Qual estado nordestino é o maior produtor brasileiro de sal marinho?

18/06/2011 07h41 - Atualizado em 05/08/2011 18h57

Município de Mossoró, no Rio Grande do Norte, é o maior produtor de petróleo em terra do país e é responsável por 95% de todo o sal consumido no Brasil

O Globo Universidade desta semana mostrou a produção de melão no semiárido brasileiro. Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, além da fruticultura, a produção de sal marinho e a extração de petróleo em terra são as principais forças econômicas do município.
 

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Secretário Nilson Brasil (Foto: Divulgação)

“O petróleo está sendo explorado em Mossoró há 30 anos. Mossoró e região são os maiores produtores de petróleo em terra no país”, diz o secretário de Desenvolvimento Econômico de Mossoró, Nilson Brasil. Isso significa mais 70 mil barris de petróleo por dia.

Extraído de poços rasos, que variam de 300 a mil metros, o petróleo é um dos grandes responsáveis pelo crescimento que o município vem tendo, principalmente nos últimos 10 anos. Segundo Brasil, são 3,5 mil empregos gerados somente na Petrobras, sem levar em conta os postos indiretos.

Os 30 anos de exploração do petróleo em terra não são nada se comparados aos mais de dois séculos de produção de sal. “É uma das principais atividades da região e emprega cerca de 20 a 25 mil postos de trabalhos diretos e indiretos. Mossoró tem cerca de 270 mil habitantes, então, quase 10% da população trabalha na cadeia produtiva do sal”, afirma Brasil.

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Montanha de sal refinado (Foto: Divulgação)

Cerca de 500 carretas de sal refinado circulam por Mossoró e municípios vizinhos diariamente. Além de ser a fonte de 95% de todo o sal marinho consumido no país, o semiárido do Rio Grande do Norte também exporta sal grosso, a partir de um porto construído em alto-mar, em Areia Branca.

Se a produção de petróleo em terra no meio do semiárido soa normal, o mesmo não se pode dizer do sal. Mas há uma explicação. As salinas de Mossoró são localizadas na várzea estuarina – regiões em que o rio se encontra com o mar, e que alagam em períodos de cheia – dos rios Mossoró e Carmo, inundadas tanto pelas águas do mar quanto pelas águas das enchentes dos rios.

A água das várzeas estuarinas, devido ao encontro do mar com o rio, costuma ser salobra. A isso, soma-se o clima da região, quente e com baixa umidade, a velocidade propícia dos ventos e o solo impermeável. O resultado é uma boa evaporação e condições ideais para a cristalização e a colheita do sal com alto grau de pureza.

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Você já parou para pensar sobre como os produtos que consome chegam até você? O sal, por exemplo, produto tão básico, que não pode faltar em nenhuma cozinha. Sabe onde é produzido? Tem noção de que de todo o sal consumido no Brasil, mais de 90% é produzido numa região do Estado do Rio Grande do Norte. A atividade é tradicional e movimenta a economia de diversos municípios no Litoral Norte Potiguar. Mas, como qualquer atividade humana, tem seus impactos sobre o ambiente natural e é exatamente disso que trata essa reportagem, produzida ao longo deste segundo semestre de 2019.

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O Ministério Púbico Federal destaca que a atividade impacta diretamente Áreas de Preservação Permanente | Foto: Cid Barbosa

Por Maristela Crispim
Editora

Mossoró – RN. A polêmica em curso foi intensificada às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, quando o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, assinaram um decreto tornando de interesse social a exploração de salineiras no Estado, atividade que já foi alvo de grandes ações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por ocupar irregularmente Áreas de Preservação Permanente (APPs), como beira de rio.

O Decreto Nº 9.824, de 4 de junho de 2019, que declara a atividade salineira nos municípios potiguares de Mossoró, Macau, Areia Branca, Galinhos, Grossos, Porto do Mangue, Pendências e Guamaré de interesse social foi assinado no Palácio do Planalto no dia 4 de junho pelo presidente. No evento, estiveram presentes a prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini (PP), parte da bancada federal do Rio Grande do Norte e os empresários da indústria salineira do RN. A publicação saiu no Diário Oficial da União (DOU) no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho).

O Decreto foi publicado na sequência da Operação Ouro Branco, deflagrada em 2013 pelo Ibama, que resultou na autuação de 35 salinas por ocupações irregulares em APPs de manguezais e margens de rios. Na época, foram 112 multas que somavam cerca de R$ 80 milhões, 19 áreas embargadas e 45 notificações para apresentação de documentos. Desde então, a bancada federal apoiada pelas classes política e empresarial ligadas às atividades de salinas da região vêm pressionando o Governo Federal com a proposição de criação de um decreto para tornar essas áreas de produção de sal como de interesse social.

Planejada em 2010, a Operação Ouro Branco entrou para a história como uma das ações mais exitosas dentre os órgãos ambientais potiguares, envolvendo 21 agentes federais de cinco estados (RN CE, AL, PE, ES), além da participação da Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro), de Brasília. Quando foi deflagrada, gerou forte pressão do Governo do Rio Grande do Norte e dos empresários salineiros sobre o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), o órgão estadual, que ficou incumbido de “salvar a atividade”, segundo o próprio diretor-geral do Instituto na época, via licenciamento ou renovação das licenças das salinas em situação irregular.

Interesse social

O decreto declara como de interesse social as salinas “cujas ocupação e implantação tenham ocorrido até 22 de julho de 2008”. A menção a esta data decorre da entrada em vigor do Decreto Nº 6.514/08 (Lei de Crimes Ambientais), que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas a quem destruir ou danificar florestas ou demais formas de vegetação natural em APPs sem autorização ou em desacordo com a norma.

O Código Florestal de 1965 (Lei Nº 4.771) já permitia a ocupação em APPs nas condições de interesse social, utilidade pública ou uso militar. Na última revisão do Código, que resultou na Lei Nº 12.651/12, foram incluídas, em seu art. 3º, diversas outras ações ou atividades como de interesse social e utilidade pública, além de atividades de baixo impacto ambiental.

Dentre as possíveis intervenções em APPs estão as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, a exploração agroflorestal sustentável, a implantação de certos tipos de infraestruturas e instalações públicas, a regularização fundiária de assentamentos humanos de baixa renda em áreas consolidadas, atividades de pesquisa e extração mineral outorgadas.

Também foi incluída a possibilidade de permissão de “outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal”.

Ação para anular Decreto

Em agosto, o MPF ingressou com uma ação civil pública (ACP) buscando a anulação do Decreto Nº 9.824/19. A medida, aponta o MPF, se baseou em motivo falso e desrespeita leis ambientais A ACP inclui um pedido liminar para suspender o Decreto e destaca os riscos para o ecossistema, caso a nova regra seja mantida em vigor.

Segundo o MPF, estudos técnicos apontaram que aproximadamente 3 mil hectares de APPs (sobretudo manguezais) são ocupados irregularmente por salineiras no Rio Grande do Norte. No início deste ano, ingressou com ações contra 18 empresas do setor, pedindo a remoção da produção de sal das APPs para outras áreas e a recuperação dos espaços degradados. Para minimizar os impactos financeiros do setor, sugeriu um prazo de até oito anos, nos quais os proprietários poderiam planejar e concretizar essa realocação.

De acordo com a ação civil pública, de autoria do procurador da República Emanuel Ferreira, esse decreto não leva em consideração que há alternativas técnicas. Segundo a Lei Nº 12.651/12, interesse social pode ser declarado em atividades diversas “quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta”. Ainda segundo o MPF, No caso das salineiras potiguares, a realocação da produção é uma possibilidade tendo em vista que apenas 10,7% da área ocupada pelas empresas se encontra em APPs, ao contrário do que foi citado no processo administrativo que serviu de base à assinatura do decreto.

Ainda para o MPF, o Decreto desrespeita o princípio do Desenvolvimento Sustentável e diversos tratados de direitos humanos, pois “praticamente nenhuma consideração séria foi efetivada em relação à proteção ao meio ambiente, concentrando-se o processo administrativo, unicamente, em questões econômicas”. Acrescenta que também ofende o art. 225 da Constituição ao ignorar a necessidade de proteção das APPs prevista na Lei 12.651, conforme abordado em ações civis públicas já ajuizadas.

Desde 2013 o MPF busca regularizar a atuação do setor salineiro no Rio Grande do Norte, tendo instaurado diversos inquéritos civis a partir da Operação “Ouro Branco”, deflagrada pelo Ibama. Duas audiências públicas sobre o tema foram realizadas e várias tentativas foram feitas para que as empresas assinassem termos de ajustamento de conduta (TACs), sem sucesso.

Técnicos do Ibama e do Idema/RN chegaram a ser convocados para formarem o chamado Grupo de Trabalho do Sal, o “GT-Sal“, que elaborou o relatório no qual o MPF baseia suas iniciativas. Após a busca dos acordos se mostrar infrutífera, as ações foram impetradas no início do ano (algumas das quais já resultaram em liminares determinando a retirada de pilhas de sal das áreas de preservação).

A área total pertencente às indústrias salineiras no RN totaliza 41.718 ha. Desses, 30.642 são atualmente explorados, sendo 3.284,48 ha (10,71%) em APPs. Diante das ações do MPF, os empresários buscaram apoio político para a edição do Decreto, obtendo o que a ACP considera uma indevida “anistia aos graves danos ambientais causados”.

As alegações das empresas quanto à inviabilidade de se desocupar essa parcela das propriedades ainda não foram demonstradas por estudos incluídos aos processos. Por outro lado, segundo o MPF, está cientificamente comprovado que a continuidade da atividade pode resultar, além dos impactos ambientais gerados diretamente pela ocupação ou supressão do mangue, em diversos outros prejuízos.

Cita que há riscos de impermeabilização de planícies de maré; soterramento de gamboas e braços de maré; aumento dos processos erosivos; alteração do ciclo hidrológico regional e da qualidade da água estuarina gerada por efluentes; diminuição da biodiversidade associada ao manguezal; entre outros. O que pode levar à alteração dos locais de refúgio de crustáceos, peixes e aves, “comprometendo assim, comunidades de marisqueiras, pescadores e catadores de caranguejo”, resultando ainda no assoreamento dos canais e em diversos problemas à população das comunidades próximas.

“O Desenvolvimento Sustentável busca a compatibilização entre as finalidades legais admitidas ao setor econômico com a necessária proteção ambiental às presentes e futuras gerações. É precisamente o que busca o MPF na presente ação: com os recuos graduais efetivados em largo prazo temporal, há a compatibilização entre os direitos em jogo, equilibrando-se uma equação completamente desbalanceada em favor do interesse econômico com a edição do decreto”, resume o procurador da República.

Segundo Ferreira, na Operação Ouro Branco, que autuou diversas empresas pela ocupação de APPs, outras questões foram levantadas, como investimento sem licenciamento, posto de combustível funcionando e poluindo. Mas o principal mesmo foi a ocupação de APP de cursos d’água, a margem do rio e do mar. “O Ibama mandou os autos para o MPF em Mossoró e Assú e nós começamos a investigar o que estava acontecendo, fizemos audiências públicas, reuniões, tentamos fazer acordos para a desocupação das áreas. Não teve acordo e impetramos 18 ações civis públicas”, conta.

“Hoje o principal problema é esse. Algumas ainda têm o agravante de gigantescas pilhas de sal e já é comprovado que elas vazam tanto para a vegetação próxima quanto para o mar, aumentando ainda mais a salinidade. Até pedimos uma liminar para que o juiz determinasse que a empresa de alguma forma contivesse esse vazamento e de alguma forma realocasse a produção de sal. Nós já obtivemos cinco medidas liminares neste sentido. Estamos acompanhando a execução dessas medidas liminares. É claro que isso vai reduzir a produção, mas é em nome do meio ambiente. Nós demos de quatro a oito anos para isso, mas pode ser até em dez anos. É algo bem prudente”, afirma o procurador da Republica.

Em relação ao Decreto Presidencial, ele explica que o Código Florestal diz que quando o presidente da República edita um decreto como esse, classificando a atividade como de interesse social, o empreendimento pode ficar ocupando a área. Mas o MPF está analisando ainda a edição desse Decreto porque é preciso uma justificativa que analise uma alternativa técnica ou locacional para a atividade. “Estamos aguardando resposta do Ministério do Meio Ambiente, da Casa Civil, do Ministério da Economia porque precisamos ver nesse processo administrativo se isso foi cumprido porque, se não estiver de acordo com a Lei, é ilegal”, conclui.

Condições naturais e históricas

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A atividade tem mais de 200 anos naquela região do Rio Grande do Norte | Foto: Cid Barbosa

Professor da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), Rogério Taygra, em sua tese de doutoramento estudou exatamente esse conflito entre o setor salineiro e os órgãos ambientais, mais precisamente no que diz respeito às APPs.

“Para entender esse conflito e principalmente para enxergar alguma alternativa, precisamos considerar o histórico de ocupação dessa região”, afirma. A primeira coisa a se destacar, segundo ele, é por qual razão 95% da produção de sal está concentrada em uma única região do Brasil, o Litoral Norte do Rio Grande do Norte: “São as condições climáticas. É o único local do País onde o Semiárido encontra o Litoral. O reflexo disso é que ao longo do ano se tem uma longa estação seca e uma estação chuvosa concentrada em mais ou menos quatro meses. A estação seca vai de julho ao fim de janeiro. E a estação chuvosa vai de fevereiro a junho com um pico nos meses de março a maio”.

E prossegue: “Neste cenário, ao longo do ano, nós temos muito mais perda de água por evaporação do que recebemos por precipitação. A precipitação média da região gira em torno de 700 mm anuais enquanto a evaporação supera 2.000 mm por ano. Em se tratando de um rio, com água doce, com essa evaporação maior que a chuva anualmente esses rios secam. É o que acontece com muitos rios do Semiárido, que são temporários ou intermitentes. Nesta região, como o Semiárido está na costa, como o mar não vai secar, o que acontece é o aumento da salinidade“.

Segundo o pesquisador da Ufersa, a água do mar vai aumentando aos poucos a salinidade, geralmente na região estuarina e, em determinado momento, começa a se formar o sal. “Isso ocorre naturalmente há séculos. Há registro no primeiro livro de História do Brasil, do início da colonização, de salinas naturais nesta região. Com o passar dos anos, essas regiões passaram a ser exploradas economicamente e houve uma evolução do processo, que passou a ser manipulado pelo ser humano e foi transformado em processo artesanal e depois mecanizado”, conta.

“Embora hoje o processo seja mecanizado, só se pode ter uma salina onde naturalmente se formou uma salina. Com o passar do tempo, empresas foram surgindo, algumas passaram a adquirir as menores e foram se tornando grandes áreas produtoras de sal na região. Essas áreas que foram ocupadas eram as planícies de inundação de maré porque, para produzir sal, se precisa de duas coisas: terreno plano e proximidade de água do mar. Essas áreas foram sendo reformadas para dar origem às salinas artificiais. Esse processo ocorreu por vários e vários anos”, explica o professor.

Origem do conflito

Taygra lembra que essas salinas deram origem a cidades na região e pondera que há cidades inteiras que subsistem das atividades salineiras ou que as atividades salineiras são a principal atividade. Pondera, por outro lado, que , em determinado momento, em 1965, com o Código Florestal, decidiu-se que essas áreas, à margem dos estuários, seriam consideradas áreas de preservação permanente, por entender que as áreas marginais a cursos d’água têm importância ambiental significativa e deveriam ser preservadas. “Isso foi reforçado pelo novo Código Florestal de 2012”.

“Houve uma ocupação histórica, conduzida principalmente pelas condições naturais da região, que só existem aqui e houve uma mudança na legislação, que antes de tudo é uma mudança na percepção da sociedade, que a partir daquele momento começa a se preocupar com as questões ambientais. Surge esse conflito porque a mesma região que anteriormente era a principal área explorada pela atividade salineira passa também a ser considerada como Área de Preservação Permanente, onde não poderia se desenvolver atividades econômicas, a exceção de como foi previsto no novo Código Florestal, de atividades consideradas de utilidade pública e de interesse social”, avalia.

Busca do equilíbrio

O professor lembra que, com a instalação desse conflito, houve umas discussões do MPF com o setor salineiro para tentar achar uma solução. “Mas a Lei é muito clara. Só se pode ter em APP atividades de utilidade pública e de interesse social ou de baixo impacto ambiental e não teria nenhuma possibilidade dessa ocupação ser regularizada. Então se priorizava a desocupação das APPs pelas salinas. Qual a dificuldade? Essas áreas são significativas, são milhares de hectares. Juntando todas as salinas da região, são 3 mil hectares em APP. O principal é que a distribuição dessas áreas é irregular entre os empreendimentos. Salinas perderiam menos de 2% da área produtiva e outras perderiam mais de 50%. O que poderia levar várias dessas salinas à falência e, consequentemente, haveria desemprego, redução do comércio nas cidades onde a atividade salineira é mais presente. A discussão passou a ser se é ou não viável essa desocupação ou quando fazer”, pondera.

Ele destaca que, neste meio tempo, foi publicado o Decreto que reconhece a atividade salineira como sendo de interesse social, justificada principalmente pela importância econômica como atividade tradicional, o método de produção e a participação da atividade salineira no programa de defesa sanitária do País para a segurança nacional. “Há justificativa para a manutenção da atividade assim como há justificativa para a desocupação da área, um conflito de duas verdades. Ninguém está inventando nada. Ambos estão defendendo pontos de vistas válidos sobre o mesmo tema”, afirma.

Taygra lança alguns questionamentos a respeito: “O que acontece depois que surge o decreto? Está garantida a atividade salineira? Não é isso que é previsto. É a possibilidade de permanência. Isso abre a possibilidade de diálogo. Em quais situações se poderia permanecer ocupando ou não? Se o impacto econômico for aceitável? Se houver possibilidade de recuperação da área? Pode ser uma recuperação total? Parcial? Pode compensar? Há outras possibilidades? Cabe aos órgãos ambientais encontrar alternativas que analisem caso a caso, empreendimento por empreendimento, qual a solução mais adequada.

Segundo ele, o Decreto abre o diálogo para tentar conciliar a produção tradicional com a preservação ambiental. “Há alternativa viável. Eu acredito realmente nesta possibilidade. Mas tem que partir do ponto que ambos os lados reconheçam que existem verdades, justificativas para defender posições levantadas. Há possibilidade de recuperação parcial de algumas áreas, compensação ambiental com investimento na criação de Unidades de Conservação, cobrança por uso do solo e investimento em ações ambientais, trabalhar em conjunto com os pescadores das comunidades tradicionais.

“Tem empreendimento que é simples e tem empreendimento que a desocupação certamente causará a falência. Neste caso, o que se pode fazer? Quais são as alternativas?”, destaca. Segundo suas informações, em situação de APP são 27 salinas na mesma região. “As pessoas se conhecem. Só falta diálogo. Não existe solução ideal. Existe a possível. Uma solução que não seja essa briga de torcida”, finaliza.

Atividade histórica e estratégica

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Os salineiros argumentam que a atividade é responsável pela economia de diversos municípios e estratégica para o País | Foto: Cid Barbosa

O diretor executivo do Sindicato da Indústria de Moagem e Refino de Sal do Estado do Rio Grande do Norte (Simorsal), Renato Fernandes, afirma que o Rio Grande do Norte é hegemônico na produção do sal, atingindo um percentual que varia de 92% a 98% de todo o sal marinho por evaporação solar produzido no País, isso por conta dos estuários Apodi-Mossoró e Assu-Piranhas, a impermeabilidade do solo, a geomorfologia e a salinidade marinha que varia de 3,5 graus a 5 graus, ou seja de 30 a 50 gramas de cloreto de sódio por cada mil litros da água do mar. Esses fatores fazem com que tenhamos um sal com um teor de qualidade marinho a casa de 99,88%”, declara.

“Desde 2013, quando houve uma alteração no Ibama, nas salinas do Rio Grande do Norte e em particular no estuário afogado do Assu-Piranhas, criou-se uma celeuma muito grande. Houve uma operação estapafúrdia, desceram de helicóptero com metralhadoras nas salinas como se nós fôssemos bandidos e, pior ainda, como se a gente nunca tivesse formatado parcerias com o Idema, que é o órgão ambiental estadual, e com o Ibama. Para tanto existe um TAC assinado assinado com o Ministério Público, nas salinas que margeiam o Estuário do Afogado Apodi-Mossoró. Nós estamos repovoando essa região de mangue com árvores nativas”, afeirma em nome do setor.

Fernandes conta que os primeiros registros históricos das salinas do Rio Grande do Norte datam de 1605 e que comercialmente começaram a operar em 1803. “Desde 1803 que essas salinas existem aonde elas estão, ou seja, nós temos mais de 215 anos aonde estamos, num ambiente antropizado já consolidado. Não adianta deixar a região que vai recuperar a fauna e a flora da região. É um ambiente salino já consolidado. Nós explicamos isso aos órgãos ambientais, buscamos a academia. O professor Renato Medeiros, um dos grandes pesquisadores mundiais da microbiologia, mostra que não adianta mexer no que está. O pior é que fruto dessa ação do Ibama em 2013 foram gerados mais de 82 planos de multas para a indústria salineira, que se nós formos pagar vai fechar as empresas. O sal é um produto de baixo valor agregado. Apesar disso, nós estamos presentes em mais de 14 mil processos produtivos, nas mais variadas aplicações. Não é só consumo humano e animal. Tentamos argumentar mostrando isso. Quando o Ibama fez isso, nós conversamos com as nossas assessorias jurídicas, tanto das empresas quanto das entidades de classe para buscar uma alternativa”, afirma.

“Nós somos carentes de apoio da imprensa com essa impressão de que o sal só causa mal, hipertensão e problemas cardíacos. Às vezes nós somos isolados por incompreensão de uma outra forma. A solução que os nossos assessores jurídicos apresentaram foi buscar um decreto federal, assinado pelo presidente da República, reconhecendo a atividade salineira ou como de utilidade pública ou como de interesse social. Não minha ótica, nós deveríamos ter trabalhado as duas pontas. O produto sal reconhecido como de utilidade pública e a atividade salineira ser reconhecida como de interesse social. Infelizmente a assessoria da Presidência da República achou que bastava ser reconhecido como de interesse social. Essa alternativa foi buscada porque o novo Código Florestal estabelece que quando uma atividade é reconhecida como de interesse social e só pode ser exercida na região onde está. Essa cadeia produtiva pode trabalhar em Área de Proteção Ambiental ou de Preservação Permanente com contrapartidas que nós estamos dispostos a fazer”, destaca.

O representante do setor salineiro conta que, no dia 27 de setembro de 2017, levaram uma delegação com 44 membros, inclusive entidades de classe, deputados, prefeitos, empresários para uma conversa com o presidente Michel Temer e com o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho e a presidente do Ibama, Suely Araújo para mostrar a necessidade desse reconhecimento e que não havia condições ambientais de modificar a localização onde as salinas estão.

“Mostramos a cadeia produtiva, com 15 mil empregos diretos, 60 mil indiretos, R$ 1 bilhão movimentados anualmente, R$ 150 milhões de reais de impostos arrecadados no Rio Grande do Norte e principalmente um produto considerado de segurança nacional porque um país é considerado tanto mais independente quanto mais autônoma for a sua indústria química e o sal tem uma presença muito forte. Nós embarcamos R$ 1,5 milhão anualmente para os dois pólos químicos brasileiros, Camaçari, na Bahia; e Cubatão, em São Paulo. E sem contar papel social que nenhum outro material natural manufaturado tem. É através do sal que iodo chega aos mais de 210 milhões de brasileiros como vacina para combater tosses, parto prematuro, raquitismo”, ressalta.

Segundo as informações de Fernandes, só três estados brasileiros produzem sal hoje: Rio Grande do Norte (97%), Rio de Janeiro (2,2%) e Ceará (0,8%). “Conseguimos agora, no dia 4 de junho, o Decreto Nº 9.824, reconhecendo a indústria salineira como de interesse social. O grande problema é que nós somos carentes de uma segurança jurídica. O decreto vem dar a primeira segurança. Agora estamos prontos a reabrir o diálogo com o Ministério Público, o Ibama e o Idema, para as contrapartidas que forem necessárias. Para que não precisemos fazer as modificações que eles estão exigindo”, declara.

Em relação à área afetada, ele destaca: “O Ministério Público fala ‘nós só estamos mexendo com 10% da área das salinas, o que é insignificante num prazo de quatro anos’. Não é porque neste 10% aonde eles estão mexendo corresponde 60% da nossa produção”.

“Nós temos um país autossuficiente, que produz, em anos normais, 5,5 bilhões a 10 bilhões de toneladas. É 1,5 bilhão para a indústria química, 1,5 milhão para o consumo animal, 600 mil toneladas para o consumo humano, 500 mil para papel e celulose, um pouco de exportação e o estoque de reserva. É um país que tem a segurança de sua indústria química autossustentável em relação ao sal. Se nós formos mexer neste paredões em 100, 200, 300 metros, vamos praticamente depender de outros países porque vai incidir diretamente nas nossas produções. E mais do que isso. Se nós tivéssemos a certeza de que recuperaríamos fauna e flora. Mas todos os pareceres legais disseram que não adianta porque o ambiente está antropizado, consolidado, são mais de 200 anos”, argumenta.

“Agora, de posse do decreto, nós vamos argumentar com o Ministério Público e com os órgãos ambientais. Antes trabalhamos na área administrativa. Sugerimos agora uma visita às salinas. Conhecer a produção, a fauna, a flora. O Decreto está embasado e nos dá agora uma segurança jurídica para contra-argumentar. Estamos buscando esse acordo. Mas recentemente eles conseguiram uma liminar para retirada para retirada de duas salineiras.

Existem dois sindicatos, o Simorsal, do qual Fernandes é diretor-executivo, e o Sindicato Indústria de Extração (Siesal). “Nós já emitimos uma nota conjunta dizendo que isso é um desastre para a indústria salineira. O que eles não percebem é que isso é um dano ao Brasil, que vai deixar de ser autossuficiente para ser dependente de outro país, o Chile, que já tinha vantagem por estar no Mercosul e manda sal para o nosso mercado. Já perdemos 500 toneladas de mercado. Estamos esperando que haja um bom senso. Já iniciamos um diálogo com o Idema”, encerra.

Em qual região está o maior produtor brasileiro de sal marinho?

As salinas estão localizadas nos municípios de Macau e Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte, onde está concentrada 95% da produção de sal marinho do Brasil.

Qual o estado do Nordeste que produz 95% do sal marinho consumido no Brasil?

Extrativismo vegetal e mineral O Rio Grande do Norte produz 95% do sal marinho consumido no Brasil.

Quais são os dois estados do nordeste que são grandes produtores de sal marinho?

Os principais estados produtores de sal marinho do Brasil são Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Mas, no nordeste, destacam-se também o Ceará e o Piauí.

Quais estados produzem sal marinho?

Segundo as informações de Fernandes, só três estados brasileiros produzem sal hoje: Rio Grande do Norte (97%), Rio de Janeiro (2,2%) e Ceará (0,8%).