1 INTRODUÇÃOO princípio da insignificância é um instituto supralegal aplicado no direito penal brasileiro como excludente de tipicidade material, tendo seus requisitos elencados pelos tribunais superiores. O STF defende que a reincidência é fator que impede a excludente. Já o STJ assentou que isso não obsta a incidência do princípio se presentes os seus requisitos, salvo se se tratar de agente multireincidente, quando então a conclusão é a mesma da Suprema Corte. Show No entanto, as decisões das Cortes Superiores não são uniformes, restando possível a incidência do instituto em vários delitos, analisando-se caso a caso. Assim, tem-se que Juízos de primeira instância e os demais tribunais aplicam tal princípio sem convergência, na comparação de casos idênticos ou semelhantes. Diante disso, o tema foi objeto de debate por parte da equipe da 8ª Promotoria de Justiça de Ponta Grossa no mês de setembro de 2018, o qual possibilitou a formação de interessantes apontamentos, os quais passam a ser brevemente expostos a seguir. 2 ANÁLISE JURÍDICA2.1 OrigemO princípio da insignificância, também chamado de bagatela, surgiu no Direito Civil, derivado do brocardo “minimus non curat praetor”[1], cujo ramo jurídico não deveria se preocupar com assuntos irrelevantes, que não têm capacidade de lesar um bem jurídico[2]. Em 1964, houve sua importação para o Direito Penal pelo jurista alemão Claus Roxin, que o mencionou em sua obra “Política criminal e sistema jurídico-penal” (Zur kriminalpolitischen Fundierung des Strafrechtssystems). O autor concebeu que o fato punível exige conduta, tipicidade ofensiva, antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade, levando-se em conta os princípios político-criminais na aplicação do Direito Penal, afirmando que “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade a bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico”’[3], devendo-se excluir a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância. Assim, é necessário que as condutas tenham tipicidade, nos aspectos formal e material. O primeiro é o perfeito encaixe da conduta no tipo penal descrito; e o segundo é a relevância da conduta, a lesividade ao bem jurídico. Nas palavras de Nucci:
Deveras, a insignificância de certa conduta não pode ser aferida apenas em relação à importância do bem atingido, mas também em relação ao grau de sua intensidade, que é valorada através da consideração global da ordem jurídica.[5] Como afirma Zaffaroni, “a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada”.[6] O princípio da insignificância está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado. Com base neles, o Direito Penal deve tutelar os bens jurídicos relevantes e a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade. Nucci advoga que “a ofensividade (ou lesividade) deve estar presente no contexto do tipo penal incriminador, para validá-lo, legitimá-lo, sob pena de se esgotar o Direito Penal em situações inócuas e sem propósito”.[7] Como dito, a natureza jurídica do princípio da insignificância é de causa supralegal de exclusão da tipicidade, pois não está previsto na lei como umas das causas excludentes. Desse modo, não havendo tipicidade material, há de ser reconhecida a atipicidade da conduta. Nesse sentido:
De plano, muito embora falte amparo legal para a aplicação desse princípio, a insignificância é “avaliada” através do conhecimento direto e imediato da realidade social, com possibilidade de dimensionamento e de verificação entre o mal da conduta e a mal da pena. Destarte, fica a cargo do intérprete, operador do direito, analisar a infração penal criada, afastando a tipicidade das condutas que atingem de forma mínima os bens jurídicos tutelados.[8] Nessa questão, Nucci afirma que não se busca o consenso social acerca da insignificância, bastando que o magistrado a apure, sendo que avaliar a bagatela, como excludente de tipicidade, envolve alguns fatores que vão além do valor do bem em questão.[9] Ademais, Cezar Roberto Bitencourt alerta que “a aplicação do princípio da insignificância não pode caracterizar invasão da função que o Poder Legislativo tem de selecionar os bens jurídicos que devem ser tutelados pelo Direito Penal”. Ou seja, o fato de determinada conduta constituir infração de menor potencial ofensivo não significa que deva ser aplicado o princípio da insignificância.[10] Também, conforme Prado:
Importante destacar ainda, nas palavras de Cesare Beccaria[12], que “o legislador é o único agente capaz de estabelecer normas, tendo em vista que esse representava toda a sociedade, unida por um contrato social, onde somente estas leis, feitas seguindo determinada forma, possuem a prerrogativa de indicar as penas de cada um dos delitos”. Portanto, em determinados casos, excepcionalmente aplica-se o postulado, sendo necessário um posicionamento mais consentâneo com os ditames da justiça, devendo o operador do direito observar o princípio da equidade na “letra fria da lei” para que com isso faça predominar o bom senso no caso concreto, evitando-se, assim, drásticas disparidades entre a sanção penal e o comportamento tido como criminoso. 2.2. Requisitos para aplicaçãoApesar da incidência massiva do princípio em diversos casos encontrados na jurisprudência, não existe uma posição pacífica quanto ao assunto, pois seria compatível com vários delitos e admitido em inúmeras situações. E diante dessa gama de possibilidades de aplicação, há o risco da indevida banalização do instituto, que o tornaria pernicioso ao direito penal, na medida em que a abertura argumentativa/hermenêutica pode criar uma panaceia excludente de fatos criminosos atentadores de bens jurídicos mais importantes/graves. É isso que se evidencia com a presente análise. Sabe-se que, segundo a jurisprudência, o princípio da insignificância pode ser aplicado às infrações penais de menor potencial ofensivo, nos crimes de médio potencial ofensivo, e, em alguns casos, também incide em crimes de elevado potencial ofensivo.[13] Porém, ele não é admitido em crimes praticados com emprego de violência ou grave ameaça, já que suas consequências não podem ser consideradas insignificantes, ainda que o bem seja de valor econômico ínfimo. Nesse sentido, um exemplo de aplicação da bagatela é o chamado furto famélico, hipótese de furto simples sem violência ou grave ameaça, na qual o agente subtrai algo para satisfazer uma necessidade urgente e relevante, como quando furta um pacote de pão ou caixas de leite para saciar a fome. Outro requisito para a configuração do furto famélico, praticado em estado de necessidade, é a proporcionalidade e quantidade do produto subtraído além do exame das circunstâncias do caso, devendo estar o agente precisando do bem para sobreviver. Veja-se julgado nessa linha:
Entretanto, como o referido princípio não está previsto na lei, a análise do caso concreto deve ser minuciosa, com obediência a requisitos mínimos para sua aferição. São eles: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a ausência total de periculosidade social da ação; (c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) a inexpressividade da lesão jurídica.[14] Faz-se necessário o exame das circunstâncias do fato e daquelas concernentes à pessoa do agente, não se aplicando a todos os casos. Contudo, nota-se a discricionariedade e o ativismo judicial na aplicação da bagatela, quando casos iguais ou semelhantes não são tratados da mesma forma. Exemplo disso são dois casos julgados pelo STF. No primeiro, o agente foi acusado de furtar água, causando um prejuízo de R$96,33, restando a tipicidade penal excluída pela incidência da insignificância[15]. No segundo caso, o agente furtou caixas de gomas de mascar, no valor de R$98,80, mas o valor não foi considerado ínfimo e nem a conduta foi tida como penalmente irrelevante[16]. Considera-se valor ínfimo, conforme entendimento do STJ, o correspondente a 10% do salário-mínimo vigente à época do fato[17]. Vale dizer, não é apenas o valor do bem lesionado que importa, mas também a falta da tipicidade material concretizada através dos requisitos de ordem objetiva considerados. Nessa esteira:
Ademais, as condições da vítima podem influir na aplicação do princípio. Entende-se que a análise da extensão do dano causado ao ofendido é imprescindível, pois o valor sentimental do bem exclui a insignificância, ainda que o objeto do crime não apresente relevante aspecto econômico. Nessa esteira:
Outrossim, vale mencionar que “o fato do bem ter sido restituído à vítima em nada altera referida conclusão de inaplicabilidade do instituto, pois, se assim fosse, o que imperaria no ordenamento jurídico seria a mais completa impunidade frente a um fato típico, antijurídico e culpável”[18]. Ainda, conforme indica Nucci, há três vetores que devem ser seguidos para a aplicação do princípio da insignificância:
De acordo com a doutrina citada, a reiteração delituosa impede a excludente de tipicidade. Todavia, em certas ocasiões, o STJ[20] e turmas do STF[21] já decidiram em sentido contrário, afastando o óbice da reincidência. Data vênia ao entendimento jurisprudencial, não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo quando o agente é reincidente e tem habitualidade criminosa. Ilustrativamente, no sentido que adotamos:
Logo, o réu que subtrai um objeto, avaliado em menos de 10% do salário-mínimo nacional, deve ter reconhecida sua atipicidade, ainda que reincidente? Se o réu tem habitualidade delitiva ou pratica crimes reiteradamente, não se encontra presente o ínfimo grau de reprovação ou o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Por exemplo, se o réu subtrai um objeto, no valor de R$50,00 (cinquenta reais), uma vez por mês, durante um ano, ao final do ano terá furtado R$600,00. Destarte, a incidência do princípio da insignificância a todas as situações incentiva a continuação delitiva, haja vista a ausência de punição por agir de tal modo. Ainda, a sociedade notará a impunidade, deixando de acreditar no sistema penal e no Estado. Nesse sentido, para Cintra, o grau de reprovabilidade é a análise das condições pessoais do agente:
Portanto, apesar da haver julgados dos Tribunais Superiores em sentido contrário[23], não há que se falar em insignificância da conduta quando o agente for costumeiro nas práticas delitivas. Caso contrário, se estimulará o cometimento de mais crimes[24]. Nessa linha de raciocínio, os que cometem crimes após a prolação de uma decisão de atipicidade material, certamente alegarão que merecem novamente decisão similar, o que pode acarretar impunidade desenfreada a longo prazo, colaborando no crescimento da criminalidade. Dessa forma, os requisitos traçados pela jurisprudência e fomentados pela doutrina devem ser analisados conjuntamente em cada caso concreto, não sendo o critério econômico o único vetor a nortear o entendimento do julgador na aplicação da insignificância. 2.3. Análise da aplicabilidadeComo adiantado, por terem certas características específicas, alguns crimes não admitem a incidência do princípio da insignificância. A título ilustrativo, colacionamos alguns julgados das cortes superiores nos quais restou afastado o princípio, analisando seus fundamentos e contrapondo com julgados em sentido contrário. Destaca-se, de início, que a inaplicabilidade do princípio da insignificância é pacificada quanto aos crimes de roubo[25], violência doméstica[26], moeda falsa[27], descaminho[28], crimes eleitorais[29], militares[30] e também em relação a atos infracionais[31]. Quanto aos crimes da Lei nº 11.343/06, a jurisprudência, via de regra, obsta a sua incidência, afirmando que “É pacífica a jurisprudência desta Corte Suprema no sentido de não ser aplicável o princípio da insignificância ou bagatela aos crimes relacionados a entorpecentes, seja qual for a qualidade do condenado”[32]. Isso se dá porque os delitos que envolvem substância entorpecente descritos na Lei de drogas são de perigo abstrato e possuem a saúde pública como objeto jurídico protegido pela norma. Inclusive, decidiu-se pela não aplicação do princípio da insignificância no âmbito do crime do artigo 28 da referida lei, visto que, “mesmo que se trate de porte de quantidade ínfima de droga, convém que se reconheça a tipicidade material do delito para o fim de reeducar o usuário e evitar o incremento do uso indevido de substância entorpecente”[33]. Noutro giro, a 1ª turma do STF já aplicou o instituto em caso de posse de droga para consumo pessoal, excluindo a tipicidade material em situação na qual o usuário portava 0,6 gramas de entorpecente. Este caso revela o risco que a inexistência de uniformidade entre as decisões de uma mesma Corte acarreta à segurança jurídica, pois pouco mais de um ano antes, em caso semelhante, no qual a quantidade de drogas era de 0,8 gramas, a insignificância não foi reconhecida pela Corte Suprema[34]. Contudo, afora a questão da disformidade das decisões dos tribunais, o fato é que, por ter a saúde pública como objeto, a conduta de possuir drogas para consumo atinge o agente e a sociedade como um todo, sendo presumido o perigo ao bem tutelado. Em outras palavras, não deve incidir a bagatela, independentemente da quantidade de droga apreendida com o usuário. Em relação aos crimes contra a administração pública, da mesma forma, não há que se falar na aplicabilidade do princípio. Apesar de haver decisões favoráveis[35] e contrárias[36], entende-se, consoante o enunciado nº 599 da súmula de jurisprudência do STJ[37], que o princípio da supremacia do interesse público veda tal situação, existindo tipicidade formal e material. No que concerne aos crimes ambientais, existem julgados vedando[38] a incidência do princípio da insignificância, principalmente quanto ao crime do artigo 34 da Lei n.º 9.605/98, bem como julgados que a autorizam[39]. Pensa-se que não deve prosperar a incidência do princípio para tais crimes, dada sua relevância social e penal, tendo a Constituição Federal destinado um capítulo inteiro à proteção do meio ambiente. Quando se aplica o princípio da insignificância?O princípio decorre do entendimento de que o direito penal não deve se preocupar com condutas em que o resultado não é suficientemente grave a ponto de não haver necessidade de punir o agente nem de se recorrer aos meios judiciais, por exemplo, no caso de um leve beliscão, uma palmada, ou furto de pequeno valor.
Quem pode aplicar o princípio da insignificância?Para que se possa aplicar a insignificância em sede policial, deve o Delegado de Polícia, se valer da devida fundamentação e de forma responsável. Cada um tem sua importância dentro do cenário de justiça. Se a atribuição do Delegado tem morada no art. 144, §4° da CRFB/88, a residência do Ministério Público (art.
O que diz a Súmula 599 do STJ?A súmula 599 do STJ dispõe que “o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”.
São requisitos objetivos para aplicação do princípio da insignificância?Para o STF, são necessários alguns requisitos para a aplicação do princípio da insignificância: mínima ofensividade, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade de lesão jurídica provocada.
|