O que Marx quis dizer quando afirmou que a religião é o ópio do povo?

A incompreensão da afirmação marxiana e a proposta de um outro olhar sobre a religião.

A questão da religião em Marx não é tema inédito, mas apesar de muito abordado é ainda tabu entre marxistas de muitas correntes e segmentos. Não é intenção aqui entrar nesse problema, apesar de fundamental, apenas fica diagnosticado que há um fundamentalismo marxista em torno de uma noção errônea acerca da concepção que Marx tem sobre a religião e, se é assim entre marxistas em geral, pessoas que se opõem às ideias de Marx e aos movimentos que assim se intitulam, também erroneamente os julgam. Sobretudo no contexto atual de perseguição e criminalização das esquerdas e de ideais anti-capitalistas, o que também não é novo na história1Além das perseguições do próprio tempo de Marx, que viveu exilando-se, não nos esqueçamos do Macarthismo estadunidense, qual possivelmente tem sido retomado pela “direita pós-verdade” brasileira..

Esta concepção errônea parece ser comum a um Lenin ou a um Stalin, até a um Engels, mas não é a concepção de Marx, qual seja: um ateísmo contra toda e qualquer religião. Marx não defende esta posição epistemológica. Alguns dos possíveis motivos desta concepção errônea podem ser encontrados na obra de Michel Loẅy: El Marxismo en América Latina. Também não é o objetivo abordar a importância de retomarmos a leitura de Marx, dado que entendo que também muitas obras já cumpriram esta função, dentre elas, além da citada, cito: “La Produción Teórica de Marx: un Comentário a los Grundrisse”; “El último Marx y la Liberación Latinoamericana: un comentário a la tercera y a la cuarta redaciones de El Capital”; “Las Metáforas Teológicas de Marx”2enso ser esta uma obra essencial que busca responder ao problema prenunciado da noção de religião em Marx, como refletiremos no decorrer deste texto. Estamos terminando uma tradução desta para nosso idioma português e será lançada provavelmente ainda em 2018. e “Hacia un Marx desconocido: un comentário de los manuscritos del 61-63”. Estas quatro obras3Você pode ler e baixar gratuitamente estas obras e outras de Enrique Dussel no site do Instituto de Filosofia da Libertação (IFIL): ifil.org/dussel do filósofo Enrique Dussel formam um corpo interessantíssimo de retomada da filosofia marxiana e uma apropriação de algumas de suas ideias para pensar a América Latina.

Portanto, além de citar estas duas possibilidades, agora brevemente e influenciado por elas, quero apontar e apenas apontar, uma terceira possibilidade: é preciso entender a concepção antropológica de Marx e sua relação com a religião, para então poder bem significar esta frase. Aqui abordarei apenas de sua relação com a religião, convidando-te a pesquisar mais sobre4Desenvolvi um pouco melhor este tema em um texto que você encontra aqui: goo.gl/mH8E7o.

Marx foi judeu e luterano. Almejava ser professor de teologia. Seus primeiros textos foram eminentemente cristãos, comentando sobre o sacrifício da vida aos outros, a importância da união com Cristo e do serviço à comunidade como consequência deste amor.

O texto no qual Marx cita a celebre frase, é um texto intermediário e que tem um sentido muito específico, qual seja: a religião como abstração da vida material. Marx não critica, pelo contrário, participou de movimentos religiosos que concebem a religião como libertação humana. Sua posição definitiva sobre o ateísmo está nos manuscritos econômicos políticos, de 1844, onde ele diz que o socialismo é a superação prática do ateísmo, não necessita dele.


Referências

DUSSEL, Enrique. Las Metáforas Teológicas de Marx. Ed. Verbo Divino, Navarra-Espanha. 1993.
LOWY, Michel. El marxismo en América Latina [texto impreso] / 1ª ed. en Chile .— Santiago: LOM Ediciones, 2007. 586 p.: 16×21 cms. (Colección Ciencias Humanas).
LOWY, Michel. Marxismo e religião: ópio do povo? IN: A teoria marxista hoje. Problemas e perspectivas. Boron, Atilio A.; Amadeo, Javier; Gonzalez, Sabrina. 2007. Disponivel em: biblioteca.clacso.edu.ar.
MARX, Karl.O Capital. Vol. I e II, Tomo I, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2003.


Notas

Hugo Allan Matos

Filósofo, professor de filosofia na PUC Campinas, sócio fundador e coordenador na Analetica: Instituto de Educação e Cultura.

O que Marx quis dizer quando afirmou que a religião é o ópio do povo?

Hinduísta indiano fumando ópio, na Índia. (Imagem: Pixabay)

A divisão social entre os povos de uma mesma sociedade fez com que, em muitas realidades, corresse a luta de classes, com a instauração de dominantes e dominados. Ou, como nomeou Marx, da burguesia e do proletariado. Dentro dos conflitos humanos,  tudo aquilo que o uso da razão e a observação da natureza não pôde explicar, o homem creditou a um ser superior. Assim, a falta de respostas para certas indagações conferiam ao homem um certo “conforto”.

Nesse sentido, quando Marx afirma que “a religião é o ópio do povo”, ele está referindo-se a esse “conforto”, ao consolo e à justificação que ela causa ao homem.Para Karl Marx, é o ser humano quem faz a religião, mas a religião não faz o ser humano, no sentido que ela ofereceria uma felicidade ilusória, que seria uma alternativa para tornar suportável a existência em meio às suas intempéries.

Levando-se em conta o contexto da sociedade em que Karl Marx viveu, no século XIX, transformada em sua essência pela Revolução Industrial, a teoria do materialismo histórico dialético fundamentada por ele visa demonstrar que a religião é como um ópio porque ajuda a suportar a dor de viver num mundo tão desigual. 

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Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções.

Porque Marx afirma que a religião é o ópio do povo?

A religião é o ópio do povo. A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma condição que precisa de ilusões.

O que Karl Marx dizia sobre a religião?

Para Marx, a religião, entendida especificamente como superstição, idolatria, “ópio”, a qual conforma o homem e embaraça a sua consciência, deve ser negada, mas não se trata pura e simplesmente de um desprezo, de uma proibição ou perseguição à religião, nem tampouco de uma negação em geral a ela, uma vez que ela é uma ...

O que é alienação religiosa Qual é a função?

Quando o processo de legitimação impulsionado pela religião promove o rompimento da relação dialética entre o ser humano e a sociedade, ocorre a alienação. Com o processo em curso o indivíduo perde a noção de que “o mundo foi e continua a ser coproduzido por ele.

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