Ozzy tivesse câncer, as pessoas sentiriam pena dele. Mas como é alcoólatra, as pessoas não entendem. Ele só precisa de ajuda.” Ela me convidou a visitá-lo em Manor. “Ele quer contar muitas coisas.” Alguns dias depois, numa noite escura de domingo, quase duas semanas após sua prisão, me apresentei ali na recepção. O lobby era parte uma recepção de hotel, parte uma sala de espera de dentista. Domingo era um dos dois dias da semana nos quais os pacientes tinham permissão de receber visitantes, e várias pessoas entraram e saíram enquanto eu esperava por Ozzy na sala de TV comunitária. Era fácil separar os “convidados” dos “visitantes”: os primeiros eram os que estavam sentados parecendo relativamente relaxados; os outros eram os que se arrastavam e olhavam furtivamente para seus relógios. De repente, lá estava ele, “sentindo-me nervoso”, ele disse, e “precisando de um cigarro”. Ele tinha acabado outra sessão com seu terapeuta e “a porra da minha cabeça ainda está girando”. Os aposentos de Ozzy englobavam um quarto grande com sala, além de um banheiro e toalete, mais outra sala de descanso pequena. Com bons móveis, mas sóbria. Notei que também havia um telefone e uma máquina de fax no quarto principal. Nada de TV, no entanto. “Eles não querem que você fique sentado no seu quarto por muito tempo”, ele explicou. “É um pouco como um hotel”, comentei, tentando aliviar o clima. “É, exceto que não dá para descer e ir até o bar…” Conversamos por várias horas, e Ozzy contou como tinha se tornado um “bebedor com amnésia havia um ano”. Ele já tinha sido preso antes, claro, mas as duas noites em que Ozzy passou na delegacia de Amersham foram “as piores da minha vida. Eu simplesmente não conseguia acreditar no que eles me contavam que eu tinha feito”. Felizmente, a polícia o tratou bem. “Eu estava numa cela sozinho, e eles me davam cigarros e conversavam comigo de vez em quando. No entanto, as condições eram nojentas. Sei que não precisa ser como um hotel, mas era terrível. Nem um rato podia viver ali…” O que realmente o incomodava, ele falou, era a forma como toda a história tinha sido mostrada na imprensa; de rumores sem base de que Sharon estava tendo um caso e que isso tinha iniciado a discussão naquela noite, a rumores de que Ozzy estava querendo demitir Sharon como sua empresária e voltar ao pai dela, Don Arden, iniciando uma reforma total do Sabbath. Ele balançou a cabeça, cansado. “Eles tiraram a coisa toda da proporção. Não estou me divorciando de Sharon. Não estou voltando ao Black Sabbath. Não estou voltando a Don. Só gostaria que todo mundo deixasse minha família em paz, sabe? Queremos ficar em paz!”

Perguntei que tipo de medicamento ele estava tomando. “Antidepressivos, principalmente. Por causa dos efeitos colaterais da cortisona que me deixam deprimido, você acha que o mundo todo está em cima de seus ombros. E estou tomando vários remédios porque estava tendo muitos espasmos.” Ele explicou como, quando deixou de beber álcool uma outra vez, teve espasmos porque “não passei por uma desintoxicação médica”. Ele continuou: “Isso foi há seis meses. Não é tão ruim quanto parece, mas se você tem registro de passar por esses ataques, eles continuam com a medicação. Estou tomando todo tipo de medicamento”. Sua “prioridade número um agora”, contou Ozzy, era “ficar sóbrio e continuar sóbrio. Sei que tenho de ir a muitas terapias pelo resto da minha vida. Preciso ir a reuniões [do AA] … Preciso me encontrar com outros alcoólatras em recuperação. Dois alcoólatras em recuperação podem fazer mais um pelo outro do que qualquer psiquiatra ou terapia. No final, tenho duas escolhas: ou fazer a coisa direito dessa vez ou ferrar tudo de novo. E se não fizer direito, vou morrer ou ficar louco…” Perguntei se havia alguma verdade nas histórias dos jornais de que Don tinha entrado em contato com ele de novo, e para minha surpresa ele disse que tanto Don quanto o irmão de Sharon, David, tinham tentado entrar em contato com ele, chegando até a mandar faxes a seu quarto em Huntercombe. Ele levantou e me mostrou um no qual Don se referia a Sharon como “aquela bruxa” e basicamente se oferecia para cuidar dele se Sharon decidisse levar adiante sua ameaça de se divorciar dele ou continuar com a ação na justiça. “Eles até tentaram me ligar na prisão”, contou Ozzy. “Recebi telegramas e tudo isso. Quero dizer, fico satisfeito que pensaram em mim, mas acho que eles precisam cuidar de seus negócios e me deixar sozinho. Eu e minha família estamos indo bem. Não preciso da ajuda deles. Já sou grande agora. Não sou mais o vegetal, como costumavam me chamar.” Ele continuou: “Sempre fui paranoico. Sempre. Ultraparanoico. Também sou muito nervoso e tímido. Quando estou tocando, sou uma pessoa diferente. O Ozzy artista não tem nada a ver com a pessoa que você está vendo agora. Pelo menos, espero que não…”. Antes de virarmos a página ele mencionou que Tony Iommi também ligou para ele enquanto estava na reabilitação. “No entanto, não atendi sua ligação. Não falei com o porra desde o Live Aid, e mesmo naquela ocasião ele não se despediu. Então para que ele quer ser meu velho amigo de repente? Quero dizer, não sou tão estúpido que não consiga ver. Estou chapado, não estou morto! Ainda não, de qualquer forma. Ainda bem…” Encontrei-me novamente com Ozzy dezoito meses depois. Ele estava em Los Angeles gravando um novo disco, que se chamaria No more tears, e, pelas demos que tocou para mim, parecia a melhor coisa que já tinha feito desde que perdeu Randy Rhoads, muito tempo atrás. Também tinha voltado a beber, fumava maconha num novo cachimbo que tinha acabado de comprar e cheirava coca de uma enorme bolsa de polietileno. Estava chapado de tudo: álcool, drogas e da qualidade do novo disco. Claro, quando No more tears foi lançado, naquele mesmo ano, tornou-se seu maior sucesso desde Blizzard of Ozz, dez anos antes, chegando ao sétimo lugar nos Estados Unidos e vendendo quase 5 milhões de cópias. A turnê norte-

americana na qual ele embarcou, em novembro de 1991, para promover seu último sucesso multiplatinado — com a abertura do sucesso do mês, Ugly Kid Joe, e, mais adiante, do Alice in Chains — duraria sólidos doze meses, incluindo dezesseis datas na Grã-Bretanha e na Europa na primavera seguinte. A maior turnê da vida de Ozzy. Ele estava no meio da turnê, em casa durante sua única parada, em maio de 1992, quando recebeu a notícia de que estava morrendo. Uma profissional até o final, quando descobriram que ele tinha sido mal diagnosticado com esclerose múltipla e viveria por muito mais dias ainda, Sharon continuou e revendeu a turnê como a de despedida de Ozzy. Ele poderia não estar à beira da morte ainda, mas ela astutamente aproveitou a oportunidade para que se tornassem algumas das mais memoráveis — e bem-sucedidas — turnês de Ozzy. Ele nunca seria esquecido por ninguém. Incluindo o Black Sabbath. Algo que, paradoxalmente, iria levar ao fim da formação da banda com Dio — para sempre. Um bônus, do ponto de vista de Sharon, e que ela mais tarde exploraria ao máximo. Pode ter certeza disso.

Doze Salvador NO VERÃO DE 1992 era oficial. Ozzy Osbourne continuaria a gravar discos, dizia o press release, mas deixaria de fazer turnês. Chamada de turnê No More Tours, a turnê de despedida de Ozzy reunia 63 shows nos Estados Unidos, culminando em duas apresentações incríveis no Pacific Amphitheater com capacidade para 18 mil pessoas em Costa Mesa, no Orange County, sul da Califórnia, em 14 e 15 de novembro de 1992. Como sempre, as datas nos Estados Unidos de Ozzy seriam complementadas com bandas de abertura fortes: Ugly Kid Joe e Slaughter nos primeiros shows, as duas com discos vendendo muito bem naquele verão; depois, Alice in Chains, estrelas principais do grunge de Seattle cujo segundo disco, Dirt, estava chegando ao status de platina quádrupla nos Estados Unidos, e mais, pelo caminho, vários nomes fortes, como Blind Melon e Motörhead. Sharon Osbourne, no entanto, tinha planos para que uma banda ainda maior se juntasse e ajudasse Ozzy a terminar a turnê com toda a glória naquele show final em Costa Mesa: o Black Sabbath. Era uma ideia que demonstrava toda sua astúcia como empresária musical e emblemática de sua atitude protetora em relação ao marido, a quem ela havia arrastado do túmulo em termos de carreira quando o Sabbath o abandonara, uma década antes. Com a formação Dio-Iommi-Butler-Appice de volta, eles seriam a banda de abertura da noite — mostrando, assim, como Ozzy era benevolente com sua antiga gangue — o velho e bom Ozzy —, mas também colocando a era com Dio em última perspectiva: debaixo de Ozzy até o final. Então, para piorar, para o bis, a original — e, claro, ainda a melhor — formação do Sabbath, com Ozzy, Tony, Geezer e Bill se reunindo para um último e glorioso final de uma noite inesquecível. Essa foi a linha oficial pelo menos. Mas, claro, Sharon já estava olhando muito além disso. Quando o erro de diagnóstico de Ozzy fora confirmado e ela soube que sua carreira como artista não tinha acabado, mesmo assim manteve a publicidade de que essa seria a última turnê de Ozzy, aumentando a venda de entradas para a No More Tours. Nem tinha sido modesta sobre o “gentil” convite que Ozzy tinha feito à formação Dio-Sabbath para se juntar a ele no seu show “final”, em novembro. A proposta de que a formação original se reuniria para o bis, no entanto, não foi nem confirmada nem negada, mas mantida da forma como os “segredos mais bem guardados” sempre são mantidos na indústria musical: quer dizer, todo mundo sabia. Novamente, isso significou que as entradas desses shows finais se esgotaram logo. A coisa toda era simplesmente perfeita demais. Tão perfeita, na verdade, que quando Ronnie James Dio ficou sabendo da ideia — chocado com a sugestão de que seu Sabbath deveria abrir para Ozzy, e que o Sabbath do Ozzy então fecharia o show sem Dio — e se

recusou a aceitar, ameaçando sair da banda se eles não o apoiassem, Sharon viu aquilo como a deliciosa cereja em um bolo já magnífico. A parte final de seu plano era usar o show final de Costa Mesa como base de lançamento de uma reunião total Ozzy-Sabbath. Sabendo muito bem que Tony e Geezer não seriam capazes de resistir a muito dinheiro para voltar a uma turnê mundial com Ozzy e Bill, o único problema seria encontrar uma forma de tirar Ronnie sem que Ozzy e os outros parecessem frios e cruéis. Dio saindo sozinho antes que o circo chegasse à cidade era bom demais para ser verdade: a resposta perfeita para esse problema. O Sabbath, como sempre, simplesmente traria alguém no último minuto para substituir Ronnie no show de Costa Mesa: quando o substituto comum, Tony Martin, não conseguiu um visto norteamericano a tempo, eles procuraram o vocalista do Judas Priest, Rob Halford, outro cantor de Midlands que tinha acabado de deixar o Priest e ficou encantado com essa ajuda extra à sua nova carreira solo. Ensaiando durante um dia de descanso da turnê Dio-Sabbath no Arizona, uma semana antes das datas de Ozzy, a banda deixou de fora a maior parte do show da era Dio que eles agora estavam tocando e se voltaram para um show mais da era Ozzy, especificamente em consonância com músicas como “Symptom of the Universe”, que agora estava além do alcance vocal de Ozzy. O que Ronnie James Dio fez durante esse dia “livre”, ninguém pensou em perguntar — nem em se preocupar com isso. Um homem muito inteligente, que sentiu que já sabia tudo sobre como antigos empreendedores da indústria musical como Sharon Osbourne funcionavam, Dio sabia de tudo que estava acontecendo — incluindo o ponto cego, que os outros pareciam não ver, de como era degradante para essa formação do Sabbath abrir para Ozzy — e ele não ia aceitar isso. O que piorava a situação, em sua mente, era com que facilidade os outros aceitaram a oferta de Sharon: e como pouco se importaram com o que isso significava para ele. Nunca perdoaria a banda. Em uma entrevista que deu menos de dois anos depois do show de Costa Mesa, filmada no ônibus de sua turnê para um canal de TV de música europeia, ele ainda estava bastante bravo com a coisa toda. “Todos nos dedicamos a fazer outro disco do Black Sabbath com [a formação de Vinny e Geezer]. Então, quando eles sentiram que era mais importante ganhar o dinheiro oferecido por Ozzy para ser a banda de abertura dele, discordei totalmente”, ele explicou. Quando eles continuaram e fizeram o show mesmo assim, trazendo Rob Halford: “Isso me mostrou o quanto eu era importante para eles. Mas não importava o que eles achavam. Eu não quis ser parte do circo que iria acontecer aquela noite”. Ele afirmou que o assunto nunca foi nem mesmo discutido de forma apropriada com ele. “Não importa o que eles contarem, nunca foi nem mesmo discutido. ‘Ronnie, por que você não quer fazer isso?’ Nunca nem me perguntaram, então eu não falei para eles… Tudo que tinham que fazer era dizer que essa banda [a formação Dio-Sabbath] era mais importante para nós, para essa banda durar mais dois ou três discos, ou até o final das nossas carreiras, do que dois shows perda-detempo com Ozzy Osbourne. Então podemos ter uma reunião e ganhar milhões de dólares… Desta forma, sim, poderia ter sido resolvido. Mas não foi”, ele continuou, sua raiva

aumentando. “Não importa as histórias que Tony Iommi ou Geezer Butler inventaram para explicar agora, nunca conversamos sobre isso. Estávamos num ônibus [da turnê] como este. Eles ficavam no fundo e eu ficava na frente. É uma pena, não queria fazer isso, mas foi assim que eles escolheram. Eles detonaram a melhor banda que poderia ter existido na face da Terra. Aqueles estúpidos.” O show de Costa Mesa, apresentando Rob Halford e a formação da era de Dio, seguido por Ozzy e sua banda solo — a seguir pela grande revelação dos quatro membros originais aparecendo para um bis de trinta minutos —, foi como um fogo de artifício meio molhado. O show com Halford foi superficial, o vocalista obrigado a usar teleprompters para cantar as letras, que depois quebraram e o obrigaram a improvisar. O show de Ozzy com o Sabbath foi muito melhor, mas nada mais que um bis glorificado, com poucas dicas públicas do que aconteceria em seguida, a não ser mantendo a linha central de que esse era o último show de Ozzy. Foi um clímax bom para um bom show, que agradou muito a plateia, mas não ofereceu nenhuma ressonância permanente além disso. No dia seguinte, os quatro foram levados a outro evento de RP: pressionando suas mãos para assinar o cimento fresco no Hollywood Rock Walk, junto com lendas como James Brown e Jimi Hendrix — que, com o show de “reunião”, foi acompanhado pela MTV e outros canais dedicados à música de todo o mundo. Então era isso. Mais uma vez, a história do Black Sabbath permitiu basear-se na fofoca e na falta de informações, só com as dicas ocasionais, mais esperançadas do que úteis, do que poderia ou não estar acontecendo com cada um deles. Quando, quase um ano depois, ainda não havia notícias sobre a suposta reunião e tinha sido anunciado que estava sendo gravado um novo disco do Sabbath, sem Ozzy nem Dio, parecia que a história tinha mergulhado mais fundo no caos. No final, surgiram duas linhas. A primeira: que depois de oito meses de negociação entre quatro diferentes empresários e vários advogados, Ozzy (e Sharon) desistiram de uma turnê de reunião apenas 24 horas antes da assinatura final, informando os outros por fax. “A turnê estava definida”, disse Geezer. “Passamos seis meses assinando contratos.” Então “Ozzy desistiu por fax”. Falando anos depois, Iommi contou: “Na época, senti que Ozzy deixou muita gente desapontada. Foi ele quem iniciou a discussão de que todo mundo devia se juntar. E as negociações duraram oito meses entre empresários e advogados e todo o resto. Assinamos os contratos, Bill Ward, Geezer e eu, e foi quando Ozzy desistiu no final”. Quando falei com Bill alguns anos depois, a dor ainda era evidente. “Não tenho ideia”, ele disse quando perguntei o que aconteceu. “Tudo que sei é que recebi um fax de Sharon Osbourne, bem na hora em que íamos assinar os contratos e foi assim. Ozzy não queria fazer a turnê. E não tive nenhuma explicação ou qualquer outra coisa. Não sei se Tony ou Geezer receberam alguma explicação. Não havia nenhuma relutância da minha parte.” Ele acrescentou: “Fiquei muito puto. Tinha parado todo meu trabalho por seis meses, sabe, para me preparar e ficar em forma, tudo que eu precisava, para ter a ordem e a disciplina que eu necessitava para a turnê do Sabbath. Sim, então eu recebo um fax dizendo que Ozzy não queria

fazer. Por isso pensei, tudo bem, dane-se…”. No entanto, a mística compartilhada pela virada de Ozzy no último minuto não é difícil de entender. Para Sharon Osbourne, o Black Sabbath estava terminado sem Ozzy. Tendo tirado Dio, a única alternativa viável era Ozzy. Não era preciso prolongadas negociações, o acordo era muito simples: venham com Ozzy e façam o que Sharon mandar ou voltem para onde estavam, enquanto Ozzy continua com sua bem-sucedida carreira solo. Sharon recentemente tinha passado pelo processo de se livrar de muitos dos outros compromissos, deixando de ser empresária de Lita Ford, o grupo Bonham, Lemmy do Motörhead e os roqueiros britânicos The Quireboys, todos que ainda eram famosos na época. Ela não tinha feito isso para agora ter que lidar com quatro equipes de empresários, todos competindo para ter a propriedade de uma reunião do Black Sabbath que não poderia nunca fazer sentido sem Ozzy. Em particular, no entanto, dizia-se que Tony e Geezer tinham concordado em fazer a reunião, nos termos em que Sharon oferecia, mas que foi a organização de Bill que tinha deixado tudo lento a ponto de Sharon ter finalmente decidido contra. Em particular, também se falava que Bill simplesmente era “muito difícil” de se adaptar, com sua insistência em viajar em seu próprio ônibus de turnê, em vez de voar de um show para o outro com o resto da banda, entre outras coisas. Ou a insinuação de que ele estava simplesmente muito doente. Mas o problema do ônibus de Bill foi facilmente resolvido quando a formação acabou fazendo a turnê junta poucos anos depois. E a saúde de Bill, como ele me contou, “nunca foi uma questão para mim. Se é um problema para qualquer outro, ninguém me disse nada”. O problema, como sempre, foi simplesmente questão de dinheiro. Bill, a vítima de alcoolismo e drogas cuja autoestima já tinha sido tão baixa que ele convidou Iommi a colocar fogo nele, tinha sido abandonado em algum ponto na reabilitação. O novo, limpo e sóbrio Bill queria ser pago de forma justa pelo seu trabalho. Mas o que ele considerava justo não era necessariamente o que todo o resto considerava. Era um tema ao qual a banda voltaria muitas vezes nos anos seguintes. O que ninguém sabia era que algo tinha acontecido na véspera dos shows em Costa Mesa, em 1992, que iria alterar o curso da história do Black Sabbath para sempre. Quarenta e oito horas antes do primeiro show, Tony Iommi tinha sido preso em Sacramento por não pagar pensão alimentícia: uma ação movida em nome de sua ex-esposa Melinda, agora vivendo de novo com sua família em Modesto, Califórnia. Ele foi tirado do ônibus da turnê do Sabbath pela polícia, algemado e acorrentado nas pernas, levado até a prisão de Modesto, onde passou a noite com medo de ser morto pelos outros presos, enquanto a fiança de 75 mil dólares era levantada às pressas — uma quantia substancial de dinheiro que Tony Iommi, ainda se recuperando de suas recentes batalhas com a Receita britânica, não tinha facilmente à mão. Em suas memórias, Iron man, Iommi escreve que foi Gloria Butler quem informou os seus empresários, Ralph Baker e Ernest Chapman, sobre os apuros do guitarrista, e que eles mandaram um advogado local à cadeia com uma maleta contendo 75 mil dólares em dinheiro, liberando assim o guitarrista aterrorizado e permitindo que chegasse aos shows em Costa

Mesa em tempo. Mas, em 1994, na época em que Sharon decidiu não seguir com a reunião Ozzy-Sabbath, ela me ligou para dizer que agora tinha adquirido os direitos legais sobre o nome Black Sabbath depois de ajudar Tony Iommi a resolver um problema financeiro complicado que o levou a ser preso brevemente depois que seus cartões de crédito tinham sido cancelados, enviando seu próprio avião — e advogado, com dinheiro para a fiança — para resgatá-lo em troca dos direitos do nome Sabbath. Na época, ela queria que esses problemas fossem conhecidos do mundo como uma vingança por todos os anos de dor que Iommi tinha causado a ela e, especialmente, a Ozzy. Ela me pediu para publicar a notícia. “Ozzy foi chutado por muito tempo”, ela simplesmente disse. “Eu garanti que isso nunca mais iria acontecer.” Realmente. “Esse é o começo ou o final, então, de qualquer possível reunião entre Ozzy e Sabbath?”, perguntei mais tarde. Ela me deu aquele maravilhoso e completo sorriso “eu te disse”. “Só posso afirmar que se existe uma coisa que aprendi em todos esses anos é que você nunca está morto nesse negócio. Quantas vezes meu marido deveria estar fora, mas aqui estamos, ainda bem, ainda cheio de surpresas. Quem sabe o que pode acontecer no futuro?” Como tantas vezes antes, o pânico tomou conta de Iommi e Butler, que procuravam desesperadamente encontrar um novo vocalista e baterista — Appice, da mesma forma que antes, tinha decidido ir com Ronnie Dio em vez de participar da turnê de reunião de Ozzy. O sempre fiel Nicholls ainda estava ali nos teclados, a sombra permanente de Tony; todo o resto tinha fugido. Eles rapidamente tentaram persuadir Rob Halford a se juntar de maneira mais permanente, mas ele estava a ponto de lançar o primeiro disco de sua nova banda, Fight. Houve sugestões de trazer Cozy Powell de volta, porém ele ainda estava bravo com a forma como tinha sido tratado depois do acidente e, além disso, estava fazendo shows com a banda solo de Brian May. De forma previsível, eles se voltaram para Tony Martin tentando reviver seu papel como vocalista improvisado — algo que ele parecia disposto a fazer, pois seu disco solo, Back where I belong, uma coletânea boa mas nada extraordinária de rock melódico lançada no ano anterior, fracassou em causar qualquer tipo de impacto. Eles também contrataram outro músico com muita experiência, o baterista de Nova York Bobby Rondinelli, que já tinha tocado em grupos famosos como Blue Öyster Cult e Rainbow, mas estava no momento trabalhando como músico de estúdio. O disco resultante, intitulado Cross purposes, era tão bom quanto qualquer um dos de Martin, melhor do que a maioria. Mas os problemas com a reputação da banda eram irreparáveis. Cross purposes quase nem chegou ao Top 40 do Reino Unido e novamente fracassou de forma terrível nos Estados Unidos. Houve uma série de shows nos Estados Unidos, para promover o lançamento do disco no começo de 1994, mas a banda que tinha sido vista anteriormente na arena gigante de Costa Mesa estava de volta aos teatros. No show, eles agora incluíam nada menos que oito músicas dos discos da era de Ozzy, quatro dos discos de Dio e somente duas do disco atual com Martin. Em Nova York, a turnê acabou uma noite no Roseland Ballroom com capacidade para 3.500 pessoas. O show não lotou.

Nessa época, um jornalista de uma revista de guitarras perguntou a Geezer se ele tinha algum arrependimento sobre a abortada reunião com Ozzy. Ele respondeu: “Já que você está perguntando, sim”. Apesar de concordar que “teria sido ótimo para os jovens fãs que nunca nos viram”, ele acrescentou, “e ótimo para nós, porque teríamos ganhado alguns milhões de dólares”. No final da turnê mundial de Cross purposes, que incluiu somente três shows na Grã-Bretanha e nenhum em Londres — a primeira turnê do Sabbath sem nenhum show na capital —, Geezer saiu jurando que dessa vez era realmente o fim para ele. Tony Iommi, apesar de ainda não saber, logo o seguiria, só que ele teria de ser empurrado. Com força. Ficou pior — muito pior — antes de começar a melhorar, claro. Houve mais um disco do Black Sabbath, chamado Forbidden, e lançado para espanto geral em 1995. Produzido por Ernie C (Cunnigan), guitarrista do Body Count, a banda de rap metal liderada pelo rapper IceT — que dividiu os “vocais” com Tony Martin na faixa de abertura, “The illusion of power” —, numa época em que bandas de rap-rock “nu metal” como Limp Biskit estavam desfrutando de seus quinze minutos de fama, Forbidden foi uma embaraçosa última jogada de uma “banda” que tinha perdido seu caminho tão feio que certamente nunca iria conseguir voltar. Com Geezer sumido, Neil Murray concordou em voltar. A preferência de Iommi era manter Bobby Rondinelli na bateria, mas ele por fim convidou Cozy Powell de volta também. Como Murray explica: “Tony achou que era provavelmente melhor ter a mesma seção rítmica de 1989-90, porém as coisas não eram as mesmas. Em 1994, o Sabbath era muito mais a banda de Tony, e Cozy estava esperando que fosse uma situação de dupla liderança como antes, mas não foi o caso, algo que Cozy achou chato. Musicalmente, Cozy queria que o Sabbath soasse como tinha sido no Headless cross, porém isso já estava datado e era muito anos 1980”. Murray lembra-se de como, durante os ensaios prévios na fazenda Bluestone no oeste de Gales, em outubro de 1994, “Cozy quase sempre entrava na batida errada quando estava aprendendo um novo riff, como se ele não estivesse ouvindo o riff da forma como Tony tinha em sua cabeça. Isso aconteceu tantas vezes que deixou todo mundo desconfortável. Geoff Nicholls tinha assumido o lugar de Cozy como tenente de Tony, e tampouco ajudava que eu e Cozy tivéssemos alguns compromissos marcados anteriormente com shows na SAS Band de Spike Edney — basicamente, a Brian May Band sem Brian, mas com vários cantores convidados. Estava subentendido que deveríamos nos comprometer em tempo integral com o Sabbath, embora ninguém tenha falado isso na época. Tony, Tony Martin e Geoff, de todo modo, costumavam ir para casa em Birmingham nos fins de semana.” Com a IRS pedindo que a banda tivesse um som pós-grunge mais anos 1990, “a ideia era ter um produtor que desse um som mais atual e, por alguma razão, Ice-T foi a escolha, talvez porque Tony Iommi o tivesse conhecido anteriormente e gostasse dele. No entanto, Ice-T deu lugar a Ernie C, que terminou não tendo muitas ideias de produção e não estava na mesma onda que a banda. Cozy especialmente não gostou de ouvir que devia mudar os padrões de bateria nos quais tinha trabalhado.

Mas enquanto a produção seria culpada pela maioria dos problemas do disco, era o próprio conceito que estava errado. O Black Sabbath como senhores do rap metal? Que drogas eles estavam usando agora? Na verdade, os dias de Iommi enterrando sua cabeça em montanhas de cocaína estavam acabando, mas ele nunca se sentiu tão perdido antes. A turnê subsequente foi desastrosa. Depois de um mês de shows nos Estados Unidos e no Canadá, Cozy saiu desgostoso. “A falta de voz de Cozy na direção da banda, sua insatisfação com os shows que estávamos fazendo, que eram grandes clubes algumas vezes, achando Geoff Nicholls e Tony Martin irritantes e infantis, o que eles eram, tendo a expectativa de ganhar mais etc., levaram à sua saída”, conta Murray. Bobby Rondinelli foi chamado de volta e assumiu o lugar para longas turnês pela Europa, onde a banda ainda era importante, Grã-Bretanha, onde não eram, e Japão, onde a maioria das pessoas não tinha ideia de quem estava na banda, mas esperava pelo menos ouvir “Paranoid”. Não saíam desapontados. Houve uma turnê australiana agendada para o final do ano, mas que foi cancelada por insistência do promotor depois que ficou claro que ninguém estava interessado o suficiente para comprar entradas. “Tony Iommi estava muito mais feliz com Bobby Rondinelli de volta à banda”, conta Murray, “e a turnê europeia e no Extremo Oriente que se seguiu foi bem melhor e divertida. Nos Estados Unidos, as pessoas não conheciam as músicas de Forbidden, o que era desmoralizante, embora parecessem bem mais pesadas do que no disco.” Entretanto, mais pesado simplesmente não era suficiente. Tony Iommi fez seu último show no Black Sabbath sem Ozzy Osbourne no modesto Sankei Hall, em Osaka, Japão, no dia 22 de novembro de 1995. Ninguém mais ficaria por aí fodendo com o nome do Black Sabbath. Sharon Osbourne garantiria isso. O anjo que desceria finalmente do céu para salvar Tony Iommi e o Black Sabbath foi Sharon Osbourne. Ela já tinha feito isso uma vez, espetacularmente, com Ozzy. Salvando-o de seu próprio buraco cheio de pena induzida pela coca no hotel Le Parc e transformando-o em uma das maiores, mais bem-sucedidas e mais comentadas estrelas de rock dos anos 1980 — a década em que o Black Sabbath tinha passado de uma crise interna a outra antes de por fim desmoronar de forma aparentemente total no ranking do rock, tão incapaz de decidir seu próprio destino quanto um mendigo cego em um mercado de escravos romano. Ela tinha feito isso com astúcia, inteligência e sorte. Agora essas mesmas qualidades iriam ajudá-la de novo. Junto com a cabeça dura e a sede de vingança herdada do pai, a única que ela tinha vencido totalmente, mas cujo tempo agora tinha passado. E embora tudo fosse inicialmente feito a serviço, como sempre, de seu marido, Ozzy, o efeito seria tanto que Tony Iommi e o resto do Black Sabbath original seriam levados junto. Furiosa, e nem um pouco envergonhada, ao ouvir de Perry Farrell — o ex-frontman do Jane’s Addiction que havia se tornado o organizador do festival de verão itinerante Lollapalooza, então o evento ao ar livre mais importante no calendário do rock nos Estados

Unidos — que o Ozzy “não era cool o suficiente” para ser considerado na versão do festival de 1995, ela fez o que ela e o pai sempre tinham feito em tais circunstâncias: jurou vingança. “Eles realmente riram da ideia de Ozzy tocar no Lollapalooza”, ela me contou, o rosto distorcido de raiva. “Disseram que ele não era cool o suficiente, esses punheteiros fodidos que não tinham nem nascido quando Ozzy estava inventando o heavy metal com o Black Sabbath. Então, pensei, foda-se! Vamos fazer nosso próprio festival…” O resultado — Ozzfest, um festival itinerante liderado por Ozzy, mas apresentando dezenas de novas bandas em vários palcos, assim como atrações secundárias como áreas para “refrescar”, tendas de tatuagem e piercing e todo tipo de barraquinhas vendendo de tudo, de parafernália New Age a remédios de ervas e cachorro-quente — fez tanto sucesso e tão rapidamente que no segundo ano tinha eclipsado o Lollapalooza para se tornar o festival mais lucrativo do calendário de rock norte-americano, deixando o Lollapalooza comendo poeira. (Quando não conseguiu atrair uma atração principal grande o suficiente, o festival cancelou os shows de 1998 e foi suspenso pelos cinco anos seguintes, antes de Farrell, usando um truque do livro de Sharon, talvez, reformar o Jane‘s Addiction para um Lollapalooza reagrupado do século XXI.) “Fiquei muito satisfeita”, falou Sharon. “Pensei: engulam esta, seus viadinhos! Chamar meu marido de uncool! Quem é uncool agora, seus fodidos?” Mas ela ainda tinha mais um truque na sua larga manga: conseguir que Ozzy voltasse com os membros originais do Black Sabbath. Não só para uma noite, mas uma turnê inteira, talvez até um disco e um DVD também. Ozzy e o Sabbath tinham finalmente começado a organizar o retorno — não com as trombetas nas manchetes como antes, mas quase um teste com a turnê Ozzfest dos Estados Unidos no verão de 1997. O único faltante era Bill, que tinha dito “não estar bem”. Seu lugar foi assumido por Mike Bordin, baterista do Faith No More: um bom substituto, os fãs decidiram, pois o Faith No More já era bem conhecido por incluir sua própria versão de “War pigs” no show. Então, em novembro daquele ano, eles foram a atração principal da primeira turnê no Reino Unido, e assim foi por quase vinte anos com shows no NEC, em Birmingham. Dessa vez Bill estava lá. Inevitavelmente, os shows tiveram muita publicidade. Nos Estados Unidos, mais uma vez o Ozzfest foi o maior festival de rock ao ar livre do ano, e na Inglaterra, onde o nascente mercado de rock clássico estava começando a surgir, também foi enorme. Aproveitei a oportunidade enquanto estava no Reino Unido para entrevistar todos eles — de novo. Tentar entender o que na época parecia um estranho post-scriptum para a história da banda. Comecei falando com Tony Iommi. Então, como ele se sentia finalmente voltando com Ozzy depois de tudo que tinha acontecido nos últimos trinta anos? “É totalmente ótimo. Quero dizer, é inacreditável. É, é como uma maldita novela, realmente. Como um conto de fadas em algum sentido. Podemos nos juntar agora e realmente respeitar um ao outro, acho, muito mais do que antes. E podemos sentar e conversar, e todo o lixo desapareceu agora. Passamos por tudo que nós quisemos experimentar e deixar tudo aquilo de lado e continuar, sabe, realmente desfrutando o que estamos fazendo.

“Foi muito bom fazer a turnê [Ozzfest] porque era realmente divertido estar juntos de novo. E acho que todos apreciamos o fato de conseguirmos subir no palco e — o som de quando a banda começou a tocar junto é simplesmente… Você percebe como ele é único. Quero dizer, todas as formações que tive — e o mesmo com Ozzy —, nunca é igual a quando os quatro sobem ali e começam a tocar. Ou, neste caso, nós três…”, ele acrescenta rápido. E como estava o Bill? Tony disse que tinha acabado de falar com ele por telefone “sobre fazer esses shows no NEC e Bill ficou totalmente encantado. Sempre converso bastante com o Bill e fiquei em contato com ele nesses anos”. E ele realmente está sóbrio? “Está, sim, está. Ele conseguiu resolver seus problemas agora e está tocando bastante e realmente quer tocar. Acho que para o Bill é algo muito importante ser capaz de voltar a tocar com o Sabbath, sabe? Vai ser algo muito bom para nós entrarmos todos juntos no palco. Porque não há sensação melhor, sabe? Entrar com a formação original.” E se for bem? “Bom, no momento estamos trabalhando uma fase por vez e vamos ver como os shows acontecem antes… Não estamos dizendo que vamos voltar por dez anos ou nada no estilo. Só estamos dando um passo de cada vez e até agora tudo tem sido bom.” Por que demoraram tanto? “Não acho que estivemos tão distantes um do outro nos nossos corações; é só que todos fizeram suas coisas e, sim, tivemos muitos desacordos e as coisas não foram cor-de-rosa. Mas agora podemos sentar e conversar, algo que não foi possível em todos esses anos. Éramos muito jovens e não apreciávamos o que temos agora.” Sentimentos ecoados por Geezer, quando falei com ele no dia seguinte. “Não há nada melhor que a formação original. É a formação original e é insubstituível para mim.” Por que Bill não foi convidado para participar nos shows do Ozzfest, então? “Porque Ozzy precisava de uma decisão rápida.” De acordo com Geezer: “A última vez, Bill demorou oito meses para se decidir, e a coisa toda desmoronou. Dessa vez, a gente só tinha dois meses para dizer sim e tocar, ou para dizer não. Quando Ozzy sugeriu, Tony falou sim e eu concordei, a gente não podia esperar para ver quanto tempo Bill demoraria para falar sim”. Ele riu, mas me espantou ver como a história mudou em cinco anos, quando a informação era de que todos tinham assinado e que foi a mudança de último minuto de Ozzy que havia atrapalhado tudo. Isso, no entanto, agora parecia mais perto, pelo menos, da verdade. “Não é só o Bill, são seus empresários”, falou Geezer. “Sabe, é, hã… Difícil. E tínhamos que tomar uma decisão rápida, então foi isso. Tocamos sem ele.” E como eram as coisas agora que Bill estava voltando para os shows no NEC? “Ótimo. Mas então você não pode confiar na gente, provavelmente poderíamos nos matar nos ensaios e isso seria o fim do NEC. É esse tipo de banda. Nunca dá para prever o que vai acontecer.” Em um mundo ideal, Geezer falou, ele adoraria fazer outro disco e colocar todo o bando de novo na estrada. “Mas se há algo que pode nos detonar de novo é ficarmos presos num estúdio por dois anos juntos. Tenho certeza de que nos ensaios vamos saber se podemos fazer algo novo ou não. Se a faísca ainda estiver ali, então tudo bem, eu adoraria fazer. Mas eu odiaria fazer um disco só pelo dinheiro, o que arruinaria totalmente o nome para sempre.

Deveria ser tão bom quanto Paranoid ou Sabbath bloody Sabbath, pelo menos. E esta é a forma que teria de ser. Se vai ser outro Never say die, então não, esqueça…” Finalmente falei com Bill, pelo telefone, pois ele ainda não tinha partido para o Reino Unido, de uma forma bastante inesperada quando ele me chamou de repente uma noite para contar que não tinha ideia de onde essa “doença do Bill” tinha aparecido e que na verdade ele estava triste por não ter sido convidado para fazer parte do Ozzfest naquele verão. “Acho, às vezes, não sei por quê, mas, sabe, fui deixado de lado em várias situações ultimamente nas quais sinto como se me culpassem, às vezes”, ele começou incerto. Falei como o resto da banda tinha falado que estavam esperando para ver se ele estava “bem” o suficiente para fazer os shows no NEC. “Estou ótimo!”, ele protestou. “Estive fazendo shows nos Estados Unidos desde fevereiro com minha própria banda. Estou bem. Sabe, não sei de onde surgem essas preocupações, mas sei que não são minhas… Só me diga onde tenho que tocar e eu vou e toco.” Então por que ele não tinha tocado nas primeiras datas do Ozzfest? Por que tinham se apresentado sem ele? “Não tenho ideia. Não me deram uma explicação.” E se o tivessem chamado? “Eu estaria lá num segundo. Estava muito a fim. Totalmente a fim de tocar! Fiquei muito desapontado por não ter sido chamado. Fiquei triste, me senti, sabe, bastante chateado. Experimentei, pela primeira vez na minha vida, a banda original tocando sem mim e foi bastante doloroso.” Ele continuou, afirmando que nunca foi nem chamado. “Nunca me deram uma escolha. Ninguém falou, ninguém perguntou se eu queria ser parte daquilo; eles simplesmente organizaram e tocaram, foi assim que aconteceu. E, sabe, fui convidado para fazer o NEC e disse sim… Não sei o que temiam, não entendo. Com certeza não é algo que vem de mim. Estou disposto a tocar no Sabbath, ponto. Na formação original. Não vou recusar isso, sabe?” E estaria confortável com a ideia do Sabbath se juntando agora, talvez até gravando um outro disco? “Oh, sim! Oh, sim, é claro! Para mim, se há oportunidades nas quais a banda original pode fazer algumas coisas juntos, eu adoraria continuar a trabalhar assim… Não há nenhuma reserva da minha parte. É parte da minha vida. Sempre foi parte da minha vida. Eu me sentiria totalmente confortável fazendo isso, sabe?” Terminei com uma visita à enorme mansão de Ozzy em Buckinghamshire. O mesmo lugar onde ele tentou estrangular Sharon quase dez anos antes. Nós nos sentamos no “salão de jogos” enquanto ele fumava um charuto — o único vício que sobrara, ele insistiu, embora seus bolsos ainda estivessem cheios de pílulas. “Quero dizer, eu fumo um baseado aqui e ali, sabe?”, ele falou. “Tomo a porra de um Valium aqui e outro ali, e essas coisas. Mas da forma como eu vejo, antigamente eu costumava acordar deitado em cima da minha própria urina e vômito, toda manhã, todas. E você imagina que, depois de isso acontecer tantas vezes, uma pessoa normal pensaria: ‘Por que merda estou fazendo isso? Olhem para mim, estou deitado na merda, no vômito e no mijo, tudo isso’.

Normal, pessoas racionais diriam: ‘Não sou a porra de um animal’. Mas eu entrava no chuveiro e quando colocava roupas limpas, me sentia novo mais uma vez. A primeira coisa que iria pedir no dia seria, porra, eram nove horas, eles vão abrir logo. E esse era o meu pensamento. Sair da porra da casa e ir a um pub. Comprei minha última casa, Beal House, porque tinha um pub no final da rua. Gastei milhões de libras na porra de uma casa não porque gostava dela, mas porque gostava do pub no final da rua. Eu poderia ter comprado a porra do pub!” Ele dá de ombros. “Para mim não existe a moderação. Tenho realmente que me cuidar porque é fácil começar a deixar a coisa rolar. Sabe, nem gosto [mais] de fumar maconha, para ser honesto com você. Fico na neura, sabe? Fico paranoico.” Como tinha sido, finalmente, voltar a se unir com o Black Sabbath para os shows do Ozzfest aquele verão? “Devo confessar, eu estava esperando uma coisa… Porque Tony e eu nunca realmente tivemos um bom relacionamento profissional e eu ainda me sinto um pouco estranho. Mas é muito mais fácil trabalhar com ele agora do que antes. Ele mudou muito. Seus pais morreram e ele passou momentos difíceis com o casamento — a filha [com Melinda] teve que ter cuidados especiais e todo o resto —, e muita água passou debaixo da ponte. E não posso honestamente falar que sinto o mesmo que antes por ele. E não estou dizendo isso por causa da reunião, porque não preciso do Sabbath reunido. Posso muito bem conseguir outra banda e sair em turnê. Mas as três perguntas que fiz em toda a minha carreira foram: você realmente mordeu a cabeça de um morcego? Você mijou no Álamo? E alguma vez veremos [você com o] Sabbath de novo? Eu costumava responder sim, sim, não. Mas, sabe, Sharon é muito, muito esperta, ela o faz pensar que é sua ideia. No começo eu fiquei: ‘Não! Não! Não! Não!’. Mas Sharon fala: ‘Dê uma chance, veja como sai a coisa’. Ela é muito boa e nunca me guiou para o lugar errado.” Perguntei qual era o problema com Bill, e Ozzy ficou quieto. “Não sei, é melhor perguntar ao Bill. Não posso falar por ele. Não estou sendo rude ou nada no estilo, mas não posso falar pelo Bill porque não sei o que ele… Respeito o Bill, porém qualquer crença pessoal de alguém, acho que você deve deixar suas crenças — esta é só a minha opinião —, qualquer crença que eu tenho, sejam boas, ruins ou indiferentes, se elas vão afetar o resto das pessoas no palco, devo deixá-las no camarim e pegá-las de novo quando acabar o show.” Bill ainda tinha que voltar ao Reino Unido para os ensaios dos shows do NEC, mas Ozzy falou que estava com muita expectativa. “Sharon me falou: ‘Oh, você só precisa vir daqui uns dias’. Respondi: ‘Não, não. Vou ficar aqui desde a porra do primeiro dia’. Porque quando nos conhecemos eu quis desde o começo me sentir confortável com todos os outros e passava um par de horas só conversando… Bom, agora com uma taça de chá, sabe? A gente completou o círculo.” Ozzy estava mais feliz agora? “Não, ainda sou muito inseguro, ainda sou louco. Ainda acho que vou fracassar em tudo que faço. Acho que é minha compensação. Ainda estou tomando Prozac.” Ele parou. Então: “Se alguém me dissesse: ‘Ozzy, em poucas palavras, como você descreveria o Black Sabbath?’. Eu diria estranho. Bem, quando eu colocava uma

linha vocal em cima de um riff incrível, Tony mudava tudo. Não só o riff, mas o ritmo, e eu pensava, bom, como vou fazer essa coisa encaixar? Era um desafio. Mas sendo tão jovem, não havia treinamento musical, a coisa saía natural”. Os dois shows no NEC seriam uma revelação. A primeira vez que a formação original tinha completado um concerto inteiro em quase vinte anos foi uma ocasião para ser apreciada. Tendo visto Ozzy durante suas várias mutações solo — primeiro com o insubstituível Randy Rhoads, que acrescentava brilho a sua lenda como verdadeiro músico; depois Jake E. Lee, que acrescentava glamour a sua imagem numa época em que Ozzy estava em perigo de se tornar conhecido somente como o homem que arrancou a cabeça de um morcego; até e incluindo o mais recente e mais convincente retorno ao fundamentalismo do rock com o guitarrista Zakk Wylde —, foi emocionante vê-lo de volta ao palco ao qual ele realmente pertencia, não só com Tony Iommi, que o havia perseguido na escola, que tinha “colocado o medo de Deus em mim” nos dias de auge do Sabbath e que agora se apoiava totalmente na generosidade de Ozzy (e de Sharon) para tentar reviver, mas com Geezer e Bill, que vieram das mesmas ruas pobres que ele, que tinham passado pelos mesmos espelhos bizarros, do aspecto branco e preto de Aston no pós-guerra, uma cidade ocupada em morrer antes mesmo de nascer, até o Hollywood Bowl e além, como uma das mais famosas e maiores bandas de rock de todas. Isso era Ozzy e o Sabbath finalmente voltando para casa e era uma ocasião alegre. A segunda noite talvez tenha sido ainda maior, a banda superprecisa, sabendo que os shows estavam sendo filmados e gravados para o inevitável CD e DVD ao vivo. Na plateia estavam tantos fantasmas do passado do Sabbath, de ex-membros — no restaurante do hotel antes do primeiro show eu me encontrei com Neil Murray e Cozy Powell jantando — a amigos e ex-colegas, como Paul Clark e Albert Chapman, até o filho de Don, David Arden. Mas no palco era como se o tempo tivesse parado numa noite especial em 1973, quando o Sabbath ainda dominava e o rock em si ainda era jovem. Esses shows atuais com o Sabbath seriam eventos isolados, perguntei a Ozzy alguns dias depois, ou levariam a algo mais, talvez até a um disco? “Bom, vamos colocar desta forma”, ele falou, soltando o ar, “não quero morder mais do que posso engolir. Não sei o que vai acontecer hoje, que é quando vamos ouvir as fitas e conversar sobre o lançamento de um disco ao vivo. Mas amanhã, Bill poderá dizer eu odeio você e pegar o primeiro avião de volta. Posso falar que não quero fazer isso para sempre. Não quero me comprometer e dizer que vou colocar toda minha própria carreira na prateleira e voltar com o Black Sabbath. Não sei.” E um disco novo de verdade, no entanto com novas músicas, como nos velhos tempos? “Oh, sim! [Mas] não sei se poderíamos voltar a compor de novo porque mudamos muito. Não sou tão flexível como era, sabe? Não é tão fácil me dobrar como era antes, sabe? Aprendi muito sozinho todos esses anos. Sei quando tenho algo bom a oferecer. Muitas peças de xadrez mudaram no tabuleiro, então não sei se a química ainda existe, mas, se for possível, eu adoraria.” Como havia sido dito, haveria só um disco duplo ao vivo, simplesmente chamado

Reunion, e acompanhado por um DVD, os dois vendendo o suficiente para encorajar a banda a voltar no verão seguinte para uma avalanche de festivais europeus. Mas de novo, infelizmente, sem Bill — Vinny Appice agora estava em seu lugar. No entanto, no final de 1998, houve uma turnê com 22 shows em arenas pelos Estados Unidos — com Bill de volta à formação, que eles iniciaram em outubro, com a aparição no programa Late Night, de David Letterman. O Ozzfest voltaria no verão de 2001, tanto com Ozzy quanto com o Black Sabbath — e Bill Ward. Dessa vez, no entanto, havia planos de seguir com um disco, produzido pelo produtor da moda, Rick Rubin, um autoconfesso fã do Sabbath desde a juventude, então no auge com sua série de discos premiados com Johnny Cash. Dizem que havia seis faixas em variados estágios de finalização, mas quando o plugue foi tirado da tomada, ninguém ficou surpreso. As pessoas havia muito tinham parado de seguir o que acontecia no reino do Sabbath, passado e presente; era simplesmente impossível acompanhar. No lugar, havia agora outra coisa surgindo no horizonte que colocaria o Black Sabbath em segundo plano — pelo menos para Ozzy e Sharon. Foi na casa de Ozzy em Buckinghamshire que ouvi a primeira sugestão da coisa, apesar de não ter ideia do que estava sendo fermentado. Eu tinha mencionado um documentário de TV que havia revisto recentemente em vídeo, um tipo de Estilo de Vida dos Ricos e Famosos, feito com Ozzy — e apresentando Sharon — que tinha sido hilário: Ozzy enfiando a cabeça de seu papagaio de estimação na boca como se fosse arrancá-la, Sharon caminhando por seu palácio em Hollywood como se fosse a rainha de Sheba. Os dois tinham feito uma parceria e tanto — naturalmente engraçados e, claro, interessantes por causa da pompa que os acompanhava — e me lembrou como sempre foram engraçados juntos quando eu saía para jantar ou passear com eles. “Vocês deveriam esquecer a música e ficar com a TV”, brinquei. Sharon riu e falou: “Sabe, outras pessoas falaram isso ao ver aquele programa. A gente pensou nisso. O problema é: o que faríamos? Ozzy é hilário, mas não é um contador de piadas ou algo assim, e quem vai querer me ver?”. “Talvez algo como um programa de entrevistas?”, sugeri. “Não”, ela balançou a cabeça. “Ozzy seria mais interessante que os convidados.” Era verdade. Ozzy na TV seria engraçado; assim como Sharon. Mas em que tipo de programa eles poderiam se encaixar? Nada que alguém pudesse imaginar facilmente, pelo menos na época… Os anos 1990 não tinham sido tão gentis para a única outra pessoa que tinha contribuído significativamente para a lenda do Black Sabbath: Ronnie James Dio. Tendo saído do Sabbath com sua dignidade intacta, Dio fez um disco muito mais avançado do que Forbidden, mas sem sacrificar sua credibilidade. Apresentando outro guitarrista novo, Tracy G (Grijalva), um cara muito bom de Los Angeles que tinha participado das primeiras formações de futuras bandas platinadas, como Great White e Love/Hate, Ronnie, junto com Vinny Appice de volta à bateria

e a ex-estrela do Dokken, Jeff Pilson, no baixo, produziram como uma banda verdadeira um disco chamado Strange highways, no qual Ronnie deixou suas letras de fantasia para explorar um realismo que refletia sua visão mais geral de seu papel de poeta e porta-voz do rock. “O mundo da música mudou”, ele me contou na época. “Não é suficiente mais cantar sobre reis e rainhas, ou dragões e monstros. É só olhar para um jornal para ver que o mal de verdade está espalhado pelo mundo, que a humanidade não é melhor que um câncer. Como compositor, como alguém que leva a sério o que faz, não posso deixar de falar algo sobre isso.” Quando nos reencontramos, eu estava novamente trabalhando como seu relaçõespúblicas britânico em 1996, ele tinha lançado um segundo disco com a mesma formação, chamado Angry machines. Uma coletânea ainda mais brutal do que a antecessora, ainda com uma camada de teclados atmosféricos de Scott Warren, Ronnie queria espalhar a mensagem de que estava de volta e melhor do que antes. Mas havia poucos na mídia que estavam dispostos a ouvir. Em meados dos anos 1990, o grunge tinha ajudado a restaurar a reputação do Sabbath como inovadores, mas eles se preocupavam com a era Ozzy; a era Dio estava marcada na história como um tempo de metal florido, sobrecasaca, muito Tolkien e engraçadinho para ser levado a sério numa época na qual bandas como Nirvana, Alice in Chains e Pearl Jam lutavam com “questões” muito mais reais. Não importava que Angry machines ocupasse o mesmo território lírico, Dio estava mais fora de moda do que se podia imaginar. Não importava que sua saudação do chifre do diabo fosse agora de rigueur em todos os shows de rock, grunge ou não, eu não conseguia ninguém que quisesse entrevistá-lo. Depois de dois dias com redatores de fanzines e apresentadores de rádio pirata, a gente jogou a toalha. “Não se preocupe com isso”, Ronnie me falou, seu rosto abatido e vazio pelo fracasso. “Vamos tomar uma cerveja.” “Houve alguns momentos nos anos 1990”, Vinny Appice diz agora, “quando eu tocava com Ronnie, nos quais me senti muito mal por ele. Eu pensava: estamos neste clube vai deus saber onde, e este é Ronnie James Dio cantando nesta porra de lugar estúpido com este camarim de merda ou nem tem camarim. Eu pensava, ele não merece isso, sabe?” Felizmente, para Ronnie, foi algo temporário. Em 2000, ele voltou com um dos discos mais extraordinários da sua carreira: Magica. Um disco conceitual baseado num de seus próprios contos, que ele narra, combinando todos os elementos mais potentes de seu estilo clássico de composição — presságios de destruição, amuletos de outros mundos, interpretação dos sonhos e escapadas noturnas para outros mundos —, com sua visão mais contemporânea de um mundo que quase não vale a pena salvar, apenas os indivíduos que realmente merecem uma segunda chance. Não mais preocupado em fazer discos para as paradas, era como se esse fosse o verdadeiro Ronnie James Dio finalmente pisando firme. Como resultado, Magica tornou-se seu primeiro sucesso independente significativo nos Estados Unidos e seu maior sucesso europeu dos últimos anos. Encorajado, ele lançou uma sequência em 2004, com uma ligação mais direta com seu catálogo clássico no Rainbow e no Sabbath, chamado Master of the moon, e levou sua banda

pela turnê mais longa em anos, com o Anthrax abrindo. O plano então era, ele disse, compor e gravar duas sequências do Magica: II e III; trabalho ao qual estava se dedicando quando, em 2006, veio a notícia de que a Universal, que agora era dona da Phonogram na Grã-Bretanha e da Warner Bros nos Estados Unidos, ia lançar uma compilação de alto nível, que se chamaria Black Sabbath: the Dio years. No mesmo ano, Tenacious D — apresentando a estrela de cinema Jack Black — incluiu a canção tributo “Dio” em seu disco de estreia multiplatinado; eles também convidaram Ronnie a aparecer no filme Tenacious D in the pick of destiny como ele mesmo. De repente, a carreira de Ronnie tinha recebido um novo sopro de vida. A compilação Dio years vendeu bem o suficiente nos Estados Unidos para levar um promotor canadense a perguntar sobre possíveis datas ao vivo. Com Tony Iommi e Geezer Butler sem poder tocar mais como Black Sabbath, sob coação de Sharon Osbourne — que agora era dona da franquia e esperta o suficiente para perceber que o dinheiro não estava mais numa reunião Dio-Sabbath, mas com o Ozzy, e que manter o nome fora de circulação, e não ter seu valor diminuído por uma versão “falsa” da banda fazendo turnê, iria aumentar o preço de uma reunião com Ozzy no futuro —, foi feita a sugestão de que eles fizessem turnê juntos simplesmente como Heaven and hell. Haveria duas turnês Ozzfest com a formação original do Sabbath, incluindo Bill Ward, em 2004 e 2005. Mas com o festival agora suspenso temporariamente, e com Ronnie e Vinny Appice a bordo, Tony e Geezer concordaram felizes. Assim, em março de 2007, Heaven and Hell, como a formação do Sabbath com Dio seria agora chamada, marcou uma meia dúzia de datas no Canadá, seguido por uma aparição tumultuada na Best Buy de Manhattan. Deveria ser só isso. Mas quando, no verão seguinte, eles receberam a oferta de ser atração principal da turnê US Metal Masters com dezessete datas, aceitaram de novo e ficaram encantados com a recepção que tiveram. Foi nesse ponto que o selo de Los Angeles, Rhino, conhecido pela alta qualidade das apresentações de seu catálogo, ofereceu um contrato para que o Heaven and Hell fizesse um disco. De repente, como se fosse mágica, a velha formação do Black Sabbath Dio-Iommi-Butler-Appice — independente do nome que usassem — estava de volta. Ninguém ficou mais encantado do que Ronnie. Ele teria quase 67 anos quando o disco, chamado The devil you know, foi lançado, em abril de 2009, e não parecia ter estado tão bem desde o disco Heaven and hell original, três décadas antes. Nem, por falar nisso, Tony Iommi e Geezer Butler. Iommi, claro, havia muito tempo era reconhecido como o mestre dos riffs, e em titânicas faixas novas como “Bible black” — o primeiro single pesado demais para a rádio — ou a esplêndida brincadeira “Eating the cannibals” — prova de que Ronnie, apesar de seu rosto sério, realmente tinha senso de humor —, ele não desapontou. Dio também estava no auge. “Come lie on a bed of nails and slumber” [Venha se deitar numa cama de pregos e descanse], ele grita em “Follow the tears” com aquela voz que parece um corpo sendo arrastado do rio. Em outras faixas, como “Double the pain” (com o baixo que retumba no estômago, marca de Butler), “Rock and roll Angel” (montado em cima de um tipo de riff agitado que o Metallica

usou por toda a carreira) e o final com “Breaking into heaven” (o máximo em termos de canções com anjos atacando o paraíso), fez os fãs perceberem o que tinham perdido em todos esses anos sem o Sabbath. “É como completar um círculo”, Ronnie me contou na época. Com o disco chegando ao oitavo lugar nos Estados Unidos — o lugar mais alto para um disco do Sabbath desde Master of reality, quase quarenta anos antes —, parecia que a história de Ronnie James Dio — um conto gótico de triunfo repetidamente frustrado pela tragédia, para que ele ganhasse no final — teria chegado a seu “felizes para sempre”. Só que não seria tão perfeito. Na última vez que falamos, Ronnie parecia pouco mudado em relação ao homem bastante orgulhoso e determinado que conheci quase trinta anos antes. “Fui muito afortunado”, ele disse. “Ser parte de uma banda famosa no mundo todo é mais do que a maioria dos músicos pode sonhar. Estar em duas é quase ser ganancioso. Mas conseguir fazer sucesso pela terceira vez, especialmente quando é com sua própria banda dessa vez — bem, como posso dizer, eu me considero alguém extremamente afortunado.” Poucos meses depois, a história mudou de novo, como quase sempre acontece com o Black Sabbath, para que não haja finais felizes. Em 13 de novembro, sexta-feira, Ronnie foi diagnosticado com câncer de estômago. Ele tinha, conta Wendy Dio, sofrido de problemas estomacais por cinco anos. Em 2004, ela se lembra: “Ele tinha uma dor terrível no estômago e eu o levei a um especialista. Agora fico muito brava com isso porque acho que hoje, se eu soubesse o que sei agora, teria insistido para que o especialista fizesse mais exames. Mas o cara disse: ‘Oh, são apenas gases que ele tem’”. Aliviado por não ser nada grave, embora o estômago continuasse a perturbá-lo, diz Wendy, Ronnie começou a “engolir toneladas de Tums” e outros digestivos. Quando, naquele último ano, as dores de estômago tinham ficado mais severas, Ronnie ainda achava que era um problema grave de indigestão e se recusou a ir ao médico. “Ele simplesmente tomava um monte de Tums o tempo todo, porque achava que tinha indigestão, como uma hérnia de hiato ou algo assim.” Em novembro, depois de passar por testes no hospital, finalmente chegaram ao diagnóstico: “Foi devastador. Mas eu escondi dele — talvez não deveria ter feito isso e me sinto um pouco culpada agora — mas escondi dele o quanto estava doente. [Porque] simplesmente não queria acreditar. Pensei: ele vai superar. Vamos fazer de tudo. Passei todo o fim de semana na internet procurando o melhor hospital para câncer de estômago, que era o MD Anderson, em Houston”. Nos meses seguintes, o casal voaria a Houston a cada quinze dias para os tratamentos de quimio de Ronnie. “Sempre falei para ele: ‘Vamos vencer isso. É um dragão! Estamos derrotando o dragão! Estamos matando o dragão!’. E para ser honesta, ele não sofreu muito — até aquele último fim de semana. Ele era positivo, estava para cima, estava escrevendo, estava fazendo coisas. A gente só pensou, vamos vencer. Isso não vai nos vencer. Vamos vencer. Mas infelizmente é uma doença terrível.”

Quando o câncer começou a se espalhar, o cantor ficou “aterrorizado de que fosse chegar a seu cérebro. Ele tinha mais medo disso do que de qualquer outra coisa”. Foi poupado dessa tortura, felizmente, mas por um tempo perdeu a visão de um olho. “Eu o levei a um especialista, eles examinaram e disseram: ‘Bom, podemos tratar o câncer com laser, mas isso não vai trazer sua visão de volta’.” Então uma droga experimental chamada Avastin, prescrita por outro especialista, miraculosamente resolveu o problema de visão. “Essa droga era incrível! Ele também tinha uma espécie de tremor na perna. Parou aquilo também! Parou [o tremor] de sua mão. A única coisa que ele não conseguiu parar, e foi o que matou Ronnie, foi o que estava acontecendo com o fígado. Quando chegou ao fígado, não deu mais.” Um mês antes de morrer, Ronnie falou em público sobre seu câncer com o Artisan News Service no “tapete preto” do Golden Gods Awards anual da revista Revolver, no Club Nokia, em Los Angeles. Perguntado sobre como estava lidando com a doença, Ronnie falou: “Bom, eu me sinto bem e ruim às vezes. É um processo longo. A quimioterapia é um… Eu nunca pensei como era difícil passar por isso. É realmente um efeito cumulativo — quanto mais você tem, mas isso vai se empilhando e vai demorando cada vez mais para desaparecerem os efeitos. Sinto muita dificuldade para comer. Não gosto mesmo de comer, então acho tudo bem. Mas sei que preciso. Porém isso torna tudo bem mais difícil. Mas se você está determinado a vencer a doença, então precisa continuar fazendo o que acredita que vai vencê-la, e neste caso é isso. Vou a um hospital ótimo em Houston chamado MD Anderson, que acho que é o melhor do mundo, tenho o melhor médico do mundo, dr. Ajani, em quem confio totalmente e de fato acredito, então acho que fiz a coisa certa. Isso me faz sentir otimista sobre minha vida e otimista de que há muito mais para se viver.” Wendy lembra quando, poucas semanas depois, “chegou o último dia, eu deveria voar para Chicago, e ele ligou. Disse: ‘Não estou me sentindo bem. Meu estômago está realmente doendo hoje’. Falei: ‘Bom, vamos para o hospital’. Então fomos para o hospital. Ele disse: ‘Pode ir’. Eu falei: ‘Não vou, quero ficar com você’. Então ele estava sentindo tanta dor que tiveram que dar morfina. A dor era tão forte, tiveram que dar morfina três vezes e depois disso não dava para conversar mais com ele. Estava num tipo de coma. Então faleceu no domingo. Mas essa foi realmente a única vez que ele sentiu dor de verdade — tirando aqueles tratamentos malditos e todas as coisas que você precisa fazer. Ele estava otimista, estava bem, tudo estava bom.” Ronnie James Dio faleceu às 7h45 de domingo, 16 de maio de 2010. Wendy deu uma declaração oficial no mesmo dia. Como ela diz agora, no entanto: “O único lado bom é que Ronnie partiu no auge de sua carreira. Ele tinha completado… um círculo. Ele tinha voltado com os Sabbs, que é algo que sempre quis fazer. Para tocar com eles porque sempre gostou da música que criaram. E foi capaz de voltar e reviver aquilo, e todo mundo estava com um clima muito positivo. Tudo estava indo bem para ele. Estava de volta ao topo de sua carreira. E ele partiu nesse ponto. E acho que isso é provavelmente algo que ele não poderia ter aguentado, se estivesse em decadência, ficando velho e sua voz desaparecesse ou algo assim. É a única

coisa possível que penso sobre o que aconteceu. Voltar e fazer tudo de novo e ter amizades com os caras de novo, porque ele sempre gostou deles e acho que sempre gostaram dele também. Foram muito bons comigo também. Sempre mantiveram contato comigo. Porque estávamos ali no final e estávamos ali com Ronnie”. Haveria outra turnê de verão do Heaven and Hell aquele ano. Mais uma vez, a era Dio do Sabbath tinha chegado inesperadamente a um fim prematuro e triste. O mais triste.

Treze 13 “FUI VER SPINAL TAP e não achei engraçado!”, lembro que Ozzy uma vez me contou. “Achei que era a porra de um documentário! Juro por Deus! Todo mundo começou a falar: ‘Não achou aquilo hilário?’. E eu dizia: ‘Não, era como um documentário sobre a minha vida’. E era! Quando eles se perdem a caminho da porra do palco, isso aconteceu comigo milhares de vezes! Algum bicha não mudou as placas e você termina na porra do estacionamento com sua guitarra e sua bota de plataforma na chuva.” Nesse momento, claro, já era conhecido que partes importantes do filme, This is spinal tap, eram realmente baseadas em fatos da história do Black Sabbath: especificamente, o palco de Stonehenge, com o qual a formação com Ian Gillan teve tantas dificuldades em 1983. Mas Ozzy não estava pensando em Stonehenge ou em Ian Gillan quando trouxe o assunto à baila. Estava simplesmente se referindo ao fato de que o verdadeiro coração do filme — um dos mais engraçados e conhecidos para qualquer um que já foi parte ou atuou com uma banda de rock de sucesso — poderia ter vindo de qualquer parte da história do Sabbath — especialmente dos anos com Ozzy, com suas histórias de bateristas desaparecidos, namoradas virando empresárias, desonestidade dentro da banda e seu credo geral de “ninguém mais sombrio”. Escrevendo isso no final da primavera de 2013, no começo de outro longo e muito divulgado “retorno” do Sabbath, a coisa mais incrível para mim é que continuamos acreditando naquilo. Não importa que os dezoito discos com o nome Black Sabbath que foram lançados desde 1970 apresentem cinco vocalistas, cinco baixistas e cinco bateristas diferentes — sem contar os outros vocalistas e músicos que só chegaram a tocar ao vivo com eles, como Ray Gillen e Mike Bordin, ou os tecladistas que usaram, sem falar no confiável Geoff Nicholls, que foi finalmente demitido em 2004, ou Don Airey ou Gerald Woodroffe antes dele, e Adam Wakeman e Scott Warren, que assumiram o posto desde então. Não importa que a reputação deles caiu tão baixo nos anos 1990 que seus discos com a gravadora IRS — os que apresentam Tony Martin — saíram de catálogo. (Você agora pode consegui-los on-line.) Não importa que Ozzy Osbourne agora é muito conhecido para milhões de telespectadores ao redor do mundo, ele é mais parecido com um excêntrico tio velho do que uma presença crível no mundo do rock. Porque a história do Black Sabbath agora está nas mãos de uma verdadeira mestra da indústria musical como Sharon Osbourne, eles podem voltar com a frequência que quiserem — desde que seja com Ozzy e sob o controle de Sharon —, e sempre soará como a primeira vez para alguém. Esse último “retorno” se apoia astutamente no fato de que também vai apresentar o primeiro disco oficial do Sabbath a incluir todos os quatro membros originais desde 1978. A

cereja do bolo, outra ideia revisitada que eles prometeram que funcionaria dessa vez: produção de Rick Rubin. Novamente, não há nenhuma descrença envolvida em tudo isso. Rubin já tentou e fracassou com o Sabbath, quando as sessões de 2001 foram abortadas depois que ficou claro que nem Rubin poderia reacender o que havia sobrado da fagulha que iluminara aqueles cinco primeiros discos da era Ozzy. Considerando fracassos similares por parte do produtor em fazer o mesmo com aquela outra lenda de primeira grandeza do rock que ele afirma ter amado tanto, o AC/DC, cujo desapontador Ballbreaker, de 1995, foi trabalhado com o mesmo objetivo; e o Metallica, cujo “retorno às raízes” Death magnetic, de 2008, vendeu bem, mas de novo não conseguiu chegar à altura do hype, musicalmente. Por outro lado, segue a discussão: se alguém consegue soprar vida de volta ao Black Sabbath, será mesmo Rubin? Este, afinal, será o primeiro disco da formação original desde os anos 1970. Exceto, claro, que não vai ser: Bill Ward mais uma vez jogou uma chave inglesa nos trabalhos de um plano de marketing especial causando um fedor global por ter sido apresentado ao que ele descreve como “um contrato impossível de assinar” — e mandando Sharon Osbourne e o resto da banda enfiar esse contrato eles sabem onde. Mas voltemos ao começo… Oficialmente, a estrada para o primeiro disco do Black Sabbath com Ozzy Osbourne em 35 anos começou numa manhã ensolarada de novembro de 2011, dentro de um bar sombrio na Sunset Strip de Los Angeles. Fora do Whisky a Go Go, uma fila de jornalistas reclamões — reunidos ali desde o meio da manhã — esperavam impacientes para poderem entrar pela porta da frente num dos segredos mais mal guardados da música. Por que o rebuliço?, reclamavam um ao outro. Todos sabemos do que se trata. Mesmo assim, um por um, os repórteres se aproximavam da janelinha da bilheteria e passavam sua carteira de motorista por baixo do vidro. O nome deles era conferido na lista, o documento devolvido, e eles, passando sob os olhares ameaçadores dos fortes seguranças, entravam no famoso clube, onde as luzes na sala principal permaneciam apagadas, deixando um tom azulado. A fonte principal de luz era o logo do Sabbath brilhando em uma grande tela que estava pendurada na frente do palco. Enquanto o objetivo óbvio da tela era bloquear o que estava no fundo do palco, os jornalistas movidos pela curiosidade podiam simplesmente se inclinar para a frente e ver duas grandes mesas postas lado a lado diante do palco, com cartões com nomes: Tony Iommi, Geezer Butler, Bill Ward e Ozzy Osbourne. Também na mesa estava o cartão com o nome do produtor com toque de Midas — e há muito tempo proclamado fã do Sabbath — Rick Rubin. A coletiva de imprensa tinha sido bem divulgada, da revista Rolling Stone a websites pessoais, informando que os pioneiros do metal estavam se preparando para fazer um anúncio bombástico em 11 de novembro. Oficialmente, o Black Sabbath iria começar às 11h21, com a lenda tatuada do hardcore, o cantor Henry Rollins — outro devoto do Sabbath —, como mestre de cerimônias do evento. Além da logística, pouca informação foi oferecida, embora todo mundo tivesse em mente o fato de que o Black Sabbath havia estreado em Los Angeles

naquele mesmo lugar 41 anos antes. Embora com Dio falecido no ano anterior e os discos solo de Ozzy — como os discos de todo mundo nessa era pós-download — não gerando mais vendas suficientes para pagar o aluguel, se iria existir uma “reformulação” completa estilo disco-turnê pela banda mais reformulada do mundo, agora era a hora. Convenientemente ignorando todas as outras “reuniões” que essa formação tinha feito de um jeito ou de outro nos últimos vinte anos. Com Ozzy e Tony dando dicas não muito vagas nos meses anteriores, o único choque teria sido um anúncio de que eles não estavam se reunindo. Na manhã da conferência, a pergunta na mente de todo mundo não era “E se?”, mas simplesmente “Quando?”. No segundo andar do Whisky, cortinas pretas encobriam um frenesi de atividade, embora o inconfundível cabelo ruivo de Sharon Osbourne pudesse ser visto passando de um lado para o outro. Então, às 11h21 em ponto, um vídeo explodiu na tela e por trás de uma trilha sonora ensurdecedora de clipes dos maiores sucessos do Sabbath, imagens de toda a história da banda — menos os anos Dio ou Hughes ou Martin, claro — montadas uma após a outra. Simultaneamente, o mesmo filme foi transmitido no novo website da banda, confirmando o que sabíamos: a formação original do Sabbath iria se reunir. Para dar início a todo o assunto, o Sabbath tocaria como atração principal na noite final do Festival Download de 2012, na Inglaterra, em junho do ano seguinte. Seria a abertura da turnê mundial e — toquem as trombetas — o lançamento do novo disco, produzido por Rick Rubin, guru barbado favorito de toda banda de rock clássica. A última vez que a formação original do Sabbath tinha gravado junto, todo mundo foi lembrado, foi em 1978, fazendo desse um disco de retorno em todos os sentidos, completo com as sufocantes expectativas e histeria de alarme de incêndio que tais projetos geram. Ou que se espera que esses projetos gerem pelos empresários, promotores e executivos de gravadoras por trás deles. Com o final da montagem dos maiores sucessos, Ozzy, Bill, Tony e Geezer apareceram e se sentaram em suas respectivas cadeiras no palco para uma entrevista coletiva com a imprensa. Para todos, cada um dos músicos pareceu saudável e cordial. Tony e Ozzy dividiram amigavelmente as respostas enquanto Bill e Geezer permaneceram em silêncio a maior parte do tempo. Todos com ternos escuros, com um flor na lapela pelo Remembrance Day, os quatro homens irradiavam o tipo de carisma que só bandas que se conhecem há muito tempo podem ter. Houve sorrisos na mesa quando eles brincaram com Rollins sobre o timing do disco com Rubin. Com um pouco de espanto, Ozzy revelou que eles já tinham escrito sete ou oito canções. Quando Rollins abriu para perguntas, Joe Daly, da Classic Rock, perguntou: “Tony, o que você espera desta reunião?”. Era uma questão legítima. Por que agora, depois de todos esses anos? Era dinheiro ou tinha a ver com o legado? “O que espero da reunião?”, respondeu Tony, antes de fazer uma pausa, como se não esperasse uma pergunta tão complicada. “É ótimo estar de volta juntos e ser capaz de tocar e escrever ótima música, sabe, e estar com os caras que eu conheço… De toda minha vida. É uma coisa realmente especial, sabe? A gente se conhece há tanto tempo, é

como uma família, e seria ótimo saber realmente que estamos trabalhando juntos e estamos numa sala e tocamos. É muito divertido, a gente realmente gosta disso.” Enquanto o disco seguinte surgia como o centro do evento, no Reino Unido a notícia do show no Download fez as entradas venderem como água. O show no Download seria mais do que a joia da coroa na agenda de concertos do ano; prometia cimentar um lugar na história. Ou era o que todo mundo esperava. Além do mais, haveria um segundo festival de alto perfil, dessa vez nos Estados Unidos, quando Ozzy e o Sabbath iriam ser a atração principal — outra vitória particular de Sharon — no festival Lollapalooza em agosto. Também haveria um show “para esquentar” antes do Download Festival, no Birmingham O2 Arena, em que o lucro seria doado à obra de caridade Help For Heroes. Parecia que todas as melhores histórias precisavam de um final feliz, mesmo as mais sombrias como esta. O Download Festival 2012 — descendente moderno de três dias do festival Monsters of Rock de um dia nos anos 1980, e situado na mesma pista de corrida do Castle Donington — prometia ser ainda maior, em termos de tamanho e qualidade das bandas. Apesar da mudança no nome do festival, a receita sonora permanecia bastante igual, a grande maioria das bandas de 2012 bebia das águas do rock pesado e do heavy metal, embora a atração principal da primeira noite mostrasse o estranho duo Chase & Status abrindo para o Prodigy. A segunda noite teria Metallica como atração principal, tocando o Black album inteiro, com o Sabbath fechando a última noite de domingo. Estrelas como Soundgarden da primeira geração de estrelas grunge de Seattle (que “abririam” para o Sabbath na noite final), Megadeth, Ghost and Slash mostraram uma variedade incrível de bandas, com um conjunto de shows que ia do que estava mais na moda, o que estava em ascensão, até os abatidos e quebrados e aqueles que “eu nem sabia que ainda estavam juntos”. Então entrou o Black Sabbath. A estrada para o festival tinha sido bastante dura. Poucas semanas depois do anúncio oficial do disco e da turnê de retorno, Tony Iommi tinha sido forçado a fazer um anúncio mais privado, menos triunfante: havia sido diagnosticado com câncer; em seu caso, uma forma de linfoma. Embora as notícias subsequentes tivessem tentado em vão obscurecer a realidade de seu declínio cancerígeno, uma coisa era evidente: a batalha de Tony Iommi com o linfoma tinha piorado. Tomado pela náusea e pela exaustão — o efeito colateral implacável da quimioterapia —, a energia de Tony tinha desaparecido e a notícia de sua deterioração acompanhara o anúncio do cancelamento da turnê mundial do Sabbath, menos o Download e o Lollapalooza. Originalmente agendada como uma abertura para uma triunfante campanha de retorno, Download agora estava parecendo um canto do cisne. Até nos dias anteriores ao show de 10 de junho, a incerteza começou a tomar conta de cada movimento da banda. No primeiro dia do festival, os sorrisos seguros do Whisky a Go Go tinham desaparecido havia muito tempo — junto com Bill Ward. Citando problemas contratuais, Bill tinha feito reclamações públicas, culpando especificamente Sharon Osbourne por insistir num contrato “impossível de assinar”, e em sua página no Facebook havia

desfilado uma longa lista de reclamações de vários anos. Em um post no Facebook chamado “Declaração sobre o Disco e a Turnê do Black Sabbath: Los Angeles, Califórnia — 2 de fevereiro de 2012”, Bill escreveu: Caros fãs do Sabbath, companheiros músicos e pessoas interessadas. Neste momento, o que eu mais gostaria era de ser capaz de seguir com o disco e a turnê do Black Sabbath. No entanto, não posso continuar, a menos que um contrato “possível de ser assinado” seja feito; um contrato que reflita alguma dignidade e respeito por mim como membro original da banda. No ano passado, trabalhei de forma aplicada e de boa-fé com Tony, Ozzy e Geezer. E em 11/11/11, novamente de boa-fé, participei da conferência de imprensa em Los Angeles. Há alguns dias, depois de quase um ano tentando negociar, outro contrato “impossível de assinar” me foi entregue. Deixe-me dizer que apesar de isso me colocar em compasso de espera, estou pronto para deixar os Estados Unidos e partir para a Inglaterra. Mais importante, eu definitivamente quero tocar no disco e definitivamente quero fazer a turnê com o Black Sabbath. Desde a notícia da doença de Tony e a compreensão de que a banda iria mudar a produção para o Reino Unido, passei todos os dias prontos para viajar. Isso envolve algumas tarefas, e quando tentei descobrir o que estava acontecendo nas sessões no Reino Unido, percebi que estava sendo ignorado (e, devo acrescentar, não pela primeira vez). Sentindo-me um pouco condenado ao ostracismo, meu palpite é que hoje não vou saber nada do que está acontecendo, a menos que assine o “contrato impossível de assinar”. O lugar em que estou parece nojento e solitário porque, por mais que eu queira tocar e participar, também tenho que me posicionar e não aceitar tudo. Se eu assinasse o contrato como ele está, estaria perdendo meus direitos, dignidade e respeito como músico de rock. Acredito na liberdade e na liberdade de expressão. Cresci numa banda de hard rock/metal. Nós defendíamos algo então e tocamos de coração com honestidade e sinceridade. Tenho o espírito de integridade, longe da doença corporativa, sou verdadeiro e honesto, justo e compassivo. Se for substituído, preciso me dirigir a vocês, os adorados fãs do Sabbath. Espero que não me julguem responsável pelo fracasso de uma reunião original do Black Sabbath. Sem tentar encontrar culpado, quero garantir a todo mundo que minha lealdade ao Sabbath está intacta. Então aqui estou, apresento minha verdade para vocês. Posso seguir SE me mandarem um contrato “possível de assinar”. Não quero decepcionar ninguém, especialmente o Black Sabbath e todos os seus fãs. Vocês sabem que adoro vocês. Seria um dia triste no rock se esta situação atual continuasse por desejo de alguns. Minha posição não tem a ver com ganância. Não estou querendo uma “parte grande” da ação (dinheiro) como algum tipo de contrato chantagista. Gostaria de algo

que reconhecesse e refletisse minhas contribuições à banda, incluindo as reuniões que começaram há catorze anos. Depois da última turnê jurei nunca mais assinar um contrato pouco razoável. Quero um contrato que mostre algum respeito comigo e minha família, um contrato que vai honrar tudo que eu trouxe ao Black Sabbath desde seu começo. Esta é a história até o momento. Fiquem seguros e fiquem fortes. Adoro cada um de vocês Bill Ward. Duas semanas depois, houve outro post na página de Bill no Facebook: Caros fãs do Sabbath, Quero que saibam como estão as coisas, do meu ponto de vista, até hoje, 17 de fevereiro de 2012. Como minha declaração de 2 de fevereiro de 2012 indicava, não me recusei a participar do disco e da turnê do Sabbath. Na primeira oportunidade estou preparado para ir ao Reino Unido e gravar, depois fazer a turnê com a banda. Na semana passada, nos comunicamos com o advogado responsável pelas negociações para tentar chegar a um acordo. Neste momento estamos esperando uma resposta. Continuo esperançoso de um contrato “possível de ser assinado” e um resultado positivo. Quero agradecer todo mundo que falou e postou suas opiniões, pensamentos, apoios e amor através de toda a mídia, incluindo sites recém-construídos. Aplaudo a reação mundial em apoio à banda original. E, falando por mim mesmo, suas intenções e verdades sempre serão respeitadas. Apesar de acreditar na liberdade de expressão de vocês, lembrem-se que Tony, Ozzy e Geezer ainda são meus amigos de toda a vida, e não posso apoiar comentários com temas agressivos ou derrogatórios contra eles ou seus vários representantes. Muito obrigado a todos vocês. São realmente fenomenais. Fiquem seguros, fiquem fortes. Bill Ward. Ele recebeu centenas de comentários de volta. Outros milhares chegaram em fóruns e salas de bate-papo de todo o mundo, mas Sharon não recuou um centímetro. Por que deveria? Bill podia receber o que ele considerava sua parte justa de nada, ou o que ela mandasse. Bill escolheu o nada. Mais uma vez, a reunião da formação original estava cancelada. Não que a banda parecesse se importar, apenas remendaram as rachaduras. Ozzy com certeza não

receberia um “contrato impossível de assinar”, não é mesmo? Finalmente, em 15 de maio de 2012, Bill tornou oficial, mais uma vez através de uma mensagem em sua página no Facebook: Caros fãs do Sabbath e colegas músicos: Fico triste em informar que depois de um esforço final para participar dos próximos shows do Sabbath, não foi possível chegar a um acordo. Neste momento, tenho que informá-los que não vou tocar no show do Black Sabbath em Birmingham de 19 de maio de 2012, nem vou tocar no Download em 10 de junho de 2012. Além do mais, não vou tocar no Lollapalooza em 3 de agosto de 2012. É com o coração muito triste que trago esta notícia. Fiquei sinceramente animado para tocar com a banda e sinto muito que tenha chegado a isso. Esta declaração é ainda mais dolorosa de escrever, já que eu estava especialmente animado para tocar junto com Tony Iommi depois do recente tratamento pelo qual ele passou. Queria que isso se tornasse realidade. Ele então faz referência aos leitores para que releiam seus comentários originais para mais detalhes sobre sua posição. Geezer Butler foi quem respondeu às últimas postagens de Bill com uma declaração própria, na página oficial da banda no Facebook, datada de 19 de maio de 2012. Geezer escreveu: Fico triste ao ver a reunião do Sabbath se tornando meio que uma novela na internet. Foi um ano duro para nós como banda, logo depois do anúncio dos planos de nossa reunião, Tony foi diagnosticado com linfoma, deixando-nos sem outra escolha que não fosse postergar a turnê do Sabbath, e depois Bill saiu em público em seu perfil falando de um contrato impossível de assinar. Nenhum de nós sabia como Tony ia responder a sua intensiva quimioterapia e radioterapia. Ozzy e eu voamos para a Inglaterra para ficarmos com Tony, e em seus dias “bons” nos encontrávamos em seu home studio e juntávamos ideias para o próximo disco, todos os três sentados, sem nenhum baterista, só nós três, tranquilos, trocando ideias. Pensamos que quando tivéssemos músicas suficientes para um ensaio completo, voltaríamos para Los Angeles e juntaríamos tudo com Bill. Infelizmente, para nossa surpresa, Bill deu uma declaração em seu perfil falando de um contrato impossível de assinar. Ele não tinha dito a nenhum de nós que estava tendo problemas contratuais e francamente essas coisas são resolvidas entre nossos representantes, e nunca entre os quatro, muito menos em público. Tivemos a ideia de manter apenas um show neste ano, esperando que Tony estivesse bem o suficiente para aquele show e que as coisas com Bill estivessem resolvidas. Como vocês podem imaginar, um show no Donington Festival (Download) custa uma fortuna para montar, envolvendo mais de cinquenta pessoas, transporte, passagens aéreas, hotéis,

refeições, agentes, promotores, contadores, advogados etc., então nenhum de nós esperava ganhar muito dinheiro com ele — era um show único do Sabbath para os fãs antes de gravarmos o novo disco. Aparentemente isso não era aceitável para os representantes de Bill, eles queriam uma quantia que era tão irreal que parecia ser uma piada. Então nos resignamos a fazer o Download sem Bill, esperando que ele mudasse de ideia e pelo menos fizesse uma participação como convidado. Começamos os ensaios algumas semanas atrás com Tommy Clufetos, o baterista que vai estar na Ozzy and Friends Tour. Baterista brilhante e cara legal. Foi decidido que era melhor fazer um show de aquecimento, para quebrar o gelo, já que nunca tínhamos tocado juntos ao vivo. A O2 Academy estava disponível em Birmingham, onde estávamos ensaiando, então decidimos por isso, e fazer uma doação ao Help For Heroes Charity, já que poderíamos resolver quaisquer problemas que pudéssemos ter. Então Bill publicou mais uma declaração dizendo que estava pronto para tocar no show de Birmingham, mas esperavam que ele tocasse “de graça”. Bem, acho que basicamente é como você levanta dinheiro de show para caridade — você toca “de graça”. Tudo que estou dizendo é que há dois lados para tudo. Espero tocar novamente com Bill algum dia. Por alguma razão, não foi dessa vez. Bill tomou sua decisão, e tenho que respeitá-la. Esperamos que tenha valido a pena a espera neste ano doloroso por um novo disco do Sabbath e com alegria e felicidade para todos. Fiquem frios, Geezer. A resposta imediata de Bill pelo Facebook, postada horas depois da de Geezer, foi assim: Caros fãs do Sabbath e músicos, Li a declaração de Geezer em 19 de maio de 2012, com o título “Coração pesado”. Por respeito ao show de Birmingham, queria esperar 24 horas antes de publicar esta declaração. Há alguns pontos que ele apresentou aos quais eu queria responder: 1) Eu na verdade notifiquei Ozzy, Tony e Geezer, muito antes da minha primeira declaração pública, de que estava tendo dificuldades contratuais. 2) Fiz as declarações públicas para ser responsável com os fãs, acima de tudo, e para mostrar que havia um problema. Os membros da banda pararam de falar e se corresponder comigo há algum tempo, com exceção de uma linda carta de Tony no meu aniversário. Antes disso, Geezer e eu estávamos nos correspondendo, mas isso parou abruptamente no final de fevereiro, depois que eu mandei por e-mail uma pergunta específica para ele. 3) Em minha declaração de 15 de maio, eu disse que tocaria em Birmingham de graça. Que isso não era um problema — fosse por caridade ou outra coisa.

4) Meu pagamento por Download não era uma quantia extravagante. Originalmente, quando Download era parte de uma turnê completa, eu tinha pedido uma quantia razoável. Mais recentemente, quando estávamos negociando somente Download/Birmingham e Lollapalooza, falei a meu advogado que aceitaria a quantia menor proposta para Download, mas que havia outras partes da oferta que eram insatisfatórias. Vou continuar a ser honesto e respeitoso em relação à banda e a nossos fãs. Também vou confrontar qualquer inverdade sobre mim e qualquer tentativa de me culpar que chegar ao meu conhecimento. Espero que a banda e os fãs tenham um bom show em Brum. Fiquem seguros/fiquem fortes. Bill Ward. Por causa dos enormes egos em questão, incluindo os dos Osbournes, Bill certamente sabia que essa lavagem de roupa suja em público significava um ponto sem retorno. Mas esses ressentimentos tinham queimado a cabeça de Bill por anos e com o fogo acumulado na temperatura máxima, suas chocantes acusações públicas destruíram qualquer chance realista de reconciliação a tempo para o Download. Os rumores de bastidor eram que Bill não conseguia aceitar o fato de que Ozzy — compreensivelmente, por seu status como uma das mais reconhecidas estrelas de rock do planeta — de novo receberia a maior parte dos milhões que entrariam, com os outros três tendo que dividir o que sobrasse. Mesmo se o que sobrasse significasse vários milhões de dólares. Bill, em sua maneira bizarramente arcaica, ainda mantinha a crença de que o Black Sabbath era, de alguma forma, apesar de tudo, uma banda de quatro pessoas iguais. Algo que, na realidade, eles nunca tinham sido. Certamente, de todos, Bill tinha sido sempre tratado como o bobo da corte, o tonto sempre por perto, a vítima das brincadeiras. Não era realmente assim, mas o fato permanecia: Bill tinha destruído sua própria carreira. Do ponto de vista de Sharon, o que ela estava oferecendo era pouco mais do que uma esmola glorificada. Bill queria uma pequena porcentagem de uma grande soma ou nada? Em público, certo ou errado, Bill escolheu o segundo. Duras brigas entre grupos leais explodiram no mundo on-line, com uma importante maioria insistindo que a palavra “reunião” era agora inaplicável sem Bill por trás das baquetas. Desde 1969, o Sabbath tinha visto 25 músicos passarem por suas formações, com Tony como o único constante, mas os puristas ficaram bravos compreensivelmente. Como poderia haver uma reunião genuína sem Bill? Estavam de novo vendendo espelhinhos aos fãs do Sabbath? Além da semântica da palavra “reunião”, a ausência de Bill implicava uma questão mais substancial. Seu estilo, muito influenciado pelo jazz e outros estilos progressivos, incrementou o som do Sabbath com uma cadência única, fluida; não era a força das batidas que definia

Bill, mas os espaços entre elas. Enquanto os riffs de Tony eram em geral aclamados como a essência do som do Sabbath, igualmente importante era a espinha dorsal do aspecto essencial da banda — eventualmente o som do heavy metal como é agora entendido —, a interação entre Bill e Geezer. Com a aproximação do Download, a história da recusa de Bill Ward a tocar acabou frustrando toda a animação da mais recente “reunião” do Sabbath. Enquanto isso, foi finalmente confirmado que, como um post no Facebook de Geezer tinha sugerido, o baterista regular de Ozzy em sua banda solo, Tommy Clufetos, tinha sido chamado para se juntar ao Sabbath em seus shows ao vivo. Tommy tinha ganhado sua reputação como um dos mais poderosos bateristas do planeta, tocando para Alice Cooper, Ted Nugent e, mais recentemente, Rob Zombie. O estilo de Tommy era feroz, à beira da violência; ele às vezes até saltava de seu banquinho para trazer todo o peso de seu corpo por trás de suas batidas. Como profissional, Clufetos era experiente o bastante para saber como melhor tratar o material e, por consenso comum, era um ritmista de elite. Mas havia pouca chance de que seu estilo agressivo não alterasse profundamente o som do Sabbath; a diferença entre Bill e Tommy era como a diferença entre futebol e futebol americano. No show de aquecimento no Birmingham O2 Arena, com Clufetos por trás da bateria (não apresentado por Ozzy), a banda mandou vários clássicos para a plateia de 3 mil pessoas, que inundou a internet com resenhas efusivas, fotos e vídeos de celular, que revelavam uma banda em muito melhor forma do que qualquer um poderia ter imaginado. Talvez o show no Download ainda pudesse entrar nos livros de história. Depois disso, ninguém sabia. O clima no primeiro dia do Download Festival rivalizava com as chuvas torrenciais que tinham maltratado Glastonbury no ano anterior. Os organizadores adiaram a abertura do festival até as catorze horas para colocar mais feno sobre o barro que antes tinha sido um gramado, enquanto chovia forte. Os ventos uivantes tinham transformado os banners do festival em perigosos mastros gigantes, então a equipe de produção tirou várias faixas e banners potencialmente letais para que não empalassem algum pobre campista. Certas bandas que estavam agendadas para tocar no começo do dia foram totalmente canceladas; o nível de precisão exigida para orquestrar os conjuntos de mais de cem bandas em cinco palcos durante três dias de vento e chuva dava pouco espaço para improviso. No segundo dia, as chuvas tinham parado e os campos tinham secado um pouco, embora o público, cruzando os campos, acabasse caindo em poças de lama tão profundas que muitos perderam seus sapatos na versão britânica da areia movediça. Quando chegou domingo e as bandas da tarde começaram seus shows, a única coisa que ameaçava o grande momento do Sabbath era o próprio Sabbath. Claro, o que fez seu show tão prestigioso — tocando na noite final de um festival de três dias — também significava que eles estariam enfrentando uma cidade de fãs de música que tinha ocupado um campo por três dias, bebendo e comendo até o estupor, enquanto eram eletrizados por literalmente centenas de hinos do heavy metal. Nessas

circunstâncias, não havia espaço para aquecer a plateia; ou você a agarrava pelos cabelos na primeira música ou estaria cantando para milhares de pessoas de costas, saindo para o estacionamento. O palco principal Jim Marshall (homenagem ao pioneiro dos amplificadores que havia falecido no começo daquele ano) ficava bem alto no meio do campo, com enormes telões de cada lado e torres de monitores subindo do palco como gigantescas presas pretas. Durante todo o dia, apresentou shows de Lamb of God, Megadeth, e um show surpresa do Soundgarden, antes que o palco fosse preparado para o evento principal. Pouco antes de o show do Sabbath começar, um convidado indesejado chegou “disfarçado” como um vento muito frio soprando pelo parque. Apesar do calor corporal de 100 mil pessoas, até os metalheads com cara mais ameaçadora vestidos de couro pulavam para tentar vencer a baixa temperatura. E então começou. Como a conferência de imprensa no Whisky, a aparição do Sabbath teve início com uma montagem de vídeo da história da banda antes que os quatro músicos entrassem sob aplausos, abrindo com — o que mais? — “Black Sabbath”. Apesar dos desafios acústicos apresentados por um show ao ar livre em um dia frio e com vento, a banda soava bem polida e robusta por todo o sistema de PA do tamanho da NASA no Download. Aquelas primeiras notas assustadoras e bruxuleantes soaram majestosas e, naquele instante, toda a expectativa e a incerteza evaporaram. Até do fundo do campo, o quarteto parecia robusto e confidente. A multidão ia avançando. Aos 63, os dias de Ozzy correr pelo palco já tinham ficado havia muito para trás. Em vez disso, ele se chacoalha e balança a cabeça seguindo a música. Havia, no entanto, certa pureza em tudo isso. Ele parecia perdido nos sons, divertindo-se em cada nota, às vezes esquecendo a legião de nervosos fãs a seus pés. Ozzy não estava interessado em brincar com sua audiência; estava ali para deleitar-se em ser parte de um dos maiores catálogos da história do rock. Tinha essa música e estava muito feliz em poder tocá-la de novo. Se os descrentes estavam procurando rachaduras na superfície, foi uma perda de tempo; o Sabbath estava em plena forma desde a primeira nota, e embora nesse ponto a banda já tivesse trabalhado em cima de quinze novas músicas para o próximo disco, não era uma noite para novo material. Só bandas com algo a provar se preocupavam com imposições vergonhosas, como a de apresentar novo material. Tony, o braço da sua guitarra adornado com crucifixos combinado com o que estava pendurado em seu pescoço, parecia não estar afetado por sua batalha contra o linfoma, embora se movimentasse pouco, colocando a música acima do show. Na verdade, com exceção do furioso Tommy Clufetos, sem camisa, a banda não fez muito teatro, em geral ficando perto de seus monitores, ocasionalmente caminhando até a frente do palco antes de retirar-se de volta a seu canto. Enquanto isso, Ozzy estava atuando de um modo que, de muitas formas, era o oposto polar do palhaço bobão que tinha se tornado na TV durante a década anterior, e voltou a se portar como uma estrela de rock, impulsionando o show de uma música para a outra com uma

estranha intensidade. Ele falou pouco entre as músicas e ao fazer isso deixou que a música se tornasse o centro. Ocasionalmente zombando ou seduzindo a plateia, Ozzy estava sério. Desapareceu a caricatura grosseira de seu programa de TV; ali estava o frontman perfeito, dominando a plateia, alimentando-a com poucos gracejos, só a quantidade certa de movimentos, para mantê-los comendo tranquilos em sua mão. Ameaçador, desafiador e às vezes irritado, Ozzy Osbourne não precisava de pirotecnia ou ginástica para lembrar ao mundo quem exatamente tinha começado o heavy metal. Durante a terceira música, “Behind the wall of sleep”, Ozzy apresentou “Mr. Geezer Butler” para seu solo de baixo; um interlúdio sonoro que previsivelmente inspirou um campo de chifres com os dedos de Dio entre os fãs. Por trás dos ataques com esteroides de Clufetos contra o couro da bateria, o Sabbath soava mais vivo do que nunca. Nenhuma misericórdia, nenhum sentimentalismo; só puro Armageddon musical. Num ponto, Ozzy fez um gesto para Tony e disse: “O cara no palco que eu conheço a maior parte da minha vida e é um dos caras mais fortes que já vi. Vamos ouvir Mr. Tony Iommi”. A multidão, sabendo da situação de Tony, respondeu de acordo. O aplauso fez a terra tremer. “War pigs” foi cantada por todos, antes de a banda mudar para “Electric funeral”, “Wheels of confusion”, “Sweet leaf” e “Symptom of the Universe”, seguida por um revigorante solo de bateria. A pegada de Clufetos, com 32 anos, uivando e pulando em seu banquinho, enquanto enchia o campo britânico com uma bateria alta o suficiente para fazer Stonehenge tremer. Bill Ward pode ter feito falta, mas a explosiva aprovação da multidão sugeriu que sua ausência não diminuiu a diversão do show. Não dessa vez, pelo menos. O som era imenso. “The wizard” começou rolando como um trovão quando Iommi ficou atrás de Ozzy colocando fogo na multidão. Tão simples em sua brutalidade. A pentatônica menor e os power chords, só isso. Os blocos centrais de um grupo para com os quais toda banda que tocou antes deles nesse fim de semana têm uma dívida. Geezer apresentou-se em sua melhor forma. Ele se uniu à bateria de Tommy Clufetos como um míssil guiado. Clufetos foi impressionante. Trovão, fúria, poder e glória caindo sobre nossas cabeças como os martelos dos deuses. O bumbo duplo apareceu, com bom gosto e bastante bem aplicado, acrescentando um brilho real à mistura, trazendo um agradável ar contemporâneo ao som que iniciou o heavy metal. Quando o show chegava ao fim, a plateia estava doida, gritando por mais, e quando Ozzy gritou: “Vocês têm que fazer algo por mim nesta última música, ficarem loucos pra caralho!”, a maioria ficou feliz em obedecer. O final do show foi o mesmo de quarenta anos antes: “Children of the grave” ofegante, seguida por uma incrível “Paranoid”. Quando finalmente acabou, eles se juntaram na frente do palco para agradecer enquanto os fogos de artifício começaram a explodir acima deles. Ninguém mais se moveu quando o Sabbath saiu do palco. Poderia não ter mais dez anos de banda, mas, por enquanto, o Black Sabbath era mais uma vez o mestre de sua própria realidade. Seria a última vez que eles tocariam essa música em sua terra natal? Não enquanto Tony Iommi ainda respirasse.

Desde então os empresários da banda espalharam muitas informações sobre o novo disco. Seria chamado 13. Não, não é o caso. Na verdade, 13 é o título. Bom, teremos que ver. Etc. O que é certeza é que, com o novo contrato com a Universal já garantido, e datas de turnê japonesa, australiana e neozelandesas fechadas para o começo do verão, 13 — como acabou sendo chamado — foi lançado em junho de 2013. Falando para o site da NME, Ozzy comentou: “Compusemos umas quinze músicas até agora, se elas vão entrar no disco [não sei]… Dá para continuar compondo. Eu estava tentando [entender]: onde estaríamos agora musicalmente se tivéssemos ficado juntos?”. Em relação a como Rubin participou das sessões de composição com a banda, Butler falou: “Ele nos sentou, colocou o primeiro disco para tocar e disse: ‘Ouçam isso, imagine que é 1969, vocês acabaram de gravar isso, o que fariam em seguida?’”. Iommi também discutiu sua batalha contra o câncer e como tocar com a banda no verão passado deu muita “energia”. Ele contou: “Foi ótimo. Tendo passado por tudo que passamos no último ano, foi como viver em um mundo diferente — estar no palco e receber aquela [reação dos fãs] é simplesmente fantástico, realmente dá muita energia”. Tentei falar de novo com Bill, uma última vez, para este livro, no começo de 2013, mas, apesar de ele continuar cordial e me agradecer pelo interesse, deixou claro que já “tinha dito tudo que tinha para dizer” sobre o assunto Black Sabbath — por enquanto. E que ele estava, na verdade, pensando em escrever o próprio livro sobre o assunto. Sua dor, no entanto, claramente continua considerável. Quem sempre foi a vítima das piores “brincadeiras” de Tony, apesar de ser sempre o que mais ficou próximo de Ozzy, e sem o qual o baixo ranzinza de Geezer simplesmente nunca teria nenhum dos grandes tentáculos que demonstrava, independente do que o resto deles fale agora, fará muita falta tanto em 13 quanto na subsequente turnê mundial cujas datas estão planejando anunciar quando o disco reunir a necessária quantidade de publicidade de novo. A última vez que conversei realmente com Bill foi durante sua última turnê com o Sabbath, no verão de 2005. Estávamos discutindo o iminente aniversário da morte de seu amigo John Bonham — e todos os outros amigos bateristas que tinham morrido. O mais comovente de todos, Cozy Powell, um dos muitos bateristas que tinham tentado — e fracassado — substituir Bill no Sabbath e que morreu em um acidente de carro em abril de 1998. De acordo com uma matéria da BBC, no momento do acidente, o nível de álcool no sangue de Powell estava acima do limite legal, ele não estava usando cinto de segurança e estava falando com sua namorada no celular. Parece rude, mas é difícil imaginar que Powell, que adorava velocidade e era louco por carros, pudesse ter uma forma melhor de morrer — se não tivesse acontecido cedo demais. Ele só tinha cinquenta anos. Falamos sobre isso, e Bill me contou sobre as coisas que leva com ele na estrada que normalmente não conta a ninguém. Bem perto dele, em uma caixa que mantém ao lado do beliche onde dorme, em seu próprio ônibus personalizado, “carrego diferentes coisas que pertenciam a meus amigos que faleceram. Tenho as luvas de Cozy”, ele contou, emocionado.

Guarda lembranças de outros que ele pediu que não divulgasse. Parcialmente, ele falou, porque de alguma forma sente quase culpa por ser o que não morreu jovem. “São apenas fotos de nosso tempo juntos e outras coisas particulares”, ele disse. “Mas guardo todos esses caras perto do meu coração e só sei que eles eram os melhores. Cada cara desses, eu devo muito a eles.” Ele suspira fundo e acrescenta: “São meus anjos da guarda. Isso pode parecer realmente bobo talvez, estou muito vulnerável com isso agora, Mick. Mas geralmente converso com Cozy, Bonzo, Mick Evans, [Jim] Capaldi… Caras que morreram, que não estão mais aqui. Falo com eles antes de fazer um show ou se estamos na estrada. Tenho uma pequena mochila que carrego com algo deles dentro. Estão sempre comigo na estrada. E eu brinco sobre isso. Quando estou em casa, antes de fazer minha mala, vou dizendo: ‘Vamos lá, todos vocês. Estamos voltando à estrada, caras!’”. Ele disse como sua última conversa com Cozy aconteceu poucos dias antes da morte do amigo e que ele “se sentia determinado, embora não houvesse nada para resolver”. E era como ele se sentia agora em relação aos caras no Sabbath? “Hã… não sei sobre estar resolvido. Mas estamos nos perdoando um ao outro, acho. E a gente se adora. Apesar de tudo…” No final da primeira década do século XXI, apesar de seus frequentes shows novamente com o Black Sabbath, sua lista de discos solo cada vez menos interessantes — quatro naquela década, a maioria continuou a tocar bem com cada geração emergente de moleques curtindo heavy metal, mas nenhum conseguindo capturar a fagulha, a energia ou o interesse de seus melhores trabalhos com Randy Rhoads ou Tony Iommi —, Ozzy Osbourne não era mais considerado mera estrela do rock, com ou sem a banda que já o expulsara, mas agora se baseava nele para continuar sua meia-vida. Ele era uma estrela da TV. Além do mais, uma estrela de um “reality” show. Um dos primeiros e ainda o melhor, mas nada mais que isso. E não só Ozzy, mas Sharon também e dois de seus três filhos, Kelly e Jack (Aimee, a mais velha, conseguiu evitar a ignomínia de se tornar estrela de The Osbournes ou The X Factor, ou qualquer um dos outros programas aos quais os pais e os irmãos emprestaram seguidamente suas reputações). The Osbournes, que começou a ser transmitido nos Estados Unidos em fevereiro de 2002, tinha se transformado em um fenômeno da televisão da noite para o dia, e seria o progenitor de dezenas de cópias, nem de perto tão boas, mas ainda passando em canais por aí, como satélites enferrujados abandonados uma década depois. Como o próprio Don Arden me disse mais de uma vez: “Não tem a ver com quem está certo ou errado, rapaz. Tem a ver com quem vence. E eu sempre fui um vencedor, não importa o que digam a meu respeito”. Outra lição que sua filha aprendeu muito bem. Pois se há algum vencedor real na história do Black Sabbath é certamente Sharon Osbourne, que não nasceu pobre em Aston, não compôs ou gravou nenhuma canção, nem apareceu em nenhum de seus shows (pelo menos, não no palco), mas cujos sonhos e desejos decididamente impulsionaram a carreira deles até sua atual

conclusão, tão certeiramente quanto se fossem bonecos num carrinho de bebê. A última vez que me sentei para conversar com Ozzy foi no hotel Dorchester, não muito depois que The Osbournes tinha transmitido seu episódio final, e a carreira de Sharon na TV tinha começado a ganhar velocidade com suas aparições supostamente mais sérias no primeiro X Factor britânico, depois no America’s Got Talent. Quem teve a ideia original para um programa de TV? “Os jornalistas vinham em casa e era como tentar fazer uma entrevista num shopping center. Sempre a porra de algum drama ou uma calamidade acontecendo. Eles perguntavam: ‘É sempre assim? Vocês são meio loucos?’. Então eu disse para Sharon: ‘Sabe o que deveríamos fazer? Filmar essas coisas’. Quer dizer, às vezes coisas estranhas acontecem e você pensa: ‘Isso deve ter sido montado! Algo assim não aconteceria na vida real’. Mas para nós é algo diário. Por isso que eu nem consigo assistir.” Qual tinha sido sua reação inicial ao sucesso instantâneo do programa? “Era como ir dormir uma noite, acordar no dia seguinte, abrir a porta e existir um mundo completamente diferente lá fora. Eu pensei: ‘Sou eu ou isso é realmente estranho pra caralho?’. Todos esses caras de TV pulando de alegria. No final perguntei a eles: ‘Se o programa tivesse sido um disco, quantas cópias teríamos vendido?’. Um cara disse: ‘Você conhece Thriller? Bem, teria sido como uns dezoito Thrillers’. E eu penso: ‘O quê!?!’. Então também fico pulando de alegria!” E agora? “Uma coisa que aprendi sobre a TV, você acha que a indústria musical é estranha; na TV eles são realmente loucos pra caralho. Quero dizer, eles acordam, provavelmente trepam, ou cheiram uma carreira, ou se arrastam na merda de cachorro ou sei lá o quê. Então eles aparecem na televisão e falam: ‘OI, GENTE, É JIMMY E SUE!!!’. Eles não conseguem falar: ‘Puta merda, está chovendo e eu me sinto uma bosta…’. Em nível pessoal, foi estranho. Tipo, eu acabei de ir a uma reunião da Alcoólicos Anônimos. Ninguém costumava piscar um olho quando eu entrava numa reunião, agora todos vêm falar comigo. É o mesmo em todos os lugares a que vou agora. As pessoas acham que me conhecem…” Onde se encaixa o Black Sabbath nessas coisas para ele agora, me pergunto? Ele continua ligando para isso? “Da mesma forma que sempre”, ele respondeu naquela voz cantada, meio Brummy, meio Los Angeles. “Mas não quero forçar a sorte. Passei de absolutamente odiá-los — quantas milhares de vezes você deve ter me ouvido dizer que nunca tocaria de novo com eles — a deixar tudo isso para trás. Nós crescemos, mudamos. Mas se pudéssemos fazer outro disco juntos… Ouça, se começássemos a compor e saísse um novo Master of reality ou Sabbath bloody Sabbath, eu seria um porra de um idiota se não lançasse. Porém não vou fazer um novo disco do Sabbath só pelo nome. Não quero fazer algo meia-boca e que todo mundo diga: ‘Oh, eles só fizeram isso por dinheiro…’.” Ele descobriu seu problema de saúde? Se não era esclerose múltipla, ele finalmente descobriu o que era? “Sim. Sempre assumi que eram o álcool e as drogas. No final, estava errado. Descobri isso só recentemente, na verdade, mas parece que se origina na família de

novo. Faz alguns anos, comecei a desenvolver um tremor realmente sério. Achei que era por causa da desintoxicação. Estou pensando, será o choque? Estou tendo um colapso nervoso? Agora descubro que tenho… Chama-se Parkin, mas não é Parkinson. Algo a ver com o sistema nervoso central, tem a palavra Parkin nele, aparentemente. O que eu tenho se chama Parkin Hereditary Tremor e eu preciso tomar um remédio todo dia pelo resto da vida. Quando descobri, liguei para minha irmã. Ela fala: ‘Você também!’. Eu falei: ‘Como assim, eu também?’. Ela conta: ‘Oh, mamãe tinha isso, a tia Elsie também e sua avó…’. E eu digo: ‘Obrigado por me contar, caralho!’. Eu andando por aí tantos anos pensando que tinha algum tipo de paralisia pelas drogas.” Ele se vê como um sobrevivente? “Não sei se sou ‘sobrevivente’, abençoado ou simplesmente sortudo. Usei e abusei por anos. Deveria estar morto. Eles falam sobre dinheiro, mas, honestamente, a coisa mais valiosa para mim agora é minha sobriedade. Nunca tive tanto tempo para pensar, com uma cabeça limpa.” Ele já pensou por que se tornou um viciado? “O que reconheço agora é que tenho certos sentimentos — certos medos que têm a ver com minha infância — com os quais não sei lidar. Quando eu era jovem, a gente gritava muito, mas nunca se comunicava. Meu velho tinha uma briga com minha mãe, então ia até o pub, aí voltava para casa feliz e cantando. Eu pensava que o pub deveria ser um lugar fantástico. Beber e fumar eram coisas normais na nossa casa. Quando eu não conseguia dormir, meu pai me dava uma cerveja. Então, por um bom tempo, o álcool foi ótimo para mim. Eu adorava e me divertia muito com ele. Mas então, como acontece com tudo, a diversão acabou. Parou de funcionar, porém eu ainda tinha o medo e as vozes na minha cabeça me falando para tomar outra.” Ele tinha falado comigo muitas vezes sobre as vozes em sua cabeça. Eu tinha sempre assumido que era algo das drogas. Ele ainda as ouvia agora, apesar de estar sóbrio? “Sim. A coisa é, é uma doença da mente, do corpo e do espírito, então você está espiritualmente doente. E não tenho escolha a não ser aceitar isso, porque quando faço o que é sugerido que eu faça, as vozes param. Porque eu costumava ter uma porra de uma torcida de futebol na minha cabeça, sabe? Além do mais, sou muito compulsivo. Sharon vai pedir uma taça de Château de Fuckwit ou algo assim, mas para mim é ou tinto ou branco, e acordo no dia seguinte com a cama mijada. Hoje aprendi a reduzir as vozes. Acredito que tudo é equilíbrio. Não dá para ter o bom sem o ruim, não dá para ter o dia sem a noite, não dá para ter luz sem sombra. É tudo yin e yang. É tudo equilíbrio.” É assim que ele se sentia esses dias, então: mais equilibrado? “Não, não! Ainda sou o fodido mais desequilibrado que você já conheceu. Mas estou trabalhando sobre mim mesmo. É um processo realmente estranho, mas de repente… Não sei se cresci ou se uma das minhas válvulas do bom-senso finalmente se abriu, mas eu nem fico doido quando outras pessoas estão bebendo agora. No entanto, me tornei um daqueles terríveis ex-fumantes. Dizem que um ex-fumante é pior que um não fumante e é verdade. Não consigo ficar perto da fumaça. Felizmente, na Califórnia, não se pode fumar nem na bosta de uma chaminé agora. Mas recentemente eu estava num restaurante em Londres com Sharon, e havia uma mulher na mesa

ao lado fumando um atrás do outro durante sua refeição. Então eu olho de novo e ela tem a porra de um charuto em sua boca! Sharon diz: ‘Ela provavelmente vai para a cama com a porra de um cachimbo na buceta!’.” Ele agora tem sessenta. Se não quisesse, não precisava voltar a trabalhar, certo? “Bom, isso não é exatamente verdade, porque quanto mais dinheiro você ganha, mais pessoas precisa empregar para manter tudo funcionando. Maiores escritórios, de repente, mais segurança. E então você vive em Beverly Hills… quero dizer, eu poderia me aposentar, mas que bosta vou fazer? Olhar pela janela o dia todo? É uma porra de um emprego difícil, o meu…” Então o que sobrou para o Ozzy Osbourne agora? Ele tem algum plano de vida, nesse momento? “The Osbournes terminou, graças a Deus, então finalmente posso peidar e andar pelado em minha própria casa novamente sem que alguém fique rindo de mim. E estou fazendo outra turnê neste verão. Mas onde vou estar no ano que vem ou algo assim… Você precisa se lembrar com quem está falando. Por causa do programa [Alcoólicos Anônimos] em que estou, tudo que devo fazer agora é tentar sobreviver um dia de cada vez. E considerando alguns dos meus dias, se consigo cumprir isso, então realmente sou a porra de uma estrela…” Por sorte, consegui falar com Wendy Dio pouco antes de terminar este livro. Wendy, que continua muito amiga de Gloria Butler, também ficou em contato com Tony e Geezer. Ela falou como explodiu em lágrimas quando ouviu sobre o diagnóstico de Tony, como isso trouxe dolorosas lembranças da doença de Ronnie novamente. Como Geezer foi uma das últimas pessoas de quem Ronnie se despediu antes de falecer. Dessa vez, no entanto, havia notícias melhores, ela esperava. “Tony passou por isso e agora está indo muito bem. Sei que Tony vai vencer. É inacreditável. Ele está indo muito bem. Sabe, acho que foi porque Ronnie faleceu que ele foi ao médico. Porque tinha uns nódulos linfáticos na virilha e acho que em vez de deixar pra lá e pensar, oh, sabe, tudo bem, acho que ele foi e detectou cedo. E ele parece ótimo. Está fantástico de novo.” A prova disso foi quando Tony, Geezer e Ozzy chegaram em Londres, em março de 2013, para dar uma série de entrevistas e promover o iminente lançamento de 13. Eles também trouxeram consigo três faixas do disco: a obra monolítica de nove minutos “God is dead”, que, incrivelmente, parece como se tivesse sido gravada para alguns dos dois primeiros discos, agora clássicos, acrescida de algumas letras “muito cabeças” de Geezer. “With God and Satan at my side” [Com Deus e Satã ao meu lado], canta Ozzy na mesma voz profunda e doída dos dias de outrora, “from darkness will come light…” [da escuridão vai surgir a luz…]. Ainda mais evocativo de seus primeiros dias é “The end of the beginning”, que começa muito parecida com a faixa original “Black Sabbath”, na lenta e arrastada velocidade da noite mais escura, antes de aos poucos ir gerando o tipo de groove profundamente viajante que nos faz lembrar que o Sabbath não só inventou o som peculiar do heavy metal britânico, mas também instigou o que é agora reconhecido como o completo e verdadeiro stoner rock americano. Faixas como “Age of reason”, com seu coda magnífico, parece algo do começo do Sabbath que poderia estar no Sabbath bloody Sabbath, ainda o disco referência deles, pelo

menos para este escritor. Será que Rick Rubin conseguiu fazer o que não pôde com o AC/DC e realmente levou o Black Sabbath a completar o círculo para onde eles iriam antes de perderem o que não sabiam que tinham até ser tarde demais? Talvez. O elo perdido, claro, é e vai continuar sendo Bill Ward. Mas o baterista que trouxeram para substituí-lo no disco, por sugestão de Rubin — Brad Wilk, do Rage Against The Machine —, faz, deve ser dito, um trabalho fantástico. “Brad estava muito nervoso”, Iommi contou. “Ele é um grande fã do Sabbath, mas fez um excelente trabalho.” E também, devemos acrescentar, o Ozzy. Ele realmente ainda não consegue escrever, mas sua voz nunca pareceu tão boa — tão natural — desde, sim, aqueles primeiros discos clássicos do Sabbath; outra inovação de Rubin, que, conta Tony, forçou Ozzy a cantar “num tom mais baixo. Rick forçou isso”. O elefante na sala era a doença de Tony, para a qual ele ainda estava recebendo tratamento, mas que não deveria evitar que a banda realizasse uma turnê mundial — só que em estágios. “Eu preciso receber quimioterapia a cada seis ou sete semanas.” Ou como Geezer, pela primeira vez tendo a palavra final, brincou: “Queremos fazer o máximo de turnê possível. Mas realmente tudo depende de ainda estarmos vivos. E na nossa idade isso vale para todos”. Amém.

Notas e fontes TENDO TRABALHADO com o Black Sabbath, Ozzy Osbourne e Ronnie James Dio de forma não contínua por quase 35 anos, tanto como jornalista quanto como assessor de imprensa, tive a felicidade de entrevistar todos eles em muitas ocasiões, assim como pude conhecê-los pessoalmente. Portanto, a maioria das citações neste livro foi tirada desses momentos. No entanto, também fui auxiliado pelo excelente trabalho de Joel McIver, o decano dos jornalistas de metal underground, cuja biografia da banda, Sabbath bloody Sabbath, vale muito a pena ser lida. Agradeço também a meus brilhantes pesquisadores, Joe Daly e Harry Paterson. Também há alguns excelentes livros que me ajudaram a unir os pontos da história do Sabbath e que ocasionalmente citei. Os mais notáveis são: Iron man, de Tony Iommi; Never say die, de Garry Sharpe-Young; Extreme, de Sharon Osbourne; Child in time, de Ian Gillan; Off the rails, de Rudy Sarzo; Love, crime and rock ‘n’ roll, de Paul Clark (inédito); e meus próprios livros anteriores: Diary of a madman; Paranoid; e Mr. Big. Também fui auxiliado por minha assinatura regular das seguintes revistas: Classic Rock, Mojo, Rolling Stone, Creem, Billboard e Metal Hammer; bem como pelos arquivos de NME, Melody Maker, Sounds, Record Mirror, International Times, Kerrang!, Let it Rock, Guitar Player, Disc & Music Echo, Trouser Press, The Rocket, Rag, Phonograph Records, Circus Raves, Guitar World e várias outras. Também há alguns recursos on-line que definitivamente valem a pena mencionar por sempre serem interessantes, mesmo quando não cedem citações, mas com certeza em termos de “cor” e background: Bob Nalbandian e Mark Miller, cujo podcast “Shockwaves” de 2002 era ótimo, e ainda e , e . Se esqueci inadvertidamente de mencionar e dar crédito a qualquer outra pessoa ou meio de comunicação, ficarei feliz em corrigir nas futuras edições.

Índice remissivo (Termos para pesquisa no e-reader) 101 Club Abrahams, Mick AC/DC Ballbreaker Adler, Steven Aerosmith Air Studios, Montserrat Air Supply Airey, Don Aldridge, Tommy Alice In Chains Dirt All Nighters Altham, Keith Amen Corner America’s Got Talent Anderson, Ian Anthrax Appice, Vinny Heaven and Hell Approach Arden, David Arden, Don e Meredith Goodwin e Patel Arden, Sharon ver Osbourne, Sharon Art Artisan News Service Astral Weeks Atkins, Chet Atomic Rooster Austrália Axis Aycock, Andrew Bad Company Bad-Axe Badlands Bain, Jimmy Bain, Rodger Baker, Ralph Bakerloo Blues Line Banali, Frankie Bandylegs Banfield, Phil Bangs, Lester Barber, Adrian Barre, Martin

Barsalona, Frank Basie, Count Basing Street Studios Bava, Mario Baxter, Jeff “Skunk” Bay Hotel, Sunderland Beaky Beatles, Os Sergeant Pepper Be-Bop Deluxe Beck, Jeff Bell, Max Bender, Ariel Berry, Chuck Bevan, Bev Big Arnie Big Bear (empresa) Birch, Martin Birkin, Jane Birmingham Cavern Birmingham O2 Arena Black Country Communion Black Oak Arkansas Black Sabbath 13 “A bit of finger” “A national acrobat” “After forever” “Age of reason” “Air dance” “All moving parts (stand still)” “Am I going insane (radio)” “Back street kids” “Bassically” “Behind the wall of sleep” “Black Sabbath” Black Sabbath Black Sabbath Vol. 4 Black Sabbath Vol. 5 “Blow on a jug” Born again “Breakout” “Buried alive” “Changes” “Children of the grave” “Children of the sea” “Computer god” “Country girl” Cross purposes “Deathmask” Dehumanizer “Die young” “Digital bitch” “Dirty women” “Disturbing the priest” “Don’t start (too late)” Download Festival

“E5150” “Electric funeral” “Embryo” “Evil woman (don’t you play your games with me)” “Fairies wear boots” “Falling off the edge of the world” “Fluff” Forbidden “Glory road” “God is dead” “Greensleeves” “Gypsy” “Hard life to love” “Hard road” “Headless cross” Headless Cross “Heaven and hell” Heaven and hell “Hole in the sky” “Hot line” “Into the void” “Iron man” “It’s alright” “Johnny blade” “Junior’s eyes’” “Keep it warm” “Killing yourself to live” “Lady evil” “Laguna sunrise” Live Aid Live evil “Lonely is the word” “Looking for today” “Lord of this world” Master of reality “Megalomania” Mob rules “N.I.B.” (“Nativity In Black”) “Neon knights” “Never say die” Never say die “Nightmare” “Nightwing” “Odin’s court” “Orchid” “Over and over” “Over to you” “Paranoid” Paranoid “Planet caravan” “Rat salad” Reunion “Rock ‘n’ roll doctor” “Sabbath bloody Sabbath” Sabbath bloody Sabbath “Sabbra Cadabra” Sabotage

Seventh star “She’s gone” “Shock wave” “Sign of the southern cross” “Sins of the father” “Sleeping village” “Slipping away” “Snowblind” “Solitude” “Song for Jim” “Spiral architect” “St. Vitus dance” “Stairway to heaven” “Step up” “Stonehenge” “Supernaut” “Supertzar” “Sweet leaf” “Swinging the chain” “Symptom of the universe” Talk of the devil Technical ecstasy, “The battle of Tyr” “The dark” “The elegy” “The end of the beginning” The eternal idol “The gates of hell” “The haunting” “The illusion of power” “The mob rules” “The rebel” “The shining” “The warning” “The wizard” “The writ” “Theme from shaft” “Thrill of it all” “Time machine” “Tomorrow’s dream” “Trashed” “Turn up the night” “TV crimes” Tyr “Under the sun” “Valhalla” “Voodoo” “Walk away” “War pigs” “Wasp” We sold our souls for rock ‘n’ roll “Wheels of confusion” “Who are you” “Wicked world” “Would you like to see the pope” “Zero the hero” Ver também Butler, Geezer; Dio, Ronnie; Gillan, Ian; Iommi, Tony; Martin, Tony; Murray, Neil; Nicholls, Geoff ; Osbourne,

Ozzy; Powell, Cozy; Ward, Bill Black Sabbath Parade Black, Cilla Black, Jack Blackmore, Ritchie Blind Melon Blizzard of Ozz Blue Murder Blue Öyster Cult Bluesbreakers BOC Body Count Bolan, Marc Bolin, Tommy Bolton, Michael Bon Jovi Bonamassa, Joe Bonham, Jason Bonham, John (Bonzo) Bono Bordin, Mike Boston, “More than a feeling” Bouchard, Joe Bowie, David “Moonage daydream” Branson, Richard Brøndby Pop Klub, Dinamarca Brown, Arthur Brown, James Brown, Savoy Brubeck (Dave) Quartet Bruce, Jack Brum Beat Busta Rhymes Butler, Gloria Butler, Terence Michael Joseph (Geezer) Geezer Butler Band Heaven and Hell saúde Buxton, Glenn California Jam Campbell, Vivian Canadian Dave Candy, John Canned Heat Capaldi, Jim Capitol Records Carey, Tony Carlo, Lee Di Carpenters Cash, Johnny Castelo Clearwell, Floresta de Dean Castle Donington CBS Chambers, Martin Chapman, Albert

Chapman, Ernest Chase & Status Cheap Trick Checkerdome Arena, St. Louis Cherokee Studios, West Hollywood Chicken Shack Chimes, Terry Christian, Charlie Circular (revista) Circus (revista) Civic Coliseum, Knoxville Clapton, Eric Clark, Herbert Lincoln Clark, Paul Clark, Petula Clarke, Alan (Acker) Classic Rock Clay (George) Music Shop Clufetos, Tommy Cobain, Kurt Cochran, Eddie Cocker, Joe Cole, Richard Colosseum Community Centre, Aston Park Road Community War Memorial Auditorium, Rochester, Compton House Cook, Roger Cooper, Alice Cope, Malcolm Copeland, Miles Costa Mesa Cottle, Laurence Coverdale, David Crawdaddy (revista) Crawling Kingsnakes Cream Creem (revista) Cristgau, Robert Criteria Studios, Miami Crosby, Stills and Nash Crow Crowley, Aleister Cunningan, Ernie Curtis, Tony D’Argenzio, Richard e Ray Daddy Cool Daisley, Bob “Black Sally” “You can’t kill rock and roll” Dalton Records, Santa Monica Daly, Joe Dandy, “Big” Jim Davis, Clifford Davis, Miles, Bitches Brew De Paul, Lynsey, “No, honestly”

Dead, Anthem of the sun Dee, Dave Deep Purple “Black night” Deep Purple Made in Japan “Smoke on the water” Def Leppard DeLeo, Don DeLeo, Robert Denmark Denver Coliseum Derringer, Rick Diamond Head Dio, Ronnie James (Padovana) Angry machines Heaven and Hell Holy diver Lock up the wolves Magica Magica: II Magica: III Master of the moon retorno ao Black Sabbath Sacred heart saúde e morte Strange highways The last in line Dio, Wendy Dire Straits Disraeli Gears Donato, David Doobie Brothers Downey, John Download Festival 2012 Dozy DuBrow, Kevin Dunbar, Aynsley Duncan, Jake Dupont, John Dylan, Bob East Town Theater Edgewater Inn, Seattle EKS Hall, Leningrado Eldorado Electric Light Orchestra Elf (Electronic Elves) Ellington, Duke ELO “Evil woman” Face the music A new world record Emerson, Lake and Powell English Disco Evans (Mick) Drum Shop, Birmingham Everly Brothers

Faces Fairport Convention Faith No More Faithful, Marianne Farrell, Perry Farren, Mick Fat Mattress Fenholt, Jeff Fenwick, Ray Fight Fillmore East Fillmore West, São Francisco Fleetwood Mac Fletcher, Gordon Fontana Ford, Lita The bride wore black “Close my eyes forever” Forum (arena), Los Angeles Fowley, Kim Fraternity Free, “All right now” Freeman, Alan “Fluff” Gabriel, Peter Gadd, Steve Gainsbourg, Serge Gans, David Garcia, Jerry Garni, Kelly Gee, Rosko Geezer Butler Band Geff en Records Geils (J.) Band Geldoff, Bob G-Force Ghost Gillan, Bron Gillan, Ian Band Magic Gillen, Ray Gilmour, Dave Glassboro State College, Nova Jersey Glendale City College Glixman, Jeff Glover, Roger Goldstein, Doug Goodwin, Meredith Gorham, Scott Gothenburg Grand Funk Railroad Grant, Peter Great White Greyhound (clube), Croydon Grijalva, Tracy G Guitar Player (revista)

Guitar World (revista) Guns N’ Roses Gurvitz, Paul Haley, Bill Halford, Rob Hall, Tony Hammersmith Odeon, Londres Handsworth Plaza Hanoi Rocks Harford, Anthony Martin ver Martin, Tony Harrison, Mike Harvest Hawkwind Hayes, Isaac “FX” “Snowblind” Heaven and Hell “Bible black” “Breaking into heaven” “Double the pain” “Eating the cannibals” “Follow the tears” “Rock and roll angel” Heavy Metal (filme) Heep, Uriah Hell’s Angels Help for Heroes, obra de caridade Hendrix, Jimi Henry’s Blues House Hetfield, James Hipgnosis Hiseman, Jon Hollywood Bowl Hollywood Rock Walk Holst, Gustav, Planetas Hooker, John Lee Hope, Roger (Dope) Hotel California Howe, Steve Howlin’ Wolf Hughes, Glenn “Danger zone” “No stranger to love” Seventh star Humble Pie Humperdinck, Engelbert Huntercombe Manor Ice-T Inglewood Forum, Los Angeles International Times Intertel Studios, Teddington Iommi, Anthony Frank (Tony) “Angry heart” “Black Sabbath” “Danger zone” Heaven and Hell

“In memory” Iron Man (memórias) e Jethro Tull “No stranger to love” e Ronnie Dio saúde Seventh star e Sharon Arden “Sphinx (the guardian)” e Susan Snowdon e Tony Martin ver também Arden, Don; Baker, Ralph; Meehan, Patrick Iommi, Melinda Ipswich Gaumont Iron Maiden Somewhere in time IRS Records Island Records Jagger, Mick James (Nicky) Movement James Gang Jane’s Addiction Jet Records JFK (estádio), Filadélfia Jinksy John, Elton Jones, Allan Jones, Brian Jones, John Paul Joule, Steve “Krusher” Journey Judas Jump Judas Priest Juicy Lucy Kahvas Jute Keel, Ron Kerrang! (revista) Kerslake, Lee Kiss Klugh, Earl Koseinenkin Concert Hall, Osaka Krupa, Gene Lamb Of God LaVey, Anton Leather Charm Led Zeppelin Led Zeppelin Led Zeppelin II Physical graffiti “Whole lotta love” Lee, Alvin Lee, Jake E. Lee, Tommy Lennon, John

Imagine Leon, Greg Leppard, Def Let it Rock Letterman, David Levy, Harry Lewis, Alan Lewis, Jerry Lee Limp Biskit Listen Little Richard Little Women Live Aid Locomotive Lollapalooza Look Hear, Birmingham Lord, Jon Love/Hate Lovecraft, H.P. Lynne, Jeff Ma Reagan Circuit Madison Square Garden, Nova York Madness & Magic (revista) “Man on the silver mountain” Mann, Manfred Manson, Charles Manson, Marilyn Maple Leaf Gardens, Toronto Mapledurham Watermill, capa do álbum Marquee (clube) Marshall, Jim Marshall, Neil Martin, Tony “Cat” Back where I belong “Valley of the kings” (com John Sykes) Marvin, Hank Matibu May, Brian Band Mayall, John Mayfair, Thelma McIver, Joel McNichols Arena, Denver Meadowlands, Nova Jersey Meehan, Patrick Meehan, Patrick, Junior Megadeth Melody Maker (revista) Metal Masters Metallica Black album Death magnetic Master of puppets Metropolitan Sports Center, Bloomington Michigan State Fairgrounds, Detroit Mick & Tich, “Legend of Xanadu”

Midnight City Miller, Glenn Miller, Steve, “Swingtown” Mind Alive (revista) Mitchell, Joni Mitchell, Mitch Moby Grape Mohan, Harry Moody Blues Moore, Gary Run for cover Victims of the future Moore, Nicky Morgan Studios, Londres Morrison, Van, Moondance Moscow Music Peace Festival Mothers Motley Crüe Motörhead Mott The Hoople Mountain MTV Guitar Heroes Mudhoney Murray, Neil Music Week (revista) Musonia (escola de música) Myponga (festival), Adelaide Mythology (antes The Square Chex) Nashville Teens Nauseef, Mark NEC, Birmingham Neil, Vince Nelson, Bill New Yardbirds (depois Led Zeppelin) Newman, Colin Nicholls, Geoff Nirvana NME (revista) Norman, Max Nugent, Ted O’List, Davey O’Shea, Paddy (Hope Arden) ODB (Ol Dirty Bastard) Oldhill Plaza Olympski Hall, Moscou Omni Arena, Atlanta Ono, Yoko Onondaga War Memorial Auditorium, Syracuse Osbourne, Aimee Osbourne, Jack Osbourne, Jessica Osbourne, John Michael (Ozzy) Black Sabbath demissão

Blizzard of Ozz e Bob Daisley “Close my eyes forever” “Crazy train” (com Randy Rhoads) Diary of a madman (álbum) Diary of a madman (memórias) e Geezer Butler e Glenn Hughes “Mr. Crowley” (com Randy Rhoads) “No bone movies” (com Randy Rhoads) No more tears No More Tours turnê Ozzmosis programas de TV e Randy Rhoads saúde “See you on the other side” “Suicide solution” (com Randy Rhoads) The ultimate sin ver também Mayfair, Thelma; Osbourne, Sharon Osbourne, John Thomas (Jack) Osbourne, Kelly Osbourne, Lillian Osbourne, Sharon (Arden) e nome do Black Sabbath e Ozzy Osbourne programas de TV e Randy Rhoads Ostin, Mike Owen (Garry), clube Ozzfest Padovana, Ronald James ver Dio, Ronnie James Pagano, Joe Page, Jimmy Paice, Ian Palmer, Carl Pantera Partridge, Rob Patel, Harshad Batyu Pearl Jam Pearlman, Sandy Peel, John Pegg, Dave Peter and Gordon Peter, Paul & Mary Philadelphia Spectrum Phillips, Jimmy Phonogram Pickett, Wilson Pilson, Jeff Pine, Wilf Pink Floyd The dark side of the moon Plant, Karac Plant, Robert Poco

Podolor, Richie Poison Poky Hole, Lichfield Ponty, Jean-Luc Powell, Cozy (nome real: Colin Flooks) Presley, Elvis Priest, Judas Unleashed in the east Proffer, Spencer Quanto mais idiota melhor (filme) Quatermass Queen Quiet Riot “Flying high again” Metal health Quiet Riot Quiet Riot II “Slick black Cadillac” Rage Against The Machine Rags (revista) Rainbow Long live rock ‘n’ roll Rainbow rising Rising Ritchie blackmore’s rainbow “Since you’ve been gone” Rainbow Theatre, Finsbury Park Raskin, Jodi Rat Scabies Record Mirror Record Plant Redding, Noel Reed, Lou Regent Sound studios Reinhardt, Django REO Speedwagon Retaliation Revolver (revista) Rhino label Rhoads, Delores Rhoads, Douglas (Kelle) Rhoads, Kathy Rhoads, Randall William (Randy) “Crazy train” (com Ozzy Osbourne) “Mr. Crowley” (com Ozzy Osbourne) “No bone movies” (com Ozzy Osbourne) “Suicide solution” (com Ozzy Osbourne) Rhoads, William Richard, Cliff Richards, Keith Ridge Farm Ritz Theater, Ungano Rock ‘n’ roll Circus (filme) Rockfield Studios, Monmouth Rockin’ Chevrolets

Rolling Stone (revista) Rolling Stones Rollins, Henry Rondinelli, Bobby Ronnie & The Rumblers (depois Ronnie and The Redcaps) Ronnie Dio and the Prophets Ronson, Mick Roseland Ballroom, Nova York Rosen, Steve Roth, David Lee Rotten, Johnny Roxy Music Rubin, Rick Rum Runner (clube), Birmingham Rumours Sam & Dave Sankei Hall, Osaka Santa Monica Civic Auditorium Sarzo, Rudy Saunders, Mike Savile, Jimmy Savoy Brown Saxon Schoenberg, Arnold Scholz, Tom Scorch Scorpions Scott, Bon Seger, Bob Sex Pistols “Anarchy in the UK” Shakin’ Street Shapiro, Max Shine, Fabienne, Solid as a rock Simpson, Jim Sinatra, Frank Singer, Eric Slade Slash Slaughter Slayer Slippery When Wet Sloman, John Small Faces Smashing Pumpkins Smith, Christopher Robin (Chris) Smith, Joe Smokey Snowdon, Susan Soule, Micky Sound Interchange Studios Soundgarden Sounds (revista) Spa Hall, Bridlington Spectrum (arena), Worcester Spectrum Theater, Filadélfia

Spencer Davis Group Spinal Tap Spirit Spitz, Dave Spooky Tooth Springsteen, Bruce St. George’s Hall, Bradford Stand Up Star Club, Hamburg Stark, Tony Starwood Status Quo Steel Mill Steely Dan Stewart, Rod Stewart, Tony Stigwood, Robert Stix, John Stone Temple Pilots Stone, Mike Strum, Dana Studio Ferber, Paris Suite 19 Sunday Mail (jornal australiano) Sunshine, Nova Jersey Superbowl Arena, Sun City, África do Sul Supernatural fairy tales Sykes, John “Valley of the kings” (com Tony Martin) T. Rex Taylor, James Tea & Symphony Teddy Boys Ten Years After Tenacious D “Dio” Tenacious D in the pick of destiny (filme) The Alliance The Animals The Aztecs The Band The Big Three The Birds & The Bees The Boat Club, Nottingham The Clash Give ’Em Enough Rope The Damned “New rose” The Dickies The Dictators The Dirty Mac The Earth Blues Band (Earth) (depois Black Sabbath) The Future (antes The Ruums; The Rare Breed) The Grateful Dead The Herd The Jam

The Kinks The Move The Nice The Osbournes The Penthouse The Polka Tulk Blues Band The Prodigy The Quireboys The Rare Breed (antes The Ruums; depois The Future) The Redcaps The Rest The Ruums The Senators The Sensational Alex Harvey Band The Shadows The Square Chex (depois Mythology) The Stranglers The Troggs, “Wild thing” The Vikings (depois The Move) The Village Voice The Who Quadrophenia The X Factor Thin Lizzy Live & Dangerous This is spinal tap (filme) This Was Thomas, Arlene Thorpe, Billy Thrall, Pat Three faces of fear (filme) Three Man Army Thunders (Johnny) & The Heartbreakers Tingley Coliseum, Albuquerque Tittenhurst Park, Ascot Tolkien, J. R. R. Tomorrow Top Top gun – Ases indomáveis (filme) Top of the pops Tormé, Bernie Traffic Trapeze Travers, Pat Band Tull, Jethro UFO Ugly Kid Joe Ulrich, Lars Universal, Black Sabbath: the Dio years University of Miami, Flórida Van Der Graaf Generator Van Halen Van Halen, Eddie Van Nuys

Van Zandt, Steve, Sun City Vanilla Fudge Vegas Kings Vertigo Vincent, Gene Violet Fox band Visconti, Tony Vow Wow Wakeman, Adam Wakeman, Rick Walker, Dave Wall, Mick War Memorial, Syracuse Ward, Misty Ward, William Thomas (Bill) e contratos retornando ao Black Sabbath saúde Warner Bros. Warren, Scott Way of Life, A Wayne, Carl Webb (Terry) & The Spiders Weedon, Bert, Play in a day Wells, H. G. West, Leslie Whisky A Go Go, Los Angeles Whitesnake Slide it in Whitesnake 1987 Widowmaker Wilk, Brad Willcox, Toya Williams, Mark Winwood, Stevie Wizzard Wood, Roy Woodroffe, Gerald (Jezz) World Wide Artists Wylde, Zakk Yeates, Frank Yes Tales from topographic oceans York, Pete Young, Malcolm Youngblood, Rachel Zappa, Frank Live at Fillmore East Zombie, Rob

E no sétimo dia... Black Sabbath por volta de 1970. Da esquerda para a direita: Terry “Geezer” Butler, Bill Ward, John “Ozzy”

Osbourne e Tony Iommi.

Uma pose muito bem interpretada de Ozzy fingindo tocar teclado. Estúdios Island, Londres, no início de 1971. Em turnê nos Estados Unidos, em 1972. “Recebíamos cocaína dos Estados Unidos pelo correio”, diz Ozzy, Londres, 1971.

“Fume um! Fique louco!” A banda com um amigo de borracha, Londres, 1971.

O Al Capone do pop. O empresário Don Arden em seu caminho para o tribunal (mais uma vez). 1968.

“Geezer tem um grande cérebro.” No palco em Manchester, Inglaterra, em março de 1973.

Quatro homens em um barco furado no rio Hudson, Nova York, 1971.

Como se o punk não estivesse prestes a acontecer... Madison Square Garden, dezembro de 1976.

Sintoma do Universo: no palco, em Copenhague, 1975. Ozzy ainda abandonado em um lado.

Bill Ward, no bar da biblioteca do Plaza Hotel, Copenhagen, em outubro de 1975. A gota d’água foi quando ele percebeu: “Eu era incapaz de subir ao palco” sem drogas ou álcool.

“Nós éramos o Comando das Drogas “, diz Ozzy sobre seu relacionamento destrutivo com Bill Ward durante as turnês. “Nunca entre pela porta se você pode atravessar a janela de vidro.” Estados Unidos, 1977.

O último show em Nova York com a formação original, Madison Square Garden, 27 de agosto de 1978. Em poucos meses, Tony Iommi anunciaria que não podia mais trabalhar com Ozzy.

Londres, agosto de 1978. A banda recebe bolos de aniversário de dez anos em uma recepção em sua gravadora, a Phonogram.

O homem com um plano. Ronnie James Dio, em Paris, trabalhando nas mixagens finais de Heaven and Hell, fevereiro de 1980.

Dio no palco com o Sabbath fazendo os “chifres do diabo”. Teatro Gaumont, Southampton, junho de 1980.

Randy Rhoads, o guitarrista que salvou a carreira de Ozzy, com sua marca registrada: a Flying V de bolas, 1981.

Ozzy e Randy Rhoads poucas semanas antes do acidente de avião que mataria o guitarrista, janeiro de 1982.

“Sem a minha mulher eu teria sido um vendedor de cachorro-quente.” Ozzy com a empresária — e futura esposa — Sharon Osbourne (sobrenome de solteira: Arden), em março de 1982.

Nascido para morrer. Com o vocalista Ian Gillan (ao centro), Long Beach Arena, Los Angeles, 26 de janeiro de 1984.

Credencial para a turnê Mob Rules, 1981.

13 de julho de 1985. JFK Stadium, Filadélfia. A formação original temporariamente reunida e prestes a subir ao palco no Live

Aid. “Vamos tocar ‘Food glorious food’”, segundo Ozzy.

Matar a si mesmo para viver. A cada hotel, Tony jogava cobertores pela janela. Velas pretas ficavam queimando dia e noite e galões de suco de laranja eram colocados na geladeira, perto das caixas de metal cheias de cocaína farmacêutica.

A formação para a turnê de curta duração do álbum Seventh Star. Glenn Hughes, de pé à extrema direita, um pouco distante dos outros, seria demitido depois de apenas cinco shows.

Cozy Powell, no início de 1990, era mais do que apenas o baterista do Sabbath, ele era o colaborador mais próximo de Iommi. Foi demitido mais tarde após cair do cavalo.

O esquecido. Tony Martin foi quem mais cantou em álbuns do Sabbath depois de Ozzy. Mas seu papel tem sido excluído da história oficial da banda.

Ozzy em novembro de 1992, poucos dias depois de seus shows de ‘despedida’ em Costa Mesa, na Califórnia, que testemunhou a primeira de suas muitas ‘reuniões’ com o Sabbath.

Ozzy novamente no palco com o Sabbath no Ozzfest de 2001, nos Estados Unidos. Até agora, um evento quase anual.

High Voltage Festival, em Londres, em 24 de julho de 2010, apenas dois meses após a morte de Ronnie James Dio. A esposa dele, Wendy, é consolada por Glenn Hughes (ao centro) e Jorn Lande durante um show-tributo para o Heaven and Hell.

10 fevereiro de 2013. Sharon e Ozzy Osbourne na entrega do Grammy, Brentwood, Califórnia.