Comissão de conciliação prévia quitação geral

Comissão de conciliação prévia quitação geral

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) que restringiu a quitação do contrato de trabalho às parcelas discriminadas no termo de acordo assinado em comissão de conciliação prévia (CCP). Em voto relatado pelo ministro Vantuil Abdala, a Turma rejeitou (não conheceu) recurso em que a Comercial Agroindustrial Sertãozinho Ltda. alegava que o termo de conciliação firmado em CCP é título executivo extrajudicial com eficácia liberatória geral, ou seja, dá quitação total do contrato de trabalho extinto.

Com base nesse argumento, a defesa da empresa alegou que a ação trabalhista ajuizada pelo empregado requerendo o pagamento verbas trabalhistas não relacionadas no termo de acordo deveria ser extinta, sem julgamento de mérito, em respeito ao princípio da coisa julgada. Desde o primeiro grau, a pretensão da empresa vem sendo descartada. Tanto a sentença quando o acórdão do TRT/Campinas entenderam que a conciliação firmada perante a comissão de conciliação prévia produz eficácia liberatória somente no tocante às parcelas objeto do acordo.

No TST, o entendimento foi confirmado, por maioria de votos, pela Segunda Turma. Para o ministro Vantuil Abdala, em regra, o acordo celebrado regularmente perante a comissão tem eficácia liberatória geral. Mas, no caso dos autos, as partes discriminaram as parcelas objeto do acordo e especificaram os valores respectivos, autorizando, assim, que a transação a tanto se limitasse.

“O Regional asseverou que, no caso dos autos, a eficácia liberatória de que trata o parágrafo único do art. 625-E da CLT não alcançou parcelas não discriminadas expressamente no termo de conciliação, como as horas extras e as horas de percurso”, afirmou o relator. “Dessa forma, não se poderiam considerar quitadas outras parcelas nele não discriminadas”, concluiu Abdala. O ministro Simpliciano Fernandes acompanhou o relator. Segundo ele, o mesmo acordo, se tivesse sido feito numa Vara do Trabalho, não teria eficácia geral, portanto não se pode reconhecer esse efeito só porque ocorreu perante a CCP.

O ministro Renato de Lacerda Paiva ficou vencido. Para ele, nos termos da lei, deve haver ressalva expressa quanto às parcelas não quitadas no acordo, e não o contrário: não basta, portanto, discriminar as verbas objeto do acordo. “É uma situação com a qual nunca me deparei mas, na verdade, o termo dá quitação geral salvo quanto às parcelas ressalvadas”, afirmou. (RR 171/2004-054-15-00)

Virginia Pardal

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RO TRT Nº 5532/03

Recorrente: Jameson Marcelo Gonçalves da Silva

Recorrido: Barreto Noman Distribuidora de Bebidas Ltda.

EMENTA

Comissão de conciliação prévia. Efeitos da cláusula de quitação ampla e geral pelo extinto Contrato de Trabalho. Interpretação do parágrafo único do artigo 625-E da CLT conforme a Constituição. Consoante o disposto no artigo 625-E da CLT, o termo da conciliação celebrada no âmbito da Comissão de Conciliação Prévia "é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas". No entanto, isto não significa que o trabalhador, ao firmar aquele termo, possa validamente dar quitação, a seu empregador, de direitos e parcelas diferentes daqueles que tenham constituído o objeto da demanda submetida à CCP e, muito menos, outorgar-lhe quitação plena, geral e irrevogável por todo e qualquer direito decorrente de seu contrato de trabalho. É que essa conciliação extrajudicial está lógica e juridicamente vinculada e limitada ao objeto da demanda submetida à Comissão de Conciliação Prévia, como se depreende conjuntamente dos §§ 1º e 2º do artigo 625-D da CLT (que exigem a formulação, por escrito ou a termo, da demanda objeto da tentativa de conciliação e a descrição de seu objeto na declaração da tentativa conciliatória frustrada, a ser juntada na reclamação trabalhista), do artigo 320, caput, do novo Código Civil de 2002 (segundo o qual a quitação, para ser regular, designará o valor e a espécie da dívida quitada) e do § 2º do artigo 477 da CLT (o qual limita a validade da quitação dada pelo trabalhador exclusivamente às parcelas rescisórias a ele pagas, de forma discriminada, no termo de rescisão contratual). Esta exegese sistemática da norma legal é a única compatível com a Constituição de 1988, na medida em que afasta a interpretação meramente literal que, ampliando a quitação para além dos limites da demanda, eliminaria por completo e por antecipação a possibilidade prática de o empregado obter a tutela jurisdicional efetiva de seus direitos trabalhistas alegadamente vulnerados.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, decide-se:

RELATÓRIO

A MM. Juíza Rosa Dias Godrim, no exercício da Vara de Teófilo Otôni (MG), julgou improcedente a reclamatória.

Recorre o reclamante argüindo preliminar de nulidade por cerceamento de prova e, no mérito, insistindo no deferimento dos pedidos de salários, férias + 1/3 e salários trezenos vencidos oriundos de estabilidade acidentária, diferenças resultantes de salário extrafolha e indenização por danos físicos resultantes de acidente de trabalho; invoca a aplicação do artigo 9º da CLT, declarando-se a invalidade da documentação carreada aos autos, em especial do Termo de Conciliação Prévia sobre o qual se fundou o juízo de 1º grau para julgar improcedente o pleito.

Contra-razões às fls. 130/131.

Dispensado o parecer da d. Procuradoria Regional do Trabalho.

É este o relatório do MM. Juiz-relator.

VOTO

Em coro com o i. Relator, conheço do recurso ordinário do reclamante, eis que presentes seus pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

MÉRITO

Nulidade processual por cerceio de prova

Coloquei-me neste ponto de acordo com o eminente Juiz-relator que, em seu voto, entendeu que, no presente caso, a i. julgadora a quo não incorreu em qualquer cerceio de prova, nos termos seguintes:

"A nulidade por cerceamento de prova não ocorreu, pois foram ouvidas todas as testemunhas presentes na assentada de fls. 111/112, sendo encerrada a instrução do feito mediante razões finais orais das partes, tendo o reclamante protestado apenas pelo indeferimento da prova pericial, que realmente se mostrou dispensável na hipótese vertente, utilizando-se o juízo do disposto nos arts. 130 e 420, II, do CPC".

Efeitos da quitação ampla e geral concedida no termo de conciliação firmado nos termos e para os efeitos do artigo 625-E da CLT

Contudo, dele respeitosamente divergi na parte em que votava no sentido de negar provimento ao recurso do reclamante para manter a r. decisão de primeiro grau que julgou improcedentes os pedidos iniciais, em decorrência da eficácia liberatória geral conferida ao parágrafo único do artigo 625-E da CLT ao termo de conciliação extrajudicial de fls. 42/43, firmado pelas partes perante a Comissão de Conciliação Prévia instituída no âmbito interno da própria reclamada.

É que, data venia, embora o 3º parágrafo do referido termo de conciliação extrajudicial seja claro ao estabelecer de modo expresso "a mais ampla, plena, geral e irrevogável quitação, para nada mais postular ou repetir, a qualquer título ou pretexto, por mais especial que seja, com fundamento na presente demanda ou no já exaurido pacto laboral" (fl. 42), sendo indiscutível que sua intenção era realmente evitar o ajuizamento, pelo reclamante, de toda e qualquer futura ação trabalhista contra a reclamada, tenho que a nada equivale tal "ajuste" (na verdade, pura e simples renúncia unilateral e genérica, em esfera extrajudicial), devendo ser tido, pura e simplesmente, como não escrito, para todos os efeitos de direito. Em síntese, se o parágrafo único do artigo 625-E da CLT realmente admitisse a pactuação extrajudicial de cláusulas como essa seria ele, data venia, manifestamente inconstitucional, por implicar em vedação absoluta do acesso dos trabalhadores à Justiça. Essa não é, no entanto, a única interpretação possível daquele novo preceito da Consolidação Laboral, sendo ao contrário perfeitamente viável interpretá-lo de modo diverso, de modo a torná-lo compatível com a Constituição da República em vigor.

Os fatos, no caso presente, são claros e incontroversos:

a) o autor, depois de dois anos de trabalho como vendedor, é dispensado sem justa causa em 22.4.02, recebendo inicialmente da reclamada em 30.4.02, a título de acerto rescisório, a quantia de R$ 2.508,64 objeto do primeiro TRCT de fl. 46;

b) em 2.5.02, compareceu ele na Comissão de Conciliação Prévia instituída por sua própria empregadora, instalada na própria sede de sua empregadora sem qualquer participação do sindicato da categoria profissional, e lá, na presença de dois empregados da mesma (um representante desta e o outro na condição de representante de seus empregados), recebeu o acerto rescisório complementar de R$ 1.063,48 (sem indicação da natureza das parcelas dele objeto, mas correspondendo exatamente ao total líquido resultante da soma algébrica das parcelas e respectivos descontos discriminados no novo TRCT complementar de fls. 12 e 44, nos quais se verifica que ele resulta de pagamentos a título de aviso prévio, décimo-terceiro salário e férias proporcionais, saldo de salários fixos e na forma de comissões e repousos semanais remunerados – e nada mais), exatamente a quantia objeto do "acordo" descrito no Termo de Conciliação de fls. 42/43, no qual foi outorgada à demandada, na mesma oportunidade, a quitação ampla acima transcrita;

c) embora não tenha vindo aos autos a demanda do autor perante a Comissão de Conciliação Prévia (escrita ou reduzida a termo, como exige o § 1º do artigo 625-D da CLT), é incontroverso que, no caso presente, não foram objeto da demanda do empregado submetida àquela CCP os pedidos iniciais veiculados na presente reclamação trabalhista (como se verifica pelo cotejo entre as alíneas a até j do pedido inicial de fls. 6/7, relativos a salários e demais vantagens do período de estabilidade por acidente de trabalho, a repercussões de parcela salarial não contabilizada e a indenização por acidente de trabalho, e, de outro lado, as diferenças de verbas rescisórias pagas em decorrência da conciliação extrajudicial em exame, conforme a discriminação do TRCT de fls. 12 e 44, e, principalmente, pela expressa afirmação da reclamada nesse sentido, feita no item 1 de sua defesa neste feito, à fl. 34, onde acusou o empregado de deslealdade justamente por haver se omitido perante a Comissão, deixando de ali levantar as questões suscitadas nesta ação trabalhista).

Em tais circunstâncias, considero que a quitação concedida pelo reclamante no âmbito extrajudicial, mesmo que através de cláusula expressa com teor tão amplo como a acima transcrita, só pode ter abrangido a matéria e as questões que foram objeto da demanda que então submeteu à CCP. Entender o contrário e dar validade ao mecanismo estabelecido pela reclamada no caso presente (que, se chancelado pelo Poder Judiciário trabalhista, certamente a eximirá, em cem por cento dos casos, do risco de ser condenada a responder por qualquer direito nascido dos contratos de trabalho que celebrar, na medida em que toda vez que efetuar o pagamento de verbas rescisórias a seus ex-empregados, deles exigirá, em contrapartida, que passem pela Comissão de Conciliação Prévia por ela instituída no seu âmbito interno (sem qualquer participação, repita-se, da entidade sindical representativa de seus empregados) para ali firmarem termos de conciliação padronizados como aquele de fls. 42/43, nos quais sempre estará presente a cláusula de "quitação geral e irrevogável" acima transcrita, imunizando-a de forma absoluta e definitiva contra qualquer futura demanda trabalhista que esses trabalhadores pretendam ajuizar perante a Justiça do Trabalho.

Como já tive oportunidade de afirmar em trabalho de minha lavra recentemente publicado em obra coletiva ("A constitucionalidade da exigência de tentativa de conciliação extrajudicial para ajuizamento da ação trabalhista e da eficácia liberatória geral do respectivo termo de conciliação (arts. 625-D e 625-E, parágrafo único, da CLT)", in Comissões de Conciliação Prévia: Quando o Direito Enfrenta a Realidade, Viana, Márcio Túlio e Renault, Luiz Otávio Linhares (coords.), São Paulo, LTr., 2003, p. 119/125), não se pode, nos dias de hoje, ser contrário, de modo absoluto e a priori, à ampliação dos mecanismos de conciliação extrajudicial prévia ao ingresso em Juízo. No plano mundial, percebe-se uma tendência crescente, em todos os países, de recorrer a esse mecanismo como um dos mais importantes instrumentos do generoso movimento de ampliação do acesso à Justiça (na medida em que recuperam faixas contenciosas que de outro modo permaneceriam só em estado potencial, à mercê da autotutela das partes envolvidas) e com vistas a assegurar uma maior eficiência de todo o aparato judiciário (uma vez que a solução extrajudicial por ele propiciada atenua a pressão numérica dos processos judiciais, contribuindo assim para reduzir seu tempo de tramitação global e para preservar a própria qualidade da atuação dos organismos judiciários, desse modo menos assoberbados).

Estes resultados positivos, no entanto, não podem ser buscados (e muito menos obtidos) de qualquer modo e a todo custo, sem considerar que a diminuição do número de ações judiciais trabalhistas não pode ser alcançada às custas da supressão forçada e artificial dos conflitos individuais trabalhistas, pela vedação, direta ou indireta, do posterior ajuizamento de futuras reclamações perante a Justiça do Trabalho. E será este exatamente o resultado produzido pela interpretação (a meu ver meramente literal e contrária à teleologia constitucional da norma) de que o artigo 625-E da CLT aqui em discussão autorizaria que o empregado, ao conciliar-se com seu empregador no âmbito da Comissão de Conciliação Prévia, poderia, mesmo que através de uma cláusula expressa nesse sentido, dar-lhe quitação por direitos diversos daqueles objeto de sua demanda submetida àquele órgão extrajudicial (ou até mesmo uma quitação "ampla, geral e irrestrita", como ocorreu no caso presente). As razões deste meu entendimento são várias, como passo a expor em seguida na esteira do citado trabalho de minha lavra (op. cit., p. 183/186).

Em primeiro lugar, porque o termo de conciliação só pode ter por objeto a demanda formulada pelo trabalhador perante a Comissão de Conciliação Prévia, estando lógica e juridicamente limitado pela pretensão por este a ela submetida (tanto que, nos exatos termos do § 2º do artigo 625-D da CLT, "não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto", a ser juntada à subseqüente reclamação trabalhista). A consagração do entendimento em contrário, com todo o respeito que fazem por merecer seus defensores, obrigaria o trabalhador, no momento de celebrar a conciliação (total ou parcial, em relação ao objeto de sua demanda), a fazer um exercício de imaginação com relação a outras possíveis e eventuais pretensões que ele não formulara ao ingressar na via extrajudicial de conciliação, sob pena de, no futuro, não poder mais postulá-las – o que é, a meu ver, absurdo, além de consagrar a esdrúxula figura da transação tácita (na verdade renúncia, pois não teria versado sobre qualquer direito na ocasião controvertido – a denominada res dubia, elemento essencial para a configuração de qualquer transação verdadeira).

Ademais, não se pode interpretar a expressão "eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas" do parágrafo único do artigo 625-E da CLT de forma simplesmente literal e isolada, sem considerar tanto o § 2º do artigo 625-D acima citado (o qual, repita-se, vincula diretamente a conciliação frustrada ao seu objeto, por sua vez delimitado pela demanda do trabalhador, referida no caput e no § 1º desse último dispositivo) quanto o disposto no multicitado § 2º do artigo 477 da CLT (que absolutamente não foi revogado pela Lei nº 9.958/2000, expressa ou tacitamente, e que limita a validade da quitação a ser dada pelo trabalhador quando do recebimento de suas verbas rescisórias exclusivamente às parcelas a ele então pagas, de forma discriminada).

Trata-se, portanto, de abandonar a interpretação meramente literal e gramatical daquele primeiro artigo para extrair seu correto sentido por meio de uma interpretação sistemática do mesmo, decorrente de seu cotejo com aqueles outros dispositivos do mesmo diploma legal. A esse respeito, aliás, Carlos Maximiliano já advertia com lucidez que o Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos, constituindo ao revés vasta unidade, sistema ou conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio, para mostrar a importância do processo sistemático de interpretação das leis. Para ele, esse método consiste "em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto", acrescentando com propriedade que "por umas normas se conhece o espírito das outras" e que "procura-se (...) do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma" (in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1984, nº 130, p. 128).

Por fim, não se pode admitir, numa perspectiva teleológica de interpretação, que um procedimento extrajudicial de solução de conflitos individuais trabalhistas que declaradamente foi instituído em favor da parte hipossuficiente da relação de emprego possa produzir resultados práticos tão lesivos aos mesmos, tornando letra morta seus direitos sociais constitucionalmente assegurados no plano do direito material.

A vingar a exegese ampliativa da denominada "eficácia liberatória geral", a garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional consagrada no inciso XXXV do artigo 5º do Texto Fundamental estará sendo ferida de morte, pois o trabalhador estará, ao ingressar na via extrajudicial de conciliação prévia obrigatória, caindo em uma verdadeira armadilha: ou ele pura e simplesmente se recusa, a priori, a celebrar qualquer transação (mesmo sobre os direitos que sejam o objeto da demanda que submeteu àquela Comissão), o que tornará realmente uma mera formalidade inútil sua passagem por aquela instância de mediação, ou ele se verá forçado a ressalvar outros direitos que ele naquela ocasião não imaginou que lhe fossem devidos, sob pena de nada mais poder postular posteriormente.

Em suma, pode-se concluir que a segunda parte do parágrafo único do artigo 625-E da CLT, relativa à eficácia liberatória geral do termo de conciliação extrajudicial, não padece de inconstitucionalidade, desde que se limitem seus efeitos estritamente aos direitos e parcelas que foram objeto da demanda do trabalhador (escrita ou reduzida a termo) submetida à Comissão de Conciliação Prévia. Estar-se-á, desse modo, utilizando de forma inteiramente acertada o método que a moderna hermenêutica constitucional denomina de interpretação conforme a Constituição, pela qual, no magistério de Luís Roberto Barroso (in Interpretação e Aplicação da Constituição – Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 182-183), escolhe-se, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita (mas que conduziriam a resultados contrários à Constituição), uma interpretação da norma legal que a mantenha em harmonia com a Norma Fundamental (ainda que este sentido não seja o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto).

Pelas mesmas razões, aliás, será absolutamente inaceitável, naquele âmbito extrajudicial, que se inclua naquele termo de conciliação qualquer quitação sem especificação dos direitos ou parcelas objeto daquela transação, especialmente cláusulas que abranjam, genericamente, todo e qualquer direito relativo "ao período até então trabalhado" (se a relação de emprego ainda estiver em curso) ou "ao extinto contrato de trabalho", ou expressões equivalentes, por absoluta ausência de res dubia, requisito indispensável, repita-se, a uma verdadeira transação.

A esse respeito, aliás, é preciso que se diga com todas as letras que empregador algum, no Brasil ou em qualquer parte do mundo, tem direito líquido e certo a, por ocasião do pagamento das verbas rescisórias a algum seu empregado, dele obter quitação geral por todos os direitos trabalhistas "porventura existentes", especialmente se na ocasião não foram eles discriminados de forma específica. Aliás, devedor algum tem direito a isso no Direito Privado em geral, fazendo jus à quitação tão-somente da dívida (ou da obrigação) por ele adimplida na ocasião do pagamento (nos precisos termos do artigo 940 do Código Civil brasileiro de 1916 e do artigo 320, caput, do novo Código Civil de 2002, que estabelecem que a quitação, para ser regular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, dentre outros aspectos).

Embora o parágrafo único do artigo 625-E da CLT não seja em si mesmo inconstitucional, desde que corretamente interpretado, são certamente inconstitucionais os entendimentos de que o trabalhador, ao não ressalvar direitos e parcelas que não foram objeto da demanda por ele submetida à Comissão, a eles renunciou tacitamente, ou de que a empregadora poderia ser definitivamente liberada de toda e qualquer futura demanda judicial decorrente do contrato de trabalho que celebrou simplesmente por ter seu empregado, no âmbito extrajudicial da Comissão de Conciliação Prévia instituída nos termos da Lei nº 9.958/00, firmado termo de conciliação com cláusula expressa de quitação mais ampla que o objeto da demanda que submeteu àquele órgão (especialmente com cláusula de quitação ampla e geral, relativa a todo e qualquer direito referente a seu contrato de trabalho), como é, por fim, também flagrantemente inconstitucional a declarada intenção de alguns empregadores de fazerem uso daqueles órgãos extrajudiciais exatamente para obterem essa quitação geral.

Por isso mesmo, aliás, a recente Portaria GM/MTE nº 329, de 14.8.02, promulgada pelo Exmo. Sr. Ministro do Trabalho e Emprego, com o declarado propósito "de se traçarem instruções dirigidas às Comissões de Conciliação Prévia com vistas a garantir a legalidade, a efetividade e a transparência de seus atos, bem como resguardar os direitos sociais e trabalhistas previstos na Constituição Federal, na CLT e legislação esparsa", corretamente estabeleceu o seguinte, em seu artigo 3º:

"Art. 3º A instalação da sessão de conciliação pressupõe a existência de conflito trabalhista, não se admitindo a utilização da comissão de conciliação prévia como órgão de assistência e homologação de rescisão contratual.

Parágrafo único. A competência para prestar assistência ao trabalhador na rescisão contratual é do sindicato da categoria e da autoridade do Ministério do Trabalho e Emprego, nos termos do art. 477 da CLT" (destaques nossos).

No mesmo sentido, o caput do artigo 11 desta norma ministerial dispôs de forma expressa, também acertadamente, que "a conciliação deverá cingir-se a conciliar direitos ou parcelas controversas" e o parágrafo único desse artigo 11 veda expressamente que seja objeto de transação o percentual devido a título de FGTS, inclusive a multa de 40% sobre todos os depósitos devidos durante a vigência do contrato de trabalho (demonstrando que o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas continua limitando o possível conteúdo daquela conciliação extrajudicial, que não pode, portanto, versar sobre todo e qualquer direito juslaboral, mas tão-somente sobre aqueles de disponibilidade relativa). Por sua vez e no mesmo diapasão, o parágrafo único de seu artigo 15 dispõe que "o termo de conciliação deverá ser circunstanciado, especificando direitos, parcelas e respectivos valores" – o que, a nosso ver, confirma o entendimento de que, no âmbito daquelas comissões extrajudiciais, é inconstitucional (e, portanto, absolutamente inválido) o ajuste de qualquer cláusula, a ser inserida no respectivo termo, que, de forma genérica e sem qualquer conteúdo específico, pretenda conceder ao empregador "plena e geral quitação pelo extinto contrato de trabalho" (ou algo equivalente), como aconteceu no caso presente.

A prevalecer a interpretação elastecida do parágrafo único do artigo 625-E da CLT adotada pela r. decisão de primeiro grau, o Poder Judiciário trabalhista estará, data venia, chancelando um mecanismo praticamente infalível pelo qual se concederá aos empregadores a quitação prévia e genérica dos direitos sociais, de estatura constitucional ou legal, que porventura tenham sido descumpridos, no todo ou em parte, no curso dos contratos de trabalho por ele celebrados, bastando para isso que ajam exatamente como o fez a presente reclamada. Embora formalmente o Direito Constitucional de ação dos trabalhadores ainda poderá ser exercido, a "eficácia liberatória geral" por todo e qualquer direito decorrente de seus extintos contratos de trabalho constante daquelas cláusulas-padrão dos termos de conciliação extrajudicial tornará fatalmente improcedentes quaisquer pedidos iniciais que eles insistirem em formular em suas reclamações trabalhistas, delas retirando qualquer utilidade prática e assim tornando letra morta, na prática, o Direito Constitucional à Jurisdição, que é a garantia primeira da efetividade do direito material e da ordem jurídica como um todo.

Por fim, é de se notar que, embora o i. Juízo a quo tenha considerado improcedentes os pedidos iniciais (fazendo remissão expressa ao artigo 269, I, do CPC), a simples leitura de seus fundamentos de fls. 115/118 revela que o mérito propriamente dito das pretensões iniciais discriminadas às fls. 6/7 (que se baseiam em intensa controvérsia fática) não foi, de modo algum, apreciado na r. instância de origem (razão pela qual aqui não se aplica o disposto no § 3º do artigo 515 do CPC).

Assim, data venia do i. relator, dou provimento parcial ao recurso do reclamante para, afastando a eficácia liberatória do parágrafo único do artigo 625-E da CLT em relação aos pedidos iniciais, determinar o retorno dos autos à r. instância de origem para apreciação do restante do mérito da controvérsia, proferindo-se nova decisão como se entender de direito.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, conheço do recurso ordinário do reclamante. No mérito, rejeito a argüição de nulidade processual por cerceamento de prova e dou provimento parcial ao recurso do reclamante para, afastando a eficácia liberatória do parágrafo único do artigo 625-E da CLT em relação aos pedidos iniciais, determinar o retorno dos autos à r. instância de origem para apreciação do mérito da controvérsia, proferindo-se nova decisão como se entender de direito.

Fundamentos pelos quais, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pela sua Quinta Turma, preliminarmente, unanimidade, conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, rejeitou a argüição de nulidade processual por cerceamento de prova; por maioria de votos, deu-lhe provimento parcial para, afastando a eficácia liberatória do parágrafo único do artigo 625-E da CLT em relação aos pedidos iniciais, determinar o retorno dos autos à r. instância de origem para apreciação do mérito da controvérsia, proferindo-se nova decisão como se entender de direito, vencido o Exmo. Juiz-relator.

Belo Horizonte (MG), 27 de maio de 2003.

José Roberto Freire Pimenta

Juiz-redator

RDT nº 9 -Setembro de 2003

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O que é Comissão de conciliação prévia?

A Comissão de Conciliação Prévia – CCP é uma organização criada para promover um acordo entre as partes de um conflito trabalhista. Porém, serve apenas para a solução de acordos individuais.

O que é eficácia Liberatoria geral?

A eficácia liberatória geral do termo está relacionada ao que foi objeto da conciliação e não se transmuta em quitação geral e indiscriminada de verbas trabalhistas.

Quais litígios podem ser resolvidos nas Comissões de conciliação Prévia?

A instituição das comissões é facultativa e elas visam conciliar os conflitos individuais do trabalho. Não havendo previsão especifica da instituição das comissões para conflitos coletivos, que continuaram a ser resolvidos por mediação, arbitragem, convenção, acordo ou dissídio coletivo.

Qual é a finalidade da Comissão de conciliação Prévia cujo representante dos empregados têm a garantia da estabilidade?

A Comissão de Conciliação Prévia tem como atribuição atuar nas conciliações extrajudiciais no sentido de buscar soluções para os conflitos individuais de natureza trabalhista, havidos entre as categorias econômica e profissional, no âmbito da base territorial dos sindicatos acordantes.