Quais eram os principais centros de comércio de escravos na África?

A escravidão nas áfricas e o comércio de escravos pelo oceano atlântico

3. Os primórdios do comércio escravo no continente – o tráfico transaariano

Ouço as preces das almas inocentes daquelas bárbaras nações, em número quase infindo, cuja antiga geração desde o começo do mundo nunca viu luz divinal. (Azurara)

O tráfico de escravos é uma velha prática das sociedades humanas incitando diferentes campos do conhecimento a buscar compreender esse fenômeno no contexto das relações sociais. Entre fenícios, gregos, romanos e muitos outros grupos sociais a prática da escravidão se proliferou, com características bem particulares a cada grupo.

Nas sociedades africanas a escravidão e o comércio de escravos eram instituições fortemente enraizadas. Segundo descrições do viajante Cadamosto, em 1455, os escravos eram capturados em guerra com reinos vizinhos, alguns passavam a integrar a economia doméstica e os demais eram vendidos para os “mouros” em troca de cavalos (THORNTON, 2009, p. 155).

Cadamosto refere-se ao que observou na África Ocidental, na região que hoje corresponde ao Senegal/Mauritânia, um dos primeiros pontos de contato entre portugueses e africanos. Esse território era atravessado por caravanas de comerciantes árabes que passavam pelo antigo Reino do Mali – que se constituiu junto aos rios que dão origem ao Rio Senegal – em direção ao norte da África, a região de Marrakech.

Na maior parte dos reinos africanos, os escravos não exerciam funções produtivas, pois esta era realizada familiarmente e os poucos escravos que dela participavam acabavam incorporados às linhagens. Nas antigas sociedades africanas, os escravos pertenciam às elites ou ao Estado e eram usados como soldados, na administração, como concubinas ou em sacrifícios rituais. Manter escravos era, segundo Lovejoy, conservar um dos muitos tipos de relações de dependência existente em sociedade baseadas em sistemas de produção linhageiro ⚑ ou doméstico, entretanto, a escravidão não era uma instituição essencial (LOVEJOY , 2002b, p. 44)

As conquistas do norte da África e do sul da Europa promovidas pelos sucessores de Maomé, após a morte do profeta, em 732, serão o marco inicial dos contatos entre povos muçulmanos e os reinos africanos. Os cronistas árabes, que acompanhavam essa expansão, registraram os feitos dos califas nos séculos VIII e IX e descreveram as rotas comerciais, que ligavam o Sudão Ocidental (África Ocidental) e o Oriental em direção ao litoral do Mar Vermelho e a Península da Arábia.

Com a expansão dos contatos com comerciantes islâmicos, a pré-existência de escravos favoreceu a integração, nas sociedades africanas, de uma atividade baseado no comércio de pessoas. As fontes disponíveis mostram que, a partir do século IX, o rapto de escravos foi substituído por um comércio regular.

As informações dos geógrafos, cronistas e historiadores islâmicos permitem a reconstrução dos diversos caminhos e rotas de comércio que cruzavam a África Ocidental e Oriental, desde os rios Senegal e Níger, passando pelo lago Chade, atravessando as regiões de Dafur, Núbia e Abissínia, conduzindo os escravos para o leste e direção ao mar Vermelho e para Norte, em direção às possessões muçulmanas no norte da África. Outra área de intensa atividade comercial será a costa oriental junto ao Oceano Índico.

Mapa da África do Oeste no século XI. In: História geral da África, III: África do século VII ao XI /editado por Mohammed El Fasi. – Brasília: UNESCO, 2010, p.146.

Cronistas muçulmanos relatam inúmeras situações sobre o crescimento do comércio negreiro, através do Saara, que impulsionou a expansão de cidades e reinos nas franjas daquele deserto. Segundo a crônica de Ibn as-Sagir (770-780), estrangeiros de cidades comerciais distantes, da Península Árabe ou do Médio Oriente, como Basra e Kufa, se instalavam em cidades sudanesas, como Tahert, e ali desenvolviam um intenso comércio de homens e produtos. “Os caminhos levando para o Sudão ou para os países de leste e do oeste abriram-se ao negócio e ao tráfico.” (M’Bokolo, 2009, 219)

E, pela crônica de Al –Yakubi (morto em 891), ficamos sabendo que:

Para lá desta região (o oásis de Waddan), há o país Zawila em direção ao sul. A população é muçulmana, inteiramente ibadita. Fazem a peregrinação ao Templo Santo [...] Exportam escravos do Sudão capturados entre os miriyyun, os zagnawiyyun [zagnawa], os marawiyyun e outras tribos sudãs da sua vizinhança, reduzindo-as ao cativeiro. (M’Bokolo, 2009, p. 219).

Os séculos seguintes à intensidade do comércio e o afluxo de população, deram origem à formação de três grandes impérios na África Ocidental. O mais antigo foi Ghana, já centralizado em 800 d.C., data da primeira referência árabe; o segundo é Mali que começa a crescer no século XIII e persiste até o século XVII e, finalmente, Songhay cujo desenvolvimento abarca os séculos XV e XVI.

A riqueza de Ghana vinha do intenso comércio e da coleta de impostos que deu origem a uma sociedade onde floresceram inúmeras cidades. A capital, Kumbi, era uma grande cidade com cerca de 30 mil habitantes, entre população urbana e rural. Esta cidade era ponto de partida de várias trilhas transaarianas. O rei e a aristocracia dominante controlavam as rotas comerciais, principalmente, aquela que trocava o sal, do Saara, pelo ouro da floresta do litoral.

Mali é uma continuação do reino de Ghana, sua capital Tombuctu caracterizou-se por ser um importante centro cultural e religioso.

Songhay, o último dos impérios desta região, tem sua origem vinculada a inúmeras lendas e povos, entre estes os berberes do deserto. A capital Gao, outro importante centro comercial, foi por algum tempo tributária do império Mali. Desde 900 existe documentação escrita (em árabe) sobre este povo. O Império do Songhay, também conhecido como império de Gao, conseguiu derrotar os malinenses liderados por Alí Ber (1464-2492), que estendeu seus domínios e o transformou em um típico império islâmico. Gradativamente, Songhay foi estendendo sua influência sobre outros povos da região, tornado tributárias as cidades de Tombuctu e Dejene, as quais, apesar disso, não deixam de continuar florescendo comercialmente. A decadência deste último império que, apesar de melhor estruturado, teve duração de apenas um século, deve-se, provavelmente, ao fato de suas forças militares terem sido destroçadas por exércitos marroquinos de Almaçar, em 1591.

A importância das capitais desses impérios decorre da estreita associação entre o comércio e urbanização e do domínio, pelos chefes destes Estados, dos pontos estratégicos das rotas comerciais. M’Bokolo distingue dois tipos de urbanização na região: as “cidades saarianas” e as “cidades sudanesas”, sendo as primeiras mais efêmeras por servirem apenas de paragens no caminho das caravanas e desaparecendo, uma vez extinta aquela rota comercial, as segundas mais perenes, junto a importantes cursos de água e com características estratégicas defensivas, como era o caso de Tombuctu, protegida por pântanos (M’BOKOLO, 2009, p. 144-145).

O comércio realizado nessas cidades movimentava inúmeros produtos obtidos regionalmente ou trazidos de grandes distâncias, como o trigo, uvas passa, tâmaras. Os escravos constituíam item sempre presente e cada vez mais expressivo.

Para muçulmanos, a escravidão era uma questão religiosa, todos os que não aceitassem a religião do Islã poderiam ser escravizados. Ahmed Bãbã, um estudioso de Tombuctu, apesar de condenar a escravidão afirmava:

A razão para a escravidão é a descrença, e os descrentes sudaneses são como os outros käfir (ou cafres), sejam eles cristãos, judeus, persas, berberes, ou quaisquer outros que persistam na descrença e não adotem o Islã. (LOVEJOY, 2002b, p. 68).

Assim, a escravização era uma ação legítima e a guerra contra os que não aceitavam a religião muçulmana, normal. 
Nos impérios islamizados os escravos eram usados nas funções militares e de governo, como concubinas, como mercadorias para exportação e, ainda, em plantações, cultivando para comerciantes, para alimentar os exércitos, funcionários do governo e palácios de nobres. A presença de soldados negros é um dos temas controversos da literatura árabe, havendo diversas referências de seu uso no combate à revoltas internas ou à conquista por governantes do Iraque, Síria, Egito e outras regiões do mundo árabe. Ahmed ibn Tulun, fundador da dinastia dos tulúnidas, no Egito (870-905), teria um exército de 40 mil homens, a maior parte de origem núbia (M’BOKOLO, 2009, p. 229).

A decadência dos grandes impérios centralizados da África Ocidental, após o século XV, não significou nem o desaparecimento de Reinos e Estados, nem o final das atividades comerciais na região. Lovejoy, estudando a região onde Baquaqua teria vivido no século XIX, afirma que Djougou era uma das cidades mais importantes entre o território axanti e o Califado de Sokoto,

Durante a longa estação da seca, grandes caravanas, com 1.000 ou mais mercadores e carregadores, e um número equivalente de jumentos, passavam por Djougou, freqüentemente permanecendo lá por um curto período. Eles transportavam nozes de obi e ouro dos axantis, e produtos importados da Europa, indo da Costa do Ouro em direção a leste, e retornavam com sal, natrão, têxteis, especiarias, produtos de couro, gado, escravos, e outras mercadorias. (LOVEJOY, 2002a, p. 17)

Os contatos desse centro comercial com o Atlântico – Costa do Ouro – cresceram bastante após a expansão marítima europeia, iniciada no século XV, e do estabelecimento de feitorias comerciais na costa ocidental da África, onde se comercializava uma grande variedade de produtos com um relevo crescente dos escravos, cujo trabalho era utilizado, inicialmente, nos países europeus e nas primeiras colônias surgidas nas Ilhas do Atlântico Madeira, Açores, Canárias e, posteriormente, nas colônias americanas. Dali, provavelmente, Baquaqua teria saído.

A professora Silvia Lara estava interessada em mostrar a parte da experiência brasileira de Baquaqua, assim, no texto por ela editado, não é possível perceber os aspectos islâmicos da formação do biografado e nem sua origem familiar. Entretanto, a leitura do texto de Lovejoy, que analisa a biografia na íntegra, indica que o pai de Baquaqua era de linhagem árabe e havia sido um próspero comerciante e os parentes de sua mãe tinham importantes ligações com casas comerciais de Katisina. Ainda no texto deste autor há algumas especulações do que teria levado à captura de Baquaqua, muito provavelmente o gosto que ele tinha pela bebida e que teria feito ele se descuidar e cair nas mãos de comerciantes que o levaram para o sul, para a região de Uidá, onde embarcou para o Brasil.

Baquaqua foi vítima de uma rede comercial que existiu durante séculos no continente africano. Entretanto, esse comércio de escravos adquire, com a chegada dos europeus na costa Atlântica, uma nova dinâmica e intensidade e isso será tratado no tópico seguinte.

A tabela abaixo apresenta alguns números do tráfico de escravos desse período conhecido como transaariano, esclarecendo que, para a construção dessa tabela, os historiadores tomaram por fonte os cronistas árabes que acima se faz referência. Muitos desses números são estimativas, mas constituem importante elemento para comparação com o desenvolvimento desse tráfico a partir do surgimento da nova frente no Oceano Atlântico. Nos séculos seguintes, em particular nos séculos XVII e XVIII, os números serão drasticamente aumentados.

Tráfico de escravos transaariano (650-1600)
Período Média anual Total estimado
650-800 1.000 150.000
800-900 3.000 300.000
900-1.100 8.700 1.740.000
1.100-1.400 5.500 1.650.000
1.500-1.500 5.300 430.000
1.500-1.600 5.500 550.000
Total 4.820.000
Fonte: AUSTEN, 1979, p. 66. In: LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações, Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2002. p. 61.

Por estes dados podemos concluir que a média anual de escravos comercializados teve um crescimento contínuo, indicando o aumento dessa atividade incentivada pelos comerciantes árabes. A partir do século XV tem início a participação europeia, localizada na região da África Ocidental (Senegâmbia) e se expandindo cada vez mais ao sul.

Segundo Lovejoy:

As primeiras caravelas portuguesas se aproximaram da costa da África no Atlântico nas décadas de 1430 e 1440, alcançando o rio Senegal em 1445. Ao fazê-lo abriram uma rota paralela às transaarianas. [...] O seu investimento na exploração da costa africana era um esforço consciente para evitar os intermediários muçulmanos; inicialmente eles apenas tiveram sucesso em expandir o comércio transaariano já existente, abrindo a rota marítima; depois, eles participaram no comércio interno africano como intermediários. (LOVEJOY, 2002b, p. 74).

Assim, o comércio desenvolvido pelas caravanas de comerciantes árabes estendia-se por um grande arco de rotas comercias que ia desde a Senegâmbia, ao norte do Rio Senegal, na costa oeste percorrendo o sul do deserto do Saara em direção a Dafur e ao mar Vermelho; seguiam, também, para o Oceano Índico até a Ilha de Moçambique, exportando seus produtos para e Península Arábica, Mar Mediterrâneo, Golfo Pérsico, Médio Oriente. Segundo Lovejoy existiam seis principais rotas comerciais (LOVEJOY, 2002b, p. 60).

Essas caravanas ofereciam mercado para os produtos africanos trazidos do interior do continente, como marfim, nós de cola, objetos de ferro, tecidos e uma infinidade de produtos fornecidos pelas populações africanas, mas, também, comercializavam escravos, que eram exportados ou utilizados nos reinos africanos. Essas mercadorias se somavam àquelas vindas das Ilhas de Ceilão, Sumatra e demais ilhas do Oceano Índico e eram comercializadas por hindus ou árabes até chegar aos portos mediterrânicos de Constantinopla, Alexandria e outros.

A partir do século XV os portugueses, procurando evitar os intermediários muçulmanos, irão abrir uma nova frente de comércio no Atlântico.

Quais os principais centros de comércio de escravos na África?

Os escravos eram capturados no interior do continente e, acorrentados, caminhavam mais de 1300 km atéCidade da Pedra, em Zanzibar. Eram vendidos principalmente para o Iêmen, Seychelles e Madagáscar. O comércio de escravos e marfim enriqueceu os comerciantes árabes do arquipélago.

Como era realizado o comércio de escravos na África?

Os portugueses transportavam os negros oriundos da África para serem usados como mão-de-obra escrava nos moinhos de cana-de-açúcar do Nordeste. Os africanos aprisionados pelos portugueses quando aqui chegavam eram cedidos por um determinado preço, como se fossem uma mercadoria qualquer.

Onde eram feitas as compras de escravos?

No Brasil colonial, os principais mercados de escravos se encontravam nas regiões litorâneas, principalmente na região nordeste e sudeste, onde estavam os principais engenhos de açúcar.