Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

As Faces da Misericórdia: “O Auto da Compadecida’’, de Guel Arraes

um dos melhores filmes do cinema nacional é uma grande fábula sobre a manifestação da Misericórdia na vida humana

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, é o filme brasileiro que melhor representa a comédia humana sem se esquecer da fragilidade da nossa condição. Assisti-o recentemente [1] e voltei a me emocionar, como criança, com a beleza e com a manifestação da Misericórdia presentes na obra.

O filme é baseado no texto homônimo de Ariano Suassuna. O qual, por sua vez, é uma releitura de alguns autos de Gil Vicente, notadamente o Auto da Alma e o Auto da Barca do Inferno. A adaptação (construída dentro da estética do movimento armorial [2]) encaixa-se perfeitamente na tradição das comédias humanas, pois apresenta a ação divina como um elemento constante e fundamental. E o caminho da alma, como diria Dante, é o caminho de volta à vera pátria, ao princípio essencial de toda manifestação.

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

A narrativa se passa no sertão do Nordeste brasileiro, uma terra sofrida e agastada pela fome e pela miséria, e nossos personagens são almas que caminham rumo à perdição: entre estas, há João Grilo e seu amigo Chicó. O primeiro é a manifestação exata da larápia, enquanto o segundo é um exemplo ímpar de covardia. Também temos o padeiro e sua mulher (Eurico e Dorinha), o primeiro sendo avaro, e a segunda, infiel. Há também o padre e o bispo, exemplos de simonia e de hipocrisia. Por fim, o Capitão Severino e Rosinha; o primeiro é um exemplo da violência; e a segunda, da misericórdia.

A história das almas

Toda história é a história de uma alma, porque ser humano é falar de Espírito a Espírito: as palavras não são mais que grafismos codificados pelo cérebro; sem uma inteligência ordenante, não teriam sentido algum. N’O Auto da Compadecida não é diferente. Na verdade, o apelo é ainda mais profundo, pois os personagens não representam apenas o drama da alma perante si mesma, mas perante toda a eternidade.

A história das almas é também sempre cheia de dores e ambiguidades, e aqui esses elementos talvez sejam um tanto mais enfatizados, por se tratar de uma obra que busca representar a falibilidade humana e a suprema piedade da Misericórdia Divina.

Os malfadados heróis da obra são os já citados Chicó e João Grilo (em atuações paradigmáticas de Selton Mello e de Matheus Nachtergaele). O primeiro é bondoso e covarde, o segundo é mentiroso e sincero. Se considerarmos tais qualidades pela perspectiva da moral cristã, veremos que elas são essencialmente incompatíveis: a bondade é uma virtude que nasce da coragem, enquanto a mentira não suporta a sinceridade. No entanto, o homem se faz a cada instante. Como disse Ortega Y Gasset: “eu sou eu e as minhas circunstâncias”; no plano da existência, é perfeitamente possível um homem ser sincero e mentiroso e o outro ser bondoso e covarde. O homem é um arcabouço de contradições e a vida é um drama que se faz perante o eterno.

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

Selton Mello e Matheus Nachtergaele como Chicó e João Grilo

A astúcia e a mentira de João Grilo são parte do núcleo da sua personalidade (como a própria personagem de Nossa Senhora o diz); fora naquelas circunstâncias específicas que ele aprendeu esse modo de sobreviver. Contudo, por conta de sua bondade interior ele conseguia ser sincero quando realmente importava: para reforçar tal fato, vale lembrar que ele sempre reconheceu a majestade de Nossa Senhora e nunca a desonrou.

A covardia de Chicó é compensada por sua confiança. Tal confiança não vem de nenhum atributo que há nele, mas da própria existência — mesmo quando logicamente tudo diz o contrário. Suas ‘’mentiras’’ demonstram bem a afinidade que existe entre ele e o Mundo Imaginal [3]. Nesse ponto, não importa se o que ele dizia era mentira ou verdade, porque realmente não importa se sereias existem ou não, se um homem pode ou não montar num peixe, pois a realidade só cobra uma coisa: até que ponto alguém pode assumir o que sabe? Foi mediante essa confiança resignada que, no fim, ele revelou (como quem não quer nada) um dos maiores mistérios da tradição cristã.

Todos os outros personagens fazem parte do conjunto de vozes do mundo. A falta de um grande santo ou pregador para intervir na situação é ironicamente providencial porque, quando os personagens buscam a intercessão do clero, este se mostra corrupto e bajulador — a ficção mais uma vez mostrando o drama de cada fiel diante de um clero decadente. Muitas vezes, a decadência do homem gera oportunidades para que Deus realize mais obras de misericórdia.

Vale aqui um destaque para o cangaceiro Severino que, logo nas primeiras cenas, aparece como um pedinte — que terminou sendo rejeitado por todos — e depois volta como um algoz. A despeito de toda vileza por ele cometida, algo não lhe faltava: a submissão à autoridade divina e uma confiança infantil a tudo que diz respeito ao céu. Capitão Severino era cego de um olho, e por isso era espiritualmente deficiente; ele conseguia ver a maldade explícita, mas para o engodo e para a fraude ele era cego. A pessoa que só enxerga com um olho não tem senso de profundidade, só de espaço.

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

Marco Nanini como Severino de Aracaju

A autoridade espiritual a que Severino se submete é representada pela Justiça Divina. Toda obra de justiça está alicerçada na autoridade que a garante (por exemplo: o sistema legal é garantido pela existência do Estado) — tão logo o nome de seu ‘’painho’’ é invocado, ele aceita o comando divino (no caso, o de João Grilo mesmo) sem duvidar, nem por um único instante.

Se, quando veio julgar os moradores de Itaperoá, ele era representante da Justiça Divina, ele o era em condicional, de acordo com o plano da Providência. Sua cegueira parcial pode também revelar outro aspecto: a falibilidade do homem em corresponder essencialmente ao plano divino.

Afinal, os personagens não podem simplesmente ter uma semelhança total com os atributos divinos, pois isso retiraria deles seu caráter humano. Todos os personagens são instrumentos para a glória de Deus, mas o são na medida de suas humanidades: nada mais baixo, nada mais elevado.

“Só sei que foi assim”

Uma das coisas mais interessantes do filme é a capacidade imaginativa de Chicó. O tempo todo ele está contando histórias que nos surpreendem na medida de sua inverossimilhança. No entanto, por baixo de toda essa simplicidade narrativa do Nordeste, há nele uma bela intuição acerca da estrutura da realidade:

O intelecto humano não é capaz de abarcar todas as coisas criadas. Vivemos numa modalidade de existência espaço-temporal. Ou seja, toda percepção é limitada e relativa a certo ponto da realidade. Se o ato de viver consiste em se limitar, a religião aparece como a coroação do contingente no eterno: ela tem de ser ao mesmo tempo inteligível e transcendente. Assim, toda crença religiosa é, por definição, integral e inexorável.

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

O Cristianismo celebra seu gênese no mundo com a festa da Epifania, quando Deus feito carne resolve se manifestar no mundo para salvar todo aquele que crê. Não existe nada mais fantástico que a história de um Deus que se manifesta a partir de uma virgem: é algo aparentemente contraditório e estranho.

Por mais estranho que seja, foi desse modo que Deus veio ao mundo. Para o cristão, sua prática é aceitar esse mistério e deixar que ele lhe transforme; ‘’Só sei que foi assim’’ é a atitude cristã por excelência em face dos mistérios de Deus, brilhantemente representada na simplicidade de Chicó.

Quanta ignoranza è quella che V’offende

In medias res (ou em via de tudo se concretizar) vemos todos os personagens diante do destino agora imutável e aterrador que é a morte. Pois “aqui não há contramão e a saída é sempre para baixo”. Se a vida tende a separar as pessoas, a criar guerras e vários tipos de catástrofes, na morte há uma comunhão implícita, tanto mais sincera quanto mais profunda, que tende a nos despojar de todas as camadas de autoengano.

O Demônio (não só n’O Auto da Compadecida, mas em toda tradição cristã) é identificado como o símbolo da entropia, aquele que tende a diluir as coisas em milhares de fragmentos. De fato, o mundo sem a ação direta de Deus é vítima da dissolução pura e simples. Por isso ele encarna o aspecto da justiça impiedosa e fria. Por outro lado, existe Nossa Senhora, representando a Misericórdia e o consequente resgate de todas as coisas para o seio do real. Enquanto o Demônio tenta levar tudo à dissolução, Nossa Senhora busca resgatar a todos: e assim o mundo vai caminhando, entre a morte e o resgate.

Entre uma coisa e a outra há a figura do Cristo, Alfa e Ômega, o centro imutável que sustenta todas as contradições. É por isso que na peça Nosso Senhor deixa a justiça seguir seu curso natural — julgar os seres viventes de acordo com os seus atos. No entanto, ao primeiro apelo da misericórdia ele cede a ela sem resistir: na tradição cristã, Nossa Senhora aparece pisando na cabeça da serpente, pois ela subjuga o curso natural das coisas para revelar a verdadeira natureza de Deus.

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

Luis Mello vivendo o personagem do “Encourado”

Todos os personagens são culpados e todos eles foram sentenciados ao Inferno; esta é a realidade bruta e imediata: os efeitos dos nossos atos se prolongam para além da morte. O homem é marcado pelo pecado original porque ignora a realidade de sua própria vida. Nesse sentido, Dante foi sentencioso: ‘’Oh, criaturas tolas, vede quanta ignorância é aquela que vos ofende’’. Se em todos os dias nos é dada a oportunidade de buscar a Deus e mesmo assim não o fazemos, então somos mortalmente culpados, setenta vezes culpados.

A culpa e a morte são a natureza do mundo, mas Deus não é assim. Ele sabe que o homem é tolo e sempre vai buscar se iludir com alguma bagatela. Por isso existe a misericórdia. Ela apaga todas as nossas transgressões e nos lava de todo o pecado. A natureza de Deus é de justiça, mas também de misericórdia, e ele é incapaz de resistir ao apelo de um coração contrito.

Por este motivo os personagens d’O Auto da Compadecida foram perdoados: não por seu mérito, mas pela graça.

Destaque-se o julgamento de João Grilo. Ele passara a vida enganando e trapaceando os outros, mas, diante de Deus, ele foi terminantemente sincero, pois quando não havia mais o que fazer, a consciência fora a única coisa que sobrou frente à dissolução. Ele aceita o Inferno, mas a misericórdia intervém em seu favor e então é lhe dada uma segunda chance.

Rosinha e a Misericórdia

Rosinha é uma personagem que aparece numa trama intermediária da peça/filme, mas seu romance com Chicó é de importância fundamental. Em um mundo coberto pelo pecado, há de haver anjos que intervém pela redenção dos homens. Ela é uma mulher que viera de outra cidade e logo encontrou graça no coração de Chicó, assim como ele no seu. Porém, para conquistar dama de tal qualidade, ele teve de vencer sua limitação mais humilhante, a covardia, enfrentando inimigos até então inimagináveis para um homem como ele.

Tal como Nossa Senhora no plano espiritual, Rosinha aparece na obra como a misericórdia em sua medida humana. Não é à toa que desde o começo ela é vista como um poço de virtude e de piedade. Em certa medida, ela tinha aquele olho que faltava a Severino, pois olhava sempre direto no coração dos homens.

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

Virginia Cavendish como Rosinha

Por excelência, a mulher possui a virtude de ser medianeira entre o homem e as outras virtudes. No fim da história, não é só Chicó quem sai transfigurado por ela. O mesmo ocorre com João Grilo, pois este ganhou um catalisador: junto a ela sua inteligência estava ordenada para o que é bom e belo no mundo.

O mundo de hoje e o Cristo de ontem

Vivemos numa época na qual acreditamos em tudo que nos dizem, menos nas verdades eternas da religião. “Estamos sem tempo”: sempre pensando nos compromissos de amanhã, e nunca na vida de hoje. Passamos os dias “a galope” e, por isso, toda vida interior é banida da esfera da consciência. Nada mais tem sentido transcendente, nem mesmo o nascer de uma criança, nem mesmo o alvorecer do sol… No fim das contas, a prisão da imanência comprou para si seu próprio matadouro.

N’O Auto da Compadecida, Cristo aparece como um mendigo para testar as personagens; hoje, ele nos aparece como Cristo mesmo, porque a paródia e a fabulação são tão grandes que a coisa mais difícil que existe é reconhecer Nosso Senhor como todos o reconheceram: estigmatizado e com os olhos cheios de piedade.

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade de vida deles Auto da Compadecida?

Fernanda Montenegro e Maurício Gonçalves como Nossa Senhora e Jesus Cristo

A lição do filme é esta: a salvação encontra-se substancialmente na tensão indissolúvel que existe entre a justiça e a misericórdia, na indagação sobre até que ponto o homem consegue praticar o mal sem recorrer a Deus para livrá-lo da condenação. Há um poema de Camões [4] que é bastante ilustrativo desse aspecto:

Prometi já mil vezes de emendar-me,
propus já duas mil de converter-me;
mas quando, no fim, quis determinar-me,
de quanto prometi fui esquecer-me.

Eu mesmo a mi não posso obedecer-me,
posto que bem trabalho refrear-me;
Deus sabe quanto temo de perder-me
E quanto custará poder salvar-me.

Mas qual será Senhor, o duro peito,
a quem vosso Amor não este dando
de se poder salvar grã confiança?

Não bastam quantos males tenho feito
nem ver-me em tal estado qual eu ando
que de salvar-me perca a esperança?

Pode-se resumir essa trama com a seguinte afirmação de Bruno Tolentino: “a alma só peca quando se petrifica”. Todo o resto da história é drama, e todo o drama concerne apenas ao coração de cada um e a Deus.

Notas:

[1]: Assisti ao especial de natal do grupo “Porta dos fundos” e me deparei com a alegria vil pela banalização e pelo vilipêndio. Enquanto minha alma digeria toda aquela masturbação mental, senti a necessidade de um “retorno à fonte”, pois a alma de um escritor se assemelha a uma fornalha que move o castelo interior da imaginação. Para escrever bem, o fogo precisa consumir algo e transformar tudo em energia vital. ▲

[2] Fundado por Ariano Suassuna, o movimento armorial pretendia criar uma arte erudita a partir dos elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro. ▲

[3] Algo a respeito do Mundo Imaginal: https://encontroimaginal.com.br/mundo-imaginal/?fbclid=IwAR19-uDNiEvrkY9bDEQ62ruFxuAN3fQTVSS9qpkl8yNuBLcQFanfNyf7QLo ▲

[4] Poema de autoria controversa. Atribuído a Camões por subscrição do Cancioneiro de Fernandes Tomás. ▲

Quais os nomes dos personagens principais da história e como era a realidade da vida dele?

Auto da Compadecida: principais personagens.
João Grilo: sujeito pobre, miserável e esperto que trabalha para o padeiro . ... .
Chicó: sujeito medroso, contador de histórias e também trabalha para o padeiro . ... .
Padeiro: patrão de João Grilo e Chicó, é um homem avarento, dono da padaria de Taperoá..

Quais são as principais características dos personagens do Auto da Compadecida?

A Compadecida - é a própria Nossa Senhora. Bondosa e cândida, ela intercede por todos no Julgamento. Manuel - é o próprio Jesus Cristo, e também o juiz do povo, julgando sempre com sabedoria e imparcialidade, mas tem o dom da misericórdia. Nesta versão, ele possui a pele negra, o que causa espanto em alguns.

Quais são as características de Chico?

Chicó: é o contador de causos, o mentiroso ingênuo que cria histórias apenas para satisfazer um desejo inventivo. Chicó se aproxima do narrador popular, e suas histórias revelam muito do prazer narrativo desinteressado da cultura popular.

O que retrata a história do Auto da Compadecida?

A peça é narrada pelo palhaço e a história se inicia quando Chicó e João Grilo tentam convencer o padre a benzer o cachorro de sua patroa, a mulher do padeiro. Como o padre se nega a benzer e o cachorro morre, o padeiro e sua esposa exigem que o padre faça o enterro do animal.